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Roubo de fluxo da artéria vertebral para a artéria torácica interna anastomosada na coronária

RELATO DE CASO

Roubo de fluxo da artéria vertebral para a artéria torácica interna anastomosada na coronária

Jose Sebastião de AbreuI,II,III; Nayara Lima PimentelIV; Jordana Magalhães SiqueiraIV; Carlos Newton Diógenes PinheiroV; Teresa Cristina Pinheiro DiógenesIII; José Nogueira Paes JuniorIII

IInstituto do Coração SP - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

IIUniversidade Estadual do Ceará

IIIProntocárdio e Clinicárdio

IVFaculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará

VHospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE - Brasil

Correspondência Correspondência: Jose Sebastião de Abreu Rua Dr. José Lourenço, 500/700, Meireles CEP 60115-280, Fortaleza, CE - Brasil E-mail: jsabreu@cardiol.br, jsabreu10@yahoo.com.br

Palavras-chave: Artéria Torácica Interna, Ecocardiografia sob Estresse, Angioplastia Coronária com Balão, Stents.

Introdução

As artérias vertebral esquerda e torácica interna são ramos da subclávia esquerda que, em condições fisiológicas, apresentam fluxo com direção anterógrada.

Na avaliação pelo Doppler, o fluxo na artéria torácica interna (ATI) mostra predomínio do componente sistólico, mas, ao ser anastomosada no sistema coronariano esquerdo, o predomínio do componente diastólico é o usual. Esse predomínio pode exacerbar-se, podendo ser verificado em situação que aumente o consumo de oxigênio do miocárdio, como a que ocorre durante o ecocardiograma sob estresse com dobutamina, quando o componente sistólico pode ser suprimido e o diastólico tornar-se o único componente do ciclo cardíaco. A imagem bidimensional e o Doppler permitem a avaliação anatômica das artérias e a constatação de padrões de fluxo normais e patológicos. Assim, a inversão da direção de fluxo de uma artéria pode ser compatível com roubo de fluxo, e uma acentuação do componente diastólico no Doppler da artéria torácica interna anastomosada (ATIA) pode indicar bom estado funcional do vaso1-3.

A oclusão da artéria subclávia esquerda determina comprometimento do aporte sanguíneo para o membro superior esquerdo, todavia o roubo de fluxo da artéria vertebral esquerda pode melhorar a perfusão daquele membro. Quando a oclusão da artéria subclávia ocorre nos casos com ATIA no sistema coronariano esquerdo, a direção do fluxo pós-estenótico nos pacientes sintomáticos é variável, podendo ser reverso nas artérias vertebral e torácica interna4, não ocorrer componente reverso5, ser reverso apenas na ATI6 ou, como em nosso relato, apresentar fluxo reverso preferencial da artéria vertebral esquerda para a ATI.

Relato do Caso

Paciente de 47 anos, sexo feminino, apresentava angina estável há aproximadamente três anos e angina crescente há três meses. Relatava diminuição da força para manter elevado o membro superior esquerdo. Era hipertensa, dislipidêmica e tabagista. Fazia uso regular de antagonista de cálcio, nitrato, ácido acetilsalicílico e estatina. Há 10 anos, foi submetida a revascularização miocárdica com ponte de veia safena para a coronária direita e de artéria torácica interna (ATI) para a coronária descendente anterior (DA).

Ao exame físico apresentava ausculta pulmonar fisiológica, ritmo cardíaco regular e B4, sopro cervical à esquerda (++/4+), pulso em membro superior esquerdo não palpável, sem edema. Pressão arterial no membro superior direito: 130 × 80 mmHg.

O eletrocardiograma mostrava alteração discreta de repolarização ventricular em parede anterolateral. Foi submetida a estudo hemodinâmico, que evidenciou oclusão da ponte de veia safena, estenose grave (>80%) em tronco da coronária esquerda (TCE), da DA, da circunflexa (Cx), da diagonal (Dg) e oclusão da artéria subclávia esquerda (ASE), não sendo possível a avaliação adequada do conduto ATI-DA (Figura 1A e 1B).


 






O ecocardiograma constatou hipertrofia ventricular esquerda discreta e contração segmentar basal normal. A imagem bidimensional e o Doppler da ATI anastomosada (ATIA), visualizados em nível supraclavicular, evidenciaram boa patência do conduto por meio de um espectro do Doppler com exuberante percentual de componente diastólico (84%) em repouso, bem acima do usualmente encontrado (Figura 1C e 1D). As artérias vertebrais apresentavam anatomia e velocidade dos fluxos normais, entretanto o fluxo era retrógrado na artéria vertebral esquerda (AVE) e com padrão anterógrado normal na direita (Figura 1E e 1F).

O médico assistente considerou que o sistema coronariano esquerdo estava parcialmente protegido pela ATIA, submetendo a paciente a implante de stent no TCE e na CX e a angioplastia da Dg, cessando a manifestação anginosa.

Seis meses após a intervenção percutânea, foi submetida a ecocardiograma sob estresse com dobutamina, atingindo frequência cardíaca máxima (220 − idade) com resultado negativo para isquemia miocárdica, sem intercorrências. No pico do estresse, o fluxo na ATIA tornou-se exclusivamente diastólico, com índice de reserva coronariana igual a 1,8 (Figura 2A e 2B), evidenciando bom estado funcional1,3, enquanto a AVE permaneceu com fluxo totalmente retrógrado (Figura 2C e 2D).


 








Quatro meses após o ecocardiograma sob estresse, a paciente foi submetida a nova intervenção para implante de stent na ASE. A angiografia subsequente mostrou conduto ATI-DA calibroso e totalmente pérvio (Figura 2E e 2F).

No novo estudo com o Doppler, verificou-se que a AVE passou a apresentar fluxo anterógrado normal. O fluxo da ATIA em repouso apresentou diminuição do componente diastólico, mas este se manteve predominante (58%), dentro do espectro esperado para ATIA com adequada patência (Figura 2G e 2H).

O pulso no membro superior esquerdo tornou-se palpável.

Discussão

Na oclusão da ASE de pacientes revascularizados com ATIA podem ocorrer distintas variações nas direções dos fluxos distais à ASE estenótica. No relato de Omeish e cols.4, verificou-se que um paciente admitido com edema agudo dos pulmões apresentou, no estudo hemodinâmico, fluxo reverso na ATIA e na AVE, constatando-se que, após o implante de stent na ASE ocluída, as direções desses fluxos normalizaram-se e tornaram-se anterógradas, concomitante a uma evolução clínica favorável. De outra forma, no relato de Alcocer e cols.5 considerou-se que o fluxo anterógrado para a ATIA estava comprometido, visto que nesse paciente com angina pectoris não havia um "compensatório" roubo de fluxo para a região distal à estenose da ASE. Vecera e cols.6 mostraram, por meio do Doppler, ATIA com fluxo reverso, e o estudo hemodinâmico confirmou a suspeita de oclusão da ASE. Após angioplastia na ASE, o fluxo da ATIA apresentou o padrão anterógrado normal.

O caso que relatamos é o primeiro a mostrar que, na presença de oclusão da ASE, o roubo de fluxo da AVE pode contribuir para aumentar o fluxo anterógrado de ATIA sem estenose e, para essa evidência, o papel da imagem bidimensional com Doppler foi fundamental.

O estudo hemodinâmico diagnosticou a oclusão da ASE, bem como as estenoses graves das coronárias, mas foi limitado na avaliação da ATIA. A imagem bidimensional com Doppler foi de grande importância para mostrar que o componente diastólico na ATIA era mais acentuado que o usual, o que sugeriu ao médico assistente que o sistema coronariano esquerdo estava parcialmente protegido por essa ATIA, favorecendo a decisão da intervenção percutânea por meio de stents em coronárias gravemente comprometidas, inclusive no tronco da coronária esquerda. Após a terapêutica intervencionista, a evolução assintomática da paciente e o fato de o ecocardiograma sob estresse com dobutamina ter sido negativo para isquemia miocárdica corroboraram o acerto da conduta efetuada. O Doppler da ATIA evidenciou bom estado funcional desse conduto visto que, durante o estresse, constatou-se que o fluxo tornou-se 100% diastólico e com índice de reserva coronariana de 1,8. O estudo bidimensional com Doppler efetuado logo após o implante de stent na ASE evidenciou que a direção do fluxo na AVE havia se normalizado (anterógrado), bem como ocorreram modificações no fluxo da ATIA, o qual apresentou aumento do componente sistólico, contudo permaneceu anterógrado e com predomínio diastólico (58%), sendo esse o padrão do Doppler usualmente encontrado em ATIA patente3.

Ressaltamos que a ecocardiografia sob estresse, que é tão difundida na avaliação da isquemia miocárdica, constitui ferramenta importante para a avaliação da reserva de fluxo coronariano através do enxerto.

Conclusão

Na presença de oclusão da ASE, inferiu-se que o roubo de fluxo da AVE contribuiu para incrementar o aporte sanguíneo para a ATIA. A imagem bidimensional com Doppler foi fundamental para mostrar que a ATIA estava patente e com bom estado funcional, favorecendo a decisão para a intervenção percutânea em graves estenoses do tronco e ramos de um sistema coronariano esquerdo parcialmente protegido.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Abreu JS; Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Abreu JS, Pimentel NL, Siqueira JM, Diógenes TCP, Paes Junior JN; Realização de procedimento (exame): Abreu JS, Pinheiro CND, Paes Junior JN.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pósgraduação.

Artigo recebido em 10/11/12; revisado em 4/12/12; aceito em 25/3/13.

  • 1. Abreu JS, Diógenes TC, Morais JM, Barretto JE, Lobo Fo. JG, Paes Jr JN. Avaliação da patência da mamária interna enxertada pelo ecodoppler com e sem uso de dobutamina. Arq Bras Cardiol. 1997;69(supl I):119.
  • 2. Arruda A, Campos Filho O, Ribeiro E, Petrizzo A, Andrade JL, Carvalho AC, et al. Avaliação da anastomose de artéria torácica interna esquerda com artéria interventricular anterior pela ecodopplercardiografia. Arq Bras Cardiol. 1997;69(6):413-9.
  • 3. Abreu JS, Diógenes TC, Abreu AL, Barreto JE, Morais JM, Abreu ME, et al. Artéria torácica interna enxertada: patência e estado funcional em repouso e após dobutamina. Arq Bras Cardiol. 2008;90(1):37-45.
  • 4. Omeish AF, Ghanma IM, Alamlih RI. Successful stenting of total left subclavian artery occlusion post-coronary artery bypass graft surgery using dual left vertebral artery and left internal mammary artery protection. J Invasive Cardiol. 2011;23(6):E132-6.
  • 5. Alcocer A, Castillo G, Rivera-Capello JM, González V, Meaney E. Anterograde flow compromise of a patent left internal mammary artery graft from a proximal subclavian artery stenosis. Myocardial ischemia not driven by the coronary-subclavian steal syndrome mechanism. Arch Cardiol Mex. 2012;82(2):135-8.
  • 6. Vecera J, Vojtísek P, Varvarovský I, Lojík M, Másová K, Kvasnicka J. Non-invasive diagnosis of coronary-subclavian steal: role of the Doppler ultrasound. Eur J Echocardiogr. 2010;11(9):E34.
  • Correspondência:

    Jose Sebastião de Abreu
    Rua Dr. José Lourenço, 500/700, Meireles
    CEP 60115-280, Fortaleza, CE - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Nov 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Nov 2012
    • Aceito
      25 Mar 2013
    • Revisado
      04 Dez 2012
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