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Estudantes de medicina ensinam ressuscitação cardiopulmonar a alunos do fundamental

Resumos

FUNDAMENTO: Doenças do sistema circulatório são a causa mais comum de óbitos no Brasil. Devido ao fato de a população geral ser normalmente a primeira a identificar problemas relacionados ao sistema circulatório, é importante que ela seja treinada. No entanto, o treinamento é um desafio por causa do número de pessoas a serem treinadas e da manutenção do treinamento. OBJETIVOS: Avaliar a entrega do programa de treinamento de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) ministrada por estudantes de medicina e avaliar o conhecimento prévio de RCP, além de retenção imediata e tardia de treinamento em RCP entre alunos do fundamental. MÉTODOS: Foram selecionadas duas escolas públicas e duas escolas privadas. O treinamento de RCP consistiu em uma vídeo-aula seguida de prática com bonecos, sob a supervisão de estudantes de medicina. Questionários de múltipla escolha foram fornecidos previamente, logo em seguida e 6 meses após o treinamento de RCP. As perguntas estavam relacionadas ao conhecimento geral, à sequência de procedimentos e ao método de administração de cada componente (ventilação, compressão torácica, e desfibrilação automática externa). Os instrutores realizaram uma discussão em grupo após as sessões para identificar os possíveis problemas encontrados. RESULTADOS: No total, 147 alunos concluíram o monitoramento de 6 meses. Os alunos de escola pública tinham menos conhecimento prévio, mas a diferença desapareceu logo após o treinamento. Após o período de 6 meses de monitoramento, esses alunos de escola pública demonstraram menor retenção. O principal problema encontrado foi ensinar a ressuscitação boca-a-boca. CONCLUSÕES: O método usado por estudantes de medicina para ensinar alunos do fundamental foi baseado na técnica do "ver e praticar". Este método foi eficaz na retenção imediata e tardia do conhecimento adquirido. A maior retenção de conhecimento entre os alunos de escola privada pode refletir fatores culturais.

Ressuscitação Cardiopulmonar; Estudantes de Medicina; Ensino Fundamental e Médio


BACKGROUND: Diseases of the circulatory system are the most common cause of death in Brazil. Because the general population is often the first to identify problems related to the circulatory system, it is important that they are trained. However, training is challenging owing to the number of persons to be trained and the maintenance of training. OBJECTIVES: To assess the delivery of a medical-student led cardiopulmonary resuscitation (CPR) training program and to assess prior knowledge of CPR as well as immediate and delayed retention of CPR training among middle school students. METHODS: Two public and two private schools were selected. CPR training consisted of a video class followed by practice on manikins that was supervised by medical students. Multiple choice questionnaires were provided before, immediately after, and at 6 months after CPR training. The questions were related to general knowledge, the sequence of procedures, and the method to administer each component (ventilation, chest compression, and automated external defibrillation). The instructors met in a focus group after the sessions to identify the potential problems faced. RESULTS: In total, 147 students completed the 6-month follow-up. The public school students had a lower prior knowledge, but this difference disappeared immediately after training. After the 6-month follow-up period, these public school students demonstrated lower retention. The main problem faced was teaching mouth-to-mouth resuscitation. CONCLUSIONS: The method used by medical students to teach middle school students was based on the see-and-practice technique. This method was effective in achieving both immediate and late retention of acquired knowledge. The greater retention of knowledge among private school students may reflect cultural factors.

Cardiopulmonary Resuscitation; Students, Medical; Education, Primary and Secondary


Estudantes de medicina ensinam ressuscitação cardiopulmonar a alunos do fundamental

Lucas Gaspar Ribeiro; Rafael Germano; Pedro Lugarinho Menezes; André Schmidt; Antônio Pazin-Filho

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo - FMRP/USP, Ribeirão Preto, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Lucas Gaspar Ribeiro Rua Comandante Marcondes Salgado, 866, Apto 502, Centro CEP 14010-150, Ribeirão Preto, SP - Brasil E-mail: lucas_gaspar@terra.com.br, lucasgasparribeiro@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: Doenças do sistema circulatório são a causa mais comum de óbitos no Brasil. Devido ao fato de a população geral ser normalmente a primeira a identificar problemas relacionados ao sistema circulatório, é importante que ela seja treinada. No entanto, o treinamento é um desafio por causa do número de pessoas a serem treinadas e da manutenção do treinamento.

OBJETIVOS: Avaliar a entrega do programa de treinamento de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) ministrada por estudantes de medicina e avaliar o conhecimento prévio de RCP, além de retenção imediata e tardia de treinamento em RCP entre alunos do fundamental.

MÉTODOS: Foram selecionadas duas escolas públicas e duas escolas privadas. O treinamento de RCP consistiu em uma vídeo-aula seguida de prática com bonecos, sob a supervisão de estudantes de medicina. Questionários de múltipla escolha foram fornecidos previamente, logo em seguida e 6 meses após o treinamento de RCP. As perguntas estavam relacionadas ao conhecimento geral, à sequência de procedimentos e ao método de administração de cada componente (ventilação, compressão torácica, e desfibrilação automática externa). Os instrutores realizaram uma discussão em grupo após as sessões para identificar os possíveis problemas encontrados.

RESULTADOS: No total, 147 alunos concluíram o monitoramento de 6 meses. Os alunos de escola pública tinham menos conhecimento prévio, mas a diferença desapareceu logo após o treinamento. Após o período de 6 meses de monitoramento, esses alunos de escola pública demonstraram menor retenção. O principal problema encontrado foi ensinar a ressuscitação boca-a-boca.

CONCLUSÕES: O método usado por estudantes de medicina para ensinar alunos do fundamental foi baseado na técnica do "ver e praticar". Este método foi eficaz na retenção imediata e tardia do conhecimento adquirido. A maior retenção de conhecimento entre os alunos de escola privada pode refletir fatores culturais.

Palavras-chave: Ressuscitação Cardiopulmonar / educação; Estudantes de Medicina; Ensino Fundamental e Médio.

Introdução

Doenças do sistema circulatório são a causa mais comum de óbitos no Brasil, representando aproximadamente 29% de todos os óbitos. Aproximadamente 50% destes casos inclui a morte repentina devido à fibrilação ventricular como uma complicação do infarto do miocárdio. Por ser uma manifestação pré-hospitalar, a melhor educação da população geral poderia reduzir a mortalidade ao ajudar as pessoas a identificar a situação e prestar os primeiros socorros1.

Diversos métodos de capacitação da população geral incluem treinamento em massa; autoaprendizagem através de programas disponíveis comercialmente; bem como treinamento de indivíduos que ocupam posições estratégias no que diz respeito à orientação e ao atendimento da população (seguranças, bombeiros, policiais), aqueles que trabalham em locais de maior incidência de eventos (academias), aqueles que trabalham em locais de difícil acesso (aviões) e parentes de indivíduos em situação de risco. A educação foi recentemente direcionada a escolas de ensino fundamental, pois permite o acesso precoce à informação, possibilitando a exposição repetida durante o ano escolar e a subsequente transmissão de conhecimento aos parentes dos alunos2,3.

Independente da população-alvo, a metodologia de ensino aplicada foi a principal preocupação. Ao contrário dos profissionais de saúde, o interesse no tópico e o tempo que pode ser dedicado ao treinamento são limitados. Além disso, o fato de que muitos indivíduos instruídos nunca terão contato com uma situação real afetará a retenção de conhecimento. A fim de contornar esses problemas, houve um aumento no uso de vídeo-aulas, com prática em bonecos, também conhecido como a técnica "ver e praticar". Uma das vantagens desta técnica é a independência parcial ou total referente aos instrutores, pessoas difíceis de recrutar para o grande segmento da população a ser capacitada. Propôs-se que os estudantes de medicina atuassem como instrutores, mas eles precisavam ser adequadamente capacitados e supervisionados por profissionais qualificados através do conceito de uma "árvore de treinamento"4.

O objetivo deste estudo era testar um kit disponível comercialmente para ensinar a ressuscitação cardiopulmonar (RCP), com a supervisão de estudantes de medicina em escolas de fundamental no Brasil (alunos de 13-15 anos) e determinar a eficácia em termos de retenção imediata e tardia (6 meses).

Métodos

População de Estudo

Alunos de 13 a 15 anos foram selecionados de escolas de fundamental; duas delas eram públicas (nível socioeconômico baixo) e duas eram privadas (nível socioeconômico alto). As classes eram de 21-46 alunos e eles foram convidados a participar voluntariamente. O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido dos alunos e de seus pais. Os diretores de cada uma dessas escolas aprovou o projeto antes de qualquer aluno ser abordado. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital da Universidade de Ribeirão Preto, São Paulo, FMRP-USP (CAE - 0078.0.004.000-09).

Material Didático

Um kit disponível comercialmente intitulado como "Família & Amigos. RCP a qualquer Hora. Programa de autoaprendizagem" elaborado pela Associação Americana de Cardiologia (AHA) foi usado. O kit continha uma apresentação de vídeo em português e um boneco inflável para praticar a ventilação e a compressão torácica1. Máscaras individuais foram fornecidas para a prática de ventilação artificial.

Instrutores

Três estudantes de medicina da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) foram capacitados para atuarem como instrutores pelo professor responsável pelo curso de Emergências Clínicas, acreditado pela Associação Americana de Cardiologia5. Os alunos participaram de todas as atividades práticas e o conteúdo transmitido foi testado em um estudo piloto.

Instrumento para Análise

Um questionário de 25 perguntas de múltipla escolha foi usado. Cada pergunta tinha 4 possíveis respostas, das quais somente uma era a correta (vide anexo). O questionário foi baseado no conteúdo apresentado durante o vídeo da AHA e avaliou os seguintes domínios: conhecimento geral em 7 perguntas; a sequência dos procedimentos em 7 perguntas; e o método correto de administração de cada componente em 11 perguntas. A última seção foi subdividida conforme segue: 4 perguntas referentes à ventilação, 3 referentes à compressão torácica e 4 referentes ao uso de um Desfibrilador Externo Automático (DEA). O questionário foi fornecido a um grupo piloto e a estudantes de medicina voluntários que concluíram o primeiro curso de primeiros socorros. Após o desenvolvimento subsequente, duas versões do questionário final foram preparadas, diferenciando somente a ordem das perguntas. O primeiro questionário (Versão 1) foi entregue antes e 6 meses após o treinamento, e o segundo questionário (Versão 2) foi entregue logo após o treinamento.

Intervenção

Cada aula durou em média 120 min. No início de cada aula, os alunos concluíram a Versão 1 do questionário. Depois do teste, os alunos foram divididos em grupos de treinamento com 1 boneco para cada 2 alunos. Em seguida, o vídeo foi exibido com pausas pré-determinadas para a prática separada de habilidades individuais (ventilação e compressão torácica) e para permitir a prática coordenada (2 ventilações para cada 30 compressões torácicas). A sequência completa do atendimento foi apresentada desde o reconhecimento de parada cardíaca até a implementação coordenada de assistência, ventilação e compressão torácica. Por fim, o uso de DEA foi demonstrado.

Durante os exercícios práticos, os instrutores ajudaram os alunos, corrigiram técnicas incorretas e procuraram responder às duvidas que surgiam. Os instrutores intervinham somente na existência de um problema ou se os alunos pediam ajuda. Os alunos eram continuamente observados e encorajados a resolver os problemas sozinhos, de forma que os instrutores somente intervinham em caso de erro ou se o problema não era resolvido. Após as sessões práticas, a Versão 2 do questionário era concluída. Seis meses após a conclusão do treinamento, os alunos passavam por um teste novamente, usando a Versão 1 do questionário.

Análise Qualitativa

Após a intervenção, o grupo de pesquisa organizou sessões de discussão em um grupo focal de acordo com uma metodologia estabelecida previamente. As probabilidades e os problemas detectados foram isolados por avaliação de conteúdo6.

Análise Estatística

A análise estatística foi realizada com o uso do software Stata 10. As variáveis categóricas foram relatadas como uma porcentagem usando o teste de Fisher. As variáveis quantitativas foram relatadas como média ± DP e as medidas de tendência central foram analisadas pelo teste t de Student. Os resultados da análise qualitativa foram descritivos.

Resultados

Um total de 387 alunos recebeu o treinamento, dos quais 202 foram considerados para análise de forma correspondente à primeira sessão em cada escola. Quatro escolas receberam as aulas; duas públicas (pública 1 e 2) e duas privadas (privada 1 e 2). A composição foi estruturada da seguinte forma: pública 1 incluiu 24 alunos (11,88%); pública 2 incluiu 57 alunos (28,22%); privada 1 incluiu 89 alunos (44,06%); e a privada 2 incluiu 32 alunos (15,84%). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos de escolas públicas ou os dois grupos de escolas privadas. Portanto, os indivíduos foram divididos em dois grupos principais: Pública (81 alunos; 47,6% homens) e Privada (121 alunos; 52,4% homens).

Retenção Imediata

Os dados foram relatados de forma quantitativa na Tabela 1 como valores absolutos (média ± DP para respostas corretas antes e após o treinamento e aumento absoluto no desempenho) e valores relativos (porcentagem de respostas corretas em relação ao teste inicial). Os dados foram relatados de modo estratificado de acordo com o domínio do conteúdo e instituição. No questionário do pré-teste, uma diferença foi observada somente entre as escolas públicas e privadas nos domínios de conhecimento geral. Essa diferença não foi observada após a intervenção do treinamento.

Retenção após 6 meses

Aos 6 meses, 53 alunos foram excluídos devido a perda de acompanhamento: 26% e 26,5% de escolas públicas e privadas, respectivamente. Portanto, 149 dos 202 alunos (73,7%) foram incluídos nesta parte do estudo (60 de escolas públicas; 89 de escolas privadas). Os resultados foram relatados na Tabela 2 como a porcentagem de respostas corretas após 6 meses. Houve maior retenção nos alunos de escolas privadas, principalmente em termos de determinação correta da sequência de ações técnicas e de ventilação.

Análise Qualitativa

Os resultados estão exibidos nas Tabelas 3 e 4.

Discussão

Este estudo demonstrou a eficácia de um kit de treinamento disponível comercialmente (com o uso de vídeo e boneco) para a retenção imediata e tardia de conhecimento. Inicialmente foi observado conhecimento superior no grupo de escola privada antes do curso, no entanto, o nível de conhecimento foi igualado imediatamente após o curso. Entretanto, o domínio referente à sequência correta de ações e técnica de ventilação, retenção tardia foi melhor em alunos de escolas privadas.

A educação da população geral é uma meta importante, considerando que a parada cardíaca é um fenômeno que ocorre predominantemente na comunidade. Diversos estudos demonstraram a eficácia da intervenção precoce, mas o desafio encontrado ao educar a população é significativo com relação ao número de pessoas a serem treinadas, a eficácia do treinamento e os níveis de retenção do conhecimento transmitido7. A opção é usar kits de autoaprendizagem disponíveis comercialmente e que são comumente eficazes, mas podem não atingir o objetivo devido aos baixos níveis de compreensão pela população geral. Particularmente no Brasil, o formato do próprio vídeo pode ser um fator limitante devido à cultura local. Por exemplo, os dados fornecidos pelo distribuidor do kit usado nesse estudo mostrou que 3,5 milhões de unidades foram vendidas nos Estados Unidos em 2011, enquanto no Brasil foram vendidas somente 250 unidades. Isso pode estar relacionado a importantes aspectos culturais da sociedade brasileira que precisam ser considerados ao planejar um futuro treinamento. Portanto, este estudo foi realizado para explorar a influência de aspectos socioeconômicos e culturais usando escolas públicas e privadas.

Os níveis de conhecimento prévio foram diferentes entre os alunos de escolas públicas e privadas, com 8,74 e 9,65 respostas corretas, respectivamente. Essa diferença pode ser atribuída ao envolvimento em escotismo, a pais que atuam como profissionais de saúde e à disponibilidade de acesso à internet e televisão conforme reportado aos instrutores pelos alunos de escola privada. No entanto, essas diferenças de histórico não limitaram a eficácia do método. Embora a modificação de hábitos parentais seja importante, será necessário avaliar essas diferenças em estudos posteriores.

Alunos do ensino fundamental podem ser instruídos quanto a ressuscitação a partir dos 11 anos de idade. A partir dessa idade, eles terão alcançado certo nível de maturidade para compreender a importância do tópico e terão a força necessária para executar as compressões torácicas em adultos8,9. Os aspectos vantajosos do treinamento desta população são a possibilidade de sessões de treinamento regulares, que podem ser incluídas no currículo escolar, e a possível transferência de conhecimento a parentes. Pré-adolescentes podem influenciar os pais e motivar mudanças comportamentais. O ensino do RCP encoraja a discussão sobre os fatores de risco de parada cardíaca e como isso pode ser evitado, resultando no questionamento de hábitos parentais2.

Os estudantes de medicina podem ser colaboradores importantes para o estabelecimento da "árvore de treinamento" de RCP4. O envolvimento deles no ensino pode ser benéfico para a redução de ansiedade gerada por anos de aprendizagem básica que é normalmente distante da realidade clínica. Isso também leva ao questionamento da eficácia dos métodos de ensino, bem como a apreciação do custo, dedicação e trabalho necessário para o desenvolvimento de uma atividade de ensino10. Da mesma forma, considerar profissionais de saúde geralmente mostra o baixo desempenho com suporte básico de vida, o envolvimento em atividades de ensino aumenta o tempo dedicado ao tópico e pode melhorar a aprendizagem; portanto, esta estratégia pode ser benéfica para os próprios alunos11. Além disso, os estudantes de medicina são aparentemente identificados como modelos para os alunos do fundamental. Em contrapartida, instrutores já formados em medicina podem ser menos eficazes nessa função devido à maior diferença de idade.

A retenção de conhecimento em cursos de suporte básico de vida é difícil de avaliar. Isso se deve à ampla variedade de fatores como diferenças entre populações, a natureza do conteúdo ensinado, a própria avaliação e o atraso entre o curso e a análise12-14. Em geral, os níveis de retenção na população adulta geral são baixos, aproximadamente 50%-60%, com a possibilidade de atingir níveis mais altos para segmentos específicos do conteúdo12. Cursos que incluem treinamento prático tendem a mostrar melhor retenção13. Além disso, não parece haver uma diferença significativa nos níveis de retenção entre crianças e adultos14. Quando a análise inclui métodos de avaliação mais precisos, como o volume do ar fornecido através da respiração boca-a-boca, os níveis de retenção são mais baixos12,15. Somente os estudos que incluem populações que recebem treinamento intensivo e frequente demonstram um melhor desempenho de forma consistente12-15, embora a compreensão de cursos de retreinamento seja baixo na população adulta em geral14. As adaptações de métodos de treinamento que já estão disponíveis não parecem ser eficazes16. Considerando os dados como um todo, podemos concluir que a retenção de conhecimento é geralmente baixa e deteriora com o tempo, independentemente da avaliação realizada ou da população-alvo. No entanto, a literatura também sugere que a retenção de conhecimento seja favorecida por cursos periódicos que envolvem o treinamento prático.

A causa da menor retenção de conhecimento em escolas públicas pode ser devido a fatores socioeconômicos. Os alunos com maior poder aquisitivo podem ser expostos a situações que os façam lembrar o conhecimento adquirido. No entanto, a diferença ocorreu principalmente em questões referentes à sequência de ações e técnicas de respiração, que envolvem maior complexidade. As modificações propostas pelas diretrizes de 2010 da AHA provavelmente terão algum impacto neste contexto17.

O ensino de RCP em escolas é uma estratégia interessante. Esta é uma população com maior taxa de compreensão que pode passar pelo treinamento mais vezes frequentemente e possui capacidade de aprendizagem e de retenção comparáveis às de adultos. O presente estudo corrobora relatórios anteriores, incluindo diferenças de retenção entre os domínios de conteúdo. Uma estratégia semelhante envolvendo o conhecimento de traumas demonstrou efeitos positivos18. No entanto, como em outros estudos, esta investigação não recomenda um intervalo de treinamento ideal, pois avaliamos somente um intervalo de 6 meses. Cursos posteriores deverão determinar um intervalo apropriado para o retreinamento.

Limitações

O conhecimento foi avaliado somente através de um questionário simples. Embora saibamos que a retenção de conhecimento seja universalmente baixa, essa perda é mais perceptível ao utilizar métodos de avaliação que envolvem desempenho; portanto, os dados obtidos podem não refletir as diferenças de forma exata. O principal objetivo do treinamento neste estudo era a educação mais abrangente da população geral sobre a administração correta da parada cardíaca fora do hospital. No entanto, a disseminação e aquisição de conceitos básicos deve ser fornecida antes que uma parada cardíaca possa ocorrer. Em relação a isso, a avaliação usada permite uma comparação da retenção de conhecimento em dois momentos e é suficiente para a avaliação inicial. Devido à proposta de treinamento periódico, a complexidade do treinamento poderia aumentar progressivamente, o que poderia causar um impacto no desempenho subsequente na avaliação19.

A metodologia aplicada é associada com dificuldades inerentes, e essas foram encontradas com relação ao método, à população em estudo e à continuidade do projeto. Primeiro, este método requer equipamento audiovisual, além de espaço físico que acomode 20 pessoas. Dessa forma, as escolas devem ter ao menos uma sala adequada. Claramente, as escolas particulares diferem muito em termos de disponibilidade de recursos audiovisuais. Portanto, as aulas dependeram da disponibilidade de salas adequadas e da capacidade da escola em fornecer equipamentos audiovisuais, o que foi mais difícil em escolas públicas. Um meio de contornar essa limitação seria o aumento do número de materiais e instrutores disponível usando técnicas de treinamento em massa.

Conclusão

Este estudo demonstrou que o treinamento de RCP fornecido por estudantes de medicina usando um kit de treinamento disponível comercialmente (com o uso de vídeo e boneco) foi eficaz para a retenção imediata e tardia de conhecimento. A maior retenção de conhecimento em escolas privadas pode estar associada a fatores culturais.

Agradecimentos

Primeiramente, gostaríamos de agradecer as quatro escolas participantes: Colégio Marista, Colégio Oswaldo Cruz, E.E. Dom Alberto José Gonçalves, e E.E. Alberto Santos Dumont. Cada escola nos acolheu e forneceu a oportunidade de realizar a pesquisa com seus alunos. Agradecemos ao Centro de Treinamento em Suporte de Vida (FAEPA) que forneceu o material necessário para as aulas. Agradecemos também a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Conselho Nacional de Desempenho Tecnológico (CNPq/PBIC) e o Projeto Aprender com Cultura e Extensão - USP que permitiu a realização do projeto com três de seus instrutores.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de financiamento, Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Ribeiro LG, Germano R, Menezes PL, Schmidt A, Pazin-Filho A; Obtenção de dados e Análise e interpretação dos dados: Ribeiro LG, Germano R, Menezes PL, Pazin-Filho A; Análise estatística: Ribeiro LG, Schmidt A, Pazin-Filho A.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pela FAPESP, PIBIC (CNPq), Aprender com cultura e extensão, Centro de treinamento em suporte a vida e FAEPA.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 17/11/12; revisado em 03/12/12; aceito em 23/04/13;

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  • Correspondência:

    Lucas Gaspar Ribeiro
    Rua Comandante Marcondes Salgado, 866, Apto 502, Centro
    CEP 14010-150, Ribeirão Preto, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Nov 2012
    • Aceito
      23 Abr 2013
    • Revisado
      03 Dez 2012
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