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Hipertensão arterial sistêmica e microalbuminúria

Resumos

OBJETIVO: Identificar a prevalência de microalbuminúria e de lesões em órgãos-alvo e sua associação, em uma população de hipertensos em tratamento. MÉTODOS: Estudo observacional, descritivo e transversal, realizado no período de abril a agosto de 2006, com 153 pacientes hipertensos em tratamento, atendidos no Ambulatório de Clínica Médica e de Cardiologia de um Hospital Universitário na Região Sul do Brasil. RESULTADOS: A prevalência de microalbuminúria foi de 13,7% (21/153), sendo os grupos com e sem microalbuminúria semelhantes quanto às características demográficas e clínicas. A prevalência de lesões em órgãos-alvo foi de 48,4%, com predomínio de lesões cardíacas. As lesões em órgãos-alvo foram mais freqüentes no grupo com microalbuminúria [76,2% (16/21) versus 43,9% (58/132)], com diferença estatisticamente significante (p=0,006). Isso também foi observado nas lesões cardíacas, tanto na população total (p=0,003) quanto no grupo geriátrico (p=0,006). CONCLUSÃO: A prevalência de microalbuminúria na população estudada é de 13,7% e a de lesões em órgãos-alvo é de 48,4%, havendo associação estatisticamente significante. A microalbuminúria também está associada a lesões cardíacas, inclusive na população geriátrica.

Albuminúria; hipertensão; órgãos-alvo; fatores de risco


OBJECTIVE: To identify the prevalence of microalbuminuria and target organ lesions and their association in a hypertensive population undergoing treatment. METHODS: This observational, descriptive and cross-sectional study was conducted between April and August 2006, and included 153 hypertensive patients undergoing treatment at the Internal Medicine and Cardiology Outpatient Clinics at a University Hospital in the Southern Region of Brazil. RESULTS: The prevalence of microalbuminuria was 13.7% (21/153). The clinical and demographic characteristics of groups with and without microalbuminuria were similar. The prevalence of target organ lesions was 48.4%, of which most were cardiac lesions. Target organ lesions were found more often in the microalbuminuria group [76.2% (16/21) versus 43.9% (58/132)] with a significant statistical difference (p=0.006). This was also observed in the cardiac lesions, for both the total population (p=0.003) and the geriatric group (p=0.006). CONCLUSION: The prevalence of microalbuminuria in the study population was 13.7% and that of target organ lesions was 48.4%; a statistically significant association was found. Microalbuminuria is also associated with cardiac lesions, including in the geriatric population.

Hypertension; albuminuria; target organs; risk factors


ARTIGO ORIGINAL

Hipertensão arterial sistêmica e microalbuminúria

Ana Maria Nunes de Faria Stamm; Gisele Meinerz; Jacqueline Consuelo da Silva

Hospital Universitário Prof. Dr. Polydoro Ernani São Thiago - Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis, SC - Brasil

Correspondência Correspondência: Ana Maria Nunes de Faria Stamm Rua: Germano Wendhausen, 32/101 - Edifício Domus - Centro 88015-460 - Florianópolis, SC - Brasil E-mail: stamm@ativanet.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar a prevalência de microalbuminúria e de lesões em órgãos-alvo e sua associação, em uma população de hipertensos em tratamento.

MÉTODOS: Estudo observacional, descritivo e transversal, realizado no período de abril a agosto de 2006, com 153 pacientes hipertensos em tratamento, atendidos no Ambulatório de Clínica Médica e de Cardiologia de um Hospital Universitário na Região Sul do Brasil.

RESULTADOS: A prevalência de microalbuminúria foi de 13,7% (21/153), sendo os grupos com e sem microalbuminúria semelhantes quanto às características demográficas e clínicas. A prevalência de lesões em órgãos-alvo foi de 48,4%, com predomínio de lesões cardíacas. As lesões em órgãos-alvo foram mais freqüentes no grupo com microalbuminúria [76,2% (16/21) versus 43,9% (58/132)], com diferença estatisticamente significante (p=0,006). Isso também foi observado nas lesões cardíacas, tanto na população total (p=0,003) quanto no grupo geriátrico (p=0,006).

CONCLUSÃO: A prevalência de microalbuminúria na população estudada é de 13,7% e a de lesões em órgãos-alvo é de 48,4%, havendo associação estatisticamente significante. A microalbuminúria também está associada a lesões cardíacas, inclusive na população geriátrica.

Palavras-chave: Albuminúria, hipertensão, órgãos-alvo, fatores de risco.

Introdução

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é hoje definida como uma pressão arterial sistólica (PAS) igual ou superior a 140 mmHg, e/ou uma pressão arterial diastólica (PAD) igual ou superior a 90 mmHg em adultos a partir de 18 anos1-4. Ao longo do tempo sua classificação foi modificando-se, à medida que novos estudos avaliaram a evolução dos pacientes de acordo com os níveis tensionais.

Grande importância vem sendo conferida à microalbuminúria como um marcador prognóstico de risco cardiovascular e/ou renal nos pacientes diabéticos5,6, nos hipertensos6-10 e na população em geral11-13. Estudos demonstram que a associação de microalbuminúria com eventos cardiovasculares e lesão renal ocorre de forma contínua, ou seja, quanto maior a excreção urinária de albumina, maior o risco de desenvolver essas condições14.

A microalbuminúria é definida como uma elevação na excreção urinária de albumina, que ultrapassa o considerado normal sem atingir os níveis mínimos detectáveis pelos métodos laboratoriais de rotina, ou seja, uma excreção de albumina entre 30 e 300 miligramas em 24 horas5,15-17. Esses pontos de corte foram definidos a partir de estudos que mostraram a curva de risco para desenvolver nefropatia em pacientes diabéticos18, e vêm sendo questionados por alguns autores12,19-21.

O mecanismo pelo qual ocorre o aumento da excreção urinária de albumina não está bem definido e as razões pelas quais essa excreção está associada ao aumento de risco cardiovascular ainda não foram estabelecidas. A explicação que prevalece é a de que a microalbuminúria representa uma disfunção generalizada do endotélio vascular com aumento da sua permeabilidade, permitindo o vazamento de albumina através da membrana glomerular17,18,22.

Embora existam divergências entre os estudos, em geral a prevalência de microalbuminúria varia entre 20% e 30% em pacientes hipertensos não-tratados, e chega a até 25% em pacientes que recebem tratamento anti-hipertensivo7,8,10,23.

Em razão da importância dos fatores de risco na avaliação dos pacientes com HAS e do valor prognóstico atribuído à microalbuminúria, o presente estudo visa identificar a prevalência de microalbuminúria e a associação entre esse marcador de risco e as lesões em órgãos-alvo, em uma população de hipertensos em tratamento anti-hipertensivo.

Método

Estudo observacional, descritivo e transversal, conduzido no Ambulatório de Clínica Médica do Serviço de Medicina Interna e no Ambulatório de Cardiologia de um Hospital Universitário na Região Sul do Brasil, no período de abril a agosto de 2006.

Os pacientes foram convidados para entrevista a partir do comparecimento à consulta previamente agendada nos referidos ambulatórios e após a revisão de seus prontuários, o que permitiu selecionar apenas os portadores de HAS sem diagnóstico de diabete melito. Dessa forma, dos 201 pacientes que concordaram em participar da pesquisa, 153 preencheram os critérios de inclusão, constituindo a amostra final.

Foram incluídos no estudo os pacientes portadores de HAS essencial, em tratamento anti-hipertensivo, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, que concordaram em participar do estudo e forneceram uma amostra isolada da primeira urina da manhã. Foram excluídos os pacientes com evidência clínica e/ou laboratorial de HAS secundária, os com diagnóstico de diabete melito e os portadores de doença renal crônica. Também foram excluídos os pacientes que apresentavam exame parcial de urina com sinais de infecção do trato urinário ou com proteinúria.

Foram avaliadas as seguintes variáveis: idade, sexo, raça, índice de massa corporal (IMC), tabagismo, sedentarismo, presença de lesões em órgãos-alvo e de doença cardiovascular, perfil lipídico, níveis pressóricos, duração da HAS, presença de microalbuminúria. A partir da idade, os pacientes foram divididos em geriátricos (com idade igual ou superior a 60 anos) e não-geriátricos (idade inferior a 60 anos).

Foi considerada microalbuminúria a razão entre a concentração de albumina e de creatinina urinárias dentro do intervalo de 30 a 300 miligramas de albumina por grama de creatinina. A pesquisa de albuminúria foi realizada pela técnica de nefelometria (Behring Nefelometro 100, Dade Behring®), e a creatinina urinária foi mensurada pela técnica de Jaffé. Após as devidas conversões de unidade, foi obtida a razão albumina/creatinina, exceto quando a concentração de albumina urinária foi inferior a 12 mg/l (limite inferior de detecção pelo equipamento).

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Os dados foram analisados por meio do programa Epi Info® v.6.04. O teste de qui-quadrado (c2) foi utilizado para comparar as prevalências das variáveis entre os grupos, com um intervalo de confiança de 95% (p<0,05). A análise de variância com estatística F foi utilizada para comparar as médias entre os grupos, com o mesmo intervalo de confiança.

Resultados

No período de abril a agosto de 2006 foram entrevistados 201 pacientes do Ambulatório de Clínica Médica do Serviço de Medicina Interna e do Ambulatório de Cardiologia de um Hospital Universitário, dentre os quais 153 preenchiam os critérios de inclusão. Desses, 21 apresentaram microalbuminúria (13,7%).

Os grupos com normoalbuminúria e com microalbuminúria foram semelhantes, com predomínio do sexo feminino [91/132 (68,9%) versus 12/21 (57,1%)] e da cor branca [116/132 (87,8%) versus 18/21 (85,7%)], e com idade média de 60,7±13 anos para os normoalbuminúricos e de 63,9±12,7 anos para os microalbuminúricos (tab. 1).

Em relação às características clínicas, o tabagismo [29,5% (39/132) versus 28,6% (6/21)], o sedentarismo [59,1% (78/132) versus 47,6% (10/21)] e a obesidade [31,8% (42/132) versus 23,8% (5/21)] foram mais prevalentes no grupo normoalbuminúrico, enquanto a dislipidemia foi mais prevalente no grupo com microalbuminúria [52,4% (11/21) versus 34,8% (46/132)] (tab. 2). Dentre os lípides, houve diferença estatisticamente significante somente em relação ao HDL-colesterol (46,0±12,9 mg/dl nos normoalbuminúricos versus 39,7±10,2 mg/dl nos microalbuminúricos; p=0,03).

Os dois grupos foram semelhantes quanto à PAS (143,3±18,3 mmHg versus 142,5±21,5 mmHg), à PAD (88,0±12,0 mmHg versus 86,2±10,7 mmHg) e à duração da HAS (116,3±104,4 meses versus 114,9±139,6 meses) (tab. 2).

A prevalência de pelo menos uma lesão em órgão-alvo foi de 48,4% (74/153) na população geral, sendo maior no grupo com microalbuminúria [76,2% (16/21) versus 43,9% (58/132) nos normoalbuminúricos], com significância estatística (p=0,006) (tab. 3).

As lesões mais freqüentes nos pacientes estudados foram as cardíacas [41,8% (64/153)], particularmente a angina e/ou infarto agudo do miocárdio (IAM) [41/153 (26,8%)] e a hipertrofia ventricular esquerda (HVE) [21/153 (13,7%)], seguidas por insuficiência cardíaca congestiva (ICC) [17/153 (11,1%)]. Acidente vascular encefálico (AVE) ou ataque isquêmico transitório (AIT) [10/153 (6,5%)], doença arterial periférica [10/153 (6,5%)] e retinopatia hipertensiva [2/153 (1,3%)] foram menos prevalentes (tab. 3).

As lesões cardíacas apresentaram associação estatisticamente significante com a microalbuminúria (p=0,003), estando presentes em 71,4% (15/21) destes pacientes, enquanto apenas 37,1% (49/132) dos normoalbuminúricos apresentaram este tipo de lesão (tab. 3).

Metade da população estudada foi constituída pelo grupo geriátrico [51% (78/153)] e a outra metade pelo não-geriátrico [49% (75/153)], sendo a prevalência de microalbuminúria semelhante entre os grupos [15,4% (12/78) versus 12,0% (9/75)] (tab. 4).

Houve uma associação estatisticamente significante (p=0,006) entre a presença de microalbuminúria e de lesões cardíacas no grupo geriátrico, e essa não ocorreu no grupo não-geriátrico (tab. 5). Aplicando-se a análise de regressão logística, observamos que a microalbuminúria é o fator com maior associação com lesão cardíaca (p=0,005), e não a idade (tab. 6).

Discussão

A hipertensão arterial sistêmica e suas complicações são responsáveis por grande parte das internações hospitalares no Brasil, representando um custo socioeconômico muito elevado. No ano de 2003, as doenças cardiovasculares foram responsáveis por 27,4% dos óbitos ocorridos no país, existindo uma relação direta entre a mortalidade cardiovascular e os níveis de pressão arterial2.

Considerando-se que aproximadamente 20% a 40% da população brasileira têm níveis pressóricos iguais ou superiores a 140 x 90 mmHg1,2, entende-se a importância dessa entidade e a necessidade de se estudar os fatores a ela relacionados.

A microalbuminúria foi inicialmente definida como um valor de excreção urinária de albumina que estaria relacionado a um maior risco de desenvolver nefropatia em pacientes diabéticos18. Os estudos realizados posteriormente demonstraram que a microalbuminúria também está associada a um pior desfecho cardiovascular, mesmo na população geral18,24; embora o mecanismo ainda não tenha sido elucidado, acredita-se que seja a manifestação renal de uma desordem generalizada do endotélio vascular, com alteração de sua permeabilidade17,18,22.

Estabelecida a relação entre microalbuminúria e pior prognóstico cardiovascular, diversos autores tentaram demonstrar quais seriam as variáveis associadas a ela, para então definir um perfil de pacientes de maior risco e as possíveis estratégias para impedir ou diminuir a progressão para doença renal e eventos cardiovasculares.

Primeiramente, devemos lembrar que existem variações individuais na excreção urinária de albumina durante o dia e em dias diferentes. Assim, o diagnóstico de microalbuminúria só deve ser estabelecido quando duas de três amostras da primeira urina da manhã apresentam uma relação albumina/creatinina alterada16,24,25.

Dentre os fatores que podem aumentar transitoriamente a excreção urinária de albumina temos exercício físico extenuante, infecção do trato urinário, insuficiência cardíaca descompensada, doenças febris agudas e fluxo vaginal24-26. A gestação que cursa com elevação da pressão arterial ou com diabete gestacional também apresenta aumentos expressivos na albuminúria26. Esses fatores devem ser considerados na avaliação do resultado do exame.

Alguns estudos demonstraram a associação entre microalbuminúria e sexo, raça, idade, níveis pressóricos, frações do colesterol, tabagismo e IMC19,27, mas a maioria dos trabalhos não exibe concordância quanto às variáveis estudadas.

Exemplificando, Agrawal e cols.8 demonstraram associação com idade, sexo masculino, duração da HAS, tempo de tratamento e níveis pressóricos, enquanto Nakamura e cols.10, Clausen e cols.11 e Redon e cols.28 não observaram essa relação.

Outros três estudos com pacientes hipertensos sem tratamento anti-hipertensivo também apresentaram resultados divergentes. No de Palatini e cols.29 não foi observada relação com tabagismo, atividade física, IMC, idade, história familiar prematura de doença cardiovascular ou duração de HAS, enquanto no de Leoncini e cols.30 houve associação com idade, IMC, tabagismo, HDL-colesterol, triglicerídeos e níveis pressóricos. No de Pontremoli e cols.31 houve relação com sexo masculino, PAS, PAD, HDL-colesterol e IMC, mas não com história familiar prematura de doença cardiovascular, tabagismo ou sedentarismo.

No presente estudo, os grupos com e sem microalbuminúria foram semelhantes, apresentando diferença estatisticamente significante somente quanto aos níveis de HDL-colesterol, e os pacientes microalbuminúricos apresentaram com maior freqüência valores inferiores a 40 mg/dl.

Outro ponto em que se observa grande variabilidade de resultados é na prevalência da microalbuminúria. Na população hipertensa não-tratada considera-se que a prevalência seja de 20% a 30%, e nos hipertensos em tratamento de até 25%22,23, embora alguns autores aceitem valores entre 7% e 40%15,25. Essa variação pode ser explicada por diferenças nos métodos de mensuração da albumina urinária, por erros na coleta de urina (quando realizada por período de tempo), ou por variações na faixa etária, etnia ou comorbidades nos grupos estudados18.

Em estudos transversais, Jensen e cols.32 encontraram prevalência de 4,7% em hipertensos em tratamento, enquanto Palatini e cols.29, Pontremoli e cols.31 e Leoncini e cols.30 encontraram, respectivamente, 6,1%, 6,7% e 9% em hipertensos não-tratados.

Em contrapartida, Agewall e cols.7 observaram microalbuminúria em 25% dos seus pacientes recebendo tratamento anti-hipertensivo, e Agrawal e cols.8, uma prevalência próxima a 30%, em um estudo envolvendo hipertensos tratados ou não. Em um estudo prospectivo, Redon e cols.28 acompanharam um grupo de hipertensos por aproximadamente 2,7 anos e observaram a progressão para microalbuminúria em 11,7% (22/187).

No nosso trabalho, a prevalência de microalbuminúria foi de 13,7%, um resultado dentro da faixa esperada para o tipo de população estudada.

Diversos estudos têm demonstrado uma associação positiva e independente entre a microalbuminúria e a doença cardiovascular, tanto em pacientes hipertensos7,8 quanto na população geral12,13.

Em 1997, Jensen e cols.32 publicaram trabalho demonstrando que a excreção urinária de albumina (e não a presença de microalbuminúria) estava relacionada à doença cardiovascular, e que os níveis de pressão arterial mais elevados foram encontrados nos pacientes com maior excreção urinária de albumina. Em 2000, os mesmos autores9 publicaram um estudo em que acompanharam pacientes hipertensos por 10 anos, e observaram desenvolvimento de doença coronariana isquêmica em 28% dos pacientes que tinham microalbuminúria no início do estudo, enquanto essa taxa era de apenas 8% nos normoalbuminúricos.

No presente estudo, as lesões em órgãos-alvo tiveram associação estatisticamente significante com a microalbuminúria (p=0,006), sendo encontradas em aproximadamente 3/4 dos pacientes desse grupo (76,2% versus 43,9% no grupo normoalbuminúrico). As lesões cardíacas foram as mais prevalentes e mantiveram associação significante com a microalbuminúria (p=0,003), com uma freqüência de 71,4% nos pacientes desse grupo.

Nakamura e cols.10 acompanharam pacientes hipertensos com idade superior a 65 anos durante oito anos, sendo 111 pacientes normoalbuminúricos e 33 com microalbuminúria. A incidência de doença cardiovascular no grupo com microalbuminúria foi superior (18% versus 7%), e os valores da excreção urinária de albumina tiveram relação com a incidência de doença cardiovascular.

No grupo dos microalbuminúricos geriátricos, a maioria (83,3%) apresentou algum tipo de lesão cardíaca; nos indivíduos com idade inferior a 60 anos, a análise bivariada não evidenciou associação entre microalbuminúria e lesão cardíaca, mas a análise de regressão logística demonstrou que a variável que corroborou a existência de lesão cardíaca foi a microalbuminúria e não a faixa etária.

Por ser um estudo transversal, não podemos estabelecer uma relação causal entre microalbuminúria e lesões em órgãos-alvo ou, mais especificamente, lesões cardíacas, mas se pode inferir uma associação entre essas duas condições, o que também indicam as diversas pesquisas sobre o tema.

Outro ponto a ser considerado é a amostra, que por ser de conveniência impede que os resultados sejam extrapolados para a população geral, mas permite inferir que esses estão em consonância com a literatura médica na área.

Os resultados do presente estudo somam-se aos encontrados em outras pesquisas e poderão motivar o surgimento de novos trabalhos que nos permitam conhecer melhor a associação entre microalbuminúria e hipertensão arterial sistêmica.

A microalbuminúria apresenta-se como uma importante ferramenta auxiliar na avaliação do paciente hipertenso, devendo ser mais estudada e explorada na prática médica. Não é causa de doença cardiovascular, mas a sua presença ajuda a identificar indivíduos com maior risco de desenvolvê-la, o que implica que devam ser acompanhados com mais atenção e receber tratamento agressivo para os outros fatores de risco concomitantes25.

Conclusão

Na população de hipertensos em tratamento atendida no Ambulatório de Clínica Médica do Serviço de Medicina Interna e no Ambulatório de Cardiologia de um Hospital Universitário na Região Sul do Brasil, no período de abril a agosto de 2006, podemos concluir em relação aos objetivos propostos:

1. A prevalência de microalbuminúria é de 13,7% e a de lesões em órgãos-alvo é de 48,4%;

2. Existe associação estatisticamente significante entre microalbuminúria e lesões em órgãos-alvo. Essa associação se mantém em relação às lesões cardíacas em toda a população estudada, bem como no grupo geriátrico.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 20/03/07; revisado recebido em 25/05/07; aceito em 14/06/07.

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  • Correspondência:
    Ana Maria Nunes de Faria Stamm
    Rua: Germano Wendhausen, 32/101 - Edifício Domus - Centro
    88015-460 - Florianópolis, SC - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Jun 2007
    • Revisado
      25 Maio 2007
    • Recebido
      20 Mar 2007
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