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Adesão ao tratamento por indivíduos com a co-infecção HIV/tuberculose: revisão integrativa da literatura

Adhesión al tratamiento de individuos con la co-infección de HIV/tuberculosis: revisión integradora de la literatura

Resumos

Trata-se de revisão integrativa cujo objetivo foi avaliar as evidências disponíveis na literatura sobre os fatores associados à adesão ao tratamento por pacientes com a co-infecção HIV/TB. Foram levantados artigos publicados no período de 2002 a 2008, nas bases de dados LILACS e MEDLINE. O material foi categorizado de acordo com ano de publicação, periódico, local do estudo e fatores relacionados à adesão. A amostra final foi composta por oito artigos. Os fatores encontrados, associados à adesão ao tratamento da co-infecção HIV/TB, relacionam-se: ao indivíduo e ao estilo de vida (tratamento prévio de TB, receio de estigma e discriminação, uso de substâncias químicas, depressão, suporte social), à doença e aos medicamentos (tipo de regime medicamentoso, uso de outros medicamentos, efeitos colaterais, dificuldade de diagnóstico de TB nestes pacientes), e aos serviços de saúde (problemas operacionais para acompanhar o tratamento, treinamento dos profissionais, supervisão, locais distintos para atendimento de TB e de HIV).

Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; HIV; Tuberculose; Recusa do paciente ao tratamento; Pacientes desistentes do tratamento


Se trata de una revisión integradora cuyo objetivo fue evaluar las evidencias disponibles en la literatura sobre los factores asociados a la adhesión al tratamiento de pacientes con la coinfección HIV/TB. Fueron recopilados artículos publicados en el período de 2002 a 2008, en las bases de datos LILACS y MEDLINE, se categorizaron de acuerdo con el año de publicación, periódico, local del estudio y factores relacionados con la adhesión. La muestra final se compuso de ocho artículos. Los factores asociados con la adhesión al tratamiento de la coinfección HIV/TB encontrados fueron: relacionados al individuo y el estilo de vida (tratamiento previo de TB, recelo a estigma y discriminación, uso de sustancias químicas, depresión, soporte social); a la enfermedad y a los medicamentos (tipo de régimen medicamentoso, uso de otros medicamentos, efectos colaterales, dificultad de diagnóstico en estos pacientes) y a los servicios de salud (problemas operativos para seguimiento del tratamiento, entrenamiento de los profesionales, supervisión, locales distintos para la atención de TB y HIV).

Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; VIH; Tuberculosis; Negativa del paciente al tratamiento; Pacientes desistentes del tratamiento


This is an integrative review whose objective was to evaluate the evidences available in the literature about the factors associated to the compliance with the treatment by patients with the co-infection HIV/TB. Articles published in the period from 2002 to 2008, in the databases LILACS and MEDLINE were analyzed. The material was categorized according to the year of publication, periodical, study location and factors related to the compliance. The final sample included eight articles. The factors found, associated to the compliance with the treatment of the co-infection HIV/TB, related to: the individual and his lifestyle (previous TB treatment, fear of stigma and discrimination, use of chemical substances, depression, social support); the disease and the medication (type of medication regime, use of other medication, adverse effects, difficulty to diagnose TB in these patients); and the health services (operational problems to follow up the treatment, training of the professionals, supervision, different locations to treat TB and HIV).

Acquired Immunodeficiency Syndrome; HIV; Tuberculosis; Treatment refusal; Patient dropouts


ARTIGO DE REVISÃO

Adesão ao tratamento por indivíduos com a co-infecção HIV/tuberculose: revisão integrativa da literatura

Adhesión al tratamiento de individuos con la co-infección de HIV/tuberculosis: revisión integradora de la literatura

Lis Aparecida de Souza NevesI; Renata Karina ReisII; Elucir GirIII

IEnfermeira. Doutoranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. lisapneves@yahoo.com.br IIEnfermeira. Professora Doutora do Curso de Enfermagem e Farmácia da Universidade Federal de Alagoas. Maceió, AL, Brasil. renakari2006@hotmail.com IIIEnfermeira. Professora Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. egir@eerp.usp.br

Correspondência Correspondência: Lis Aparecida de Souza Neves Rua Capitão Osório Junqueira, 1003 CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil

RESUMO

Trata-se de revisão integrativa cujo objetivo foi avaliar as evidências disponíveis na literatura sobre os fatores associados à adesão ao tratamento por pacientes com a co-infecção HIV/TB. Foram levantados artigos publicados no período de 2002 a 2008, nas bases de dados LILACS e MEDLINE. O material foi categorizado de acordo com ano de publicação, periódico, local do estudo e fatores relacionados à adesão. A amostra final foi composta por oito artigos. Os fatores encontrados, associados à adesão ao tratamento da co-infecção HIV/TB, relacionam-se: ao indivíduo e ao estilo de vida (tratamento prévio de TB, receio de estigma e discriminação, uso de substâncias químicas, depressão, suporte social), à doença e aos medicamentos (tipo de regime medicamentoso, uso de outros medicamentos, efeitos colaterais, dificuldade de diagnóstico de TB nestes pacientes), e aos serviços de saúde (problemas operacionais para acompanhar o tratamento, treinamento dos profissionais, supervisão, locais distintos para atendimento de TB e de HIV).

Descritores: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. HIV. Tuberculose. Recusa do paciente ao tratamento. Pacientes desistentes do tratamento.

RESUMEN

Se trata de una revisión integradora cuyo objetivo fue evaluar las evidencias disponibles en la literatura sobre los factores asociados a la adhesión al tratamiento de pacientes con la coinfección HIV/TB. Fueron recopilados artículos publicados en el período de 2002 a 2008, en las bases de datos LILACS y MEDLINE, se categorizaron de acuerdo con el año de publicación, periódico, local del estudio y factores relacionados con la adhesión. La muestra final se compuso de ocho artículos. Los factores asociados con la adhesión al tratamiento de la coinfección HIV/TB encontrados fueron: relacionados al individuo y el estilo de vida (tratamiento previo de TB, recelo a estigma y discriminación, uso de sustancias químicas, depresión, soporte social); a la enfermedad y a los medicamentos (tipo de régimen medicamentoso, uso de otros medicamentos, efectos colaterales, dificultad de diagnóstico en estos pacientes) y a los servicios de salud (problemas operativos para seguimiento del tratamiento, entrenamiento de los profesionales, supervisión, locales distintos para la atención de TB y HIV).

Descriptores: Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida. VIH. Tuberculosis. Negativa del paciente al tratamiento. Pacientes desistentes del tratamiento.

INTRODUÇÃO

A identificação do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) ocorreu há pouco mais de duas décadas, porém, o número de pessoas infectadas e doentes aumentou vertiginosamente nesse curto período de tempo. O HIV é um retrovírus que compromete a imunidade celular, tornando o indivíduo suscetível ao desenvolvimento de infecções oportunistas(1).

Atualmente a tuberculose (TB) tem sido considerada uma das doenças mais associadas à infecção pelo HIV, uma vez que é considerada um dos principais fatores de risco na progressão de infecção latente pelo bacilo TB para doença ativa(2).

As vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas dos pacientes portadores de HIV/Aids contribuem desfavoravelmente para a co-infecção tuberculose, uma vez que a TB continua sendo um dos grandes problemas de Saúde Pública para os países em desenvolvimento(3). A TB está diretamente ligada à pobreza, à má distribuição de renda e à urbanização acelerada(4); chocando-se com a epidemia de HIV/Aids, que enfrenta um processo crescente de pauperizacão.

O Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde, ocupa o 14º lugar entre os 23 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo(5); com prevalência no país estimada em 58 casos/100.000 habitantes, ocorrendo anualmente cerca de 100.000 casos novos. Por outro lado, até junho de 2008 foram notificados 506.499(6) casos de Aids, estimando-se que existem aproximadamente 600.000 portadores do HIV.

Segundo o Ministério da Saúde(6) em 2006 foram notificados no país 83.977 casos novos de TB sendo que 7.557 estavam co-infectados pelo HIV (9%) e os Estados com maiores percentagens são Santa Catarina (20,25 %), Rio Grande do Sul (19,9 %), e São Paulo (15,6 %). Para os indivíduos vivendo com HIV/Aids no Brasil, estima-se que 18% deles sofram de TB sendo uma das três principais causas de morte por doença infecciosa nestes indivíduos.

A co-infecção HIV/TB traz um forte impacto no comportamento da epidemia de ambas as patologias, bem como é responsável pelo aumento dos índices de mortalidade, tornando-se um desafio para a saúde pública.

O maior problema apontado no tratamento de ambas as doenças é a não adesão(4); que apresenta como conseqüência, elevação dos indicadores de incidência e mortalidade.

A questão da adesão ao tratamento da Aids passou a ter relevância desde 1996, com a introdução da terapia anti-retroviral (ARV) como parte da política brasileira de acesso universal e gratuito aos serviços de saúde e aos medicamentos. Entre os fatores que comprometem o sucesso do programa de distribuição universal e gratuita dos medicamentos está a adesão dos pacientes à terapia anti-retroviral(7).

A não-adesão ao regime medicamentoso com ARV é considerada um dos maiores perigos à resposta ao tratamento individual(8); contribuindo para o aumento das taxas de mortalidade e morbidade. Também está relacionado diretamente à falência terapêutica, facilitando a emergência de cepas do HIV resistentes aos medicamentos existentes, implicando na necessidade de utilização de combinação de outras drogas, o que pode comprometer ainda mais a adesão ao tratamento.

Em relação à TB, o paciente que abandona o tratamento torna-se importante fonte de transmissão do bacilo, prolongando a infecciosidade, causando danos individuais e à saúde pública, pois pode levar a um aumento dos índices de multirresistência às drogas.

O conhecimento dos fatores associados à adesão ao tratamento nos pacientes co-infectados é de extrema importância para o redirecionamento de estratégias que orientem as ações de saúde, no sentido de potencializar a cura e a não disseminação da TB, bem como melhorar a qualidade de vida dos pacientes infectados pelo HIV.

Procurando contribuir e somar esforços para a excelência da assistência aos pacientes co-infectados, propôs-se a presente investigação com o objetivo de avaliar as evidências disponíveis na literatura sobre os fatores associados com a adesão ao tratamento de pacientes com a co-infecção HIV/TB.

OBJETIVO

Avaliar as evidências disponíveis na literatura sobre os fatores associados com a adesão ao tratamento de pacientes com a co-infecção HIV/TB.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, que é uma forma de investigar estudos já existentes, visando obter conclusões a respeito de um tópico em particular(9). É considerada uma estratégia utilizada para identificar as evidências existentes, fundamentando a prática de saúde nas diferentes especialidades.

Para a elaboração da presente revisão integrativa, foram seguidos os procedimentos metodológicos(10) :

1. Formulação da questão e dos objetivos da revisão;

2. Estabelecimento de critérios para seleção dos artigos;

3. Categorização dos estudos;

4. Avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa;

5. Análise dos dados e apresentação dos resultados.

A questão norteadora do presente estudo foi: quais são os fatores associados à adesão ao tratamento da co-infecção HIV/TB?

Para a seleção dos artigos foram utilizadas duas bases de dados eletrônicas, de forma a ampliar o âmbito da pesquisa, minimizando possíveis vieses nessa etapa do processo de elaboração da revisão integrativa, a saber:

A) LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências Sociais e da Saúde): é um diretório, parte de um conjunto de instrumentos, que compõe a metodologia criada pela BIREME/OMS/OPAS para a construção de uma base de dados de literatura Latino - Americana e do Caribe em Ciências da Saúde. Está disponível desde 1983, com periodicidade quadrimestral e tem indexadas publicações nos idiomas português e espanhol.

B)MEDLINE (1997-2008): é uma base de dados direcionada para publicações relacionadas à área da saúde, em que podem ser obtidos resumos de artigos internacionais, na língua inglesa.

Os critérios de inclusão definidos foram artigos de periódicos publicados em português, inglês e espanhol, com os resumos disponíveis nas bases de dados selecionadas, no período compreendido entre 2002 e 2008.

Os artigos foram selecionados inicialmente sob a forma de resumos, sendo que, posteriormente, foram buscados e analisados na íntegra.

Para a análise e posterior síntese dos artigos que atenderam aos critérios de inclusão, foi construído um quadro sinóptico especialmente para esse fim, que contemplou os seguintes aspectos: ano de publicação, periódico onde foi publicado, local do estudo e fatores relacionados à adesão, citados no artigo.

Em uma primeira etapa, foram usados para levantamento dos artigos, os descritores de assunto: AIDS ou infecções oportunistas relacionadas com a Aids e tuberculose; posteriormente foi feita a combinação destes descritores e a palavra adesão ou adherence, para a seleção final.

Na busca realizada apenas com os descritores, encontramos um número muito grande de artigos que se referiam a outras particularidades da co-infecção, principalmente tipos de tratamento, patogenia, relatos de caso e estudos de prevalência. No refinamento da busca, quando acrescentamos a palavra adesão ou adherence encontramos seis artigos na base LILACS e doze na base MEDLINE. Após a eliminação de duplicidades e leitura dos artigos na íntegra foi possível selecionar oito artigos no total, que abordavam o tema e continham respostas à questão formulada.

O estudo foi realizado no período de outubro de 2008 a janeiro de 2009.

Em virtude da natureza da pesquisa não foi necessário submeter o projeto para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A distribuição dos oito artigos selecionados de acordo com o ano de publicação foi a seguinte: 02 (25%) artigos publicados em 2002, 01 (12,5%) em 2003, 01(12,5%) em 2004, 02 (25%) em 2005, 01 (12,5%) em 2007 e 01 (12,5%) em 2008, conforme apresentado na Tabela 1.

Em relação ao idioma, três (37,5%) artigos foram publicados em português e cinco (62,5%) em inglês e, desses, dois artigos o foram em periódicos brasileiros; cinco estudos (62,5%) foram desenvolvidos no Brasil, um no Peru, um nos Estados Unidos e um na França.

No Brasil, independentemente das taxas elevadas de co-infecção, a adesão ao tratamento do paciente com Aids é motivo de preocupação desde o início da terapia anti-retroviral, quando iniciou o fornecimento gratuito dos medicamentos a todos os pacientes pelo Sistema Único de Saúde(7). Em nossa busca, observamos muitos estudos de prevalência e relacionados ao tratamento da co-infecção, em países da África, Ásia e América Latina, mas a literatura disponível sobre adesão destes pacientes é praticamente inexistente, ficando o Brasil na liderança da publicação de artigos referentes a este aspecto.

A Tabela 2 aponta os sete periódicos onde os artigos foram publicados, evidenciando que três têm como foco as doenças infecciosas, um é de pneumologia, um de tuberculose, um de saúde pública e um de enfermagem. Este fato mostra que as publicações do tema TB e Aids ocorrem não só em periódicos especializados na área de infectologia, como também na área de saúde pública e de enfermagem.

Algum grau de não-adesão ocorre universalmente em qualquer país, seja desenvolvido ou subdesenvolvido, e mesmo em doenças que envolvem potenciais riscos de vida. Estudos realizados para analisar a adesão dos pacientes com aids confirmam que a adesão ao tratamento é um fenômeno complexo e multicausal(7,10).

Embora a maioria dos artigos apresentasse aspectos mais abrangentes da co-infecção HIV/TB, foi possível identificar nos achados de cada um, fatores associados à adesão ao tratamento, conforme descrito na Tabela 3.

Após a leitura dos achados nos artigos, os fatores associados com a adesão foram classificados em três categorias para análise, dispostos na Tabela 4.

Fatores relacionados ao paciente e estilo de vida

Os fatores relacionados ao indivíduo e ao seu estilo de vida correlacionam-se com o perfil socioeconômico-cultural, idade, depressão, isolamento social e uso de substâncias químicas.

A experiência anterior de tratamento para TB é uma variável comportamental, que pode ser determinada por contextos permanentes ou pontuais. Pessoas com história de abandono ao tratamento têm maior probabilidade de interromper novamente ou aderir em níveis insatisfatórios(11). Muitas vezes a percepção do paciente é apenas a dos efeitos colaterais, preferindo interromper o tratamento, pois não acredita que o mesmo lhe trará benefícios.

Não se pode prever a adesão a partir do comportamento do paciente; é um fenômeno ligado à vivência ao longo do tratamento e podem surgir mudanças durante este período, de acordo com as dificuldades e experiências do paciente, com momentos de maior ou menor adesão(12).

O estilo de vida de alguns usuários de drogas pode se transformar em um fator determinante para a não-adesão e não o uso de drogas em si. O uso de substâncias ilícitas é um fator significativamente associado à baixa adesão(13) e seus padrões de uso frequentemente não são abordados pelos profissionais de saúde. Os estereótipos associados ao uso de drogas dificultam que os usuários sejam abordados na sua singularidade, impedindo que a equipe de saúde os auxilie em dificuldades específicas(12); além de que, geralmente, estes profissionais não têm capacitação específica.

A depressão, os sentimentos negativos e a perda da esperança podem reduzir a motivação para o indivíduo se tratar. Para os portadores do HIV/Aids, que ainda é uma doença associada com a morte, uma forma de sobreviver é relegar a doença para segundo plano, não deixando que ela ocupe um espaço grande em suas vidas(14). Desta forma, muitas vezes o tratamento é deixado de lado, pois o indivíduo sente-se incapaz de manter o tratamento, com a lembrança constante da doença.

A preocupação com a revelação de estar infectado muitas vezes é auto-imposta pelo medo que o portador do HIV e da TB, tem de, ao tornar conhecido seu diagnóstico, ficar sujeito a preconceitos, uma vez que ambas as doenças ainda são alvo de estigma. No início da epidemia da Aids eram comuns relatos de redução dos direitos de cidadania causados pelo conhecimento público do diagnóstico do HIV.

Muitas vezes os pacientes optam por manter sigilo sobre o seu diagnóstico, o que pode levá-los ao afastamento de pessoas que eventualmente poderiam prover apoio. Muitos portadores do HIV/Aids são obrigados a fingir ou mentir sobre aspectos importantes de suas vidas, enfrentando situações constrangedoras, como mentir para ir ao médico, esconder ou usar de dissimulação para tomar os medicamentos, enfrentar o medo de ser identificado como portador do HIV no serviço de saúde, gerando uma clandestinidade de si mesmos, que afeta suas vidas em vários aspectos: afetivo, profissional, social e até mesmo na maneira como conduzem o próprio tratamento(14).

O medo de ser vítima de preconceito pode ocasionar isolamento social e restrição dos relacionamentos interpessoais, com impacto negativo na rede de suporte social de pessoas que vivem com HIV/Aids. O suporte social tem um papel importante, ao diminuir as conseqüências negativas de eventos estressantes, enquanto o apoio insuficiente de pessoas que convivem no meio social, familiar ou comunitário parece afetar negativamente a adesão, podendo ainda levar à depressão e à desesperança(11).

Fatores relacionados à doença e ao tratamento

Estudos mostram que os efeitos colaterais dos medicamentos também influenciam a adesão(15,16).

A terapêutica utilizada no combate à TB utiliza várias drogas, uma vez que o bacilo causador apresenta rotineiramente mutações. O esquema inicial inclui a associação de três drogas - rifampicina, hidrazida e pirazinamida - durante 2 meses, seguidos de rifampicina e hidrazida, do terceiro ao sexto mês(5). Paralelamente, os medicamentos antiretrovirais de uso contínuo apresentam um grande número de efeitos colaterais como náusea, vômito, dor de cabeça e diarréia entre outros; quando associados aos tuberculostáticos estes efeitos podem comprometer ainda mais o convívio do paciente.

Outros fatores também estão relacionados diretamente ao ato de tomar a medicação como, por exemplo, a dificuldade de dissolver ou de engolir e intolerância ao cheiro e ao gosto(7).

Quanto maior o número de comprimidos e o número de tomadas por dia, mais complexa é a adesão ao tratamento(16). A adesão adequada aos esquemas antituberculose e ARV concomitantes é um grande desafio, devido à elevada quantidade de comprimidos a serem ingeridas ao dia. Por isso considera-se, sempre que possível, o adiamento do início do tratamento ARV em pacientes co-infectados, particularmente naqueles que apresentam quadros de imunodeficiência menos graves do ponto de vista clínico-laboratorial.

Alguns autores(17) sugerem novas apresentações dos medicamentos tuberculostáticos, reduzindo o número de comprimidos diários, de forma a tornar mais efetiva a administração dos esquemas preconizados.

A TB é sabidamente mais difícil de ser diagnosticada nos indivíduos infectados pelo HIV. Nestes, há uma maior freqüência de formas extra-pulmonares de TB, o que requer uma investigação mais acurada por parte dos profissionais(12). Um percentual elevado dos casos apresenta baciloscopia direta de escarro negativa, tornando absolutamente necessária a realização rotineira de cultura para micobactérias no diagnóstico de TB em portadores do HIV(5); o que nem sempre é possível dadas as dificuldades laboratoriais para a implementação desta rotina.

Fatores relacionados aos Serviços de Saúde

É necessário considerar que a adesão ao tratamento não se limita à clínica tradicional e está relacionada não somente à forma como o paciente concebe a doença, mas também à organização dos serviços de saúde(16).

As características dos serviços de saúde e a relação com a assistência recebida são apontadas como fatores preditores de não adesão potencial(18). Estudo realizado em um Centro de Referência para tratamento de pacientes com AIDS em São Paulo avalia que a chamada acessibilidade funcional, ou seja, o bom vínculo e a relação com os profissionais de saúde são preponderantes na adesão ao serviço em relação à acessibilidade geográfica(18).

Em relação à inacessibilidade e ao custo das drogas, no Brasil a distribuição dos antituberculostáticos e ARV é gratuita e universal; porém em alguns locais ainda podemos encontrar barreiras para o início do tratamento, relacionadas com a demora no diagnóstico da TB ou da infecção pelo HIV.

A estratégia de supervisionar a tomada das medicações - DOTS (Tratamento Diretamente Observado de Curta Duração), também chamada de Tratamento Supervisionado (TS) tem sido recomendada pela Organização Mundial de Saúde desde 1993. O TS constitui-se numa importante estratégia no tratamento de pacientes com TB, pois garante que as drogas estão sendo ingeridas corretamente e com a duração apropriada; também possibilita a aproximação do contexto social dos indivíduos e o seguimento continuado do doente, uma vez que permite o estabelecimento de vínculo entre o paciente e o profissional de saúde(16). É especialmente recomendado para pacientes com dificuldades de adesão, incluindo os portadores da co-infecção HIV/TB.

Outro aspecto importante é garantir que o paciente receba assistência de qualidade em todas as ações relacionadas ao atendimento - acolhimento, respeito às suas necessidades, privacidade, assistência social, levando o paciente a reconhecer o serviço e os profissionais que nele atuam como parceiros na recuperação de sua saúde(17). Neste sentido, um trabalho realizado em equipe, que conte com vários profissionais (médico, enfermeiro, farmacêutico, assistente social, psicólogo) pode favorecer e estimular a adesão do paciente.

A TB é uma doença que tem suporte na miséria e, portanto, não se resolve atacando apenas a patologia, exigindo uma visão ampliada e humanizada da equipe de saúde. Faz-se necessária a realização de treinamentos específicos e periódicos no manejo da co-infecção HIV/TB para todos os profissionais que trabalham direta ou indiretamente na assistência aos pacientes com tuberculose, bem como para aqueles que atendem aos indivíduos infectados pelo HIV.

Estes treinamentos devem ser oferecidos também aos trabalhadores dos hospitais, uma vez que apesar do tratamento da TB ser, em grande parte, de âmbito ambulatorial, os pacientes também têm sido diagnosticados nos hospitais e, muitas vezes, têm alta sem a devida orientação relacionada à continuidade do tratamento.

O fato de que em alguns serviços o atendimento é específico para tratamento de apenas uma das doenças, obrigando o paciente a se deslocar para ser atendido em outro local quando apresenta a co-infecção, interpõe-se como mais um obstáculo a uma boa adesão, aumentando a freqüência das consultas e com os profissionais nem sempre com a mesma sintonia em relação ao esclarecimento do paciente.

A magnitude da interação tuberculose e HIV/Aids demanda que haja uma articulação das ações desenvolvidas pelos respectivos programas, permitindo um melhor gerenciamento dos recursos direcionados ao diagnóstico, assistência e controle das duas infecções(17).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adesão ao tratamento ainda não é um aspecto muito explorado na literatura científica no que diz respeito à co-infecção HIV/TB, sendo que o Brasil lidera estes estudos.

A adesão do paciente é influenciada por questões multifatoriais, que podem ser relacionadas ao indivíduo, à doença ou aos serviços de saúde. As equipes devem ser capacitadas e estarem mais atentas para a presença de condições de vida ou situações vivenciadas pelos pacientes que possam aumentar a vulnerabilidade para rupturas na adesão.

Ações técnicas devem ser implementadas, tais como a busca ativa de ambas as doenças (oferecimento de teste anti-HIV e coleta de baciloscopia com cultura).

Os serviços devem se estruturar para oferecer o TS da forma mais ampla possível, uma vez que este tem se apresentado como estratégia eficiente para melhorar a adesão.

Cabe aos gestores de ambos os programas interagirem para envidar esforços que visam aumentar a adesão e os índices de cura da TB, bem como melhorar a qualidade de vida dos pacientes portadores do HIV/Aids.

Recebido: 27/01/2009

Aprovado: 18/11/2009

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  • Correspondência:

    Lis Aparecida de Souza Neves
    Rua Capitão Osório Junqueira, 1003
    CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2009
    • Aceito
      18 Nov 2009
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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