Acessibilidade / Reportar erro

Perfil clínico da resposta inflamatória sistêmica após cirurgia cardíaca pediátrica com circulação extracorpórea

Resumos

FUNDAMENTO: O pós-operatório de correção de cardiopatias congênitas frequentemente é acompanhado por resposta inflamatória sistêmica. OBJETIVO: Avaliar a frequência e as manifestações clínicas da síndrome de resposta inflamatória sistêmica após circulação extracorpórea (SRIS-CEC) em crianças submetidas à cirurgia cardíaca. MÉTODOS: Coorte histórico incluindo pacientes com até 3 anos de idade, submetidos à correção cirúrgica eletiva de cardiopatias congênitas com utilização de circulação extracorpórea (CEC). Foram analisados 101 pacientes por meio de critérios clínicos de disfunção de órgãos sob forma de escore, comparando-se fatores predisponentes e morbidade agregada à presença de SRIS-CEC. RESULTADOS: Foram identificados 22 pacientes (21,9%) que preencheram os critérios estabelecidos para SRIS-CEC. O sexo ou tipo de cardiopatia não diferiu entre os grupos (p =NS). Pacientes com SRIS-CEC (comparados aos pacientes sem SRIS-CEC) apresentavam idade média menor (6,8 ± 5,5 vs. 10,8 ± 5,1 meses, p < 0,05), menor peso (5,3 ± 1,9 vs. 6,9 ± 2,0 quilogramas, p < 0,05), maior tempo CEC (125,1 ± 49,5 vs. 93,9 ± 33,1 minutos, p < 0,05). Observou-se respectivamente maior tempo em mediana de ventilação mecânica (120,0 vs. 13,0 horas, p < 0,05), maior tempo de internação em unidade de cuidados intensivos (UCI) (265,0 vs. 107,0 horas, p < 0,05) e internação hospitalar (22,0 vs. 10,0 dias, p < 0,05). Em análise multivariada, maior peso (OR = 0,68, p = 0,01) foi identificado como fator de proteção. CONCLUSÃO: Os critérios clínicos adotados identificaram um grupo de risco para SRIS-CEC. Esse grupo tem como fatores predisponentes: menor peso e maior tempo de CEC. Pacientes com SRIS-CEC permanecem maior tempo em ventilação mecânica, internados em unidade de cuidados intensivos e em hospital.

Síndrome de resposta inflamatória sistêmica; cirurgia cardíaca; circulação extracorpórea


BACKGROUND: the postoperative period of congenital cardiomyopathies correction is frequently accompanied by systemic inflammatory response. OBJECTIVE: To assess the frequency of occurrence and clinical manifestations of the systemic inflammatory response syndrome after cardiopulmonary bypass (SIRS-CPB) in children submitted to cardiac surgery. METHODS: Historical cohort study including patients up to 3 years old that were submitted to elective corrective surgeries for congenital cardiopathies with cardiopulmonary bypass (CPB). A total of 101 patients were assessed by means of clinical criteria of organ dysfunction through score tests, as comparing predisponent factors and aggregated morbidity to the presence of SIRS-CPB. RESULTS: Twenty-two patients (21.9%) fulfilled the criteria for SIRS-CPB. The sex or type of cardiopathy did not differ between groups (p = NS). Patients diagnosed with SIRS-CPB (compared to patients without SIRS-CPB) presented lower mean age (6.8 ± 5.5 versus 10.8 ± 5.1 months, p < 0.05), lower weight (5.3 ± 1.9 versus 6.9 ± 2.0 kg, p < 0.05), and longer CPB duration (125.1 ± 49.5 versus 93.9 ± 33.1 minutes, p < 0.05). Longer median duration of mechanical ventilation (120.0 versus 13.0 hours, p < 0.05), longer stay in Intensive Care Unit (ICU) (265.0 versus 107.0 hours, p < 0.05) and in hospital (22.0 versus 10.0 days, p < 0.05) were observed. In the multivariate analysis, higher weight (OR = 0.68, p = 0.01) was identified as a protection factor. CONCLUSION: The adopted clinical criteria identified a risk group for SIRS-CPB, which presented lower weight and longer CPB duration as predisponent factors. Patients with SIRS-CPB remain in mechanical ventilation, in ICU and in hospitalization for a longer period of time.

Systemic inflammatory response syndrome; thoracic surgery; cardiopulmonary bypass


FUNDAMENTO: El postoperatorio de corrección de cardiopatías congénitas está acompañado frecuentemente por una respuesta inflamatoria sistémica. OBJETIVO: Evaluar la frecuencia y las manifestaciones clínicas del síndrome de respuesta inflamatoria sistémica tras la circulación extracorpórea (SRIS-CEC) en niños sometidos a una cirugía cardiaca. MÉTODOS: Cohorte histórica de pacientes con hasta 3 años de edad, sometidos a la corrección quirúrgica electiva de cardiopatías congénitas con utilización de circulación extracorpórea (CEC). Fueron analizados 101 pacientes mediante criterios clínicos de disfunción de órganos bajo forma de escore, comparando factores predisponentes y morbilidad agregada a la presencia de SRIS-CEC. RESULTADOS: Fueron identificados 22 pacientes (21,9%) que cumplieron los criterios establecidos para el SRIS-CEC. El sexo o tipo de cardiopatía no difirió entre los grupos (p =NS). Pacientes con SRIS-CEC (comparados a los pacientes sin SRIS-CEC) presentaban un menor promedio de edad (6,8 ± 5,5 vs 10,8 ± 5,1 meses, p < 0,05), menor peso (5,3 ± 1,9 vs 6,9 ± 2,0 kilogramos, p < 0,05), mayor tiempo de CEC (125,1 ± 49,5 vs 93,9 ± 33,1 minutos, p < 0,05). Se observó respectivamente mayor tiempo promedio de ventilación mecánica (120,0 vs 13,0 horas, p < 0,05), mayor tiempo de internación en unidad de cuidados intensivos (UCI) (265,0 vs 107,0 horas, p < 0,05) e internación hospitalaria (22,0 vs 10,0 días, p < 0,05). En el análisis multivariado, el mayor peso (OR = 0,68, p = 0,01) fue identificado como factor de protección. CONCLUSIÓN: Los criterios clínicos adoptados identificaron un grupo de riesgo para SRIS-CEC. Ese grupo tiene como factores predisponentes: menor peso y mayor tiempo de CEC. Pacientes con SRIS-CEC permanecen mayor tiempo en ventilación mecánica, internados en unidad de cuidados intensivos y en hospital.

Síndrome de respuesta inflamatoria sistémica; cirugía cardiaca; circulación extracorpórea


ARTIGO ORIGINAL

TERAPIA INTENSIVA CARDIOLÓGICA

Perfil clínico da resposta inflamatória sistêmica após cirurgia cardíaca pediátrica com circulação extracorpórea

Leonardo Cavadas da Costa SoaresI, II; Denise RibasI; Regine SpringI; Jean Marcelo Ferreira da SilvaI; Nelson Itiro MiyagueI, II

IHospital Infantil Pequeno Príncipe PR - Brasil

IIUniversidade Federal do Paraná Curitiba, PR - Brasil

Correspondência Correspondência: Leonardo Cavadas da Costa Soares Rua Desembargador Motta, 1070 80250-060 - Curitiba, PR - Brasil E-mail: leo.cavadas@ yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O pós-operatório de correção de cardiopatias congênitas frequentemente é acompanhado por resposta inflamatória sistêmica.

OBJETIVO: Avaliar a frequência e as manifestações clínicas da síndrome de resposta inflamatória sistêmica após circulação extracorpórea (SRIS-CEC) em crianças submetidas à cirurgia cardíaca.

MÉTODOS: Coorte histórico incluindo pacientes com até 3 anos de idade, submetidos à correção cirúrgica eletiva de cardiopatias congênitas com utilização de circulação extracorpórea (CEC). Foram analisados 101 pacientes por meio de critérios clínicos de disfunção de órgãos sob forma de escore, comparando-se fatores predisponentes e morbidade agregada à presença de SRIS-CEC.

RESULTADOS: Foram identificados 22 pacientes (21,9%) que preencheram os critérios estabelecidos para SRIS-CEC. O sexo ou tipo de cardiopatia não diferiu entre os grupos (p =NS). Pacientes com SRIS-CEC (comparados aos pacientes sem SRIS-CEC) apresentavam idade média menor (6,8 ± 5,5 vs. 10,8 ± 5,1 meses, p < 0,05), menor peso (5,3 ± 1,9 vs. 6,9 ± 2,0 quilogramas, p < 0,05), maior tempo CEC (125,1 ± 49,5 vs. 93,9 ± 33,1 minutos, p < 0,05). Observou-se respectivamente maior tempo em mediana de ventilação mecânica (120,0 vs. 13,0 horas, p < 0,05), maior tempo de internação em unidade de cuidados intensivos (UCI) (265,0 vs. 107,0 horas, p < 0,05) e internação hospitalar (22,0 vs. 10,0 dias, p < 0,05). Em análise multivariada, maior peso (OR = 0,68, p = 0,01) foi identificado como fator de proteção.

CONCLUSÃO: Os critérios clínicos adotados identificaram um grupo de risco para SRIS-CEC. Esse grupo tem como fatores predisponentes: menor peso e maior tempo de CEC. Pacientes com SRIS-CEC permanecem maior tempo em ventilação mecânica, internados em unidade de cuidados intensivos e em hospital.

Palavras-chave: Síndrome de resposta inflamatória sistêmica, cirurgia cardíaca, circulação extracorpórea.

Introdução

Após a introdução da CEC como ferramenta de sustentação à cirurgia cardíaca, foi possível ampliar os benefícios aos pacientes com cardiopatias congênitas e adquiridas, sendo possível modificar seu curso natural com significativo aumento de sobrevida1.

A CEC é uma modalidade de circulação controlada, indispensável à maioria das cirurgias cardíacas corretivas, e é capaz de, juntamente com a injúria tissular decorrente de incisão cirúrgica, deflagrar uma onda de ativação inflamatória por meio de ativação celular e liberação de mediadores inflamatórios2-4. Nesse cenário, há estimulação de leucócitos, monócitos, macrófagos, basófilos, células endoteliais, miócitos e hepatócitos. Há aumento em circulação de frações do complemento (principalmente C3a, C4a e C5a)5,6, citocinas (principalmente fator de necrose tumoral alfa, interleucinas das classes 1, 6, 8 e 10)7-9, histamina10 e moléculas de adesão11.

A cascata inflamatória é então amplificada, podendo associar-se às manifestações clínicas com a ocorrência de febre12,13, disfunção miocárdica (por injúria mecânica, isquêmica e imunológica)14,15 e/ou vasoplegia16,17, observando-se hipotensão; sinais de baixo débito com hipoperfusão e hipóxia tissular; insuficiência renal aguda18,19; lesão pulmonar aguda20, síndrome de angústia respiratória aguda21; discrasias sanguíneas22, sintomas neurológicos23,24 e retenção hídrica com ganho de peso por lesão endotelial25. Quando presentes, essas manifestações podem fazer com que o tempo de internação na unidade de cuidados intensivos (UCI) e internação hospitalar sejam prolongados por conta de morbidade agregada. Em casos extremos, pode-se observar síndrome de falência de múltiplos órgãos, ou até quadros raros e graves com síndrome semelhante ao choque séptico.

Os critérios diagnósticos da SRIS-CEC ainda carecem de consenso e os estudos baseiam-se em variáveis isoladas ou critérios clínicos não uniformes. A frequência das manifestações clínicas de SRIS-CEC varia entre 22% e 27,5%, ainda que tenha sido avaliada por diferentes métodos5,6.

O presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a ocorrência de manifestações clínicas de SRIS-CEC em pacientes pediátricos, submetidos à cirurgia cardíaca para correção de cardiopatias congênitas com emprego de circulação extracorpórea, correlacionando-a com desfecho clínico. Para isso, propôs-se o estudo de variáveis clínicas que pudessem refletir a disfunção de órgãos e subsistemas no período pós-operatório precoce e que, agrupadas, pudessem representar a SRIS-CEC, tornando-se aplicável ao reconhecimento clínico.

Métodos

Trata-se de um estudo de coorte histórico realizado a partir da revisão de prontuários de crianças submetidas à correção cirúrgica por cardiopatias congênitas atendidas na Unidade de Cuidados Intensivos Cardiológicos do Hospital Infantil Pequeno Príncipe, durante o ano de 2003 (de primeiro de janeiro a 31 de dezembro). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e do Hospital Infantil Pequeno Príncipe.

Dentre esses pacientes, foram selecionados os que possuíam até 3 anos (141 pacientes). Justifica-se a seleção de crianças mais jovens pelo fato de a SRIS-CEC ser mais frequente na população infantil quando comparada à população adulta5.

Excluíram-se 40 pacientes de acordo com os seguintes critérios: (a) ventilação mecânica por mais de 48 horas antes da cirurgia; (b) infecção pré-operatória; (c) óbito durante o ato cirúrgico ou nas primeiras 48 horas de pós-operatório; (d) infecção pós-operatória precoce, nos primeiros cinco dias; e (e) prontuário com dados incompletos. Os critérios de exclusão tiveram como objetivo eliminar outras causas conhecidas de deflagração do processo inflamatório, especialmente a ventilação mecânica prolongada e os processos infecciosos.

Após exclusão definida pelos critérios acima citados, foram analisados dados de 101 pacientes.

Na amostra total, a idade média foi de 9,9 + 5,4 meses, sendo o peso médio de 6,6 + 2,1 kg. A distribuição por sexo foi homogênea, com 50% para cada.

O tempo médio de CEC foi de 100,7 + 39,2 minutos, e de clampeamento aórtico foi de 68,2 + 27,6 minutos. A mediana de tempo de internação na unidade de terapia intensiva foi de 133,0 horas (variando de 33 a 1.162 horas) e de internação hospitalar foi de 12,0 dias (variando de 5 a 63 dias). O tempo de ventilação mecânica teve como mediana 18,0 horas (variando de 0 a 756 horas).

Critérios clínicos para SRIS-CEC

Foram analisadas variáveis clínicas associadas à SRIS-CEC nos primeiros cinco dias de pós-operatório, que corresponde ao período de intensa atividade inflamatória: (a) febre (quando maior ou igual a 38 graus Celsius); (b) disfunção hemodinâmica (escore inotrópico-26); (c) disfunção pulmonar (relação PaO2/FiO2 menor que 300); (d) disfunção renal (aumento de creatinina acima de 20%); (e) disfunção endotelial clínica; e (f) disfunção endotelial radiológica.

A disfunção endotelial foi estudada em dois aspectos: clínico e radiológico. Em relação ao aspecto clínico, foi medido o volume de líquido coletado por drenos posicionados durante o ato cirúrgico. Considerou-se como grupo alterado aquele que possuía drenagem acima de terceiro quartil em relação à amostra total. Na análise do aspecto radiológico, foram feitas medidas de espessura de interstício por meio do uso de índice radiológico7 em período pré-operatório e em dois momentos de pós-operatório: chegada do paciente em UCI e após 48 horas. Foi considerado o aumento de pelo menos 50% em espessura intersticial como alteração significativa (Figura 1).


De acordo com o número de variáveis alteradas (atribuindo-se um ponto para cada), foi possível dividir a amostra em dois grupos. No grupo I, foram agrupados os pacientes que apresentavam três ou mais pontos, sendo considerada a presença de SI-CEC. O grupo II foi formado por pacientes que não apresentaram SI-CEC, possuindo até dois pontos.

Análise de fatores predisponentes

Foi avaliada a associação com o tipo de cardiopatia (agrupadas em acianóticas ou cianóticas), idade, peso, tempo de CEC e tempo de oclusão aórtica.

Análise de Desfecho Hospitalar

Estudou-se o desfecho hospitalar comparando-se os grupos quanto ao tempo de ventilação, tempo de internação em UCI, tempo total de hospitalização e óbito.

Análise estatística

As variáveis estão descritas sob a forma de proporções (quando categóricas), média e desvio padrão (quando contínuas e com distribuição normal) ou média e intervalo interquartil (quando contínuas e assimétricas).

Os fatores predisponentes para SRIS-CEC foram comparados por meio do teste qui-quadrado (X²) de Pearson e teste T de student. Para as variáveis categóricas, adicionalmente foram calculados os riscos relativos com respectivos intervalos de confiança de 95%.

Também foi realizada uma regressão logística considerando SRIS-CEC a variável dependente.

Em relação à comparação de desfechos entre pacientes com e sem SRIS-CEC, foram utilizados teste do X² de Pearson e teste de Mann-Whitney.

Foi também realizada regressão linear múltipla para desfechos contínuos e utilizada a correlação de Spearman para avaliação da SRIS-CEC em forma de escore contínuo. O escore foi elaborado atribuindo-se um ponto para cada um dos seguintes critérios alterados: febre, disfunção hemodinâmica, disfunção pulmonar, disfunção renal e disfunção endotelial (clínica e radiológica). Assim, o escore variou de 0 a 6.

Resultados

Foram identificados 22 pacientes (21,9%) que preencheram critérios estabelecidos para SRIS-CEC (grupo I), durante os cinco primeiros dias de pós-operatório. Da amostra total, 12,9% dos pacientes apresentaram febre. A disfunção hemodinâmica esteve presente em 15,8% deles, tanto disfunção pulmonar como disfunção renal em 22,8%, edema intersticial em 28,7% e volume de drenagem em 25,7% dos pacientes (Figura 2).


A presença de um fator clínico isolado (exceto febre) estava significativamente associada a uma maior frequência de definição de SRIS-CEC nesses pacientes. Diante de uma variável alterada, o diagnóstico de SRIS-CEC era significativamente mais frequente, enquanto que na ausência de alteração da mesma, o diagnóstico de SRIS-CEC tornou-se pouco provável. Ao caracterizar-se uma disfunção hemodinâmica, o diagnóstico de SRIS-CEC apresentou-se em 81,3% desses pacientes. Já nos pacientes sem disfunção hemodinâmica, esse diagnóstico evidenciou-se em 10,6% (Figura 3).


Avaliação de fatores predisponentes

Após a formação dos grupos determinados pelos critérios clínicos, foi observada frequência semelhante de SRIS-CEC quando esta foi analisada em relação ao sexo ou quanto ao tipo de cardiopatia.

Os pacientes do grupo I possuíam idade menor (6,8 ± 5,5 versus 10,8 ± 5,1 meses, p < 0,05), peso menor (5,3 ± 1,9 versus 6,9 ± 2,0 quilogramas, p < 0,05), maior tempo de exposição à CEC (125,1 ± 49,5 versus 93,9 ± 33,1 minutos, p < 0,05) e de clampeamento aórtico (82,3 ± 34,0 versus 64,2 ± 24,3 minutos, p < 0,05), todas influenciando ocorrência de SRIS-CEC (Tabela 1).

Mesmo em modelo de análise multivariada, o tempo de CEC e o peso continuavam a ser fatores significativamente predisponentes à SRIS-CEC. As variáveis peso e idade, bem como tempo de CEC e tempo de oclusão aórtica, são variáveis relacionadas e interferem-se mutuamente. Por isso, foram analisados somente o peso e tempo de CEC em um modelo de análise multivariada.

Avaliação de desfechos clínicos

Os pacientes do grupo I permaneceram em ventilação mecânica por maior tempo (mediana de 120,0 versus 13,0 horas, p < 0,05), com maior tempo de unidade de terapia intensiva (mediana de 265,0 versus 107,0 horas, p < 0,05) e de internação (mediana de 22,0 versus 10,0 dias, p < 0,05) (Tabela 2). A diferença com relação ao óbito entre os grupos I e II (13,6% versus 2,5%) não se mostrou estatisticamente significativa (p = 0,068).

Discussão

Encontramos uma frequência de SRIS-CEC em 21,9% dos pacientes, em uma população jovem (até 3 anos de idade) em que a cirurgia cardíaca foi feita de forma eletiva e a grande maioria de outras causas pré-operatórias predisponentes de deflagração de síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SRIS) foi excluída.

Seghaye e cols.6, em 1993, encontraram incidência de 27,5% de SRIS em estudo com crianças no qual o critério diagnóstico utilizado foi adaptado da definição de SRIS em pacientes clínicos. A utilização de critérios de SRIS nesse caso apresenta uma boa sensibilidade, porém ainda carece de especificidade, já que sinais vitais, dados neurológicos e laboratoriais que foram utilizados são profundamente influenciados nesse período de pós-operatório por fatores intrínsecos ao procedimento ou aos cuidados específicos em UCI.

Na amostra do estudo, a disfunção de órgãos isolados ocorreu com frequência entre 15,8% e 28,7%. Kirklin e cols.5, estudaram pacientes adultos e pediátricos em 1983 e encontraram frequência de falência de órgãos com importante morbidade global em 22% desses pacientes. Disfunção cardíaca (23%), pulmonar (35%), renal (21%) e hemostática (18%) estavam presentes e relacionadas tanto com níveis elevados de C3a em três horas de pós-operatório como com pacientes com idade inferior a 1 ano. Excetuando-se a disfunção renal, todas as outras complicações relacionaram-se ao tempo de CEC prolongado.

A frequência de disfunção hemodinâmica nos pacientes foi de 16%. Entre os pacientes com disfunção hemodinâmica, 81% apresentaram o diagnóstico de SRIS-CEC. O diagnóstico de SRIS-CEC ocorreu somente em 11% dos pacientes sem distúrbio hemodinâmico. Esse dado pode levar à adoção de um peso maior da variável hemodinâmica no diagnóstico de SRIS-CEC.

Diferentemente do choque em adultos, o choque pediátrico apresenta uma particularidade: em 80% das vezes está associado à disfunção miocárdica27. Em pós-operatório, a síndrome de baixo débito cardíaco é descrita em aproximadamente 24% dos neonatos submetidos à operação de Jatene; caracterizando-se por disfunção miocárdica e diminuição de débito cardíaco, associados ao aumento de resistência vascular periférica26.

A CEC é seguida de síndrome de desconforto respiratório agudo com frequência de 0,4% em população adulta, sendo que há uma alta mortalidade associada21. Durante a CEC, há ativação e migração de neutrófilos ao endotélio pulmonar, iniciando a lesão local por meio de um fenômeno denominado leuco-sequestração pulmonar5. Isso pode explicar a lesão pulmonar aguda associada à correção cardíaca cirúrgica com a utilização de CEC. Nos pacientes deste estudo, observou-se frequência de 22,8% de lesão pulmonar aguda. Não se verificou caso de síndrome de desconforto respiratório agudo na amostra. A lesão pulmonar aguda com disfunção pulmonar e diminuição da relação PaO2/FiO2 pode ter sido responsável por maior tempo de ventilação mecânica observada em pacientes com diagnóstico de SRIS-CEC.

A análise da função renal após procedimento cirúrgico tem sido difícil em termos de determinação de frequência, já que os diferentes grupos têm diferentes critérios diagnósticos. Em adultos, Tuttle e cols.28, em 2003, avaliaram uma população submetida à CEC com critério de falência renal semelhante ao nosso (aumento de creatinina em 25%) e observaram incidência de 42%. Em nosso estudo, registrou-se frequência de 22,8%, sendo um critério importante no escore de SRIS-CEC, já que 81% dos pacientes em falência renal apresentavam SRIS-CEC e apenas 7% dos pacientes com função normal tiveram diagnóstico de SRIS-CEC.

O estudo mostrou, por meio do índice radiológico, uma alta frequência de edema intersticial (28,7%) que identificaria no pós-operatório imediato os pacientes que apresentam extravasamento de líquido, além do espaço intravascular, já durante o procedimento cirúrgico. O processo inflamatório após a CEC tem, no endotélio, a sua lesão final caracterizada por aumento de permeabilidade capilar difusa com significativo extravasamento de líquidos para o interstício7-25. Esse achado poderia ser explicado em parte pela presença do que atualmente é definido como disfunção endotelial. Nessa situação, o endotélio é o alvo da cascata inflamatória e, ao expressar moléculas de adesão, adere e ativa leucócitos, provocando lesão dessa barreira e permitindo o livre fluxo de líquido entre o espaço intravascular e intersticial3,29. Acreditamos que esse dado radiológico utilizado neste trabalho possa ser explorado em um estudo prospectivo, já que pode representar uma ferramenta diagnóstica precoce de SRIS-CEC nesses pacientes.

Os pacientes com SRIS-CEC apresentaram significativamente menor idade e peso, de forma independente. Tem-se, então, um fator protetor à medida que cuidamos de pacientes maiores. A maior complexidade técnica cirúrgica no período neonatal, juntamente com a maior superfície de exposição relativa dos circuitos de CEC, poderia justificar a maior ocorrência de SRIS-CEC em crianças e o efeito protetor nos jovens.

Neste trabalho, o tempo de CEC foi, em média, significativamente maior no Grupo I em relação ao Grupo II. O mesmo foi observado com o tempo de oclusão aórtico. Ambos apresentaram odds ratio de 1,02. Kirklin e cols.5, em 1983, observaram em seu estudo que o aumento de CEC de 60 para 120 minutos aumentava a morbidade pós-operatória em todas as idades.

O grupo com SRIS-CEC definiu um desfecho pior em relação ao tempo de internação hospitalar. O paciente que apresenta SRIS-CEC permanece mais tempo em ventilação mecânica e isso poderia ser explicado por dois motivos. O primeiro seria pelo fato de que a CEC pode desencadear uma injúria pulmonar compreendida no contexto da cascata inflamatória, em que há leuco-sequestração pulmonar e injúria endotelial5. O segundo motivo estaria diretamente ligado ao primeiro, visto que pacientes que permanecem por maior tempo em ventilação mecânica estão expostos a maior risco de pneumonia relacionada à ventilação mecânica e injúria pulmonar direta (barotrauma, volutrauma e injúria pelo O2).

Apesar de terem sido descartados retrospectivamente os casos de infecção em período pós-operatório imediato, poderiam ser úteis as dosagens de procalcitonina sérica nesses pacientes como mais um método de exclusão de infecção30,31. Esses fatores foram minimizados mediante critérios de seleção em que foram escolhidos pacientes com cirurgias eletivas e sem fatores para deflagração de SIRS pré-cirúrgicos. Não foram selecionados pacientes que apresentaram quadro clínico compatível com infecção e cuja evolução e resultados de hemocultura confirmaram essa impressão inicial.

Recentemente, tem sido considerada e testada a hipótese de que a utilização de corticosteróides em período pós-operatório minimizaria o processo inflamatório, e a reposição dos mesmos atenuaria a disfunção hemodinâmica comum nesse período, já que a falência adrenal é comum em pacientes criticamente doentes32,33.

O presente estudo mostra limitações em sua conclusão, já que trata de análise retrospectiva, em que as variáveis clínicas não puderam ser controladas. Não havia dados quantitativos disponíveis de medidas de disfunção hemodinâmica, como medidas invasivas de débito cardíaco, que poderiam definir precisamente o quadro de disfunção hemodinâmica.

Conclusões

Baseado em critérios clínicos estabelecidos para este estudo retrospectivo, foi possível identificar que pacientes com menor peso e maior tempo de CEC fazem parte de uma população de risco para desenvolvimento de SRIS-CEC. Esses pacientes permaneceram mais tempo em ventilação mecânica, em unidade de cuidados intensivos e em hospital.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Leonardo Cavadas da Costa Soares pela Universidade Federal do Paraná.

Artigo recebido em 10/03/08; revisado recebido em 26/01/09; aceito em 12/05/09.

  • 1. Kern FH, Schulman S, Greeley WJ. Cardiopulmonary bypass: techniques and effects. In: Greeley WJ. Perioperative management of the patient with congenital heart disease. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996. p. 67-120.
  • 2. Seghaye MC. The clinical implications of the systemic inflammatory reaction related to cardiac operations in children. Cardiol Young. 2003; 13 (3): 228-39.
  • 3. Boyle EM, Pohlman TH, Cornejo CJ, Verrier ED. Endothelial cell injury in cardiovascular surgery: the systemic inflammatory response. Ann Thorac Surg. 1997; 63 (1): 277-84.
  • 4. Moura HV, Pomerantzeff PMA, Gomes WJ. Síndrome da resposta inflamatória sistêmica na circulação extracorpórea: papel das interleucinas. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2001; 16 (4): 376-87.
  • 5. Kirklin JK, Westaby S, Blackstone EH, Kirklin JW, Chenoweth DE, Pacifico AD. Complement and the damaging effects of cardiopulmonary bypass. J Thorac Cardiovasc Surg. 1983; 86 (6): 845-57.
  • 6. Seghaye MC, Duchateau J, Grabitz RG, Faymonville ML, Messmer BJ, Buro-Rathsmann K, et al. Complement activation during cardiopulmonary bypass in infants and children: relation to postoperative multiple system organ failure. J. Thorac Cardiovasc Surg. 1993; 106 (6): 978-87.
  • 7. Seghaye MC, Grabitz RG, Duchateau J, Busse S, Dabritz S, Koch D, et al. Inflammatory reaction and capillary leak syndrome related to cardiopulmonary bypass in neonates undergoing cardiac operations. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996; 112 (3): 687-97.
  • 8. Bruins P, te Velthuis H, Yazdanbakhsn AP, Jansen PGM, Van Hardevelt FWJ, De Beaumont EMFH, et al. Activation of the complement system during and after cardiopulmonary bypass surgery: postsurgery activation involves C-reactive protein and is associated with postoperative arrhythmia. Circulation. 1997; 96 (10): 3542-8.
  • 9. Gessler P, Pfenninger J, Pfammatter JP, Carrel T, Baenziger O, Dahinden C. Plasma levels of interleukin-8 and expression of interleukin-8 receptors on circulating neutrophils and monocytes after cardiopulmonary bypass in children. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003; 126 (3): 718-25.
  • 10. Seghaye MC, Duchateau J, Grabitz RG, Mertes J, Marcus C, Buro K, et al. Histamine liberation related to cardiopulmonary bypass in children: possible relation to transient postoperative arrhythmias. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996; 111 (5): 971-81.
  • 11. Hunsche A, Molossi S. Intercellular adhesion molecule-1 serum profile in cardiac postoperative period of infants undergoing cardiopulmonary bypass. J Pediatr (Rio J). 2002; 78 (3): 237-43.
  • 12. Bronicki RA, Backer CL, Baden HP, Mavroudis C, Crawford SE, Green TP. Dexamethasone reduces the inflammatory response to cardiopulmonary bypass in children. Ann Thorac Surg. 2000; 69 (5): 1490-5.
  • 13. Butler J, Pathi VL, Paton RD, Logan RW, Macartur KJD, Jamieson MPG, et al. Acute-phase responses to cardiopulmonary bypass in children weighing less than 10 kilograms. Ann Thorac Surg. 1996; 62 (2): 538-42.
  • 14. Hovels-Gurich HH, Vazquez-Jimenez JF, Silvestri A, Schumacher K, Minkenberg R, Duchateau J, et al. Production of proinflammatory cytokines and myocardial dysfunction after arterial switch operation in neonates with transposition of the great arteries. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002; 124 (4): 811-20.
  • 15. Wei M, Kuukasjarvi P, Laurikka J, Kaukinen S, Iisalo P, Laine S, et al. Cytokine responses and myocardial injury in coronary artery bypass grafting. Scand J Clin Lab Invest. 2001; 61 (2): 161-6.
  • 16. Kristof AS, Magder S. Low systemic vascular resistance state in patients undergoing cardiopulmonary bypass. Crit Care Med. 1999; 27 (6): 1121-7.
  • 17. Cremer J, Martin M, Redl H, Bahrami S, Abraham C, Graeter T, et al. Systemic inflammatory response syndrome after cardiac operations. Ann Thorac Surg. 1996; 61 (6): 1714-20.
  • 18. Bove T, Calabro MG, Landoni G, Aletti G, Marino G, Crescenzi G, et al. The incidence and risk of acute renal failure after cardiac surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2004; 18 (4): 442-5.
  • 19. Meldrum DR, Donnahoo KK. Role of TNF in mediating renal insufficiency following cardiac surgery: evidence of a postbypass cardiorenal syndrome. J Surg Res. 1999; 85 (2): 185-99.
  • 20. Ng CS, Wan S, Yim AP, Arifi AA. Pulmonary dysfunction after cardiac surgery. Chest. 2002; 121 (4): 1269-77.
  • 21. Milot J, Perron J, Lacasse Y, Letourneau L, Cartier PC, Maltais F. Incidence and predictors of ARDS after cardiac surgery. Chest. 2001; 119 (3): 884-8.
  • 22. Jansen NJ, van Oeveren W, Gu YJ, van Vliet MH, Eijsman L, Wildevuur CR. Endotoxin release and tumor necrosis factor formation during cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg. 1992; 54 (4): 744-7.
  • 23. Karl TR, Hall S, Ford G, Kelly EA, Brizard CP, Mee RB, et al. Arterial switch with full-flow cardiopulmonary bypass and limited circulatory arrest: neurodevelopmental outcome. J Thorac Cardiovasc Surg. 2004; 127 (1): 213-22.
  • 24. Trittenwein G, Nardi A, Pansi H, Golej J, Burda G, Hermon M, et al. Early postoperative prediction of cerebral damage after pediatric cardiac surgery. Ann Thorac Surg. 2003; 76 (2): 576-80.
  • 25. von Spiegel T, Giannaris S, Wietasch GJ, Schroeder S, Buhre W, Schorn B, et al. Effects of dexamethasone on intravascular and extravascular fluid balance in patients undergoing coronary bypass surgery with cardiopulmonary bypass. Anesthesiology. 2002; 96 (4): 827-34.
  • 26. Wernovsky G, Wypij D, Jonas RA, Mayer JA Jr, Hanley FL, Hickey PR, et al. Postoperative course and hemodynamic profile after the arterial switch operation in neonates and infants: a comparison of low-flow cardiopulmonary bypass and circulatory arrest. Circulation. 1995; 92 (8): 2226-35.
  • 27. Ceneviva G, Paschall JA, Maffei F, Carcillo JA. Hemodynamic support in fluid-refractory pediatric septic shock. Pediatrics. 1998; 102 (2): e19.
  • 28. Tuttle KR, Worrall NK, Dahlstrom LR, Nandagopal R, Kausz AT, Davis CL. Predictors of ARF after cardiac surgical procedures. Am J Kidney Dis. 2003; 41 (1): 76-83.
  • 29. Wan S, LeClerc JL, Vincent JL. Inflammatory response to cardiopulmonary bypass: mechanisms involved and possible therapeutic strategies. Chest. 1997; 112 (3): 676-92.
  • 30. Aouifi A, Piriou V, Bastien O, Blanc P, Bouvier H, Evans R, et al. Usefulness of procalcitonin for diagnosis of infection in cardiac surgical patients. Crit Care Med. 2000; 28 (9): 3171-6.
  • 31. Arkader R, Troster EJ, Abellan DM, Lopes MR, Junior RR, Carcillo JA, et al. Procalcitonin and C-reactive protein kinetics in postoperative pediatric cardiac surgical patients. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2004; 18 (2): 160-5.
  • 32. Suominen PK, Dickerson HA, Moffett BS, Ranta SO, Mott AR, Price JF, et al. Hemodynamic effects of rescue protocol hydrocortisone in neonates with low cardiac output syndrome after cardiac surgery. Pediatr Crit Care Med. 2005; 6 (6): 655-9.
  • 33. Ando M, Park IS, Wada N, Takahashi Y. Steroid supplementation: a legitimate pharmacotherapy after neonatal open heart surgery. Ann Thorac Surg. 2005; 80 (5): 1672-8.
  • Correspondência:
    Leonardo Cavadas da Costa Soares
    Rua Desembargador Motta, 1070
    80250-060 - Curitiba, PR - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jan 2010

    Histórico

    • Revisado
      26 Jan 2009
    • Recebido
      10 Mar 2008
    • Aceito
      12 Maio 2009
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br