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Qual o futuro da relação entre educação infantil e ensino obrigatório?

What future for the relationship between early childhood education and care and compulsory schooling?

Resumos

A relação entre educação infantil e ensino obrigatório tem sido foco crescente de pesquisas e políticas, pois a frequência a ambas as etapas da educação cresce globalmente. O discurso da aprendizagem ao longo da vida enfatiza que a aprendizagem começa ao nascer, e o investimento nos primeiros anos de vida é cada vez mais considerado primordial, devido ao retorno positivo posterior na educação da criança. Após debater a conjuntura cultural e estrutural que contextualiza essa relação, este artigo considera quatro possibilidades de relação da pré-escola com a escolaridade primária: preparação para a escola; distanciamento; preparação da escola para receber a criança; e o vislumbre de uma possível convergência. Para encerrar, discute algumas questões críticas e argumenta que a relação entre a educação infantil e o ensino obrigatório não deveria se limitar aos primeiros anos escolares, pois uma solução plena requereria considerar o ensino secundário

educação infantil; ensino obrigatório; educação fundamental


The relationship between early childhood education and care (ECEC) and compulsory schooling is the subject of increasing research and policy attention, as attendance at both grows globally, as the discourse of lifelong learning emphasises that learning begins at birth, and as investment in early childhood is increasingly advocated for the returns it brings in later education. Having discussed the structural and cultural framework that contextualises the relationship, the article considers four possible types of relationship: preparing the child for school, stand off, making the school ready for children, and the vision of a meeting place. It concludes with a discussion of some critical questions and of how the relationship between early childhood and compulsory school should not be confined only to the first few school grades: full resolution requires inclusion of secondary education

early childhood education and care; compulsory schooling; infant and primary education


TEMA EM DESTAQUE - AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Qual o futuro da relação entre educação infantil e ensino obrigatório?

What future for the relationship between early childhood education and care and compulsory schooling?

Peter Moss

Professor de Early Childhood Provision na unidade de pesquisa Thomas Coram, do Institut of Education, University of London. Seus interesses de pesquisa incluem serviços para crianças; a força de trabalho nesses serviços e questões de gênero no trabalho com crianças; e a relação entre emprego e cuidado. Edita a revista multinacional e multilíngue Children in Europe. peter.moss@ioe.ac.uk

RESUMO

A relação entre educação infantil e ensino obrigatório tem sido foco crescente de pesquisas e políticas, pois a frequência a ambas as etapas da educação cresce globalmente. O discurso da aprendizagem ao longo da vida enfatiza que a aprendizagem começa ao nascer, e o investimento nos primeiros anos de vida é cada vez mais considerado primordial, devido ao retorno positivo posterior na educação da criança. Após debater a conjuntura cultural e estrutural que contextualiza essa relação, este artigo considera quatro possibilidades de relação da pré-escola com a escolaridade primária: preparação para a escola; distanciamento; preparação da escola para receber a criança; e o vislumbre de uma possível convergência. Para encerrar, discute algumas questões críticas e argumenta que a relação entre a educação infantil e o ensino obrigatório não deveria se limitar aos primeiros anos escolares, pois uma solução plena requereria considerar o ensino secundário.

Palavras-chave: educação infantil, ensino obrigatório, educação fundamental

ABSTRACT

The relationship between early childhood education and care (ECEC) and compulsory schooling is the subject of increasing research and policy attention, as attendance at both grows globally, as the discourse of lifelong learning emphasises that learning begins at birth, and as investment in early childhood is increasingly advocated for the returns it brings in later education. Having discussed the structural and cultural framework that contextualises the relationship, the article considers four possible types of relationship: preparing the child for school, stand off, making the school ready for children, and the vision of a meeting place. It concludes with a discussion of some critical questions and of how the relationship between early childhood and compulsory school should not be confined only to the first few school grades: full resolution requires inclusion of secondary education.

Keywords: early childhood education and care, compulsory schooling, infant and primary education

A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO infantil1 1 O autor utiliza no texto a expressão early childhood education and care - Ecec -, aqui traduzida como "educação infantil". e ensino obrigatório - pré-escola e escola - tem-se intensificado e tornado foco crescente de pesquisas e políticas públicas. Este artigo examina algumas possibilidades, reais e potenciais, para essa relação. Ao fazê-lo, mapeia o terreno das escolhas disponíveis para as sociedades, escolhas que fazem surgir questões fundamentais sobre a criança, as instituições de ensino e o conceito de educação.

Apesar de o foco permanecer sobre países mais ricos - especialmente os que são membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE -, as questões não deixam de ser relevantes para outros países, e tendem a se tornar cada vez mais, à medida que estes expandem e desenvolvem seus serviços educacionais. Nunca antes no mundo uma porcentagem tão grande de crianças (86%) teve acesso ao 1º ano do ensino primário, tendo os aumentos sido mais proeminentes, entre 1999 e 2004, na África subsahariana, de 55 a 65%, e no Sul e Oeste da Ásia, de 77 a 86% (Neuman, 2007). Ao mesmo tempo, os serviços de educação e cuidado infantil também estão em expansão e continuarão a crescer. O comentário Geral 7, emitido pelo Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (United Nations..., 2005), fornece orientação aos Estados - membros sobre os direitos da primeira infância, no âmbito da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. O comentário não só enfatiza como a Convenção reconhece o direito à educação, tornando o ensino primário obrigatório e gratuito para todos (art. 28), como também interpreta o direito à educação nos primeiros anos como se iniciando com o nascimento, intimamente ligado ao direito das crianças pequenas ao máximo desenvolvimento (art. 6.2).

O ESTREITAMENTO DA RELAÇÃO

Três fatores interligados têm estreitado a relação entre a educação infantil e o ensino obrigatório, colocando-a cada vez mais no foco das políticas educacionais. Primeiro, o crescimento e a presente expansão dos serviços de educação infantil, especialmente nos dois ou três anos que precedem o ensino obrigatório:

Em 2000, a maioria das crianças dos países membros da OCDE (que estão entre os mais ricos do mundo) havia frequentado estabelecimentos de educação e infantil por no mínimo dois anos, antes de ingressar no ensino primário (OECD, 2001). Mas o crescimento da educação infantil agora é uma tendência global. Estimativas globais apontam que as matrículas em programas de educação infantil cresceram 11% durante os cinco anos anteriores a 2004, tendo chegado nesta data a 124 milhões de crianças pequenas que frequentavam algum tipo de estabelecimento de educação infantil antes de entrar na escola. (WOODHEAD, 2007, p.8)

Ao mesmo tempo, os benefícios aparentes da educação infantil foram ganhando visibilidade e chamando a atenção dos elaboradores de políticas públicas. O discurso globalizado sobre o aprendizado geral para a vida enfatiza que a aprendizagem se inicia no nascimento, e não, posteriormente, na idade de ingresso na escola; a primeira infância é "uma fase primordial para o desenvolvimento de importantes mecanismos e atitudes em relação à aprendizagem" (OECD, 2001, p.128). Embora parte significativa da literatura afirme a relação entre a educação/cuidado infantil e o desempenho escolar posterior, essa relação geralmente se qualifica pela necessidade de a educação infantil satisfazer determinados padrões normativos: "o cuidado e a educação infantil de boa qualidade, assim como a aprendizagem em casa, dão às crianças uma vantagem ao ingressarem na escola primária, pois favorecem melhor comportamento e desenvolvimento educacional" (England, 2008, p.9).

Os economistas também defendem o argumento de que o investimento educacional mais produtivo é aquele feito nas crianças com idade inferior à do ingresso no ensino obrigatório. Por exemplo, o trabalho de James Heckman, amplamente citado, conclui que, visto apenas como estratégia de desenvolvimento econômico, o retorno do investimento, na população, dos programas de desenvolvimento infantil "supera de longe o da maioria dos projetos atualmente financiados como sendo de desenvolvimento econômico" (Heckman, Masterov, 2004) e representa, também, um investimento melhor do que os realizados em estágios posteriores da educação. Em um momento de crescente competição global, os serviços de educação infantil têm sido empregados como estratégias de sobrevivência nacional, com base na crença de que têm um papel de vital importância na formação de uma força de trabalho flexível no futuro (Fendler, 2001).

Nessas circunstâncias, não é de admirar que o primeiro relatório da importante revisão temática internacional sobre educação infantil da OCDE (doravante referida como "revisão da OCDE") aponte uma "oportuna tendência crescente de cooperação entre a educação infantil e o sistema escolar em termos de política e de prática", considerando como uma das lições para as políticas a necessidade "de uma forte e equilibrada parceria [da educação infantil] com o sistema educacional" (OECD, 2001, p.128). A forma como essa lição é expressa na revisão da OCDE mostra que essa relação não é apenas uma questão de proximidade, mas também de poder. Uma parceria forte e sólida pode não ser necessariamente igualitária, especialmente considerando a força gravitacional exercida pelo ensino obrigatório, estabelecido há muitos anos e uma instituição central nos Estados modernos: a parceria pode trazer benefícios, mas também incorre em riscos. O relatório mostra que, a despeito dos sinais positivos de mais estreita cooperação, há um risco de que esta "possa levar a uma abordagem escolar na organização dos serviços de educação infantil"; e que tal pressão por parte das escolas possa levar as instituições de educação infantil a "adotar conteúdos e metodologia da escola primária", com efeito "prejudicial na aprendizagem das crianças pequenas" (OECD, 2001, p.129). Portanto, uma cooperação mais íntima com as escolas é bem-vinda, conquanto a educação infantil "não seja considerada apenas como preparação para o próximo estágio da educação, [...] mas como um período específico em que as crianças vivem suas próprias vidas", e em que "o caráter específico e as tradições da prática de educação infantil sejam preservadas".

Exploro adiante com mais detalhes essa relação de subordinação, de pressão do ensino obrigatório sobre a educação infantil, referida como "escolarização" no relatório final da revisão da OCDE (2006a). Em seguida, considero três outras possíveis formas de relacionamento entre a escola obrigatória e os serviços de educação infantil. Antes, porém, é importante reconhecer a grande diversidade entre os países no contexto dessa relação, o que pode ser determinante em sua configuração.

O CONTEXTO ESTRUTURAL E CULTURAL

Conforme foi mencionado, a maioria dos países da OCDE atualmente dispõe de serviço de grande alcance, muitas vezes universal, para crianças nos dois a três anos anteriores ao ensino obrigatório. Para a maioria das crianças, então, não se trata mais de transição da casa para a escola, mas de transição de uma instituição para outra. No entanto, as experiências institucionais das crianças variam bastante entre os países, o que afeta a relação e a transição entre a educação infantil e a escola obrigatória.

Em alguns casos, tal experiência será numa pré-escola integrada ao sistema escolar, às vezes no mesmo prédio ou conjunto da escola primária, frequentada em geral durante dois ou três anos antes da transição. Em outros casos, será em algum tipo de estabelecimento não escolar (como creche, jardim de infância, pré-escola), frequentado pela criança desde os 12 meses de idade ou mesmo antes. Mas os sistemas nacionais propiciam não só experiências diferentes para as crianças: a idade em que passam para a escola primária varia consideravelmente entre os países. Na maioria dos países da OCDE, a idade de entrada obrigatória na escola é aos 6 anos; mas em alguns casos é aos 5 (como na Holanda, Reino Unido) ou aos 7 (como na Dinamarca, Suécia). Além disso, em alguns países, os pais podem optar por matricular as crianças no primário antes da idade obrigatória, entre os 4 e 5 anos na Holanda, Irlanda e no Reino Unido, e aos 6 na Dinamarca e Suécia.

Tampouco é uniforme o ambiente que as crianças adentram ao ingressar na escola primária, tanto entre escolas quanto entre países. Por exemplo, o tamanho da classe varia. A média é 21,4 crianças por sala, sendo de 16 a 21 alunos por sala na maioria dos países da OCDE; mas a média é acima de 24 na Coreia e Turquia, no Japão e Reino Unido. De forma semelhante, também varia a duração do dia escolar: a média na OCDE para crianças de 7 a 8 anos é de 758 "horas letivas", variando de 530 horas na Finlândia a 981 horas na Austrália (OECD, 2006, 2006a).

O efeito cumulativo dessas diferenças estruturais pode ser considerável; por exemplo, comparem-se os casos da França e da Dinamarca. Uma criança dinamarquesa em geral entra no sistema de educação infantil com 1 para 2 anos de idade; embora a idade obrigatória para passar para a escola seja aos 7 anos, a maioria das crianças dinamarquesas entra voluntariamente com 6 anos, vindo de jardins de infância ou de centros para crianças de diversas idades, mantidos pelo sistema de bem-estar social, sob a guarda de pedagogos qualificados (profissão diferenciada da dos professores), com razão média adulto-criança de 1:7,2. O primeiro ano na escola é em uma "classe de jardim de infância", com pedagogos em vez de professores, cujo trabalho se orienta por um conjunto bem pequeno de parâmetros curriculares. No primeiro ano obrigatório, aos 7 anos, as crianças frequentam a escola por cerca de 20 horas semanais, passando em geral mais horas do dia em serviços de educação complementar (free time services) novamente com pedagogos.

Em contraste, uma criança francesa terá frequentado um único tipo de escola - a école maternelle - em geral desde os 3 anos, onde a razão média adulto-criança é de 1:25,5. À idade obrigatória de 6 anos, as crianças passam diretamente para a école élémentaire, frequentada cerca de 35 horas por semana. Em ambos os tipos de escola, terá tido professores e um currículo detalhado. A continuidade é enfatizada pelo fato de o último ano de maternal e os dois primeiros de escola elementar serem considerados parte de um mesmo "ciclo de aprendizagem", tendo os professores dos dois tipos de escola formação em comum.

Além dessas características estruturais, as instituições que as crianças frequentam antes e depois da transição para a escola podem ter culturas muito diversas, expressas em diferentes concepções (de objetivo, de criança, de profissional, de aprendizagem) e práticas. Bennett (2006), por exemplo, criou uma distinção para os sistemas de educação infantil entre o que chama de "educação pré-primária" e a "tradição pedagógica nórdica". Na primeira, da qual a França é um exemplo, as crianças frequentam escolas "compreendidas como um lugar de aprendizagem e instrução. No último ano, cada criança deve ter alcançado níveis predefinidos de aprendizagem em áreas disciplinares úteis para a escola". No segundo caso, porém, exemplificado pela Dinamarca, "o centro de educação infantil é visto como um espaço de vida", um lugar onde crianças e pedagogos "aprendem a ser, aprendem a fazer, aprendem a aprender, aprendem a viver juntos". Essa diferença fundamental reflete-se em outras áreas: currículo (prescrição detalhada, ou apenas um quadro de referência); aprendizagem (foco em habilidades em áreas úteis para a escola tendo alvos principalmente cognitivos, ou foco em objetivos amplos de desenvolvimento em uma abordagem holística); metodologias de trabalho, formação e concepção do profissional (professor ou pedagogo).

Ambos os sistemas de educação infantil, tanto na França quanto na Dinamarca, podem ser descritos como sistemas fortes, no sentido de que ambos oferecem serviços quase universais em um período de pelo menos três anos e têm força de trabalho profissionalizada. No entanto, a relação com o ensino obrigatório tende a ser muito diferente, pois divergem em relação a quanto a educação infantil partilha a cultura da escola obrigatória: não muito, no caso da Dinamarca, muito, no caso da França. Em outros países, ainda, especialmente os anglófonos, a relação vai ser modelada por sistemas de educação infantil relativamente fracos, com serviços anexos a escolas primárias (jardins de infância ou classes de maternal [nursery classes]), oferecendo uma educação pré-primária que não tem muito em comum com o ensino obrigatório.

QUATRO POSSÍVEIS RELAÇÕES

Nesta seção esboço quatro possíveis relações entre a educação infantil e o ensino obrigatório. São tipos ideais, embora pelo menos alguns se aproximem da situação encontrada em determinados países. Não sugiro que essa tipologia seja exaustiva: outras relações podem existir ou poderiam ser imaginadas.

PREPARANDO AS CRIANÇAS PARA A ESCOLA

Nessa relação, a escola obrigatória é clara e inquestionavelmente o parceiro dominante e a tarefa da educação infantil é definida como a de garantir que a criança fique pronta para os requisitos do sistema escolar. A educação infantil deve alinhar-se a este último, de maneira a preparar as crianças para a escola e sua cultura há tanto tempo estabelecida. Outra forma de expressar essa relação é pela "prontidão" para a escola, garantindo que a criança esteja apta quando chegar a hora de entrar na escola obrigatória. Kagan esboçou tanto a história do conceito quanto as variações de seu significado:

Desde a primeira vez que foi usado, o termo "prontidão" assumiu uma quantidade de significados diferentes, provocou inúmeros debates e confundiu pais e professores (Kagan, 1990). O termo apareceu impresso pela primeira vez nos anos 1920, com dois construtos disputando a proeminência - prontidão para aprender e prontidão para a escola. Proposta por desenvolvimentistas, a prontidão para aprender era vista como o nível de desenvolvimento no qual o indivíduo tem a capacidade de aprender uma determinada matéria - interpretada como a idade em que um grupo médio de indivíduos adquiriu determinada capacidade [...] A prontidão para a escola é um construto bem mais finito, abarcando habilidades cognitivas e linguísticas específicas (como identificar cores, distinguir um triângulo de um quadrado). Independente de domínio acadêmico, a prontidão para a escola de maneira geral sanciona padrões de desenvolvimento físico, intelectual e social suficientes para que as crianças possam atender aos requisitos escolares. 2007, p. 16)

Seja qual for a definição adotada, a preparação ou prontidão para a escola presume que a escola tenha padrões fixos que as crianças devem alcançar antes de nela entrar; a tarefa dos serviços de educação infantil é "entregar" crianças que preencham os requisitos desses padrões. Como observa o relatório final da revisão da OCDE, o modelo da

...prontidão para a escola é poderoso, pois é levado pela pesquisa americana (em inglês) para o mundo inteiro. Para os ministérios de educação, ele conota a promessa de crianças entrando na escola primária já preparadas para ler e escrever, e aptas a conformar-se aos procedimentos normais de sala de aula. (OECD, 2006a, p.63).

Essa relação é a que mais se aproxima da ideia de "escolarização", tornando os serviços de educação infantil cada vez mais colonizados pelo ensino obrigatório, e fazendo com que recorram a ele para servir a suas necessidades e interesses.

DISTANCIAMENTO

A cultura em alguns sistemas de educação infantil é muito diferente da escolar; na verdade, os serviços e os educadores desses serviços chegam a definir sua identidade, em parte, em oposição à escola, destacando suas ideias e práticas distintas. Nesse caso, a relação entre a educação infantil e o ensino obrigatório pode ser marcada por suspeição e um certo grau de antagonismo, com a educação infantil tentando defender-se e a suas crianças do que percebe como sendo uma abordagem estritamente didática da educação, vista como típica da escola. Essa relação pode não ser aparente nos lugares em que a educação infantil tem uma forte tradição pedagógica, com sua atenção à educação no sentido mais amplo (conceito discutido adiante), tratando educação e cuidado como partes inseparáveis de uma abordagem holística do trabalho com crianças. A Dinamarca é um exemplo dessa relação. Moser descreveu outro, da tensão que marca as relações entre a educação infantil e a escola na Noruega:

O desenvolvimento do jardim da infância [

Kindergarten

] na sociedade norueguesa foi acompanhado por uma luta ao mesmo tempo implícita e explícita contra as tradições associadas com a escola. Esse conflito foi - e ainda é - baseado principalmente em perspectivas diferentes do que seja aprendizagem e desenvolvimento, criança e infância e, portanto, de diferentes sistemas de valores. Alega-se que o jardim da infância e a escola primária são fundamentados em filosofias, modelos organizacionais e práticas pedagógicas diferentes; e que, portanto, a transição de uma para outra requer atenção especial. (Moser, 2007, p.52)

Os documentos noruegueses relativos às políticas educacionais ainda mantêm uma distinção nítida entre jardim da infância e escola primária como instituições pedagógicas bastante diferentes. Por exemplo, a lei do jardim da infância de 2006.

...avança uma compreensão do conceito de aprendizagem muito diferente do conceito escolar tradicional. A lei enfatiza que "o jardim da infância deve alimentar a curiosidade, criatividade e vontade de aprender das crianças, oferecendo desafios com base em seus interesses, conhecimentos e habilidades". Isso reflete uma concepção de aprendizagem que não é centrada em metas de desempenho nem controlada principalmente pelo currículo. as crianças são os agentes primários de seu próprio processo de aprendizagem. O jardim da infância "deve lançar uma base sólida para o desenvolvimento da criança, seu aprendizado ao longo da vida e sua participação ativa na sociedade democrática... [e] oferecer à criança oportunidades de brincar e se expressar, assim como experiências e atividades significativas em um ambiente seguro, mas desafiador. (Moser, 2007, p. 52)

Ao mesmo tempo, porém, há sinais claros da intenção política de reduzir essas diferenças e promover uma parceria mais estreita entre o jardim da infância e a escola. O Plano Norueguês de Conteúdos e Tarefas do Jardim da Infância expressa essa busca de elementos comuns: "Tanto o jardim da infância quanto a escola são instituições que provêm cuidado e a oportunidade de crescer, brincar e aprender. As crianças irão deparar-se com as similaridades e diferenças entre essas duas instituições" (Norway, 2006, p.32).

Essa relação de distanciamento não condiz com o espírito da idéia de parceria - na verdade, pode não ser aceitável no discurso das políticas atuais. Nos lugares em que vigorou, estão sendo feitas tentativas para mudá-la ou melhorá-la. Mas pode permanecer na maneira de pensar de alguns educadores ou pais e, como tal, configurar uma fonte de suspeita e tensão.

PREPARANDO A ESCOLA PARA AS CRIANÇAS

Uma terceira relação parte de um questionamento mais crítico da escola tradicional, inquirindo se não deveria mudar, para atender tanto as necessidades das crianças quanto as de um mundo em rápida transformação. O relatório final da revisão da OCDE define claramente a necessidade de mudanças no ensino obrigatório:

Hargreaves (1994), em seu estudo crítico sobre professores, lamenta apontar que a resposta dos sistemas educacionais públicos a essa revolução cultural [da globalização] foi profundamente anacrônica. A organização, o currículo e as tomadas de decisão nas escolas continuam a assemelhar-se aos padrões do século XIX: currículos repletos de certezas do passado, testes formais de habilidades discretas e de itens do conhecimento, e a "balcanização" dos professores em classes e disciplinas separadas. A escola como instituição educacional não pode continuar assim. 2006a, p. 221-222)

Especialmente em países mais pobres, a "prontidão" da escola para as crianças implica a necessidade de mudanças nas condições materiais mais básicas das escolas, que se configuram como ambientes impróprios: turmas grandes, classes superlotadas, com professores inadequadamente formados trabalhando com métodos improdutivos. Também pode implicar falta de responsividade da escola às famílias e comunidades por ela servidas, o que conduz a "desencontros entre a linguagem e a cultura de casa e da escola, além de um desrespeito mais geral às competências culturais e aprendizagens anteriores das crianças" (Woodhead, 2007a, p.20). O efeito final pode ser quase desastroso: "ciclos de fracasso que se autoperpetuam, com as primeiras séries se tornando gradualmente mais superlotadas, professores desmoralizados, pais e crianças desinteressados e programas que não se reestruturam nem com o fracasso nem com o sucesso".

Mas em alguns países ricos, como na Noruega e Suécia, mudanças na escola têm sido discutidas mais em termos da prática pedagógica, especialmente a ideia de levar aos primeiros anos do ensino obrigatório "alguns dos pontos mais fortes da prática pedagógica da educação infantil, como a atenção ao bem-estar das crianças, aprendizagem ativa e experimental, confiança nas estratégias de aprendizagem das crianças, evitando medições e classificações" (Bennett, 2006, p.20). Na Noruega, as reformas na escola que reduziram a idade de entrada no ensino obrigatório de 7 para 6 anos foram acompanhadas de uma discussão sobre a necessidade de a "pedagogia do jardim da infância" ter mais influência na escola, pelo menos em seus primeiros anos. O novo primeiro ano, para as crianças de 6 anos vindas do jardim da infância, deveria ser significativamente diferente da pedagogia escolar tradicional, baseando-se principalmente na "pedagogia do jardim da infância", enquanto os quatro anos escolares seguintes deveriam integrar as tradições do jardim da infância e da escola, com ênfase na exploração e aprendizagem pelo brincar. O ensino deveria ser organizado por temas (como no jardim da infância), contendo elementos de diferentes disciplinas do currículo, com os conteúdos tornando-se só pouco a pouco agrupados por disciplina. O objetivo de levar a pedagogia do jardim da infância para a escola foi ainda reforçado pela estratégia de permitir aos educadores do jardim da infância trabalhar nos primeiros quatro anos escolares por algum tempo - embora não se tenha considerado necessário preparar os professores da escola para lidar com as crianças de 6 anos, apesar de essa faixa etária não ser tratada em sua formação prévia (Moser, 2007).

Uma intenção parecida, de tornar as escolas mais adequadas para as crianças pelo aumento da influência da pedagogia da educação infantil, também foi notada na Suécia, igualmente na época da reforma. Em 1996, o sistema da educação infantil foi transferido da estrutura do bem-estar social para o sistema educacional. Ao anunciar a transferência, o primeiro-ministro sueco Göran Persson

...declarou que a educação infantil deveria ser o primeiro passo para concretizar a visão de aprendizagem ao longo da vida, acrescentando que a pré-escola deveria influenciar pelo menos os primeiros anos do ensino obrigatório. As iniciativas empreendidas desde então buscaram construir vínculos sólidos entre a pré-escola, os centros para crianças de diversas idades (destinados a crianças em idade escolar) e a formação, tratando todos como partes iguais do sistema educacional. (apud Korpi, 2005, p.10)

À época dessa transferência, as crianças suecas de 6 anos, tal como na Noruega, entraram para "classes de pré-escola", com professores de pré-escola, nas escolas primárias. Assim, as escolas ficaram expostas, pelo menos nas primeiras séries, à influência direta de educadores formados nas práticas e métodos da pré-escola, que passaram cada vez mais a integrar equipes docentes compostas de professores de pré-escola, professores primários e recreacionistas [free time pedagogues] que originalmente trabalhavam em locais separados, mas cujos serviços passaram também para o interior da escola. Pode-se dizer que a pedagogia e os educadores da educação infantil foram vistos como um meio de humanizar as escolas e inovar suas práticas, visando criar um ambiente melhor para as crianças nos primeiros anos do ensino obrigatório. Se esse objetivo foi efetivamente alcançado, ou se as próprias classes de pré-escola foram escolarizadas, é matéria para outro artigo.

VISLUMBRE DE UMA POSSÍVEL CONVERGÊNCIA

Uma quarta relação parte da premissa de que a educação infantil e a escola muitas vezes provêm de tradições muito diferentes, têm culturas muito diferentes, e que essas tradições e culturas se expressam em concepções, valores e práticas muito diferentes. Para que possam operar juntas, é preciso examinar melhor essas diferenças e buscar de forma colaborativa novas concepções, valores e práticas partilhadas, o que pode ser conseguido mediante um ponto de convergência pedagógica, marcada por respeito mútuo, diálogo e construção conjunta. Em outras palavras, essa relação visa uma parceria forte e igualitária criada pelo trabalho conjunto em um projeto comum.

Essa relação foi explorada em um documento dos pesquisadores suecos Gunilla Dahlberg e Hillevi Lenz-Taguchi (1994), que integraram o comitê do relatório Grunden för livslångt lärande: en barnmogen skola [Os fundamentos da aprendizagem ao longo da vida: uma escola preparada para a criança], do governo sueco. O título do documento é Förskola och skola: om två skilda traditioner och om visionen om en mötesplats [Pré-escola e escola: duas tradições diferentes e a visão de uma convergência]. O documento e o relatório foram escritos no contexto das discussões na Suécia sobre a relação entre as escolas e os serviços de educação infantil (förskolan ou pré-escola), à época no sistema de bem-estar; como mencionado, as pré-escolas passaram para o sistema educacional em 1996.

O duplo objetivo do documento era explorar as culturas dessas duas instituições e "as possibilidades e riscos pedagógicos envolvidos na integração desses dois tipos de atendimento". Os autores identificam e analisam as diferentes tradições e culturas, subjacentes às estruturas da pré-escola e da escola, que geraram compreensões diferentes da criança. Por exemplo, argumentam que a pré-escola, fortemente influenciada por Rousseau e Froebel, tem uma visão da criança como ser natural, enquanto, para a escola, a criança é reprodutora de cultura e conhecimento.

Tais construções, por sua vez, produzem práticas. A brincadeira livre é central à prática da pré-escola: "as crianças devem expressar livremente suas ideias e seus sentimentos; a pré-escola lida com os desejos das crianças e deve ser divertida o tempo todo, no aqui e agora". Por oposição, a escola sueca (que, segundo os autores, é vista como "relativamente centrada na criança") é orientada para o futuro e baseada na aprendizagem concreta de conteúdos de conhecimento. A pesquisa mostra que os professores dominam a interação verbal na sala de aula, e que o seu papel é o de estruturar os conteúdos, as atividades e as situações, assim como fazer perguntas e comentar as respostas das crianças. Eles têm autoridade e controle, enquanto as crianças são passivas, esperando-se que façam o que delas se espera (Dahlberg, Lenz-Taguchi, 1994).

Dahlberg e Lenz-Taguchi argumentam que, se no futuro a pré-escola e a escola devem ser parceiras em pé de igualdade, deve-se evitar que a tradição de uma supere a de outra - nem escolarização, nem pré-escolarização. Em vez disso, devem trabalhar juntas para criar uma nova e partilhada compreensão de criança, aprendizagem e conhecimento:

Se queremos a longo prazo o desenvolvimento do trabalho pedagógico da pré-escola e da escola, a mudança [deve] começar por uma visão comum de criança, aprendizagem e conhecimento [...] A visão da criança como construtora de cultura e conhecimento [...] uma criança que é parte ativa na construção do conhecimento e que também é ativa na construção - na criação - de si mesma, pela interação com o meio. (1994, p. 21)

Essa relação, em que nenhuma das duas culturas supera a outra, visa a união em um "ponto de convergência pedagógica" para criar e pôr em prática uma cultura comum que pode formar a base de uma parceria forte e igualitária entre a educação infantil e a escola.

De meu conhecimento, esse documento é único ao analisar a relação entre educação infantil e escola e usar essa análise para definir uma estratégia baseada no encontro e no diálogo, para lidar com uma relação aparentemente insolúvel. Há porém uma indicação de um modo semelhante de pensar na conclusão do relatório final da revisão da OCDE; tendo discutido que as escolas não podem continuar em seu caminho tradicional, propõe-se uma ideia de educação e aprendizagem que poderia unir a educação infantil e a escola, sem que uma domine outra:

O conhecimento é interdisciplinar e cada vez mais produzido em pequenas redes. No futuro deve ser construído por investigação pessoal, troca e discussão com muitas fontes, e construído conjuntamente em comunidades de aprendizagem caracterizadas por ensino em equipe. Essa abordagem do conhecimento pode começar na primeira infância e, de fato, se ajusta bem às estratégias naturais de aprendizagem da criança, que são fundamentalmente sociais e baseadas em investigação. (OECD, 2006a, p.222)

DISCUSSÃO

Repensar a relação entre educação infantil e ensino obrigatório oferece uma importante oportunidade de definir questões críticas e buscar respostas que sejam aplicáveis a todo o espectro da infância e, mesmo, a todo o curso da vida. O documento de Dahlberg e Lenz-Taguchi fornece exemplos de tais questões: Qual é nossa imagem de criança? O que é aprendizagem? Outras seriam: O que é educação? Qual é nossa imagem de (pré-)escola? Quem é o educador?

A política norueguesa, ao se referir tanto à escola quanto ao jardim da infância como provedores do "cuidado e oportunidade de crescer, brincar e aprender", abre caminho para um conceito do que foi chamado "educação em seu sentido mais amplo":

[É] um conceito amplo que compreende a educação como promovendo e apoiando o bem-estar geral e o desenvolvimento das crianças e jovens, sua capacidade de interagir efetivamente com o meio e viver uma vida boa: educação como um processo de crescimento e participação crescente na sociedade mais ampla. Poderia ser chamado "educação em seu sentido mais amplo", similar em muitos aspectos ao conceito e tradição europeia da pedagogia social. Esse conceito poderia ser contraposto a outro, "educação em seu sentido mais restrito", focalizado na escolarização e outros tipos de aprendizagem formal, que é mais próximo da maneira como educação é hoje frequentemente entendida. (Moss, Haydon, 2008, p.2)

O "cuidado", nessa concepção, é parte integral da educação, talvez mais bem entendido como uma ética, uma maneira de pensar e se relacionar com o outro (Dahlberg, Moss, 2005). Em vez de discutir como e quando se deveria introduzir a educação por disciplinas - questão crítica em algumas relações entre a educação infantil e a escola -, segundo esse conceito a educação seria organizada em torno de temas-chave, considerados essenciais para o desabrochar da vida e da cidadania democrática, aplicáveis igualmente antes, durante ou depois do ensino obrigatório. Um exemplo recente dessa abordagem pode ser encontrado na declaração Para um novo sistema de educação pública, apresentada na 40ª edição da Escola de Verão da Rosa Sensat em Barcelona, em julho de 2005. A seção 8 da declaração - sobre currículo, conhecimento e aprendizagem - diz que "o novo sistema educacional público organiza seus conteúdos na base do que é absolutamente necessário para que uma pessoa possa exercer sua cidadania". Propõe que tal conhecimento pode ser agrupado em seis metas principais: comunicação; cultura; ciência e tecnologia; saúde, ambiente e desenvolvimento sustentável; cidadania e democracia; criatividade, imaginação e curiosidade (Associació de Mestres Rosa Sensat, 2005).

Para responder plenamente às indagações sobre o significado da educação, outras questões devem ser formuladas simultaneamente - por exemplo, as que se referem a concepções de conhecimento e aprendizagem. O ponto de convergência pedagógica vislumbrado por Dahlberg e Lenz-Taguchi pode ser um espaço para essa deliberação democrática e inclusiva. Na verdade, a ideia de um "ponto de convergência pedagógica" também pode estimular uma visão compartilhada de ambas, pré-escola e escola. Os serviços de educação infantil e as escolas do ensino obrigatório podem igualmente ser vistos como fóruns, ou pontos de encontro para cidadãos jovens e velhos, em que muitos projetos seriam possíveis - sociais, culturais, éticos, estéticos, econômicos, políticos. Para dar uma ideia do potencial dessas instituições sociais, enumeramos, não de modo exaustivo, alguns desses projetos:

• Construção de conhecimento, valores e identidades.

• Pesquisa sobre os processos de aprendizagem das crianças.

• Empoderamento e apoio a grupos e comunidade.

• Sustentabilidade e renovação cultural (incluindo a linguística).

• Igualdade de gênero e desenvolvimento econômico.

• Prática democrática e ética.

Assim, longe de "fornecer" resultados predeterminados, a educação infantil e a escola podem também ser vistas como oficinas ou laboratórios colaborativos, lugares de experimentação e criação do que Hardt e Negri (2005, p.146) chamam de "produção imaterial", que inclui "a produção de ideias, imagens, conhecimentos, comunicação, cooperação e relações afetivas [...] a própria vida social" - certamente resultados, mas não predeterminados ou previsíveis. Essa imagem da (pré-)escola como fórum e workshop é imbuída de certos valores fundamentais, incluindo democracia, solidariedade e experimentação (para maior discussão dessa visão de escola e pré-escola, ver Moss, 2008).

O educador que trabalha nessa instituição, para prover educação em seu sentido mais amplo, deveria ser reflexivo e democrático, um pensador e pesquisador crítico, um construtor colaborativo de conhecimento e valores, um desbravador curioso, propenso a se encantar e surpreender:

...mais voltado a criar possibilidades do que a perseguir objetivos predefinidos [...] demovido da falácia das certezas, [assumindo] a responsabilidade de escolher, experimentar, discutir, refletir e mudar, focalizando a organização de oportunidades mais do que a ansiedade de buscar resultados, mantendo o prazer e o encantamento de seu trabalho. (Fortunati, 2006, p.37).

A formação básica de tal educador poderia envolver uma combinação de estudos genéricos, independente da idade das crianças com as quais iria trabalhar após se formar, e cursos especializados, que permitiriam a cada estudante graduar-se com um perfil particular, definindo suas áreas de interesse e especialidade; esta é justamente a base da recente reforma na formação de professores na Suécia, que reuniu em uma só a formação de três tipos de profissionais antes treinados separadamente - professores de pré-escola, professores de escola e recreacionistas.

Boa parte da discussão sobre a relação entre a educação infantil e o ensino obrigatório focaliza apenas uma parte deste - os primeiros anos; o foco é nas crianças dos 3 (ou menos) aos 10 anos. Pouca atenção é devotada ao restante do ensino obrigatório que, em muitos países, constitui um nível separado, secundário, do sistema educacional. As escolas aí são maiores, o ensino é mais centrado em conteúdos, os professores (mais do sexo masculino), mais especializados nas disciplinas, o projeto pedagógico mais direcionado aos exames. Olhando à frente, pode-se imaginar que o debate atual sobre a relação entre a educação infantil e os primeiros anos do ensino obrigatório chegue, de alguma maneira, a uma solução, apenas para ser replicado em debates sobre a relação entre os primeiros e os anos subsequentes do ensino obrigatório.

Essa questão pode vir a ser menos explícita em sistemas organizados em torno de uma abordagem fortemente tradicional da educação, com uma educação secundária restrita, focalizada em disciplinas; aí, a educação pré-primária irá preparar as crianças para a escola primária que, por sua vez, irá prepará-las para a escola secundária e assim por diante. Mas o tema pode emergir com mais força naqueles sistemas em que a relação entre a educação infantil e os primeiros anos do ensino obrigatório leve a mudanças nestes últimos, sob a influência da pedagogia da educação infantil ou pela criação de novas ideias e práticas, formadas numa convergência pedagógica. Uma resposta a tais reformas pode ser uma pressão da escola secundária para que as crianças cheguem a ela prontas para seu regime educacional específico. Outra resposta possível seria envolver e engajar a educação secundária no regime educacional inovador e holístico que se estaria implementando para as crianças menores, incluindo-a na convergência pedagógica expandida.

Esta última especulação foi provocada por experiência recente de pesquisa em escola de um país nórdico que, como várias outras do país, agora recebe alunos de 1 a 16; ela possui cerca de 500 alunos e tem mais 65 crianças de 1 a 5 anos em duas pré-escolas fora do campus da escola. Trata-se de uma instituição pequena para crianças e adolescentes de diversas idades, organizada em torno do trabalho em grupo e de uma abordagem holística para prover cuidado, aprendizagem, saúde, bem-estar e desenvolvimento. O diretor, que tinha acabado de estender sua cobertura para os alunos de 13 a 16 anos, levantou a importante questão: O que pode significar uma escola para 1 a 16 anos e o que queremos dela? A resposta a essa pergunta dará pistas importantes para responder a pergunta do título deste artigo: Qual o futuro da relação entre a educação infantil e o ensino obrigatório?

Recebido em: NOVEMBRO 2009

Aprovado para publicação em: NOVEMBRO 2009

TRADUÇÃO Tina Amado

Este artigo foi originalmente publicado em Research in Comparative and International Education, v.3, n.3, p.224-234, 2008, com o título "What future for the relationship between early childhood education and care and compulsory schooling?" (www.wwwords.co.uk/RCIE).

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  • 1
    O autor utiliza no texto a expressão
    early childhood education and care - Ecec -, aqui traduzida como "educação infantil".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      Nov 2009
    • Aceito
      Nov 2009
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