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Estudo comparativo do perfil de ácidos graxos em semente de Passifloras nativas do cerrado brasileiro

A comparative study of fatty acids profile of Passiflora seed from Brazilian savana

Resumos

No mundo, existem mais de 580 espécies de maracujazeiros, grande parte nativa da América Tropical e Subtropical, principalmente no Brasil. Os programas de melhoramento utilizam uma parte pequena dos recursos genéticos disponíveis, já que o potencial deste material geralmente não está suficientemente caracterizado. O objetivo deste trabalho foi a caracterização do teor de lipídios e do perfil de ácidos graxos presentes nas sementes de 03 espécies nativas silvestres de maracujás (Passiflora cincinnata, P. setacea e P. nitida), empregando o maracujá comercial (P.edulis) como referência. Os lipídios totais foram extraídos com éter de petróleo em extrator tipo Soxhlet. O perfil dos ésteres metílicos foi caracterizado por cromatografia a gás, usando detector de ionização de chama. A espécie P. setacea apresentou o maior teor de óleo (31,2-33,5%), seguida por P. nitida (29,5-32,3%) e P. cincinnata (16,7-19,2%). O óleo de P. setacea apresentou 64,7% de ácido linoleico, 19,7% de oleico e 10,2% de ácido palmítico; o óleo de P. nitida apresentou os ácidos mirístico (0,6%), palmítico (15,3%), palmitoleico (2,0%), oleico (24,8%), linoleico (51,7%) e um ácido graxo incomum às outras espécies de Passiflora, o láurico (0.4%); já o óleo de P. cincinnata apresentou os ácidos oleico (11,0%), palmítico (10,2%) e linoleico (74,3%). O ácido linoleico foi predominante nas três espécies estudadas. Todas as espécies apresentaram ácido vacênico (0,3-0,6%), descrito pela primeira vez no gênero Passiflora.

semente de maracujá; Cerrado; óleo; cromatografia a gás; ácido graxo


There are more 580 species of passion fruit in world, majority native from America Tropical and Subtropical, especially Brazil. Breeding programs use small part of genetic resources available, because potential of this material is not sufficiently characterized. The objective of this work was the characterization of lipids content and fatty acids profile present in the seeds of 03 species of wild native passion fruit (Passiflora cincinnata, P. setacea e P. nitida) using commercial passion fruit (P. edulis) as reference. Total lipids were extracted with petroleum ether in Soxhlet extractor. The profile of methyl esters was characterized by gas chromatograph using flame ionization detector. The seeds of P. setacea showed higher content of oil (31.2-33.5 %), followed by P. nitida (29.5-32.3 %) and P. cincinnata (16.7-19.2 %). The P. setacea oil presented 64.7% of linoleic, 10.2% of palmitic and 19.7% of oleic acid. P. nitida presented myristic (0.6%), palmitic (15.3%), palmitoleic (2.0%), oleic (24.8%), linoleic (51.7%) and a not common acid in other Passiflora specie, the lauric acid (0.4%); P. cincinnata showed oleic (11.0%), palmitic (10.2%) and linoleic acid (74.3%). Linoleic acid was predominant in all evaluated species. All species presented vaccenic acid (0.3-0.6 %), described for first time in Passiflora genus.

passion seed; oil; gas chromatography; fatty acid; Savanna


FITOTECNIA

Estudo comparativo do perfil de ácidos graxos em semente de Passifloras nativas do cerrado brasileiro1 1 ( Trabalho 138-09). Parte da monografia apresentada pelo primeiro autor para obtenção de título de Licenciatura em Ciências Biológicas, Faculdades da Terra de Brasília (FTB).

A comparative study of fatty acids profile of Passiflora seed from Brazilian savana

Renata Miranda LopesI; Anderson Cássio SevilhaII; Fábio Gelape FaleiroIII; Dijalma Barbosa Da SilvaII; Roberto Fontes VieiraII; Tânia da Silveira Agostini-CostaII

IBióloga/ bolsista do Programa Biodiversidade Brasil-Itália - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Brasília-DF. E-mail: rm.lopes@yahoo.com.br

IIPesquisadores/ Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Parque Estação Biológica, PqEB, W5 Norte, final, CEP: 70770-900, Brasília-DF. E-mail: tania@cenargen.embrapa.br; dijalma@cenargen.embrapa.br; rfvieira@cenargen.embrapa.br; sevilha@cenargen.embrapa.br

IIIPesquisador/ Embrapa Cerrados, BR 020, Km 18, Caixa Postal 08223, 73010-970 Planaltina-DF. Email: ffaleiro@cpac.embrapa.br

RESUMO

No mundo, existem mais de 580 espécies de maracujazeiros, grande parte nativa da América Tropical e Subtropical, principalmente no Brasil. Os programas de melhoramento utilizam uma parte pequena dos recursos genéticos disponíveis, já que o potencial deste material geralmente não está suficientemente caracterizado. O objetivo deste trabalho foi a caracterização do teor de lipídios e do perfil de ácidos graxos presentes nas sementes de 03 espécies nativas silvestres de maracujás (Passiflora cincinnata, P. setacea e P. nitida), empregando o maracujá comercial (P.edulis) como referência. Os lipídios totais foram extraídos com éter de petróleo em extrator tipo Soxhlet. O perfil dos ésteres metílicos foi caracterizado por cromatografia a gás, usando detector de ionização de chama. A espécie P. setacea apresentou o maior teor de óleo (31,2-33,5%), seguida por P. nitida (29,5-32,3%) e P. cincinnata (16,7-19,2%). O óleo de P. setacea apresentou 64,7% de ácido linoleico, 19,7% de oleico e 10,2% de ácido palmítico; o óleo de P. nitida apresentou os ácidos mirístico (0,6%), palmítico (15,3%), palmitoleico (2,0%), oleico (24,8%), linoleico (51,7%) e um ácido graxo incomum às outras espécies de Passiflora, o láurico (0.4%); já o óleo de P. cincinnata apresentou os ácidos oleico (11,0%), palmítico (10,2%) e linoleico (74,3%). O ácido linoleico foi predominante nas três espécies estudadas. Todas as espécies apresentaram ácido vacênico (0,3-0,6%), descrito pela primeira vez no gênero Passiflora.

Termos para indexação: semente de maracujá, Cerrado, óleo, cromatografia a gás, ácido graxo.

ABSTRACT

There are more 580 species of passion fruit in world, majority native from America Tropical and Subtropical, especially Brazil. Breeding programs use small part of genetic resources available, because potential of this material is not sufficiently characterized. The objective of this work was the characterization of lipids content and fatty acids profile present in the seeds of 03 species of wild native passion fruit (Passiflora cincinnata, P. setacea e P. nitida) using commercial passion fruit (P. edulis) as reference. Total lipids were extracted with petroleum ether in Soxhlet extractor. The profile of methyl esters was characterized by gas chromatograph using flame ionization detector. The seeds of P. setacea showed higher content of oil (31.2-33.5 %), followed by P. nitida (29.5-32.3 %) and P. cincinnata (16.7-19.2 %). The P. setacea oil presented 64.7% of linoleic, 10.2% of palmitic and 19.7% of oleic acid. P. nitida presented myristic (0.6%), palmitic (15.3%), palmitoleic (2.0%), oleic (24.8%), linoleic (51.7%) and a not common acid in other Passiflora specie, the lauric acid (0.4%); P. cincinnata showed oleic (11.0%), palmitic (10.2%) and linoleic acid (74.3%). Linoleic acid was predominant in all evaluated species. All species presented vaccenic acid (0.3-0.6 %), described for first time in Passiflora genus.

Index Terms: passion seed, oil, gas chromatography, fatty acid, Savanna.

INTRODUÇÃO

O gênero Passiflora apresenta cerca de 400 espécies, sendo que no Brasil são encontradas entre 111 e 150 espécies, principalmente no centro de distribuição geográfica deste gênero, que se localiza no Centro-Norte do Brasil. Mais de 40 espécies do gênero Passiflora foram identificadas em estado silvestre no Cerrado e nas áreas de transição. Não é por acaso que as maiores e mais diversificadas coleções de germoplasma do mundo estão no Brasil (FERREIRA et al., 2005). Além da diversidade genética relacionada às várias espécies do gênero Passiflora, resultados de pesquisas mostram grande diversidade genética intra-específica (BELLON et al., 2007; 2009; JUNQUEIRA et al., 2007) e a possibilidade de obtenção de vários híbridos interespecíficos (JUNQUEIRA et al., 2008; FONSECA et al., 2009). Apesar de toda esta variabilidade, somente duas espécies têm expressão comercial no Brasil, a Passiflora edulis Sims. edulis, (maracujá-azedo) e Passiflora alata Curtis (maracujá-doce). O maracujá-azedo é o mais conhecido, cultivado e comercializado devido à qualidade de seus frutos e ao seu maior rendimento industrial (FALEIRO et al., 2005).

As sementes provenientes do processo de obtenção da polpa de maracujá-azedo são utilizadas por produtores rurais na suplementação da alimentação animal, como ração para bovinos e aves, ainda que sem muita informação técnica adequada. Considerando o grande volume de semente produzida após o processamento da polpa, agregar valor a estes subprodutos é de interesse econômico, ambiental, científico e tecnológico(FERRARI et al., 2004).

Quimicamente, o óleo extraído da semente de P. edulis da Uganda (NYANZI et al., 2005) e óleos extraídos a partir de resíduos (sementes) do processamento de suco de maracujá-azedo de uma cooperativa de Santa Catarina (SANT'ANNA et al., 2001) e de uma indústria de Minas Gerais (FERRARI et al., 2004) apresentaram predominância dos ácidos linoleico (67,8-70,1%), oleico (15,0-18,1%), palmítico (10,6-12,0%) e esteárico (2,8-3,1%), seguidos por menores teores dos ácidos linolênico (0,4-0,7%), palmitoleico (0,4%), araquídico (traços-0,2%), gadoleico (traços-0,1%), beênico (traços-0,1%), lignocérico (traços-0,1%) e mirístico (traços-0,1%) (Sant'Anna et al., 2001; Ferrari et al., 2004; Nyanzi et al., 2005).

Dentre as espécies nativas silvestres no Brasil, a P. cincinnata, a P. setacea e a P. nitida estão entre as mais conhecidas e entre as que apresentam potencial para uso econômico (OLIVEIRA; RUGGIERO, 2005). Estas espécies estão sendo utilizadas para consumo in natura ou na forma de sucos, doces, geleias e medicamentos ou como ornamental(FALEIRO et al., 2005). Por serem rústicas, tolerantes a pragas e doenças, e por apresentarem boa produtividade, com floração em períodos de entressafra do maracujá comercial, muitas das espécies nativas poderão, num futuro próximo, adquirir grande importância social e ambiental por gerar emprego e renda em áreas marginais para a agricultura convencional e dispensar o uso de defensivos agrícolas(JUNQUEIRA et al., 2005).

O objetivo deste artigo foi determinar o teor de lipídios, a proporção de suco e semente e a composição dos ésteres metílicos de ácidos graxos presentes nas sementes de 11 acessos obtidos a partir de três espécies silvestres de Passiflora (P. cincinnata Mast., P. setacea DC. e P. nitida Kunth), empregando a espécie comercial (P. edulis Sims var. flavicarpa) como referência.

MATERIAL E MÉTODOS

Material vegetal e preparo da amostra

Foram coletados quatro acessos (12 a 30 frutos /acesso) de P. cincinnata eum acesso de P. setacea em localidades diferentes do norte do Estado de Minas Gerais, em outubro de 2006; três acessos de P. nitida e três acessos de P. setacea no Banco de germoplasma de Passiflora da Embrapa Cerrados, Planaltina-DF, entre outubro de 2007 e fevereiro de 2008; os frutos de P. edulis Sims var. flavicarpa empregados como referência foram adquiridos em hipermercados de Brasília, entre outubro de 2007 e março de 2008.

Os frutos coletados no norte de Minas Gerais foram acondicionados em isopor com gelo e transportados diretamente ao Laboratório de Química de Produtos Naturais da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, onde foram realizadas uma triagem, a limpeza e o acondicionamento em freezer a -20ºC, até o momento da análise. Os frutos coletados no Banco de Germoplasma da Embrapa Cerrados e os frutos adquiridos em hipermercado foram imediatamente preparados para as análises químicas.

Os frutos foram cortados em duas partes, e a polpa foi transferida para uma peneira; o suco foi extraído e as sementes foram coletadas separadamente e transferidas para um liquidificador doméstico (as hastes foram protegidas com fita adesiva para evitar o corte das sementes), onde foram friccionadas com água para a remoção da mucilagem. Casca, polpa e semente de alguns acessos/espécies de Passiflora foram pesadas separadamente, para avaliação da proporção de cada componente.

As sementes foram submetidas a um processo de pré-secagem à temperatura ambiente (25ºC, umidade relativa 30-60%) por 48 h. Para a determinação do perfil de ésteres metílicos de ácidos graxos, as sementes foram posteriormente secas em estufa com circulação e renovação de ar forçado a 48ºC por 24 h. Em seguida, as sementes foram trituradas em grau e pistilo para a obtenção de um farelo fino e homogêneo (granulometria de 18 mesh).

Teor de lipídios e umidade

O teor de umidade das sementes de algumas espécies/acessos de Passiflora foi determinado em triplicata por secagem do farelo em estufa ventilada (105 ºC) até peso constante. O teor de lipídios das sementes de algumas espécies/acessos de Passiflora foi determinado no farelo seco por extração contínua a quente (70 ºC) com éter de petróleo 40-60 ºC em extrator de gordura (Tecnal). Após a recuperação automática do solvente no próprio extrator de gordura, o resíduo foi levado para uma estufa onde permaneceu por 30 min a 100 ºC, para evaporação total do solvente residual. O teor de óleo foi determinado por pesagem do resíduo totalmente seco (POMERANZ; MELOAN, 1994; CECCHI, 1999).

Extração do óleo e obtenção dos ésteres metílicos

O óleo da semente de Passiflora foi extraído com éter de petróleo 40-60 ºC em extrator de gordura (Tecnal), filtrado, e o solvente totalmente evaporado a vácuo (temperatura máxima de 60 ºC). O óleo obtido foi acondicionado em vial de 4 mL e conservado em freezer a -20 ºC até o momento da transesterificação.

A transesterificação com metanol (em triplicata) foi feita por catálise alcalina com KOH, conforme descrito por Murrieta et al. (2003), visando a manter a eficiência da reação e a preservar a estabilidade dos ésteres do ácido linoleico, que é o principal ácido graxo de Passiflora.

Identificação e quantificação dos ésteres metílicos

A composição dos ésteres metílicos de ácidos graxos foi determinada por cromatografia em fase gasosa, sendo empregado um cromatógrafo Shimadzu Class GC 10 equipado com detector de ionização de chama (FID) e sistema de injeção automática AOC-20. Os compostos foram separados em coluna capilar DB-23 Agilent (50% cianopropil - metilpolisiloxano; diâmetro interno: 0,25 mm; espessura do filme: 0,25 µm; comprimento: 60 m) de acordo com metodologia estabelecida pela American Oil Chemists' Society - AOCS (AOCS, 1988). Condições de operação do cromatógrafo: fluxo coluna: 1,00 mL/min; velocidade linear do gás de arraste: 24 cm/seg; temperatura do detector: 280 ºC; temperatura do injetor: 250 ºC; temperatura forno: 110 ºC - 5 minutos, 110 - 215ºC (5 ºC/min), 215 ºC - 24 minutos; gás de arraste: hélio; volume injetado: 1,0 µL.

Os ésteres metílicos dos ácidos graxos foram analisados por coinjeção de padrões. Para determinar o tempo de retenção dos ésteres metílicos de ácidos graxos (FAME), foram injetados padrões Supelco contendo 10 ésteres metílicos de ácidos graxos e 14 ésteres metílicos de ácidos graxos insaturados, incluindo, em ordem crescente de tempo de retenção, os seguintes FAME: C6:0, C8:0, C10:0, C12:0, C14:0, C14:1, C16:0, C16:1, C18:0, C18:1 Z-9, C18:1 Z-11, C18:2, C18:3, C20:0, C20:1; C20:4; C22:0; C22:1; C24:0, C24:1.

Para confirmar a identidade dos ésteres metílicos do ácido vacênico (C18:1 Z-11) e do ácido láurico (C12:0), descritos pela primeira vez em óleos destas espécies de Passiflora, os padrões destes ésteres metílicos foram adicionados às respectivas amostras transesterificadas (spiking), o que resultou em aumento proporcional dos picos correspondentes.

Análise estatística

Os valores médios observados para as determinações do teor de óleo, da umidade e da composição de FAME (todas as determinações foram feitas em três repetições) para uma mesma espécie e para diferentes espécies de Passiflora foram comparados por análise de variância (ANOVA) mediante o teste de Scheffé (p > 0,05) através do SAS System versão 9.0 para Windows - 2002 (SAS, 1992), conforme modelo utilizado por Oh et al. (2007) para o mesmo tipo de experimento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Teor de umidade e lipídios

Os teores de umidade e lipídios totais (em base seca) presentes nas sementes de diferentes espécies de Passiflora encontram-se na Figura 1. As sementes de P. edulis apresentaram 27,3-28,0 g 100g-1 de lipídios. Os teores de lipídios de todos os acessos de P. cincinnata (16,7-19,2 g 100g-1) diferiram significativamente (p > 0,05) de P. edulis e diferiram, também, das outras espécies nativas silvestres. Não foi observada, entretanto, nenhuma variação significativa entre os teores de óleo de P. setacea (31,2-33,5 g 100g-1), P. nitida (29,5-32,3 g 100g-1) e P. edulis (27,3-28,0 g 100g-1). O menor teor de lipídios presente na semente do P. cincinnata pode estar associado à presença de um tegumento lignificado grosso na semente desta espécie, ao contrário de P. setacea, que apresenta um tegumento bastante fino. Os teores de lipídios encontrados em sementes de Passiflora da Uganda (P. edulis Sims var. edulis;P. edulis Sims var. flavicarpa; P. maliformis L. ) variaram entre 18,5 e 28,3 g 100g-1 (NYANZI et al., 2005). A variação encontrada neste estudo foi um pouco mais ampla (16,7-33,5 g 100g-1), entretanto, dentro do esperado, já que foram avaliadas quatro espécies de Passiflora, sendo três distintas das espécies consideradas por Nyanzi et al. (2005).


Proporção de suco, casca e semente

Os frutos avaliados neste estudo apresentaram proporção de casca, suco e sementes de acordo com a Figura 2, sendo que P. edulis, empregado como referência, mostrou resultados semelhantes aos encontrados por Ferrari et al. (2004). Com relação à proporção de suco, P. nitida, que foi obtida no Banco de Germoplasma de Passiflora, mostrou menor proporção, diferindo significativamente (p > 0,05) de P. edulis, de P. setacea e de P. cincinnata procedentes do mesmo Banco, mas não diferiu significativamente destas espécies, quando procedentes da região de Montes Claros. Quanto à casca, P. nitida, com maior proporção, diferiu significativamente de P. edulis (referência) e das 03 espécies nativas silvestres de ambas as origens. Com relação às sementes, P. nitida não diferiu de P. edulis, embora tenha apresentado menores percentuais que a P. setacea de Montes Claros e a P. cincinnata de ambas as origens.Além das diferenças observadas para o P. nitida, apenas o P. cincinnata de Montes Claros diferiu significativamente da espécie empregada como referência (P. edulis), para a proporção de semente com percentual mais elevado. As demais espécies não apresentaram diferença significativa de P. edulis quanto à proporção de suco, semente ou casca.


Perfil de ésteres metílicos de ácidos graxos (FAME)

O óleo de P. edulis, empregado como referência, mostrou composição semelhante à citada por outros autores (SANT'ANNA et al., 2001; FERRARI et al., 2004; NYANZI et al., 2005), sendo que a coluna utilizada neste estudo permitiu ainda a separação adicional do ácido vacênico (C18:1 Z-11), que foi comparado com padrão por cocromatografia, conforme dados da literatura para este tipo de análise (CHAVES et al., 2004; OH et al., 2007). Os perfis de ésteres metílicos de ácidos graxos obtidos das sementes de maracujá estão apresentados na Tabela 1. Predominaram os ácidos linoleico (C18:2), oleico (C18:1 Z-9), palmítico (C16:0) e esteárico (C18:0), seguidos por menores teores dos ácidos linolênico (C18:3), palmitoleico (C16:1), vacênico (C18:1 Z-11), mirístico (C14:0), araquídico (C20:0) e gadoleico (C20:1).

Assim como em P. edulis, os óleos das espécies nativas silvestres de Passiflora também apresentaram predominância de ácidos graxos polinsaturados, especialmente ácido linoleico (Tabela 1), mas em proporções significativamente diferentes (p>0,05). Para os ácidos graxos palmítico, oleico, linoleico e para insaturados, todas as espécies nativas silvestres, com exceção de P. setacea, diferiram significativamente da espécie comercial P. edulis. O óleo de P. cincinnata apresentou o maior teor de ácido linoleico (74,3%), e o óleo de P. nitida apresentou o menor teor deste ácido graxo (51,7%). Os teores de ácido oleico foram superiores a 24% na espécie P. nítida, e P. cincinata apresentou o menor valor deste ácido graxo monoinsaturado (11%), diferindo significativamente de P. edulis. O óleo de P. cincinnata apresentou o maior teor de insaturados (86,3%); óleo de P. nitida apresentou o menor teor insaturados (79,8%). Já o ácido esteárico, encontrado em menores concentrações (2,9-3,5%), manteve-se estável em todas as espécies de Passiflora avaliadas neste estudo. Adicionalmente, P. nitida apresentou pequenos teores (0,3%) de um ácido graxo incomum ao gênero Passiflora, o ácido láurico (C12: 0) (Figura 3).


Considerando apenas espécies de Passiflora nativas silvestres, a composição de ácidos graxos nas sementes foi reportada em apenas um acesso de P. nitida procedente do Banco de Germoplasma do IAC (VIEIRA, 2006). Embora os teores de ácido linoleico tenham sido menores (35,5%) e os teores de ácido oleico maiores (28,4%) do que o encontrado em nosso estudo, esta dissertação (VIEIRA, 2006) confirma a menor abundância de ácidos graxos instaurados (64,4%) no P. nitida em relação ao P. edulis (82,6%).

Pequenas variações significativas (2,2 a 10,3%) foram observadas na composição de ácidos graxos dentro de uma mesma espécie de Passiflora nativa silvestre, com destaque para P. cincinnata (acesso II de Montes Claros e acesso I do CPAC) e P. setacea (amostra III do CPAC). Coeficiente de variação maior (23,6%) foi observado apenas para os teores de ácido linoleico da espécie P. cincinnata. Além da influência genética, a temperatura tem sido identificada como o mais importante fator que influencia na biogênese (biossíntese) de ácidos graxos polinsaturados (NYANZI et al., 2005).

CONCLUSÕES

O estudo comparativo de óleos de sementes de diferentes espécies de Passiflora demonstrou que a espécie P. cincinnata apresentou a maior proporção de semente (30 a 34%); entretanto, como possui um tegumento espesso, apresentou menor teor de óleo (16,7 a 19,2 g 100g-1). P. setacea apresentou o maior teor de óleo (31,2 a 33,5 g 100g-1), sem diferir significativamente de P. edulis (27,3 a 28,0 g 100g-1). O óleo de P. cincinnata mostrou predominância do ácido graxo essencial linoleico (C18:2), também conhecido como ômega-6 (74,3%) e o óleo de P. nitida apresentou o maior teor do ácido graxo monoinsaturado oleico (C18:1) (24,8%), considerados interessantes do ponto de vista nutricional e tecnológico, respectivamente. O elevado teor de ácido linoleico (C18:2), em todas as espécies avaliadas neste estudo, é semelhante ao que ocorre no óleo de semente de girassol (TELLES, 2006). Óleos, como os de semente de Passiflora, que apresentam elevado teor de ácidos graxos polinsaturados, podem ser empregados com sucesso, por exemplo, na produção de margarinas, que são consumidas sem tratamento térmico e, por isso, menos suscetíveis à oxidação. Além disso, a composição do óleo de semente de Passifloras também poderá ser avaliada como base para a produção de cosméticos.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa Biodiversidade Brasil-Itália-PBBI, pelo financiamento da pesquisa, e ao Centro de Agricultura Alternativa - CAA, de Montes Claros, Minas Gerais, pela colaboração.

Recebido em: 01-06-2009.

Aceito para publicação em: 27-01-2010.

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  • 1
    ( Trabalho 138-09). Parte da monografia apresentada pelo primeiro autor para obtenção de título de Licenciatura em Ciências Biológicas, Faculdades da Terra de Brasília (FTB).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2009
    • Aceito
      27 Jan 2010
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