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Educação infantil e políticas municipais: um estudo longitudinal

Educación infantil y políticas municipales: un estudio longitudinal

Resumos

Este artigo analisa resultados da pesquisa interinstitucional Educação Infantil e formação de profissionais no Estado do Rio de Janeiro (1999-2009), realizada por meio de questionário. O primeiro item faz considerações metodológicas sobre o universo investigado; o segundo trata da organização da Educação Infantil nas Secretarias Municipais de Educação e da cobertura do atendimento educacional; o terceiro analisa a formação dos profissionais, ingresso e carreira, recursos financeiros e materiais. Ao final, destacam-se avanços observados no período e indicam-se aspectos que necessitam com urgência entrar na agenda das políticas públicas municipais.

educação infantil; políticas públicas; formação profissional; profissionais de educação infantil


Este artículo analiza los resultados de la investigación interinstitucional Educação Infantil e formação de profissionais no Estado do Rio de Janeiro (1999-2009), realizada por medio de un cuestionario. En el primer ítem se efectúan consideraciones metodológicas sobre el universo investigado; en el segundo se trata de la organización de la Educación Infantil en las Secretarías Municipales de Educación y de la cobertura de la atención educativa; en el tercer punto se analiza la formación de los profesionales, su ingreso y carrera, recursos financieros y materiales. Al final se destacan los avances que se observaron en dicho periodo y se indican aspectos que necesitan con urgencia entrar en la agenda de las políticas públicas municipales.

educación infantil; políticas públicas; formación profesional; profesionales de educación infantil


This paper analyzes the results of the inter-institutional research Educação Infantil e formação de profissionais no Estado do Rio de Janeiro (1999-2009), based on data of questionnaire. The first item develops methodological considerations on the universe investigated; the second concerns on early childhood education's organization in the municipalities and the coverage of educational care; the third discusses the professional training, career entry and path, as well as financial and material resources. The last part emphasizes the developments observed in the period and indicate the aspects that should urgently be part of the municipal public policies agenda.

early childhood education; public policies; vocational training; childhood education professionals


OUTROS TEMAS

Educação infantil e políticas municipais: um estudo longitudinal

Educación infantil y políticas municipales: un estudio longitudinal

Maria Fernanda Rezende NunesI; Patrícia CorsinoII; Sonia KramerIII

IProfessora do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio – e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. fernandanunes@domain.com.br

IIProfessora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. corsinopat@gmail.com

IIIProfessora do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. sokramer@puc-rio.br

RESUMO

Este artigo analisa resultados da pesquisa interinstitucional Educação Infantil e formação de profissionais no Estado do Rio de Janeiro (1999-2009), realizada por meio de questionário. O primeiro item faz considerações metodológicas sobre o universo investigado; o segundo trata da organização da Educação Infantil nas Secretarias Municipais de Educação e da cobertura do atendimento educacional; o terceiro analisa a formação dos profissionais, ingresso e carreira, recursos financeiros e materiais. Ao final, destacam-se avanços observados no período e indicam-se aspectos que necessitam com urgência entrar na agenda das políticas públicas municipais.

Palavras-chave: educação infantil; políticas públicas; formação profissional; profissionais de educação infantil

RESUMEN

Este artículo analiza los resultados de la investigación interinstitucional Educação Infantil e formação de profissionais no Estado do Rio de Janeiro (1999-2009), realizada por medio de un cuestionario. En el primer ítem se efectúan consideraciones metodológicas sobre el universo investigado; en el segundo se trata de la organización de la Educación Infantil en las Secretarías Municipales de Educación y de la cobertura de la atención educativa; en el tercer punto se analiza la formación de los profesionales, su ingreso y carrera, recursos financieros y materiales. Al final se destacan los avances que se observaron en dicho periodo y se indican aspectos que necesitan con urgencia entrar en la agenda de las políticas públicas municipales.

Palabras clave: educación infantil; políticas públicas; formación profesional; profesionales de educación infantil

Estamos inclinados a pensar que a qualidade principal

do sociólogo não pode ser a de "intérprete" final, mas

sim uma qualidade de artesão, preocupado com os

detalhes e com o ciclo completo de sua produção.

(LAHIRE, 2004, p. 16)

Este texto resulta de uma pesquisa longitudinal com o objetivo de conhecer a Educação Infantil e a formação de profissionais nas redes públicas de municípios do Estado do Rio de Janeiro (NUNES; CORSINO; KRAMER, 2011).1 1 A pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – Faperj. Para diagnosticar a gestão da educação pública dos municípios, voltada para crianças de 0 a 6 anos, foi feito um mapeamento da Educação Infantil num intervalo de 10 anos, comparando-se dados colhidos por questionário aplicado em 1999 e 2009 sobre temas como: organização dos sistemas de ensino; cobertura do atendimento educacional; funcionamento da Educação Infantil e formação dos seus profissionais; formas de ingresso e carreira; entre outros. As análises dos dados obtidos levam em conta que as configurações existentes resultam da experiência, do contexto histórico e político dos municípios, das relações com o estado, governo federal e a sociedade civil.

Assim como Cunha (1992), que examina propostas de governos que prometeram usar a educação escolar como meio de construir a democracia e analisa as forças que a impulsionam ou retardam (movimentos sociais, privatismo, comunitarismo, municipalismo), acreditamos que "encontrar uma fórmula que permita a continuidade administrativa das secretarias de educação e uma certa independência do titular, sem que isto implique na despolitização nem na dominação tecnoburocrática no setor" (p. 484) é uma das medidas para a construção de uma escola pública que substitua a escola governamental sob administração privada.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS SOBRE O UNIVERSO INVESTIGADO

Coletar e comparar dados sobre as políticas municipais voltadas à Educação Infantil no período de uma década permite conhecer a dimensão dos direitos das crianças. Tendo em vista que todo procedimento de pesquisa tem limites e possibilidades (LUNA, 2002) e que deve haver consonância entre instrumento e problema investigado (BRANDÃO, 2002), optou-se por um questionário autoaplicável, com questões abertas e fechadas, que foi enviado a todos os municípios do Estado do Rio de Janeiro para ser respondido pelo responsável pela Educação Infantil.

Foram considerados a abrangência do campo e o pressuposto de que dados de pesquisa não estão prontos, mas são construídos; cada época e cada grupo social têm seus repertórios e formas de discurso que se diferenciam (BAKHTIN, 1988). De outra parte, além de técnicas quantitativas, julgamos pertinente examinar tendências e recorrências a partir de entrevistas e observações, ampliando as possibilidades de análise. Foram realizadas entrevistas tanto em 1999 (KRAMER, 2005) quanto em 2009 (NUNES; CORSINO; KRAMER, 2011) com os responsáveis pela Educação Infantil nas Secretarias Municipais de Educação. As observações geraram um arquivo de fotografias e deram origem a teses e dissertações.

O questionário aplicado em 1999 teve de ser reeditado, tendo em vista as mudanças políticas e da legislação ocorridas ao longo da década. A revisão do instrumento trouxe um duplo desafio: alterá-lo o mínimo possível para favorecer a comparação dos dados e considerar o novo cenário político.

Para a elaboração da base de dados, foi utilizado o Programa SPSS. As respostas foram organizadas em frequências e porcentagens. Os relatórios de frequência das variáveis pesquisadas, os cruzamentos e as tabulações foram levantados de acordo com os objetivos, a fim de comparar os dados de 1999 (ZANINI, 2000) com os de 2009. Foram consultados ainda diários de campo e relatórios elaborados nos dois momentos.

Um problema identificado tanto em 1999 quanto em 2009 foi o desconhecimento por grande parte dos informantes das Secretarias Municipais de Educação de dados essenciais para a gestão da política educacional, como número de crianças de 0 a 6 anos residentes nos seus municípios, número de matrículas e demanda não atendida.

O balanço do período permite dimensionar o impacto na Educação Infantil de quinze anos de LDB (BRASIL, 1996b), Fundef (BRASIL, 1996a) e Fundeb (BRASIL, 2006e), ampliação do Ensino Fundamental de 8 para 9 anos (BRASIL, 2005a) e inclusão das crianças de 6 anos (BRASIL, 2006d).

Duas precauções foram necessárias para fins da comparação. A primeira diz respeito à inexistência do Censo Educacional para contagem das matrículas em creche até o ano de 2001. Em 1999, foi feito um panorama dos municípios e do estado quanto ao atendimento na Educação Infantil em relação apenas às crianças de 4 a 6 anos, então consideradas na faixa etária correspondente à pré-escola. A segunda refere-se à faixa etária de 4 a 6 anos. Em 2005, instituiu-se a obrigatoriedade da matrícula das crianças de 6 anos no Ensino Fundamental (BRASIL, 2005b); assim, em 2009, muitas crianças de 6 anos estavam cursando o primeiro ano do Ensino Fundamental, o que exigiu considerar a taxa de cobertura na pré-escola das crianças de 4 e 5 anos de idade.

Em 1999, 54 dos 92 municípios do estado responderam o questionário e, em 2009, 59 responderam. Participaram das duas edições da pesquisa 43 municípios; 17 não participaram em nenhum dos momentos. O mapa 1, a seguir, apresenta a distribuição dos municípios segundo a participação na pesquisa:


Em 2009, a proporção de municípios que responderam o questionário, por classe de tamanho, segundo o número de habitantes e participação na população do estado, apresenta a seguinte configuração:

Como se pode observar, os percentuais de municípios respondentes por classe de tamanho da população são muito próximos à participação destes na composição da população do estado, o que confere representatividade à amostra e permite aproximações com os municípios não respondentes.

A análise não evidenciou, em 1999 e 2009, nenhum tipo de correlação entre investimento na Educação Infantil e partido político, contrariando a hipótese de que governos municipais do campo progressista investiriam mais nessa área.

ORGANIZAÇÃO E COBERTURA DO ATENDIMENTO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Este item apresenta a situação das políticas municipais de educação, verificando a existência ou não de sistema próprio e de conselho municipal, a organização da secretaria municipal, idade de ingresso e cobertura do atendimento em creches e pré-escolas.

O balanço da década evidencia que a expressiva maioria dos municípios, desde 1999, já tinha sistema próprio e conselho municipal – o que pode indicar maior autonomia em relação ao estado na gestão da educação.

Uma mudança expressiva na década diz respeito às áreas englobadas pelas Secretarias Municipais de Educação: em 1999, 65% respondiam também por outras áreas, como cultura, esporte e lazer; em 2009, a maioria (59,6%) respondia exclusivamente pela educação, tendo sido criadas novas estruturas para as demais áreas.

Outra mudança refere-se a projetos das Secretarias de Educação desenvolvidos em articulação com outras secretarias. Em 1999, –limitavam-se basicamente ao atendimento médico-odontológico e assistência à família; em 2009, estendem-se à organização de atividades culturais, como festival de teatro, cinema na escola, brinquedoteca, horta, roda de leitura, jogos estudantis, feiras de ciências, caravanas ambientais e jogos de xadrez.

Ainda no tocante à organização, houve um avanço no número de profissionais que integram as equipes pedagógicas responsáveis pelo acompanhamento às creches e pré-escolas. Em 1999, as secretarias tinham número maior de profissionais trabalhando nas equipes de acompanhamento pedagógico; em 2009, há maior número de secretarias trabalhando com menor número de profissionais. Isso faz supor que as equipes que no início da década trabalhavam em todos os segmentos – Educação Infantil e Ensino Fundamental – passaram a atuar exclusivamente na Educação Infantil.

Quanto à idade de ingresso das crianças no Ensino Fundamental, cabe registrar que o Estado do Rio de Janeiro já incluía crianças de 6 anos mesmo antes da legislação brasileira assim exigir, em certa medida, porque as políticas públicas dos anos 1980 eram dirigidas às classes de alfabetização. A gestão da época, diferentemente da atual, não universalizou o acesso das crianças de 6 anos e instituiu estratégias à parte do sistema: essas classes ora estavam alinhadas à pré-escola, ora ao Ensino Fundamental. Em 2009, entretanto, observa-se disparidade de critérios quanto ao ingresso no Ensino Fundamental, como mostra o Quadro 1:


Vale indagar se o ingresso aos 6 anos incompletos no ensino fundamental tem sido feito a partir de uma reorganização dos sistemas de ensino, criando condições de inclusão de fato, ou se é uma medida de mera antecipação. A data de corte constitui questão polêmica. A resolução do Conselho Nacional de Educação sobre o assunto (CNE/CEB n. 5, de 17/12/2009) estabelece que:

§ 2° É obrigatória a matrícula na Educação Infantil de crianças que completam 4 ou 5 anos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

§ 3º As crianças que completam 6 anos após o dia 31 de março devem ser matriculadas na Educação Infantil. (BRASIL, 2009b)

O Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro indica 31 de dezembro, e a resolução de matrícula da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, por exemplo, 30 de junho. Isso demonstra desarticulação entre os entes federados e, por vezes, autonomia das Secretarias de Educação, que formulam exigências para a rede pública à revelia das emitidas pelos conselhos. A falta de unidade tem impacto na trajetória escolar das crianças, que correm o risco de ficar sem um ano de Educação Infantil pelo ingresso precoce ao Ensino Fundamental.

No Estado do Rio de Janeiro, em 1999, havia 1.611.584 de crianças de 0 a 6 anos, sendo aproximadamente dois quintos na faixa etária de 4 a 6 anos, com uma cobertura de atendimento de 52%. Como destacado, nesse ano não havia Censo Escolar para computar as crianças que frequentavam creches, o que inviabiliza a identificação do número de crianças de 0 a 3 anos atendidas. Em 2009, segundo dados do Datasus, o panorama é de 1.359.833 crianças com 0 a 5 anos2 2 Contando a população de 0 a 6 anos, segundo os dados do Datasus, em 2009 eram 1.620.017 crianças (BRASIL, 2009d). (859.905 de 0 a 3 anos e 499.928 de 4 e 5 anos), e uma taxa de cobertura de atendimento para a creche de 16,1% e para a pré-escola de 66,2%, para crianças de 4 a 5 anos.

É o caso de se indagar por que o Estado do Rio de Janeiro não acompanhou a tendência de universalização ocorrida no país. Será que o estado já atendia crianças de 5 anos no Ensino Fundamental e, por isso, os dados da Educação Infantil são mais baixos que a média nacional? Pode-se inferir que os governos municipais alavancaram o atendimento do Ensino Fundamental obrigatório em detrimento do direito das crianças à Educação Infantil, além da participação significativa do setor privado, especialmente nos municípios da Região Metropolitana e da Capital.

Acompanhar a expansão ou redução do atendimento em creche é muito importante para compreender os vieses da política educacional. Nesse sentido, para tecer o balanço da década, optamos pelo Censo Escolar de 2001, em vez do de 1999, pois, como mencionado, esse foi o primeiro ano de coleta de dados de crianças em creche.

O Gráfico 1, a seguir, apresenta a evolução do número de matrículas em Educação Infantil na década pesquisada.


Nota-se uma expansão de 13,8% do número de matrículas, o que representam 57.248 matrículas novas. Porém, tomando como base os municípios do estado e as matrículas em creche e pré-escola nos censos de 2001 e 2009, observa-se que, na década, em números absolutos, houve expansão para a creche de 75,7% e redução para a pré-escola de 0,7%.

O Gráfico 2, a seguir, onde se apresenta o número absoluto de crianças matriculadas em creches e em pré-escolas, fornece elementos para dimensionar quem recebe o atendimento, e, mais importante, quem ficou de fora ou foi inserido precocemente no Ensino Fundamental. As informações referentes à matrícula incluem as redes federal, estadual, municipal e privada.


O acréscimo de matrículas no segmento da creche deve-se à indução do setor público à responsabilidade por esse atendimento bem como ao consenso sobre a importância da educação nos primeiros anos de vida da criança na sua trajetória educacional. O decréscimo de matrículas na pré-escola decorre do Fundef, que, no Rio de Janeiro, "empurrou" as classes de alfabetização para o Ensino Fundamental, e da institucionalização dessa etapa para nove anos. Vale destacar ainda a redução do crescimento populacional na década.

Dado que o maior atendimento da rede privada se concentra na Educação Infantil, alguns quesitos do questionário tinham a finalidade de mapear as matrículas na rede pública e privada. A participação do setor público, que em 2009 passa a ser mais significativa, era quase paritária à do setor privado, em 2001, como mostra o Gráfico 3.


Coerente com a ênfase na Educação Infantil em diferentes instâncias das políticas públicas, a ação dos movimentos sociais e as consequentes conquistas legais, há significativa expansão da esfera pública, ainda que a democratização tenha tido desenvolvimento díspar na creche e na pré-escola. No primeiro caso, há uma inversão: em 2001, são majoritárias as creches privadas (55,7% das matrículas); em 2009, as públicas (57,3%). No caso da pré-escola, a participação do setor público, que já era majoritária em 2001, passa de 57,6% para 63,1% na década.


Tomando os dados censitários de população e o Censo Escolar, pode-se afirmar que o incremento das matrículas se deve à expansão do atendimento da rede pública, no caso da creche, assim como o decréscimo das matrículas em pré-escola se deve à migração de crianças para o Ensino Fundamental.

Quanto à distribuição geográfica do número de matrículas por regiões, a creche teve expansão em todas as regiões do estado, totalizando, em termos absolutos, um aumento de quase 60 mil matrículas. Em 2001, 70% do total das matrículas das creches concentravam-se na capital e 7,2%, na Região Metropolitana. Em 2009, a participação da capital em relação ao estado sofre um decréscimo, caindo para 50%, enquanto a Região Metropolitana duplica sua participação, passando a representar 15% das matrículas.

No sentido inverso ao da creche, entre 1999 e 2009 a pré-escola teve uma redução de 1.610 matrículas, o que indica a entrada de crianças de 5 e 6 anos no Ensino Fundamental. Há diversas interpretações dos gestores públicos quanto à idade de ingresso no Ensino Fundamental, que tem recebido crianças menores de 6 anos, como já apontado. Além disso, é forte a institucionalização dessa etapa em todo o território nacional, atribuição legal prioritária dos municípios que, por tradição, se acomoda nos sistemas de ensino com maior aceitação, sem apresentar desafios políticos e administrativos nem demanda por investimento em equipamentos específicos à idade, como acontece na Educação Infantil.

No estado, a expansão do número de matrículas em creche, na década, foi de 75,7%, para todas as regiões, exceto a capital, enquanto na pré-escola houve redução de cerca de 1%. Essa tendência de redução só não se confirmou na Região Metropolitana e nas Baixadas Litorâneas. Considerado o total de matrículas na Educação Infantil (creche e pré-escola), houve uma expansão de quase 14% na década.

Tomando como parâmetro as regiões do estado, para dimensionar a repartição das matrículas no ano de 2001, a Tabela 2, a seguir, apresenta a distribuição percentual da população residente por região do Estado do Rio de Janeiro e a distribuição das matrículas em creche e pré-escola no Estado.

Na década, a migração no estado intensificou-se, fazendo com que algumas regiões perdessem população para outras, que se tornaram mais dinâmicas devido aos processos de urbanização. Dados do Observatório da Equidade (IBGE, 2007) mostram que fatores sociodemográficos da população foram determinantes para o acesso à educação nos anos 2000. A maior desigualdade entre ricos e pobres pode ser medida, entre outros indicadores, pela frequência à creche. Nascer e viver nas regiões com menos acesso à educação afeta a vida da população, como indica Santos (2009) ao se referir ao espaço geográfico e seus condicionantes: "A eficácia das ações está estreitamente relacionada com a sua localização. Os atores mais poderosos se reservam os melhores pedaços do território e deixam o resto para os outros" (p. 79).

O incremento das atividades econômicas em algumas regiões contribuiu para o processo de reorganização da atividade produtiva, influenciando migrações intrarregionais. Todavia, mantiveram-se os desníveis regionais, pois o contingente populacional local não foi absorvido nas atividades industriais.

Em 2001, observa-se uma distribuição desproporcional das matrículas em creches em relação ao tamanho da população das regiões, sendo mais acentuada negativamente para a Região Metropolitana e positivamente para a capital e o Norte Fluminense. A Região Metropolitana, com 34,6% da população residente do estado, tem 7,2% das matrículas, enquanto o Norte Fluminense, com apenas 4,9% da população, responde por 6,7% das matrículas. O panorama é diferente para a pré-escola, embora se mantenha a maior desigualdade para a Região Metropolitana. As demais regiões têm uma distribuição mais equilibrada.

Em 2009, o cenário da distribuição das matrículas em creche no estado altera-se de forma substancial, havendo um incremento na Região Metropolitana e nas Baixadas Litorâneas, que aparecem com o dobro do percentual obtido em 2001, e no Norte Fluminense, que passa a responder por 10% do total.

Vale chamar atenção para o fato de que, além da intensificação e do desequilíbrio econômico entre os municípios, o Estado do Rio de Janeiro já sofria as consequências da sua situação geopolítica. Originário da fusão de dois estados (Guanabara e Rio de Janeiro), em 1975, com sérias disputas político-partidárias, marcadas pelo embate entre forças de poder local, o atual Estado do Rio de Janeiro herdou a desigualdade entre os municípios e regiões, uma extrema concentração de equipamentos sociais e culturais e serviços públicos, configurando uma condição que, nas palavras de Santos (2009), impacta a vida da população, seu acesso à educação, saúde e habitação, bem como – no que se refere à pesquisa aqui apresentada – seu direito à educação de qualidade em creches, pré-escolas e escolas.

Quanto ao tamanho dos municípios que responderam ao questionário, 34 têm população de até 50 mil habitantes (pequeno porte), 23 de até 900 mil habitantes (médio e grande porte) e dois são metrópoles, com mais de 900 mil habitantes. Esses três grupos foram analisados em relação à cobertura do atendimento, organização das Secretarias Municipais de Educação, especificidade da Educação Infantil na gestão das Secretarias e mecanismo de nomeação de diretores de creches e pré-escolas com foco nas diferenças e aproximações na gestão da Educação Infantil. Municípios menores teriam o mesmo padrão de políticas que os médios e maiores?

A análise evidenciou que ter setor específico responsável pela Educação Infantil nas Secretarias e equipe de acompanhamento pedagógico para a Educação Infantil são os fatores que mais diferenciam os municípios segundo seu tamanho. Quase metade dos de pequeno porte (16) não tem setor especifico de Educação Infantil, enquanto nos de médio porte essa ausência se verifica em menos de 10% (dois municípios) e nas metrópoles é inexistente. Mesmo sem setor específico, a maioria dos municípios afirma que acompanha e orienta a Educação Infantil; apenas quatro declararam não ter equipe de acompanhamento e todos são de pequeno porte. Quanto à frequência, mais da metade das respostas dos municípios de pequeno e médio porte indicam um acompanhamento semanal, enquanto as respostas das duas metrópoles são vagas (de acordo com a necessidade de cada instituição; ora semanal, ora quinzenal, ora mensal etc.). Diante da pergunta sobre se havia equipe com coordenador específico para Educação Infantil, a grande maioria das respostas é positiva: 73% nos municípios pequenos, 87% nos médios e nas duas metrópoles. O tamanho das equipes nos municípios pequenos varia de um a seis profissionais e nos médios, de dois a nove. Os dois municípios de grande porte têm, respectivamente, três e doze profissionais, evidenciando que nem sempre há proporcionalidade entre as equipes das Secretarias e o número de instituições atendidas.

Os questionários respondidos, as entrevistas realizadas e os documentos que nos enviaram permitem traçar um panorama complexo da expansão da Educação Infantil nos municípios e de seus principais problemas e conquistas.

FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A formação de professores tem sido apontada por pesquisas e documentos oficiais (BRASIL, 2006b; 2006c) como um dos principais fatores que afetam a qualidade na Educação Infantil. A partir desse pressuposto, a pesquisa teve como objetivo conhecer os projetos que as Secretarias Municipais de Educação desenvolvem junto aos profissionais que atuam nessa área e verificar se nos dez anos houve alterações nas propostas, considerando-se as novas políticas vigentes.

De um lado, os inúmeros embates sobre formação, políticas públicas e profissionalização docente poderiam ter afetado as propostas de formação. De outro lado, as mudanças na Educação Infantil brasileira também poderiam impactar a formação. Uma terceira mudança diz respeito ao Decreto n. 6.755/09, que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica (BRASIL, 2009e), compreendida como compromisso público de Estado e como política permanente de estímulo à profissionalização.

O decreto estabelece a expansão da oferta de formação superior nas IES públicas, elevação da qualidade da formação, gestão democrática, garantia de financiamento público no âmbito do regime de cooperação e responsabilidade dos entes federados, e atribui aos docentes o papel de agentes formadores de cultura. Os objetivos a serem alcançados são: jornada única, progressão na carreira, formação continuada, dedicação exclusiva ao magistério, melhora das condições de remuneração, garantia de condições dignas de trabalho, equidade no acesso à formação inicial e continuada; e articulação entre formação inicial e continuada. Estados, Municípios e Distrito Federal devem, assim, comprometer-se com a política de formação continuada, acompanhar e avaliar as definições dos sistemas e das unidades escolares quanto à formação bem como elaborar propostas de formação específicas, além de expandir a oferta da formação superior.

Estudos sobre formação docente valorizam a multidimensionalidade, processo contínuo de articulação entre saberes disciplinares e pedagógicos e saberes obtidos pela experiência individual e coletiva (TARDIF, 2002). Uma formação de qualidade, segundo Nóvoa (1992), articula desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional. É na interação entre saberes e situações do cotidiano, nas reflexões e trocas que se dá a formação. Uma formação docente, pessoal e profissional se faz de forma contextualizada e em articulação com a cultura da instituição escolar, que também é situada. Há um continuum de articulações recíprocas entre contextos macro (políticas, concepções, teorias) e micro (o cotidiano, condições, cultura) que influenciam e são influenciados mutuamente, produzindo saberes de diferentes naturezas. Considerando o momento atual da Educação Infantil brasileira, há que se pensar a formação do docente das crianças de 0 a 6 anos de maneira multidimensional também, de forma que o desenvolvimento pessoal e profissional signifique desenvolvimento institucional e organizacional e vice-versa.

Na pesquisa, quando perguntados se implementavam algum projeto de formação em serviço que envolvesse profissionais de Educação Infantil, a resposta foi negativa para pouco mais de 10% dos municípios que responderam aos questionários (11,1% em 1999 e 13,6% em 2009). Visto que a discussão política e a produção teórica em Educação Infantil e formação de professores foram expressivas na década, surpreende haver municípios onde a formação de professores de Educação Infantil não entrou na pauta política.

Na maioria dos municípios que desenvolvem projetos de formação, eles são implementados pelas Secretarias de Educação. Em menor proporção, as de Saúde e de Cultura também participam da formação. Observa-se ainda menor participação das Secretarias de Assistência/Desenvolvimento Social, provavelmente pela passagem das creches para a Educação, a diminuição da rede particular e o aumento da esfera federal de 17%, em 1999, para 34%, em 2009 – o que parece indicar que as universidades públicas estão ganhando espaço na formação, como objetiva a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica.

Quanto à responsabilidade pelo planejamento da formação, pouco mudou em dez anos: a atribuição continua sendo prioritariamente das Secretarias Municipais de Educação e, em segundo lugar, dos coordenadores/orientadores pedagógicos. Em 2009, houve um aumento da participação da Secretaria Estadual de Educação e das universidades, o que sugere maior envolvimento dos entes federados no exercício de sua função supletiva na formação de professores dos municípios fluminenses. Porém, entre 1999 e 2009, manteve-se a pouca participação de professores e auxiliares envolvidos com a prática pedagógica, o que indica que o planejamento da formação é tarefa centralizada nos gestores. Resta saber, com outros procedimentos de pesquisa, em que se baseiam os gestores para a elaboração dos planejamentos da formação, como são feitas as escolhas da modalidade de formação e dos temas abordados, quais as concepções subjacentes a essas escolhas e se esse planejamento prevê continuidade e desdobramentos das ações de formação.

No que se refere aos profissionais envolvidos nos projetos de formação em serviço, observa-se, na década, um aumento significativo de municípios em que há participação de professores, auxiliares e equipe pedagógica. O número de municípios que incluem auxiliares nos projetos de formação mais que duplicou. E aqueles que oferecem projetos de formação para a equipe pedagógica – dado ausente em 1999 – correspondem a 61% dos respondentes em 2009, como pode ser observado no Gráfico 5.


O significativo aumento do número de municípios com projetos de formação sugere não apenas maior participação, mas também a presença de equipes específicas de Educação Infantil. Se o envolvimento de auxiliares, por um lado, pode significar melhores condições da estrutura organizacional das instituições, por outro, pode mostrar que há maior contratação de auxiliares em detrimento de professores. Em que pese essa ponderação, na década pesquisada houve envolvimento das equipes que trabalham diretamente com as crianças de 0 a 6 anos em projetos de formação, indicando maior qualificação desses profissionais nos municípios.

Em relação aos temas abordados na formação dos profissionais, poucas alterações foram observadas entre 1999 e 2009. Continua o predomínio de aspectos didático-pedagógicos, seguidos de arte e cultura. Em 2009, há um pequeno aumento de temas relativos a aspectos pedagógicos e diminuição de temas voltados à família, saúde e alimentação. Esse aumento, provavelmente, se deve à elaboração de projetos político-pedagógicos em creches e pré-escolas, exigência que, com a inserção da Educação Infantil nos sistemas educacionais, ao longo desses dez anos, pode ter sido relevante nos estudos e projetos de formação.

Quanto à formação em serviço oferecida pelos municípios, em 2009, 20% das respostas indicam a formação em Ensino Médio normal, categoria que, em 1999, não estava presente. Esse dado expressa compromisso com a formação mínima exigida pela LDB. A implementação do Proinfantil3 3 Trata-se de um curso de Ensino Médio, modalidade normal, emergencial, desenvolvido pelo governo federal em parceria com universidades federais, estados e municípios. no estado, em julho de 2009, pode ter colaborado para esse aumento. O Gráfico 6 ilustra o panorama encontrado.


Em 2009, mantém-se elevado o percentual de modalidades episódicas da formação (eventos, palestras, oficinas): 6,8% dos respondentes afirmam ter nível superior e há uma queda de 10% em cursos sobre temas específicos. Houve aumento de quase 10% de respostas que informam a presença de grupos de estudos como modalidade de formação, podendo indicar que a escola se torna lócus da formação, com maior participação de professores e outros profissionais da equipe escolar nos estudos coletivos.

Em relação aos projetos de formação cultural para professores da Educação Infantil em instituições/espaços culturais (museus, cinemas, teatros, centros culturais, lonas culturais, bibliotecas), os resultados encontrados nos dois anos pesquisados são semelhantes: em 1999, 74% responderam que não desenvolviam tais projetos e, em 2009, 72,9%. Os que responderam positivamente citaram eventos em praças públicas, exposições em museus, espetáculos de teatro e cinema, programas de leitura, feiras do livro, eventos esportivos e ecológicos, atividades nas escolas.

Quanto à formação de professores e auxiliares, em 1999, 59% dos respondentes afirmaram ter projetos específicos de formação em serviço para professores de Educação Infantil, e, em 2009, 65%. Esse aumento revela maior visibilidade da primeira etapa da Educação Básica nas Secretarias. Em relação aos auxiliares, em 1999, 30% desenvolviam projetos específicos e, em 2009, 51%. Vale dizer que "auxiliar" designa, dependendo do município, o profissional contratado que tem a função de apoiar um professor responsável por uma turma ou que assume a função docente. Assim, o aumento pode significar maior investimento em quem lida com as crianças, professor ou não, ou pode significar maior contratação de auxiliares. A contratação de auxiliares merece pesquisas específicas nos municípios.

Em relação às parcerias dos municípios nos projetos de formação em serviço, em 1999, 26% informaram desenvolver projetos específicos. O percentual era reduzido e os parceiros citados foram universidades públicas (federais e estadual), fundações, faculdades particulares e instituições religiosas. Em 1999 as universidades públicas foram citadas em 41% das respostas, com pouca menção às particulares. Em 2009, dos municípios que desenvolviam projetos específicos para os profissionais de Educação Infantil, 42% mantinham parcerias, um aumento significativo em relação a 1999, sendo a maior parte com universidades federais. O MEC foi mencionado em 20% das respostas, e organizações não governamentais – ONGs – e instituições privadas, em 25%. Portanto, em relação a projetos de formação para a Educação Infantil, pode-se inferir que há uma política de formação em curso liderada pela instância federal.

INGRESSO E CARREIRA

Sobre a formação mínima exigida pelos municípios para o ingresso de professores na Educação Infantil, em 1999, 92,6% das respostas apontaram o Ensino Médio como requisito. Em 2009, há um aumento nas exigências de escolaridade: Ensino Médio (88,4%), Estudos Adicionais (5,3%) e Ensino Superior (6,2%). Quanto à formação mínima exigida para ingresso de auxiliares, em 1999, 40,7% indicaram o Ensino Fundamental, 14% Ensino Médio Normal e 46,3% não sabiam ou não responderam. Em 2009, embora 41% das respostas indicassem o Ensino Fundamental como pré-requisito, em 32% das respostas aparecia o Ensino Médio e em 25%, Estudos Adicionais. Essa significativa alteração aponta que o cargo de auxiliar é dúbio em relação às exigências de escolaridade para o ingresso e à função exercida nas escolas.

A não realização de concurso público específico para ingresso na Educação Infantil nas redes municipais é uma constante nos dois anos pesquisados. A maioria dos municípios faz um único concurso para professores de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, não reconhecendo, no ingresso, a especificidade da Educação Infantil. As consequências tanto pedagógicas quanto administrativas dessa opção são sentidas ao longo da década. Quais seriam os critérios de escolha ou alocação dos concursados nas turmas de Educação Infantil e que condições as escolas apresentam para trabalhar com o professor ingressante as especificidades de cada etapa da Educação Básica? Sem dúvida, em termos de formação e permanência na carreira, poderia ser muito benéfico substituir os concursos abrangentes por concursos específicos.

Em 1999, dos municípios que responderam ao questionário, 50% informaram ter plano de carreira. Em 2009, esse percentual subiu para 72,9%, e 23,7% indicaram estar em processo de elaboração e/ou regulamentação de um plano. Provavelmente, esse significativo aumento de municípios com plano de carreira se deve à Lei n. 11.738, de 16 de julho de 2008, que, além de instituir o piso salarial nacional para professores da educação básica pública, definiu prazo até final de 2009 para estados e municípios elaborarem seus planos de carreira docente.

O salário de professores, tanto em 1999 quanto em 2009, varia entre mais de um até três salários mínimos. Contudo, há uma inversão no período: em 1999, 16,7% municípios informaram que os professores ganhavam entre um e dois salários mínimos e 40,7%, entre dois e três salários mínimos; em 2009, 66,1% dos municípios pagavam entre um e dois salários mínimos aos professores e 16,9%, de dois a três salários mínimos. Já o salário dos auxiliares se manteve, entre 1999 e 2009, na faixa de meio e dois salários mínimos. Observa-se uma tendência de diminuição do número de salários mínimos pagos aos professores, o que pode ser consequência do aumento real do salário mínimo na década, ou pode indicar que, em termos salariais, a carreira de professor tem se tornado cada vez menos atraente e pouco se diferencia de outras carreiras que exigem menor qualificação.

Em relação à carga horária de trabalho destinada a planejamento, reuniões e centros de estudos, em 1999, 30% dos municípios respondentes deixaram esse quesito em branco, enquanto em 2009 o percentual foi de 10%. Analisando-se as respostas, nota-se maior especificação da carga horária: tanto em creches quanto em pré-escolas, mais de 60% indicam que os professores têm até 4 horas semanais para essas atividades; e 25% afirmam que esse tempo é de 6 a 10 horas semanais. Em 1999 e 2009, os auxiliares participam menos que os professores dessas atividades. Porém, o número maior de respostas em 2009 pode indicar que esses profissionais passaram a participar do planejamento e formação ou, então, que há um maior conhecimento dos respondentes em relação à carga horária dessas atividades: 39% dos auxiliares de creches e 35,6% dos auxiliares de pré-escola têm até 4 horas semanais destinadas a essas atividades.

Quanto ao mecanismo de nomeação de diretor de creches e pré-escolas, os dados apontam aumento de mais 10% nas indicações e diminuição da mesma proporção para eleição.

Dos 59 municípios que responderam ao questionário, apenas dois indicaram ser a eleição o critério, e ambos são municípios pequenos. Para a nomeação de diretor de pré-escola, sete indicaram eleição, sendo dois de pequeno porte, quatro de médio porte e um de grande porte. Como não foram encontrados dados sobre concurso específico para diretor, e levando-se em conta que a gestão democrática é uma das formas de dirimir influências políticas, partidárias e/ou locais, esse resultado pode ser considerado um grande retrocesso.

RECURSOS FINANCEIROS E MATERIAIS

No quesito relativo à fonte de recursos financeiros, manteve-se a maior participação do orçamento municipal no desenvolvimento e manutenção da Educação Infantil. Observa-se, porém, um aumento expressivo da participação do MEC na execução de convênios com os municípios, de 24%, em 1999, para 83%, em 2009. Essa participação revela, mais uma vez, o exercício da função supletiva e colaborativa da União junto à instância municipal no desenvolvimento de ações voltadas para essa etapa da educação básica.

Cabe a ressalva de que, desde 2007, vem se consolidando, no âmbito das políticas educacionais, o Plano de Ações Articuladas – PAR – dos municípios. Trata-se de um plano de metas elaborado pelos municípios a partir de avaliação diagnóstica da realidade educacional local, vinculado ao Plano de Desenvolvimento da Educação Básica – PDE –, com o objetivo de "enfrentar estruturalmente as desigualdades de oportunidades educacionais na perspectiva de reduzir desigualdades sociais e regionais". A demanda consolidada nesse plano é o instrumento do regime de colaboração entre os entes federados. Nessa via, a presença da Educação Infantil na avaliação diagnóstica é imprescindível para que a visão sistêmica da Educação Básica postulada pelo PDE possa acontecer. Conjugam-se, assim, a demanda do PAR, as metas do PDE e a oferta de projetos e programas do MEC no exercício de sua função colaborativa. Como consequência, há maior responsabilização dos entes federados em suas competências, o que exige parcerias, compromissos mútuos e articulação entre programas e projetos para alavancar processos, tal como evidenciado nas respostas, especialmente na citação dos programas Proinfantil e Proinfância.

No que diz respeito à manutenção de convênios dos municípios com creches e pré-escolas privadas, o resultado é similar nos dois anos estudados: em torno de 25% de respostas afirmativas para as creches e 10% para as pré-escolas. Quanto às formas de apoio das Secretarias nos convênios para creches, os dados de 2009 mostram acréscimo na cessão de professores (de 4% para 17%), na capacitação de pessoal (de 2% para 19%) e no fornecimento de merenda (de 11% para 22%). Essa tendência se repete no apoio à pré-escola, o que indica um processo de municipalização do atendimento das instituições conveniadas e maior responsabilização da instância municipal na formação de pessoal. A propósito, a concessão de espaço como apoio às creches privadas, quesito que sofreu um decréscimo considerável (de 20% para 3%), é outro fator que corrobora a municipalização. As entrevistas com os responsáveis pela Educação Infantil das Secretarias de Educação revelaram que, para a expansão da rede municipal, houve necessidade de aluguel de espaço para as instituições públicas, mas não para as conveniadas.

Já as respostas sobre materiais que a Secretaria fornece regularmente às creches e pré-escolas indicam aumento significativo para brinquedos, livros e materiais de limpeza, como mostra a Tabela 5, a seguir.

Embora os espaços ainda não sejam ideais, percebe-se maior atenção às condições gerais das instituições. Os indicadores de qualidade e as novas diretrizes curriculares para a Educação Infantil, ao valorizarem a importância de brinquedos e livros literários para as crianças, podem ter induzido a regularidade no fornecimento desses materiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo comparativo realizado aponta que houve avanços: expansão das matrículas nas creches públicas, organização e funcionamento das Secretarias em termos de assumir a especificidade da educação e das equipes pedagógicas de acompanhamento da Educação Infantil. Na década, houve maior preocupação dos municípios com o envolvimento da equipe que trabalha diretamente com as crianças de 0 a 6 anos em projetos de formação, indicando investimento crescente com a qualificação desses profissionais.

Contudo, vários aspectos necessitam com urgência entrar na agenda das políticas públicas municipais: formação cultural de professores, concurso específico para professor de Educação Infantil, inclusão na carga horária de horas destinadas ao planejamento e à formação em serviço, aumento salarial, processos democráticos de nomeação de diretor, principalmente nas creches. É importante ressaltar a ilegalidade de contratação de auxiliares com função docente. A Educação Infantil, como primeira etapa da educação básica, exige a presença de professor junto aos grupos de crianças. O cargo de auxiliar precisa ser discutido e as atribuições desse profissional nas creches e pré-escolas, melhor definidas.

O legado da década de 2000 apresentou transformações no campo da Educação Infantil, trazendo novas inquietações ou indagações. Tais inquietações convertem-se em desafios em relação ao atendimento educacional dos bebês e crianças de 1 a 3 anos (que passam a ter maior visibilidade com a redução da faixa etária da pré-escola) e aos processos de transição casa/creche, creche/pré-escola, pré-escola/ensino fundamental, incluindo os processos de alfabetização. Além da demanda de correção dos diferentes instrumentos de coleta de dados, como o Censo Escolar, para o acompanhamento e a avaliação do ingresso e da permanência escolar, as questões atuais evidenciadas pela pesquisa podem se configurar como agenda para as políticas municipais de Educação Infantil.

Recebido em: MARÇO 2012

Aprovado para publicação em: DEZEMBRO 2012

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  • 1
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  • 2
    Contando a população de 0 a 6 anos, segundo os dados do Datasus, em 2009 eram 1.620.017 crianças (BRASIL, 2009d).
  • 3
    Trata-se de um curso de Ensino Médio, modalidade normal, emergencial, desenvolvido pelo governo federal em parceria com universidades federais, estados e municípios.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2012
    • Aceito
      Dez 2012
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