Acessibilidade / Reportar erro

Hipertensão arterial secundária a tumor raro da glândula adrenal

Resumos

O ganglioneuroma é um tumor do sistema nervoso simpático, podendo estar associado à hipersecreção de substâncias vasoativas responsáveis por sintomas e sinais variados, como a hipertensão arterial. Os autores apresentam um caso de ganglioneuroma e uma revisão da literatura, focando os aspectos mais importantes do diagnóstico e da terapêutica. A paciente apresentava crises hipertensivas sintomáticas recorrentes, tendo realizado estudo imaginológico que detectou uma imagem nodular na adrenal direita. Sendo os tumores neuroblásticos indistinguíveis radiologicamente, procedeu-se à excisão, confirmando-se o diagnóstico pela análise anatomopatológica. Este caso demonstra a variabilidade clínica dos ganglioneuromas, a utilidade da imaginologia e a importância do estudo histológico.

Hipertensão; ganglioneuroma; sistema nervoso simpático


The ganglioneuroma is a tumor of the sympathetic nervous system and may be associated with hypersecretion of vasoactive substances responsible for various symptoms and signs such as hypertension. The authors report a case of ganglioneuroma and a literature review, focusing on the most important aspects of diagnosis and therapy. The patient had recurrent symptomatic hypertensive crises, having performed an imaging study that found a nodule in the right adrenal gland. As neuroblastic tumors are radiologically undistinguishable, the patient underwent excision, confirming the diagnosis by pathology analysis. This case demonstrates the clinical variability of ganglioneuroma, the usefulness of imaging and the importance of histological study.

Hypertension; ganglioneuroma; sympathetic nervous system


El ganglioneuroma es un tumor del sistema nervioso simpático, y puede estar asociado con la hipersecreción de sustancias vasoactivas responsables de diversos síntomas y signos, como la hipertensión arterial. Los autores presentan un caso de ganglioneuroma y una revisión de la literatura, centrándose en los aspectos más importantes del diagnóstico y la terapéutica. El paciente tenía crisis hipertensivas sintomáticas recurrentes, e hizo un estudio imaginológico que detectó una imagen nodular en la glándula adrenal derecha. Al ser los tumores neuroblásticos radiológicamente indistinguibles, se procedió a la extirpación, lo que confirma el diagnóstico mediante el análisis anatomopatológico. Este caso demuestra la variabilidad clínica de ganglioneuroma, la utilidad de la imagiologia y la importancia del estudio histológico.

Hipertensión; ganglioneuroma; sistema nervioso simpático


RELATO DE CASO

Hipertensão arterial secundária a tumor raro da glândula adrenal

Joana Silva; Maria do Carmo Cachulo; António Leitão-Marques

Departamento de Cardiologia, Centro Hospitalar de Coimbra, Coimbra - Portugal

Correspondência Correspondência: Joana Silva Rua da Chainça, 35, Carvalhais de Cima 3040-690 - Coimbra - Portugal E-mail: joanadelgadosilva@gmail.com

RESUMO

O ganglioneuroma é um tumor do sistema nervoso simpático, podendo estar associado à hipersecreção de substâncias vasoativas responsáveis por sintomas e sinais variados, como a hipertensão arterial. Os autores apresentam um caso de ganglioneuroma e uma revisão da literatura, focando os aspectos mais importantes do diagnóstico e da terapêutica. A paciente apresentava crises hipertensivas sintomáticas recorrentes, tendo realizado estudo imaginológico que detectou uma imagem nodular na adrenal direita. Sendo os tumores neuroblásticos indistinguíveis radiologicamente, procedeu-se à excisão, confirmando-se o diagnóstico pela análise anatomopatológica. Este caso demonstra a variabilidade clínica dos ganglioneuromas, a utilidade da imaginologia e a importância do estudo histológico.

Palavras-chave: Hipertensão, ganglioneuroma, sistema nervoso simpático/anormalidades.

Introdução

O ganglioneuroma (GN) é um tumor raro e benígno do sistema nervoso simpático, com origem na crista neural, a partir de células indiferenciadas. Sua localização mais frequente é torácica, podendo surgir, em alguns casos, na glândula adrenal. Sua apresentação clínica é variada; os sintomas associados relacionam-se mais frequentemente com a compressão das estruturas circundantes pelo que, na maioria dos casos, são detectados em exames de rotina.

Relato de caso

Os autores apresentam o caso clínico de uma paciente do sexo feminino, de 65 anos, referenciada à consulta de cardiologia por hipertensão arterial com cerca de 10 anos de evolução, não controlada com uma associação de fármacos anti-hipertensivos. A paciente referia cefaleias, mal estar geral e flushing facial, sintomas que coincidiam com os picos tensionais (máximo 190 mmHg de pressão arterial (PA) sistólica e 120 mmHg de PA diastólica), que recentemente tinham agravado em frequência e duração. Estava medicada com indapamida 1,5 mg (1xdia), ramipril 5 mg (1xdia) e hidroclorotiazida 12,5 mg (1xdia).

Como antecedentes pessoais, refere-se uma apendicectomia aos 17 anos e uma colecistectomia laparoscópica aos 53 anos. Nunca foi tabagista ou etilista. A sua história familiar era irrelevante, sendo negativa para neoplasias endócrinas.

Ao exame físico não eram evidentes características cushingóides ou sinais de virilização. A auscultação cardiopulmonar era normal, assim como o restante exame.

O eletrocardiograma mostrou ritmo sinusal e traçado normal e a radiografia do tórax não revelou alargamento do mediastino, aumento do índice cardiotorácico ou alterações pleuroparenquimatosas. Realizou também ultrassonografia abdominal que revelou "aumento das dimensões da glândula adrenal direita (3,5 x 2 cm), de ecotextura heterogênea, esboçando algumas calcificações, sem outras alterações". Em seguida efetuou uma tomografia computadorizada (TC) abdominal para esclarecimento das alterações mencionadas (fig. 1), que confirmou a presença de uma "formação nodular na glândula adrenal direita, com microcalcificações de densidade sólida com cerca de 34 mm de diâmetro". A monitorização ambulatorial da pressão arterial durante 24 h (MAPA) detectou uma PA sistólica máxima de 160 mmHg e diastólica máxima de 90 mmHg, com padrão não dipper (fig. 2). Na avaliação laboratorial verificou-se um aumento da aldosterona sérica (798 μmol/l, normal: 28 a 443 μmol/l), com renina sérica, metanefrinas plasmáticas, cortisol, ácido vanilmandélico e ionograma dentro dos parâmetros normais (1ª determinação analítica realizada).



Foi admitida no Serviço de Cardiologia para estudo do quadro. Durante a internação realizou novo estudo laboratorial: aldosterona e renina séricas, potássio e sódio urinários e séricos, dosagem de ácido vanilmandélico urinário, metanefrinas plasmáticas e urinárias, função tiroideia, velocidade de sedimentação, proteína C-reativa, cortisol plasmático e urinário; todos esses exames revelaram-se dentro dos parâmetros normais. O ecocardiograma mostrou alterações do relaxamento do ventrículo esquerdo, sem outras anomalias (espessura das paredes e função sistólica global normais). Foi então efetuada uma cintilografia com metaiodo benzilguanidina (123I-MIBG) que não evidenciou áreas hiperativas sobre as adrenais.

Durante esse período, a paciente apresentou alguns picos tensionais associados a cefaleias e mal estar geral, apesar da terapêutica com quatro fármacos anti-hipertensivos (indapamida 1,5 mg (1xdia), ramipril 5 mg (1xdia), hidroclorotiazida 12,5 mg (1xdia) e carvedilol 6,25 mg (2xdia)).

Não sendo possível fazer o diagnóstico definitivo por meio de exames imaginológicos, optou-se pela excisão do tumor, sendo que a paciente foi submetida a adrenalectomia unilateral por laparotomia. O procedimento decorreu sem complicações significativas (verificou-se um pico tensional transitório durante a excisão da glândula adrenal).

Do ponto de vista anatomopatológico, a peça cirúrgica foi descrita macroscopicamente como uma lesão bem definida, com 4 cm em seu maior diâmetro, esbranquiçada, de consistência elástica e com aspecto fasciculado; microscopicamente foram detectadas células de Schwann, células ganglionares, tecido fibroso e tecido nervoso, sem evidência de células imaturas, atipia ou necrose; face a esses achados foi feito o diagnóstico de ganglioneuroma de tipo maduro.

Aos seis meses de seguimento, a paciente encontra-se assintomática e com pressão arterial controlada apenas com dois fármacos anti-hipertensivos (ramipril e hidroclorotiazida). Realizou novo MAPA (fig.2) e TC abdominal (fig.1) que confirmaram o sucesso da cirurgia e a ausência de recidiva.

Discussão

O ganglioneuroma pertence ao grupo dos tumores neuroblásticos, juntamente com os neuroblastomas (NB) e os ganglioneuroblastomas (GNB). São frequentemente primários, evoluindo para um tumor maduro ou, mais raramente, podem diferenciar-se a partir de um GNB ou NB (ganglioneuroma secundário) ou a partir de lesões metastáticas. Ocasionalmente ocorrem em associação com outros tumores, como os feocromocitomas1.

Os GN são tumores que surgem de locais onde existe tecido nervoso simpático, sendo a sua localização mais frequente o mediastino posterior, retroperitoneo, glândula adrenal e região cervical; locais incomuns incluem o coração, osso e intestino. Atingem mais comumente mulheres e podem aparecer em todos os grupos etários, sendo, no entanto, mais frequentemente diagnosticados em adolescentes e adultos jovens1,2.

Os GN são geralmente assintomáticos, sendo tipicamente descobertos em exames de rotina; os sintomas e sinais associados predominantes são dor abdominal, tosse, dispneia e palpação de uma massa abdominal. São tumores muitas vezes funcionais, podendo secretar várias substâncias ativas (catecolaminas, polipeptídeo vasoativo intestinal, entre outros) originando um quadro clínico típico: hipertensão arterial, flushing facial, diarreia e virilização2-4. As metástases são raras e quando ocorrem são mais frequentemente ósseas ou hepáticas.

A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são os métodos de diagnóstico de primeira linha1. No entanto, só um exame histopatológico pode confirmar o diagnóstico de ganglioneuroma e diferenciá-lo dos seus parentes malignos (ganglioneuroblastoma e neuroblastoma)5. Os GN são tumores constituídos por células de Schwann maduras, células ganglionares, tecido fibroso e tecido nervoso, não contendo neuroblastos. Os três tumores são indistinguíveis radiologicamente, mas a presença de metástases é sugestiva de malignidade. Anatomopatologicamente, os GN são tumores bem diferenciados, com limites bem definidos, contendo uma pseudocápsula; muitas vezes apresentam áreas de calcificação. Quando a localização é retroperitoneal ou adrenal, podem surgir calcificações discretas em 42% a 60% dos casos; geralmente crescem nas imediações dos vasos sanguíneos, sendo rara a invasão ou compressão vasculares1.

Num estudo realizado por Radin e cols., foram estudados nove casos de ganglioneuroma; a caracterização imaginológica mostrou tratar-se uma massa com bordas regulares, bem delimitada, podendo estar rodeada por vasos sanguíneos, sem no entanto comprometer o seu lúmen. A avaliação por TC revelou uma massa homogênea, por vezes com calcificações6.

Assim como o GNB e o NB, o GN pode acumular metaiodo benzilguanidina (MIBG), um análogo das catecolaminas usado para identificar tumores produtores de catecolaminas como o feocromocitoma, os tumores carcinoides e o carcinoma medular da tireoide. Os GN são tumores que, tipicamente, têm pouca ou nenhuma atividade metabólica, e a captação de MIBG não permite distinguir os diferentes tipos histológicos (principalmente o 131I-MIBG7). Geoerger e cols., numa análise feita a 49 pacientes com ganglioneuromas primários, demonstrou que 57% dos tumores apresentavam captação detectável de MIBG, mesmo aqueles muito pequenos, e 39% dos pacientes tinham aumento dos níveis séricos de catecolaminas8.

O tratamento depende de vários fatores como o tamanho da lesão, quadro de disfunção endócrina e presença de metástases. Na maioria dos casos, uma ressecção cirúrgica completa permite a análise da peça e a definição do diagnóstico. Uma análise realizada por Hayes e cols7. revelou que esses tumores são compatíveis com uma sobrevida prolongada sem doença mesmo quando não é possível a sua excisão7. Em casos raros, pode surgir recidiva do tumor, sendo muito importante um acompanhamento clínico e imaginológico por longos períodos.

No caso relatado, o diagnóstico final foi de um ganglioneuroma maduro compatível com secreção intermitente de catecolaminas. A terapêutica com vários fármacos anti-hipertensivos pode levar a resultados falsos negativos para a secreção de catecolaminas e seus metabólitos, podendo também afetar a captação de MIBG. A cirurgia, que consistiu em excisão completa do tumor, teve como intercorrência única um pico tensional transitório e foi curativa, verificando-se o desaparecimento das crises hipertensivas e sintomas associados. O seguimento clínico e radiológico aos seis meses não mostrou recorrência da massa ou evidência de metástases.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 27/05/2009; revisado recebido em 04/12/2009; aceito em 30/12/2009.

  • 1. Jedynak AR, Schwartz RA, Lebovitz Y.Ganglioneuroma and ganglioneuroblastoma: follow-up (on line). [Accessed in 2009 Dec. 10]. Available from http://emedicine.medscape.com/article/340723-followup
  • 2. Singh D, Singh A, Prabhakar BR, Arora R, Jain S, Hara GS, et al. Ganglioneuroma of the adrenal gland. Indian J Surg. 2003; 65: 436-8.
  • 3. Koch CA, Brouwers FM, Rosenblatt K, Burman KD, Davis MM, Vortmeyer AO, et al. Adrenal ganglioneuroma in a patient presenting with severe hypertension and diarrhea. Endocrine Relat Cancer. 2003; 10: 99-107.
  • 4. Suárez-Peñaranda JM, Gómez-Otero I, Muñoz JI, Pedreira-Pérez M. Muerte cardiaca asociada a ganglioneuroma suprarenal. Rev Esp Cardiol. 2008; 61(5):545-52.
  • 5. Gupta R, Dinda AK. Ganglioneuroma of the adrenal gland: a rare case. Indian J Pathol Microbiol. 2007; 50 (4): 782-4.
  • 6. Radin R, David CL, Goldfarb H, Francis IR. Adrenal and extra-adrenal retroperitoneal ganglioneuroma: imaging findings in 13 adults. Radiology. 1997; 202 (3): 703-7.
  • 7. Hayes FA, Green AA, Rao BN. Clinical manifestations of ganglioneuroma. Cancer. 1989; 63 (6): 1211-4.
  • 8. Geoerger B, Hero B, Harms D, Grebe J, Scheidhauer K, Berthold F. Metabolic activity and clinical features of primary ganglioneuromas. Cancer. 2001; 91 (10): 1905-13.
  • Correspondência:
    Joana Silva
    Rua da Chainça, 35, Carvalhais de Cima
    3040-690 - Coimbra - Portugal
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Revisado
      04 Dez 2009
    • Recebido
      27 Maio 2009
    • Aceito
      30 Dez 2009
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br