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Alteração física e morfológica em solos cultivados sob sistema tradicional de manejo

Physical and morphological alterations in cultivated soil under traditional management system

Resumos

O presente trabalho foi realizado numa área agrícola situada no município de Bariri (SP), em área cultivada com citros (Citrus sinensis), onde foram estudadas algumas alterações pedológicas decorrentes de um longo período de exploração agrícola com sistema tradicional de manejo do solo. Foi estabelecida uma condição de seqüência topográfica para que pudesse ser avaliada a importância da posição dos solos no relevo sobre as modificações de alguns dos seus atributos físicos. As observações foram realizadas em campo e laboratório, em perfis verticais situados nos terços: superior, médio e inferior da encosta em um Latossolo Vermelho com alguns atributos avaliados estatisticamente por meio de teste de comparação de médias. Houve alterações na densidade do solo e da macroporosidade, principalmente nas posições mais baixas do relevo. Nestas posições, mais argilosas, há preenchimento dos espaços vazios, com a formação de estrutura em blocos, ocorrendo concomitantemente com a estrutura microagregada. Os tratos culturais promoveram grandes alterações na estrutura dos solos, mesmo em camadas relativamente profundas. O estudo ressaltou a importância de observações morfológicas detalhadas dos perfis de solo, em virtude da grande variabilidade dos atributos pedológicos a uma curta distância, sendo observados, num mesmo horizonte do perfil, setores compactados ao lado de bolsões desagregados, o que atesta a necessidade de serem considerados tanto os gradientes verticais (em cada perfil) como os laterais (ao longo da toposseqüência) no estudo das variações temporais dos parâmetros pedológicos.

manejo tradicional do solo; seqüência topográfica; agregados do solo; micromorfologia do solo


Some of the pedologic alterations resulting from traditional soil management methods were studied in an area cultivated with citrus (Citrus sinensis) in a farm in Bariri County, State of São Paulo, Brazil. A toposequence was established to evaluate the effect of the position in the landscape on changes in soil physical attributes. Field and lab data were taken in vertical profiles of the upper, middle and lower slope levels of a Typic Haplorthox and some parameters were evaluated statistically through mean comparison tests. Results evidenced that the soil bulk density and macroporosity changed along the toposequence, especially at the lower levels of the slope. In such positions, where the clay level is higher, empty spaces were filled, forming blocky structures, which occurred concomitantly with micro-aggregate structure. Intensive cultivation caused the greatest soil structure alterations, even at the deeper soil layer. The study reinforces the importance of detailed morphological observations in vertical profiles due to the great variation of pedological attributes within a short distance. In a single profile, compact sectors were observed side by side with disaggregated pockets. This shows that vertical gradients (in each profile) as well as lateral ones (along a toposequence) have to be taken into account when studying temporal variations of pedological parameters.

traditional soil management; topographic sequence; soil aggregates; soil micromorphology


NOTA

Alteração física e morfológica em solos cultivados sob sistema tradicional de manejo1 1 Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada à Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Physical and morphological alterations in cultivated soil under traditional management system

Jorge Luís Nascimento SoaresI; Carlos Roberto EspíndolaII; Selma Simões de CastroIII

IEngenheiro-Agrônomo Assistente Técnico da Divisão de Cartografia e Recursos Naturais do INCRA, Travessa dos Murucutuns s/n, CEP 66610-126 Belém (PA). E-mail: jorgeincra@yahoo.com.br

IIProfessor da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Cidade Universitária Zeferino Vaz. Caixa Postal 6011, CEP 13081-970 Campinas (SP). E-mail: carlosespindola@uol.com.br

IIIProfessora da Universidade Federal de Goiás – UFG. Campus II Samambaia, Caixa Postal 131, CEP 74001-970 Goiânia (GO). E-mail: selma@iesa.ufg.br

RESUMO

O presente trabalho foi realizado numa área agrícola situada no município de Bariri (SP), em área cultivada com citros (Citrus sinensis), onde foram estudadas algumas alterações pedológicas decorrentes de um longo período de exploração agrícola com sistema tradicional de manejo do solo. Foi estabelecida uma condição de seqüência topográfica para que pudesse ser avaliada a importância da posição dos solos no relevo sobre as modificações de alguns dos seus atributos físicos. As observações foram realizadas em campo e laboratório, em perfis verticais situados nos terços: superior, médio e inferior da encosta em um Latossolo Vermelho com alguns atributos avaliados estatisticamente por meio de teste de comparação de médias. Houve alterações na densidade do solo e da macroporosidade, principalmente nas posições mais baixas do relevo. Nestas posições, mais argilosas, há preenchimento dos espaços vazios, com a formação de estrutura em blocos, ocorrendo concomitantemente com a estrutura microagregada. Os tratos culturais promoveram grandes alterações na estrutura dos solos, mesmo em camadas relativamente profundas. O estudo ressaltou a importância de observações morfológicas detalhadas dos perfis de solo, em virtude da grande variabilidade dos atributos pedológicos a uma curta distância, sendo observados, num mesmo horizonte do perfil, setores compactados ao lado de bolsões desagregados, o que atesta a necessidade de serem considerados tanto os gradientes verticais (em cada perfil) como os laterais (ao longo da toposseqüência) no estudo das variações temporais dos parâmetros pedológicos.

Termos de indexação: manejo tradicional do solo, seqüência topográfica, agregados do solo, micromorfologia do solo.

SUMMARY

Some of the pedologic alterations resulting from traditional soil management methods were studied in an area cultivated with citrus (Citrus sinensis) in a farm in Bariri County, State of São Paulo, Brazil. A toposequence was established to evaluate the effect of the position in the landscape on changes in soil physical attributes. Field and lab data were taken in vertical profiles of the upper, middle and lower slope levels of a Typic Haplorthox and some parameters were evaluated statistically through mean comparison tests. Results evidenced that the soil bulk density and macroporosity changed along the toposequence, especially at the lower levels of the slope. In such positions, where the clay level is higher, empty spaces were filled, forming blocky structures, which occurred concomitantly with micro-aggregate structure. Intensive cultivation caused the greatest soil structure alterations, even at the deeper soil layer. The study reinforces the importance of detailed morphological observations in vertical profiles due to the great variation of pedological attributes within a short distance. In a single profile, compact sectors were observed side by side with disaggregated pockets. This shows that vertical gradients (in each profile) as well as lateral ones (along a toposequence) have to be taken into account when studying temporal variations of pedological parameters.

Index terms: traditional soil management, topographic sequence, soil aggregates, soil micromorphology.

INTRODUÇÃO

O grande desafio da agricultura moderna está na busca da sustentabilidade socioeconômica da exploração agrícola, ou de uma nova condição de equilíbrio do sistema de produção, o que envolve, dentre outros, o manejo adequado do solo. As características favoráveis de solos argilosos profundos, bem estruturados e sob relevo suave, presentes na região central do Estado de São Paulo, favoreceram o emprego de práticas intensivas de manejo. Com a expansão da exploração agrícola, solos de textura média foram também incorporados à agricultura e, com o tempo, processos de degradação se fizeram presentes, exigindo grandes investimentos para a recuperação dos solos, com vistas na produtividade desejável.

Os efeitos danosos do manejo inadequado do recurso natural do solo podem ser observados, com clareza, ao longo de uma toposseqüência. A redução na taxa de infiltração de água, por diminuição da macroporosidade, favorece seu escoamento superficial e o arraste de partículas finas das posições mais elevadas para as mais baixas (Cintra et al., 1983; Centurion & Demattê, 1985). O uso agrícola intensivo, empregando práticas tradicionais de manejo, evidencia a necessidade de uma nova postura a respeito das práticas de manejo, uma vez que os efeitos físicos decorrentes acabam assumindo uma grande importância na qualidade dos solos (Tavares Filho et al., 1999). Portanto, não apenas a quantidade de elementos nutritivos passou a interessar, mas também as condições físicas que as raízes encontram no corpo do solo (Hénin et al., 1960).

O objetivo do presente trabalho foi identificar as condições físicas de um Latossolo Vermelho disposto ao longo de uma seqüência topográfica, cultivado com citros em sistema tradicional de manejo, bem como avaliar a contribuição do relevo nos resultados obtidos.

MATERIAL E MÉTODOS

Localização e meio físico

O estudo foi realizado em áreas cultivadas da Fazenda Bananal, no município de Bariri (SP), região central do Estado, pertencente à Província Geomorfológica do Planalto Ocidental, nas proximidades do ponto geográfico de coordenadas 22 ° 04 ' 00 " S e 48 ° 42 ' 00 " WGr. A área foi desmatada em 1927, para a introdução da cultura do café, que se manteve durante cinco décadas, sendo substituída por citros sempre sob sistema convencional de manejo. As condições apresentadas são favoráveis aos propósitos estabelecidos, quais sejam: atividade agrícola convencional e intensiva durante vários anos com citros, solos produtivos e paisagem em seqüência topográfica.

O tipo climático da região é o Cwa, de acordo com a classificação de Köppen, que se caracteriza por apresentar-se como tropical úmido com um inverno seco e temperatura média do mês mais frio inferior a 18 °C e a do mês mais quente não ultrapassando 22 °C; o total das chuvas do mês mais seco não ultrapassa 30 mm. O índice pluviométrico varia entre 1.100 e 1.700 mm, e a estação seca nesta região ocorre entre os meses de abril e setembro, sendo o período mais chuvoso entre janeiro e fevereiro. A temperatura do mês mais quente oscila entre 22 e 24 °C. A vegetação natural da região aparece isoladamente como maciços residuais de uma floresta latifoliada tropical e os materiais superficiais (solos) são originados de uma mistura de alterações de rochas básicas e de arenitos do Grupo Bauru (IPT, 1981).

Análises e determinações

As amostras de solo foram coletadas ao longo de uma seqüência topográfica: terço superior, médio e inferior da encosta. Os pontos de amostragem foram determinados após análises morfológicas, quando foram identificadas as seguintes condições nos perfis: uma camada superficial (0,10–0,20 m), em que há contínua mobilização do solo; uma camada em subsuperfície (0,20–0,30 m), onde se refletem, com maior intensidade, os efeitos da ação antrópica (mecanização) e uma camada mais profunda (0,60–0,70 m), posição no perfil praticamente não atingida pelas práticas de manejo.

As amostras foram submetidas a análises granulométricas e de estabilidade de agregados, seguindo recomendações da Embrapa (1979). Também foram tomadas amostras em anéis volumétricos, para determinação da porosidade e da densidade do solo. Algumas camadas foram amostradas individualmente, para análises micromorfológicas, particularmente nos setores em que ficou evidente o comprometimento da estrutura (deformação pelo manejo agrícola) em comparação com as camadas mais profundas e menos alteradas. Neste caso, as amostras indeformadas foram coletadas em caixas de Kubiena, impregnadas com uma mistura de Resina Ortoftálica T208, Monômero de Estireno (diluente) e Butanox (catalisador) e, em seguida, dessecadas e seccionadas em lâminas delgadas possíveis de ser observadas por microscopia petrográfica (Bullock et al., 1985; Castro, 1989).

A análise da distribuição e estabilidade dos agregados em diferentes classes de tamanho foi realizada segundo o Método de Avaliação de Percentagem de Agregados - via úmida, proposto pela Embrapa (1979), pelo qual a amostra é disposta em um jogo de peneiras adaptadas a um dispositivo mecânico idealizado por Yoder (1936), que efetua um movimento de oscilação vertical a 40 rpm dentro de um recipiente com água, por um período de 30 minutos, obtendo-se agregados com diâmetros entre 6,35–2,00 mm; 2,00–1,00 mm; 1,00–0,50 mm; 0,50–0,250 mm e 0,250–0,125 mm. Os diâmetros medianos ponderados (DMP) foram calculados segundo recomendações de Kiehl (1979).

O delineamento utilizado para análise estatística da macroporosidade e da densidade do solo foi o inteiramente casualizado com 10 repetições. As amostras foram coletadas entre plantas, com distância mínima de 25 m, e foram avaliadas estatisticamente pelo confronto de médias, duas a duas, pelo teste t de Student a 5 % (P < 0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Morfologia e granulometria

As descrições morfológicas dos perfis de solos ao longo da toposseqüência evidenciaram classes texturais mais finas no terço inferior da encosta, decorrentes de uma possível translocação lateral de argila ao longo da vertente (Soares, 2001). A cor do solo nas posições mais baixas apresenta-se bruno-avermelhado-escura (2,5YR 2,5/4 úmido), nas camadas superiores, e vermelho-escura (2,5YR 3/6 úmido), em profundidade, decorrente da influência mais acentuada dos óxidos de ferro de alterações basálticas semelhante à dos solos com Bw estudados por Cooper (1999) (Quadro 1).


A translocação de partículas finas a partir das posições mais elevadas, que favorece certa reorientação dessas argilas, é compatível com a presença de cerosidade (fraca) nos horizontes de transição do ambiente de solos latossólicos para aquele de solos com B textural, o que leva a considerar os solos como transicionais (Bw/Bt) nas posições mais baixas do relevo. É comum, nesta posição, a presença de microagregados que, de acordo com Sánches (1981), é favorecida pela ação dos óxidos de ferro, formando grânulos do tamanho das areias, o que deve ser motivo para os valores relativamente elevados de partículas na fração areia, ou de pseudo-areias (Espindola & Galhego, 1981).

A estrutura em subsuperfície é predominantemente poliédrica, com blocos fortemente compactados, grandes e médios, de consistência dura, friável, plástica e pegajosa, sem cerosidade evidente, com exceção dos horizontes B1 e B2 da área, onde se observou cerosidade fraca e descontínua, sobrepondo-se ao Bw, nitidamente latossólico (Quadro 1). Esse aumento vertical do teor de argila, de 210 para 310 g kg-1 no citros (Quadro 2) deve decorrer de processos de translocação, que operam também ao longo da vertente, a partir da posição a montante (Soares & Espindola, 2001). Esta afirmação reforça a condição de intergrades ou transicionais de solos com B latossólico e solos com B textural, já que a estrutura em blocos com cerosidade é uma feição dos solos com B textural.


Os solos das partes mais elevadas apresentam textura mais arenosa, com estrutura granular e grãos simples em superfície, sobre estrutura em blocos, com níveis compactados, que oferecem resistência à penetração das raízes, forçando-as a um crescimento lateral, visível nas análises morfológicas e micromorfológicas. Certa quantidade de areia lavada foi observada no horizonte Ap, que pode ser atribuído a um aumento residual de grãos de quartzo, pela mobilização de argila para as camadas inferiores, que é incrementada pela freqüente mobilização dos solos. Os teores elevados de argila natural, ou argila dispersa em água, são sugestivos da possibilidade de mobilidade dos colóides (Quadro 2).

A porosidade é reduzida nos blocos compactados, porém bastante intensa nos horizontes subjacentes, com presença marcante de galerias e macroporos nos horizontes subsuperficiais, bem caracterizada nas análises micromorfológicas. Há raízes finas e médias ao longo de todos os perfis, mesmo nas camadas virtualmente compactadas, com raízes grossas tendendo a um desenvolvimento horizontal, bem como ao longo dos planos de fraqueza e rachaduras entre os blocos. Observações semelhantes são relatadas por Lima (1995), estudando modificações das propriedades de Latossolos cultivados no Estado de São Paulo. A análise granulométrica revelou uma mudança relativamente brusca nos valores de argila de A para B, nos solos das posições mais baixas. Assim, ao longo da vertente, o teor de argila é crescente para a baixada, passando de franco-arenosa (camada Ap do perfil de topo) a franco-argilo-arenosa nos demais horizontes do perfil, à exceção dos horizontes Bt e Bw do perfil do terço inferior, de textura argilo-arenosa.

Estabilidade dos agregados em água

Os agregados, ou partículas secundárias consistem da reunião das partículas primárias (areia, silte e argila da fração mineral) com a matéria orgânica, notadamente a humificada (Harris et al., 1966), com influência dos óxidos de ferro como agente cimentante Guerif (1986).

Nas camadas próximas à superfície, a dominância de agregados com diâmetros inferiores a 2 mm pode estar relacionada com a deterioração da macroestrutura, pelos efeitos do preparo do solo (Aina, 1979). Esta situação pode proporcionar certa pulverização de seus integrantes, além de reduzir o teor de material orgânico e, conseqüentemente, suas ações na formação de agregados de diâmetros maiores (Russel & Russel, 1961). Houve diminuição considerável na estabilidade dos agregados do solo com o seu cultivo intensivo. Para exemplificar, dos agregados superiores a 2 mm na camada superficial dos solos no terço superior, médio e inferior, restaram apenas 10,7, 25,1 e 6,9 %, respectivamente (Quadro 3). Esta condição é corroborada por Soares & Espindola (2001) que, ao investigarem solos semelhantes sob vegetação nativa, na mesma encosta, identificaram valores de DMP de 3,48 mm, em superfície, e de 2,63 mm, em subsuperfície.


Mais de 80 % dos agregados estão na faixa de diâmetros medianos inferiores a 1,00 mm. A acumulação de agregados nas classes inferiores a 1,00 mm de diâmetro em áreas cultivadas ocorre por serem eles mais estáveis ao rápido umedecimento e não serem destruídos pelas práticas agrícolas bem-conduzidas (Tisdal & Oades, 1982).

No terço superior da encosta, o uso contínuo dos solos tornou o meio propício à formação de agregados de diâmetros inferiores a 1,00 mm, pouco influenciado pelas ações de manejo. Os teores de argila nesses solos são superiores aos encontrados por Soares & Espindola (2001) em área próxima, sob mata nativa; mesmo assim, na camada superficial destes solos virgens sob mata, o DMP foi nitidamente superior, da ordem de 3,4 mm, enquanto, no solo estudado, foi de 1,38 mm, com menos de 20 % dos agregados de diâmetro menor que 1,00 mm na mata, valores que se elevaram para mais de 80 % nas áreas cultivadas, o que mostra a importância do material orgânico no tamanho e estabilidade dos agregados, com grande deterioração quando se substitui a mata nativa pelo cultivo.

De maneira geral, os solos apresentaram índices de agregação (DMP) superiores a 0,5 mm que, como afirma Kiehl (1979), são relativamente mais resistentes ao esboroamento e à dispersão, logo, pouco susceptíveis às alterações de suas características pedológicas, quando submetidos a um manejo bem-conduzido.

Porosidade e densidade do solo

A porosidade total do solo apresentou valores médios menores nas posições de terço superior, em nítida associação com a textura mais arenosa. O volume de microporos também foi menor, em conseqüência da fraca estruturação dos solos nesta posição da paisagem (Quadro 4). Os valores mais elevados foram observados nas camadas mais profundas e nas posições mais baixas da encosta, correspondendo a 0,53 m3 m-3. Nessas camadas, os valores médios de microporosidade aumentaram, demonstrando maior aproximação entre as partículas primárias e secundárias, favorecida em ambientes argilosos.


O valor médio da macroporosidade diminuiu das partes mais elevadas para as mais baixas, na superfície dos solos, com valores mais elevados (0,253 m3 m-3) no terço superior, e de 0,168 m3 m-3 no terço inferior. Na profundidade de 20–30 cm, os valores mais baixos estão no terço médio do relevo, onde também se registraram os menores DMP (diâmetro mediano ponderado) dos agregados estáveis em água e valores mais elevados de densidade do solo. A densidade do solo nestas camadas apresenta valores mais elevados nas posições de maior cota, de textura mais arenosa, atingindo valores de 1,468 kg dm-3 no terço superior da encosta.

O tráfego de máquinas e implementos agrícolas causou modificações no tamanho dos agregados, o que está intimamente ligado às proporções de poros pequenos em relação aos grandes (Silva & Mielniczuk, 1998). Na subsuperfície do solo, a macroporosidade apresentou-se mais elevada na posição mais argilosa (0,170 m3 m-3), revelando a importância da fração argila para a macroporosidade (Quadro 5). Os menores valores foram registrados no terço médio da encosta ou 0,137 m3 m-3, superior ao limite crítico, atribuído por Vomocil & Flocke (1966), para manter as condições satisfatórias de produção.


Observações micromorfológicas

As observações microscópicas das lâminas delgadas revelam certas diferenciações da geometria do espaço poroso em conseqüência de alterações causadas pelo manejo, afetando a condição do solo. As estruturas associadas, constituídas por materiais ferruginosos ao longo da seqüência topográfica, devem-se à presença marcante de óxidos de ferro nos solos. Tal presença favorece a formação de agregados estáveis e de pseudo-partículas, que, muitas vezes, confundem a análise granulométrica (Camargo et al.,1986; Espindola & Galhego, 1991). As análises mostram a presença de estruturas modificadas pelo uso agrícola, em subsuperfície, com alteracões estruturais observadas pela modificação na geometria dos poros, surgindo poros planares, bem como estruturas em blocos (Quadro 6).


Nos setores mais afetados pela ação antrópica, em subsuperfície, observam-se alterações na quantidade e na forma dos poros, com a fissuração de agregados, surgimento de blocos subangulares e porosidade com geometria modificada, quando comparada com as camadas mais profundas (Figuras 3 e 4). A resistência dos agregados às modificações causadas pelo manejo, permanecendo a estrutura microagregada, ressalta novamente a importância dos óxidos de ferro sobre a estabilidade dos agregados (Tisdal & Oades, 1980).





Verifica-se a presença de poros planares com microfissuras intrapédicas de 50 a 90 µm de diâmetro (Figuras 1 e 5), condições que refletem as modificações na organização da matriz do solo, já referida nas observações macromorfológicas. As observações mostram, também, macroporos mamelonados de dimensões variadas e pedotúbulos formados por ações de raízes e animais, que, em escala macrométrica, podem fazer parte dos bolsões de estrutura granular e consistência solta.

A alteração na geometria dos poros ratifica observações de campo da existência de compactação, o que justifica o desenvolvimento horizontal de algumas raízes de citros. No entanto, a presença de macroporos possibilita a passagem da água e do ar, amenizando os efeitos negativos da redução da macroporosidade (Lucarelli, 1997).

Nas camadas mais profundas do perfil, 60 a 70 cm, em que há pouca interferência do manejo agrícola, ocorre uma microestrutura com pedalidade fortemente desenvolvida de microagregados arredondados e ovais com 300 e 450 µm de diâmetro (Figuras 2, 4 e 6). Foram observados macroporos comunicantes com cavidades mamelonadas com diâmetro variando de 200 a 350 µm, que, de acordo com Brewer (1976), são favoráveis à circulação da água e do ar. Esta é uma característica típica dos horizontes B latossólico (Bw), que apresentam uma microagregação elevada, que favorece a atividade biológica (Vieira, 1988); isto foi confirmado pela presença de excrementos e pelo crescimento satisfatório das raízes (Figura 2).

No plano da lâmina, no terço médio e terço inferior, observam-se películas de argila iluvial envolvendo partículas primárias e situações em que se apresentam preenchendo espaços vazios, ligando grãos de quartzo e microagregados (Figuras 4 e 6). Esta situação justifica-se pelos valores elevados de argila natural apontados pela granulometria.

CONCLUSÕES

1. As observações macro e micromorfológicas indicaram movimentação de argila nos perfis e modificação da geometria dos poros em subsuperfície, com redução da macroporosidade.

2. A presença de pedotúbulo em áreas virtualmente compactadas permite a hidrodinâmi-cas dos solos, sendo indicativa da capacidade de regeneração dos volumes estruturais compactados.

3. Os solos apresentaram índices de agregação (DMP) superiores a 0,5 mm, mais resistentes ao esboroamento e à dispersão, e, por conseguinte, foram pouco susceptíveis às alterações de suas características pedológicas.

4. A grande variabilidade dos atributos pedológicos a uma curta distância, num mesmo horizonte do perfil, com setores compactados ao lado de bolsões desagregados, atestou a necessidade de serem considerados tanto os gradientes verticais (em cada perfil) como os laterais (ao longo da seqüência topográfica) no estudo das variações temporais dos parâmetros pedológicos

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Superintendência Regional do INCRA, SR 01 em Belém (PA), pela iniciativa e apoio financeiro para realização dos trabalhos, e à UNICAMP, pelo ambiente favorável ao desenvolvimento da pesquisa.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em março de 2002 e aprovado em agosto de 2005.

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  • 1
    Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada à Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2002
    • Aceito
      Ago 2005
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