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Enfisema intersticial pulmonar: relato de caso e revisão da literatura* * Trabalho realizado no Instituto de Radiodiagnóstico Rio Preto (Ultra-X), São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Resumos

Pulmonary interstitial emphysema is a rare condition that generally affects low-weight preterm infants submitted to mechanical ventilation. The prognosis is variable, depending on early diagnosis and treatment. The radiologist plays a key role in this scenario. The authors report a case of persistent pulmonary interstitial emphysema, describing the main characteristics of such entity.

Pulmonary interstitial emphysema; Newborns; Mechanical ventilation


O enfisema intersticial pulmonar é uma condição rara que acomete, em geral, recém-nascidos pré-termos de baixo peso submetidos a ventilação mecânica. O prognóstico é variável e dependente do diagnóstico e tratamento precoces, ressaltando-se a importância do radiologista neste cenário. Os autores relatam um caso de enfisema intersticial pulmonar persistente, abordando as principais características desta entidade.

Enfisema intersticial pulmonar; Neonatos; Ventilação mecânica


INTRODUÇÃO

Ainda pouco conhecido por radiologistas não especialistas, o enfisema intersticial pulmonar (EIP) representa complicação aguda infrequente nos recém-nascidos pré-termos de baixo peso, que desenvolvem síndrome do desconforto respiratório com necessidade de ventilação mecânica, embora estas não sejam características essenciais(11. Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33. 22. Berk DR. Varich LJ. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema in a preterm infant in the absence of mechanical ventilation. Pediatr Radiol. 2005;35:1243–5.). A gênese desta condição é atribuída aos efeitos das grandes pressões providas pela ventilação mecânica em um pulmão pouco complacente, determinando ruptura alveolar e extravasamento de ar para o interstício pulmonar. Este extravasamento leva à formação de conglomerados císticos de ar aprisionado, que comprimem os feixes perivasculares e geram redução ainda maior da complacência pulmonar(33. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73. 44. Rao J, Hochman MI, Miller GG. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema. J Pediatr Surg. 2006;41:1191–3.). O diagnóstico e tratamento precoces são essenciais, visto que medidas simples podem levar à resolução do quadro em estágios iniciais, ao passo que o atraso no seu reconhecimento pode implicar na necessidade de tratamentos mais invasivos e complicações agudas e crônicas.

Os autores apresentam o caso de um recém-nascido prematuro que desenvolveu EIP persistente, e que, mesmo após o diagnóstico tardio, apresentou evolução clínica favorável ao tratamento. São abordadas as características principais desta entidade, enfatizando-se os achados de imagem.

RELATO DO CASO

Masculino, recém-nascido com 28 semanas por trabalho de parto prematuro, pesando 1.385 gramas, desenvolveu síndrome do desconforto respiratório, sendo submetido a intubação orotraqueal com instilação traqueal de surfactante pulmonar. Os marcadores infecciosos eram negativos. No quarto dia de vida, evoluiu com pequeno pneumotórax à esquerda, reabsorvido espontaneamente. No sexto dia, ainda sob ventilação mecânica, a radiografia do tórax mostrava redução difusa da transparência pulmonar bilateral, associada a imagens hipoatenuantes serpentiformes e tubuliformes, diferentes de broncogramas aéreos (Figura 1). Houve piora no padrão das imagens nos dias consecutivos, com aumento gradual e persistente do volume pulmonar à esquerda, com herniação deste para o lado direito, desviando a linha média e colabando o pulmão contralateral (Figura 2). Ao ser admitido em nosso serviço, optou-se pela realização de tomografia computadorizada do tórax (Figura 3), que demonstrava, além dos aspectos já evidenciados nas radiografias, opacidades lineares e puntiformes com padrão de “linhas e pontos” em meio a múltiplas inclusões císticas grosseiramente ovalares. Houve melhor caracterização da imagem cística de contornos regulares (pseudocisto) à esquerda. O conjunto dos achados permitiu o diagnóstico de EIP.

Figura 1.
Radiografia do tórax em anteroposterior. Imagens hipoatenuantes serpentiformes e tubuliformes bilaterais, diferentes de broncogramas aéreos. Sinais de congestão venosa. Imagem cística à esquerda (seta).

Figura 2.
Radiografias do tórax em anteroposterior. Evolução temporal: aumento gradual e persistente do volume pulmonar à esquerda, levando a herniação e desvio da linha média para a direita, mais acentuados em B, associados ao colabamento do pulmão direito.

Figura 3.
Imagens axiais da tomografia computadorizada do tórax. A: Múltiplas imagens císticas, predominantemente arredondadas, associadas a opacidades lineares (cabeças de setas) e puntiformes (setas) – lines and dots pattern. B: Formação cística de contornos regulares e bem definidos (pseudocisto).

O tratamento foi instituído de imediato com intubação seletiva do brônquio fonte direito (Figura 4A) e reinstilação de surfactante pulmonar exógeno, associados a ventilação mecânica com baixa pressão e alta frequência. Após três dias, foi introduzido cateter de Fogarty com insuflação do balão no brônquio principal esquerdo (Figura 4A), na tentativa de isolar o pulmão mais acometido. No 25° dia de tratamento, o paciente já apresentava melhora clínica e radiológica, com reexpansão do pulmão direito, sendo extubado e encaminhado à enfermaria. A Figura 4B mostra radiografia do tórax em anteroposterior três meses após o diagnóstico e tratamento.

Figura 4.
Radiografias do tórax em anteroposterior. A: Tratamento com intubação seletiva do brônquio principal direito e colocação de cateter de Fogarty insuflado no brônquio principal esquerdo. B: Três meses depois do início do tratamento.

DISCUSSÃO

O EIP representa a ruptura das junções broncoalveolares sob alta pressão, com extravasamento de ar para o interstício perivascular e peribroncovascular. Não deve ser confundido com o enfisema pulmonar dos tabagistas crônicos, que se caracteriza por expansão permanente do espaço aéreo distal ao bronquíolo terminal e destruição de septos alveolares na ausência de fibrose(3)3. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73..

São descritos três tipos de extravasamento aéreo no EIP: 1) centrífugo, com formações de bolhas subpleurais e eventual ocorrência de pneumotórax, muitas vezes aparecendo como primeiro sinal da doença, como no caso exposto; 2) centrípeto, podendo levar a pneumomediastino ou pneumopericárdio; 3) sistêmico, raro e quase sempre letal, em que o ar se dissemina através dos canais linfáticos e/ou fístulas alveolovasculares para câmaras cardíacas, vasos arteriais e/ou venosos(11. Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33. 33. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73.).

Os fatores de risco para desenvolvimento do EIP englobam todas as condições enquadradas em duas situações: 1) as que promovem redução da complacência pulmonar [prematuridade, baixos índices de Apgar, síndrome do desconforto respiratório, aspiração de mecônio/líquido amniótico, infecção (sepse neonatal, pneumonia)]; 2) as que determinam altas pressões intra-alveolares (ventilação com pressão positiva na sala de parto, uso de alta pressão de pico durante ventilação mecânica e intubação seletiva)(33. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73. 55. Verma RP, Chandra S, Niwas R, et al. Risk factors and clinical outcomes of pulmonary interstitial emphysema in extremely low birth weight infants. J Perinatol. 2006;26:197–200. 66. Carey B. Neonatal air leaks: pneumothorax, pneumomediastinum, pulmonary interstitial emphysema, pneumopericardium. Neonatal Netw. 1999;18:81–4.).

A classificação do EIP é feita de acordo com o tempo de evolução da doença. É considerado agudo quando tem caráter transitório e não ultrapassa uma semana. A partir de uma semana de duração, define-se a forma persistente, muito mais rara. Ambas podem ser localizadas ou difusas, uni ou bilaterais(11. Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33. 22. Berk DR. Varich LJ. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema in a preterm infant in the absence of mechanical ventilation. Pediatr Radiol. 2005;35:1243–5. 44. Rao J, Hochman MI, Miller GG. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema. J Pediatr Surg. 2006;41:1191–3.).

As características radiológicas do EIP na radiografia do tórax incluem a presença de imagens hipoatenuantes serpentiformes e tubuliformes e, às vezes, císticas, que não se adequam ao padrão de broncogramas aéreos(33. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73. 44. Rao J, Hochman MI, Miller GG. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema. J Pediatr Surg. 2006;41:1191–3.). Um tipo peculiar de EIP localizado se manifesta sob a forma de cisto de contornos regulares, único ou múltiplo, denominado pseudocisto, com predileção pela região para-hilar direita(3)3. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73.. O padrão tomográfico descrito como “linhas e pontos” (lines and dots pattern) de permeio a grandes inclusões gasosas é típico, representando os feixes peribroncovasculares comprimidos pelo ar extravasado no interstício(11. Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33. 77. Jabra AA, Fishman EK, Shehata BM, et al. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema: CT findings with radiographic-pathologic correlation. AJR Am J Roentgenol. 1997;169:1381–4.), com sensibilidade de até 82% em alguns estudos(1)1. Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33..

O diagnóstico diferencial se faz com as condições que cursam com “tórax cístico” no recém-nascido e inclui malformação adenomatoide cística, enfisema lobar congênito, hérnia diafragmática, pneumatoceles, cisto broncogênico (no caso de pseudocisto isolado) e pneumonia aspirativa(11. Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33.33. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73. 77. Jabra AA, Fishman EK, Shehata BM, et al. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema: CT findings with radiographic-pathologic correlation. AJR Am J Roentgenol. 1997;169:1381–4.). A diferenciação deve ser feita com base na correlação entre o aparecimento dos sinais clínicos e radiológicos e o antecedente de intubação traqueal, num contexto de redução da complacência pulmonar, embora esses requisitos não sejam obrigatórios.

O tratamento é realizado na tentativa de diminuir o extravasamento aéreo e inclui decúbito lateral, intubação seletiva do brônquio principal do lado não acometido, oclusão do brônquio principal do lado afetado (cateter de Fogarty, por exemplo), ventilação mecânica com alta frequência e baixa pressão, fisioterapia intermitente com oxigênio a 100% (nos casos de EIP compressivo localizado e persistente), até pneumotórax iatrogênico/pleurotomias múltiplas e lobectomia nos casos refratários(11. Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33. 33. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73. 88. Joseph LJ, Bromiker R, Toker O, et al. Unilateral lung intubation for pulmonary air leak syndrome in neonates: a case series and a review of the literature. Am J Perinatol. 2011;28:151–6.).

Estudos de seguimento são escassos na literatura, porém, sabe-se que peso abaixo de 1.600 gramas ao nascimento e o desenvolvimento de EIP nas primeiras 48 horas de vida são fatores de pior prognóstico. Os sobreviventes possuem risco aumentado de desenvolver broncodisplasia pulmonar e enfisema lobar crônico(3)3. Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73..

CONCLUSÃO

O EIP representa complicação rara que acomete principalmente os recém-nascidos de baixo peso submetidos a ventilação mecânica com grandes pressões. O papel do radiologista no reconhecimento e diagnóstico precoce desta entidade é fundamental, visto que o tratamento clínico no início do quadro é efetivo na grande maioria dos casos, prescindindo intervenções cirúrgicas e consequências tardias.

REFERENCES

  • 1
    Donnelly LF, Lucaya J, Ozelame V, et al. CT findings and temporal course of persistent pulmonary interstitial emphysema in neonates: a multiinstitutional study. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:1129–33.
  • 2
    Berk DR. Varich LJ. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema in a preterm infant in the absence of mechanical ventilation. Pediatr Radiol. 2005;35:1243–5.
  • 3
    Agrons GA, Courtney SE, Stocker JT, et al. Lung disease in premature neonates: radiologic-pathologic correlation. Radiographics. 2005;25:1047–73.
  • 4
    Rao J, Hochman MI, Miller GG. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema. J Pediatr Surg. 2006;41:1191–3.
  • 5
    Verma RP, Chandra S, Niwas R, et al. Risk factors and clinical outcomes of pulmonary interstitial emphysema in extremely low birth weight infants. J Perinatol. 2006;26:197–200.
  • 6
    Carey B. Neonatal air leaks: pneumothorax, pneumomediastinum, pulmonary interstitial emphysema, pneumopericardium. Neonatal Netw. 1999;18:81–4.
  • 7
    Jabra AA, Fishman EK, Shehata BM, et al. Localized persistent pulmonary interstitial emphysema: CT findings with radiographic-pathologic correlation. AJR Am J Roentgenol. 1997;169:1381–4.
  • 8
    Joseph LJ, Bromiker R, Toker O, et al. Unilateral lung intubation for pulmonary air leak syndrome in neonates: a case series and a review of the literature. Am J Perinatol. 2011;28:151–6.
  • *
    Trabalho realizado no Instituto de Radiodiagnóstico Rio Preto (Ultra-X), São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2013

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2013
  • Recebido
    30 Abr 2013
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