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Momento ideal para a endarterectomia de carótida após um AVC recente

Timing of carotid endarterectomy after a recent stroke

Resumos

Vários estudos prospectivos de escolha aleatória confirmaram a eficácia da endarterectomia de carótida na prevenção de novos acidentes vasculares cerebrais (AVC) em pacientes sintomáticos com estenose grave na carótida. Entretanto, o timing da endarterectomia ainda é controverso. A cirurgia precoce pode estar associada à hemorragia intracerebral e à extensão do infarto inicial. A cirurgia tardia pode expor o paciente à recorrência do AVC e à oclusão da artéria carótida. Os estudos que avaliaram o intervalo de tempo para a endarterectomia são retrospectivos e não randomizados. Na ausência de um estudo prospectivo randomizado comparando endarterectomia precoce e tardia, uma abordagem para se interpretar os resultados das séries cirúrgicas é a comparação destes com a história natural do AVC isquêmico. Os autores descrevem os argumentos em favor da cirurgia precoce, a história natural do AVC isquêmico e os fatores de risco associados ao AVC no perioperatório da endarterectomia.

Doença cerebrovascular; Endarterectomia de carótida; Timing


Recent randomized clinical trials have confirmed the role of carotid endarterectomy in the prevention of a second stroke in patients with a recent stroke and severe carotid stenoses. However, the timing of the operation is still controvertial. Early surgery has been associated with cerebral hemorrhage and infarct extension. Delayed endarterectomy exposes the patient to recurrent stroke and carotid occlusion. The clinical studies addressing this problem are retrospective and nonrandomized. In the absence of a prospective randomized trial comparing early and late surgery, one approach to interpreting the surgical studies is to compare them with the natural history of stroke. The authors describe the rationale for early surgery, the natural history of ischemic strokes and the risk factors associated with perioperative strokes in patients undergoing endarterectomy.

Cerebrovascular disease; Carotid endarterectomy; Timing


ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Momento ideal para a endarterectomia de carótida após um AVC recente

Timing of carotid endarterectomy after a recent stroke

Gustavo S. C. OderichI; Alessandra Bastian FrancisconiII; Clovis Roberto M. FrancisconiIII; Adamastor Humberto Pereira, TCBC-RSIV

IResidente em Cirurgia Geral, Mayo Graduate School of Medicine e "Fellow" de Pesquisa em Cirurgia Vascular, University of Utah School of Medicine

IIAcadêmica da Faculdade de Medicina da PUC-RS

IIIDoutor em Medicina. Professor Adjunto de Medicina Interna e Chefe dos Serviços de Neurologia e Neurocirurgia do HCPA-UFRGS

IVDoutor em Cirurgia Vascular e Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular do HCPA-UFRGS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Adamastor Humberto Pereira Rua Ramiro Barcelos, 910/1004 90570-030 — Porto Alegre-RS

RESUMO

Vários estudos prospectivos de escolha aleatória confirmaram a eficácia da endarterectomia de carótida na prevenção de novos acidentes vasculares cerebrais (AVC) em pacientes sintomáticos com estenose grave na carótida. Entretanto, o timing da endarterectomia ainda é controverso. A cirurgia precoce pode estar associada à hemorragia intracerebral e à extensão do infarto inicial. A cirurgia tardia pode expor o paciente à recorrência do AVC e à oclusão da artéria carótida. Os estudos que avaliaram o intervalo de tempo para a endarterectomia são retrospectivos e não randomizados. Na ausência de um estudo prospectivo randomizado comparando endarterectomia precoce e tardia, uma abordagem para se interpretar os resultados das séries cirúrgicas é a comparação destes com a história natural do AVC isquêmico. Os autores descrevem os argumentos em favor da cirurgia precoce, a história natural do AVC isquêmico e os fatores de risco associados ao AVC no perioperatório da endarterectomia.

Descritores: Doença cerebrovascular; Endarterectomia de carótida; Timing.

ABSTRACT

Recent randomized clinical trials have confirmed the role of carotid endarterectomy in the prevention of a second stroke in patients with a recent stroke and severe carotid stenoses. However, the timing of the operation is still controvertial. Early surgery has been associated with cerebral hemorrhage and infarct extension. Delayed endarterectomy exposes the patient to recurrent stroke and carotid occlusion. The clinical studies addressing this problem are retrospective and nonrandomized. In the absence of a prospective randomized trial comparing early and late surgery, one approach to interpreting the surgical studies is to compare them with the natural history of stroke. The authors describe the rationale for early surgery, the natural history of ischemic strokes and the risk factors associated with perioperative strokes in patients undergoing endarterectomy.

Key words: Cerebrovascular disease; Carotid endarterectomy; Timing.

INTRODUÇÃO

Estudos randomizados confirmaram a eficácia da endarterectomia da carótida (EC) nos pacientes com estenose sintomática e assintomática1,2. Nos pacientes com sintomas associados à estenose grave (³ 70%), o risco absoluto de novo acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico é reduzido em 65% em dois anos. Desde a publicação destes estudos em 1991 e 1995 o número de endarterectomias realizadas nos Estados Unidos aumentou constantemente, atingindo 140.000 cirurgias por ano em 1996. Contudo, o efeito preventivo da endarterectomia só é alcançado se a equipe cirúrgica assegurar uma baixa taxa de morbimortalidade perioperatória. No estudo denominado North American Symptomatic Trial (NASCET), por exemplo, para uma taxa de morbimortalidade acima de 10% o efeito preventivo da endarterectomia estaria perdido quando comparado ao melhor tratamento clínico. Esta preocupação é válida já que estudos recentes demonstram que o índice de complicações é elevado nos centros com baixo volume cirúrgico2. Em 1995, a American Heart Association publicou o último consenso em EC, determinando como aceitável uma morbimortalidade inferior a 3% nos pacientes assintomáticos2, 5% nos pacientes com acidentes isquêmicos transitórios (AIT), 7% nos pacientes com AVC, e 10% nos pacientes operados por reestenose da carótida3.

A EC pode ser indicada em pelo menos três situações nos pacientes com AVC agudo. 1) Em pacientes que apresentam oclusão completa, a cirurgia objetiva readquirir fluxo arterial a fim de reduzir ou limitar o déficit neurológico. Mais recentemente esta conduta não vem sendo aceita pela maioria dos serviços de referência a não ser que o episódio de trombose ocorra no pós-operatório imediato da EC ou durante a angiografia ou procedimento endovascular4. 2) Nos casos que apresentam AVC em evolução, onde a EC objetivaria limitar ou reverter o déficit neurológico. No entanto, a elevada morbimortalidade cirúrgica têm limitado o uso da EC nestes pacientes. 3) A EC pode ser indicada em pacientes com AVC recente, após alcançado o platô neurológico que se segue ao AVC completo. Nestes pacientes o objetivo da cirurgia é o de prevenir novos episódios isquêmicos no mesmo território vascular, conforme documentado nos estudos randomizados.

O timing ideal para se realizar a EC após o AVC agudo é controverso. Esta pergunta ainda não está totalmente respondida já que não existem estudos prospectivos e randomizados delineados para avaliar esta questão. De uma maneira geral, pode-se estabelecer duas abordagens aceitáveis: cirurgia precoce, ou seja, logo após ser atingido o platô neurológico (duas a seis semanas após o evento inicial), ou cirurgia tardia planejada eletivamente, com um período mínimo de espera de seis semanas. A cirurgia precoce evitaria o risco de uma possível recorrência durante a espera, mas o paciente estaria exposto aos efeitos hemodinâmicos da cirurgia, num território considerado frágil. A cirurgia tardia, teoricamente, seria associada a uma menor morbimortalidade perioperatória, já que o processo de encefalomalácia estaria resolvido. No entanto, quanto maior a espera maior o risco de recorrência e, portanto, maiores as taxas de mortalidade e a possibilidade de seqüelas.

Neste artigo os autores descrevem a história natural da doença carotídea, enfatizando a taxa de recorrência no primeiro mês após o AVC, assim como as possíveis complicações associadas à indicação precoce da endarterectomia. Estudos publicados durante a década de 60 foram revisados e comparados às séries mais recentes, onde pacientes com déficit neurológico severo foram excluídos do procedimento cirúrgico. Finalmente, são descritos os fatores de risco para AVC no pós-operatório imediato.

História natural

Na ausência de um estudo prospectivo comparando EC precoce e tardia, a avaliação entre risco e benefício da cirurgia precoce é feita com base na análise da história natural (recorrência) e do risco perioperatório. Baker et al.5 descreveram 430 pacientes com AVC isquêmico seguidos prospectivamente por um período médio de 44,5 meses 5. A taxa de reinfarto foi de 26% ao final deste período e a mortalidade associada à recorrência foi de 62%. O reinfarto foi mais comum nos pacientes com história prévia de AVC do que nos pacientes que nunca haviam apresentado sintomas de doença cerebrovascular (32 vs 25% p < 0,05). O Stroke Data Bank, uma série prospectiva de 1.273 pacientes com AVC isquêmicos, evidenciou um risco acumulado de recorrência de 3,3 ± 0,4 % em 30 dias e 2,0 ± 0,2 % em 15 dias 6. Quando pacientes com infartos lacunares ou por embolia de origem cardíaca foram excluídos, a taxa de recorrência elevou-se para 7,9% em 30 dias e 4% em 15 dias. No estudo NASCET, a incidência de recorrência em pacientes sintomáticos com estenose severa (70-99%), tratados clinicamente, foi de 26% em dois anos e 4,9% em 30 dias1. Recentemente a incidência de recorrência na coorte de pacientes com estenose moderada (50-69%) foi relatada como sendo de 22,2% em 5 anos7.

Síndrome hiperperfusional cerebral e hemorragia intracerebral

A síndrome hiperperfusional cerebral (SHC) e a hemorragia intracerebral (HI) são as complicações temidas na cirurgia de revascularização cerebral. Acredita-se que o risco de hemorragia seja mais elevado quando a cirurgia é indicada precocemente no período de convalescência de um AVC. Em pacientes com estenose crítica da carótida pode haver uma redução do fluxo sangüíneo cerebral (FSC) em condições de hipotensão sistêmica.

Não está bem determinado se em alguns pacientes normotensos e que apresentam síndrome da hipoperfusão pós-cirúrgica também não possam previamente apresentar uma redução do FSC. Após a EC o FSC aumenta, assim como a pressão de perfusão. Nestes pacientes a elevação do FSC após a EC não é adequadamente compensada e a pressão mais elevada é transmitida ao território vascular da zona friável. A elevação da pressão de perfusão ocorre tanto no lado operado como no território vascular contralateral, sendo que o aumento é diretamente proporcional à severidade da estenose. Schroeder et al. descreveram a perfusão cerebral após a endarterectomia em pacientes com estenose crítica8. O gradiente de pressão na carótida foi medido por técnica de cateterização, criando-se um índice de pressão: artéria carótida interna (ACI)/artéria carótida comum (ACC) < 0,7mmHg (hemodinamicamente mais significativo) ou > 0,7mmHg (hemodinamicamente menos significativo). O FSC foi medido com 113Xe no pré-operatório e no 1º, 2-4º, 5-11º dias e 2-4º mês após a endartectomia. Foi confirmado o aumento da pressão de perfusão no pós-operatório, sendo que este foi mais significativo nos pacientes com índice < 0,7mmHg (61% vs 24%, p < 0,05). Além disso, estes pacientes apresentaram elevação do FSC por um período mais prolongado (11 vs 5 dias).

Existe uma preocupação quanto à fragilidade da barreira hematoencefálica nos primeiros dias ou até semanas após o infarto cerebral. O processo de encefalomalácia que se segue ao infarto foi bem descrito por Meyer et al. em um estudo experimental em macacos9. Os infartos isquêmicos se acompanham de áreas de amolecimento na primeira semana após o AVC, iniciando-se, a partir de então, um processo de "cicatrização" que se completa oito semanas após o evento inicial. O processo é semelhante à necrose que ocorre em outras áreas. Macrófagos e polimorfonucleares infiltram a área infartada, processo que é acompanhado por edema do parênquima cerebral. Ocorre neovascularização na área infartada e em áreas adjacentes, dando origem a capilares imaturos, sem capacidade auto-reguladora e com endotélio frágil. Portanto, parece lógico afirmar que pacientes endarterectomizados antes do período de "cicatrização" ter se completado, apresentam um risco aumentado de transformação hemorrágica (Gráfico 1).


A transformação hemorrágica de um infarto isquêmico em pacientes endarterectomizados foi bem documentada10,11,12. A HI sintomática no pós-operatório de endarterectomia ocorre em 0,4% a 0,75% destes pacientes, sendo responsável por cerca de 20% do total de AVC no pós-operatório12. Assumindo-se um risco de HI de 0,75%, estima-se que cerca de 1.000 pacientes endarterectomizados são vítimas desta complicação anualmente nos Estados Unidos. Pomposelli et al. identificaram 11 pacientes com HI em uma série de 1.500 endarterectomias10. A mortalidade associada ao sangramento foi de 36%. A HI foi responsável por 20% de todos os AVC pós-operatórios, ocorrendo em média 3,45 dias após a cirurgia. Achados comuns nestes pacientes incluíram estenoses críticas no lado ipsilateral (³ 90%) e presença de doença contralateral (estenose ou oclusão). Ouriel et al. compararam as características de 11 pacientes com hemorragia com as de 50 pacientes sem hemorragia selecionados aleatoriamente em uma amostra de 1.471 endarterectomias consecutivas11. Sinais e sintomas de HI incluíram hipertensão arterial sistêmica em 100%, cefaléia em 64% e bradicardia em 55% dos casos. Hemorragia maciça seguida por herniação cerebral e óbito ocorreu em quatro pacientes (36%). Nos restantes, a hemorragia foi considerada moderada (45%) ou petequial (18%). Os fatores associados que se relacionavam com maior risco de hemorragia incluíram idade menor do que 65 anos, hipertensão diastólica, estenose crítica ipsilateral e presença de estenose ou oclusão contralateral.

Se agruparmos os pacientes descritos nos estudos de Ouriel e Pomposelli et al.10,11 observa-se que as hemorragias mais precoces tendem a ser as mais severas . Não foram realizadas tomografias pós-operatórias de rotina, de forma que a incidência de pequenos sangramentos assintomáticos, não pode ser determinada com certeza. Entretanto, Toni et al. avaliaram a incidência de transformação hemorrágica em 150 pacientes com AVC isquêmico, não submetidos à endarterectomia13. A transformação hemorrágica foi definida como a presença de qualquer hiperdensidade em uma zona de hipodensidade. Utilizando esta definição, a incidência de transformação hemorrágica foi de 43% uma semana após o AVC inicial, sendo do tipo petequial em 91% e do tipo parenquimatosa em 9%. A presença de lesão hipodensa na TC realizada até cinco horas após o AVC inicial foi associada a um risco cinco vezes maior de transformação hemorrágica.

A maioria dos AVC pós-operatórios é atribuída à trombose, embolia, aspectos técnicos ou problemas durante o pinçamento12. Estas são causas potencialmente preveníveis. Entretanto, a HI ocorre de forma imprevisível e sua fisiopatogenia ainda não é totalmente compreendida. Com a prevenção das outras causas de AVC no pós-operatório, espera-se que a HI, ao longo dos próximos anos, seja responsável por uma maior proporção dos casos de AVC no pós-operatório.

O passado — séries da década de 60

A preocupação com o risco de HI na endarterectomia precoce deve-se em grande parte aos resultados desfavoráveis obtidos durante a década de 60. Blaisdell e cols14 relataram os resultados cirúrgicos do Joint Study of Extracranial Arterial Occlusion, o único estudo randomizado que avaliou pacientes com cirurgia precoce (< 2 semanas) e tardia (> 2 semanas). A mortalidade perioperatória nos pacientes operados precocemente foi extremamente elevada (42 %) e significativamente maior do que nos pacientes com cirurgia tardia (17%). Nos pacientes submetidos apenas ao tratamento clínico, a mortalidade foi de 20%. Estas altas taxas são explicadas pelo fato de que foram incluídos neste estudo pacientes com déficit neurológico grave: 46% eram comatosos e 54% torporosos. A cirurgia foi freqüentemente indicada em pacientes com oclusão completa da artéria carótida por dias ou semanas. Além disso, devido à inexistência de tomografia computadorizada (TC) na época, é possível que pacientes com AVC hemorrágico tivessem sido incluídos no estudo. Wylie et al., em outro estudo, identificaram cinco casos de HI em 179 pacientes endarterectomizados15. Todos os casos de hemorragia ocorreram em pacientes operados com menos de duas semanas do AVC inicial. A mortalidade foi de 50% nos pacientes com sangramento no pós-operatório. Bruetman relatou seis casos de HI que ocorreram num período de três a seis dias após uma endarterectomia precoce16. Estes pacientes tinham estenoses graves, hipertensão diastólica e déficit neurológico severo. Precedendo a hemorragia, quatro dos seis pacientes desenvolveram sintomas compatíveis com síndrome hiperperfusional (alteração do nível de consciência, cefaléia e convulsão).

O presente — séries das décadas de 80 e 90

Ao contrário dos estudos descritos anteriormente, onde a endarterectomia tinha enfoque terapêutico (reverter o déficit neurológico associado à oclusão da carótida), hoje em dia a cirurgia tem caráter preventivo. Muitos dos pacientes incluídos nos estudos da década de 60 não seriam candidatos à endarterectomia nos dias de hoje. As novas séries incluem pacientes sem déficit residual ou com déficit mínimo. Raramente foram incluídos pacientes com déficit moderado (Tabela 1).

No estudo NASCET foram identificados 100 pacientes submetidos à endarterectomia devido a um AVC isquêmico17. Destes, 42 pacientes foram operados precocemente (média 16 dias, 3-30 dias) e 58 pacientes aguardaram um período médio de 58 dias (33-117 dias) para serem operados. Os dois grupos eram semelhantes quanto às características demográficas, fatores de risco e avaliação neurológica. A incidência de eventos neurológicos pós-operatórios foi de 4,8% nos pacientes com cirurgia precoce e 5,2% nos com cirurgia tardia (p > 0,05). Entretanto, os dois grupos diferiram quanto a presença de achados tomográficos positivos, os quais foram mais freqüentes nos pacientes operados tardiamente (63,8 vs 40,5%, p < 0,02). Isto pode ter ocorrido devido a uma tendência de neurologistas e cirurgiões retardarem a EC na presença de TC positiva. Piotrowski et al. avaliaram o timing da EC em 129 pacientes com AVC agudo18. Oitenta e dois pacientes foram avaliados prospectivamente e submetidos à EC precoce assim que foi atingido o platô neurológico (< 6 semanas). Estes foram comparados a outros 47 pacientes que não foram avaliados até a recuperação completa do AVC (> 6 semanas). Ambos os grupos eram semelhantes quanto ao déficit neurológico, achados tomográficos positivos e fatores de risco. Após atingido o platô, 2% dos pacientes tinham déficit severo e 20% tinham déficit moderado. Não houve diferença no número de eventos neurológicos pós-operatórios no grupo com cirurgia precoce (1,2%) quando comparado ao grupo tardio (4,2%). A mortalidade também foi semelhante (1,3 e 2,1%, respectivamente). A indicação da cirurgia precoce na 2ª, 4ªou 6ªsemana não foi associada a um risco aumentado de AVC no pós-operatório.

O grupo do Brigham and Women Hospital também relatou excelentes resultados com a EC precoce19. Nos 28 pacientes (obtidos em um amostra de 337 EC) que foram submetidos à EC precoce (média de 11 dias) não houve morbidade neurológica ou mortalidade associada à cirurgia. Todos os pacientes apresentavam déficit neurológico mínimo estável após atingido o platô e estenose severa da carótida operada (> 75%). Achados tomográficos positivos ocorreram em 62% dos casos. Estes resultados favoráveis também foram relatados por outros autores20-24.

Em uma série de 363 pacientes com AVC a morbi-mortalidade nos pacientes operados durante a primeira semana foi inferior (1,6%) à dos pacientes operados durante a segunda (3,4%) ou após a terceira (23,3%) semana24. A baixa morbimortalidade nos pacientes operados precocemente foi atribuída ao melhor controle pressórico obtido neste grupo. A alta mortalidade no grupo tardio deveu-se a recorrências do AVC durante a espera pela cirurgia e a complicações cardiovasculares no pós-operatório. Entretanto, não fica claro o critério utilizado para se indicar cirurgia precoce, a qual, provavelmente, foi realizada nos pacientes menos graves. Em outra série de 29 pacientes com diagnóstico de AVC estável, a endarterectomia foi realizada num período de nove a 21 dias após o evento inicial24. Um paciente (3%) apresentou novo AVC no pós-operatório, enquanto outros três (10%) apresentaram AIT. Esta série também incluiu 31 pacientes com déficit neurológico isquêmico reversível submetidos à endarterectomia num período de três semanas. Neste grupo, a taxa de AVC e AIT no pós-operatório foi de 3%.

Entretanto, alguns autores relataram resultados desfavoráveis com a cirurgia precoce, apoiando a recomendação de se esperar um período mínimo de quatro a seis semanas. Giordano et al.25 comparam retrospectivamente 27 pacientes submetidos à EC precoce (< 5 semanas) com 22 pacientes submetidos à EC tardia (> 5 semanas). A incidência de AVC no pós-operatório foi de 10,8% nesta série (5/49), significativamente maior no grupo precoce (18,5%) do que no grupo tardio (0%). Dos cinco pacientes que apresentaram AVC, apenas um foi atribuído à transformação hemorrágica. Quatro dos cinco pacientes tinham déficit neurológico classificado como moderado no pré-operatório. Dois dos cinco pacientes tinham infartos na TC pré-operatória. No entanto, a incidência de achados tomográficos positivos em ambos os grupos não foi relatada, tornando impossível a comparação dos resultados obtidos nesta série.

Fatores de risco para AVC no pós-operatório

Os pacientes com AVC que são submetidos à endarterectomia formam um grupo heterogêneo. Estudos randomizados comparando tratamento clínico e cirúrgico e as grandes séries de pacientes endarterectomizados nos possibilitaram um melhor entendimento da epidemiologia das complicações neurológicas pós-operatórias. Inúmeros fatores de risco para AVC pós-operatório foram identificados, incluindo severidade do déficit neurológico, grau de estenose ipsi e contralateral, oclusão contralateral, achados tomográficos positivos, hipertensão diastólica, ingestão de AAS inferior a 650mg, endarterectomia e revascularização coronariana, realizadas simultaneamente, e presença de doença na artéria carótida esquerda. A oclusão contralateral e os achados tomográficos positivos parecem ser os mais relacionados em análises multivariadas. Outros fatores que não têm associação completamente definida incluem idade inferior a 65 anos, sexo feminino e AVC no território vascular da artéria cerebral média (Tabela 2).

Infarto cerebral na tomografia é observado em 76,4% dos pacientes operados por AVC26. A incidência nos pacientes operados por AIT é estimada em 34,5% e nos pacientes assintomáticos 20%, alertando para a alta freqüência de AVC silenciosos nesta população. A presença de achados tomográficos positivos foi associada a um risco aumentado de AVC isquêmico ou hemorrágico no pós-operatório de endarterectomia7,12,27. Em pacientes com AVC onde não foi realizada EC, o risco de transformação hemorrágica é maior na presença de lesão hipodensa precoce na TC (<5 horas). O valor preditivo da TC positiva parece ser maior nos pacientes operados precocemente, antes de seis semanas, do que quando a cirurgia se faz após este período. Ricotta et al. avaliaram retrospectivamente 181 pacientes com AVC submetidos à EC e à TC de crânio pré-operatória27. Estes foram divididos em dois grupos: cirurgia tardia (>2 semanas) em 154 pacientes e cirurgia precoce (< 2 semanas) em 27 pacientes. No grupo tardio a taxa de AVC pós-operatório foi de 3,2%. A presença de achados tomográficos positivos neste grupo não se correlacionou com o prognóstico cirúrgico. No grupo precoce, 5/27 (18,5%) apresentaram eventos neurológicos pós-operatórios. Estes foram significativamente mais freqüentes nos pacientes com TC positiva (4/10) quando comparados aos com TC normal (1/17). Além disso, pacientes com achados negativos mais freqüentemente experimentaram melhora do quadro neurológico após a endarterectomia (15/17 vs 5/10; p < 0,05). Graber et al. avaliaram retrospectivamente 107 pacientes endarterectomizados28. A incidência de déficit neurológico permanente no pós-operatório foi significativamente maior nos pacientes com achados tomográficos positivos (1,5 vs 12,2%). Esta associação se manteve mesmo quando a indicação da cirurgia por AVC ou AIT foi analisada separadamente.

A oclusão ou a presença de estenose significativa no lado contralateral foi associada positivamente com risco de AVC no pós-operatório, especialmente os de tipo HI7,12. No estudo NASCET, os pacientes com estenose significativa contralateral apresentaram um risco duas vezes maior de AVC perioperatório. O risco desta complicação aumenta em proporção direta com a severidade da estenose do lado operado. Outros fatores identificados neste estudo e seus respectivos riscos relativos incluem doença carotídea no lado esquerdo (2,3), ingesta de AAS inferior a 650mg/dia (2,3), ausência de história de infarto agudo do miocárdio ou angina (2,2), história de diabetes (2,0) e pressão diastólica superior a 90mmHg (2,0). Outros fatores, incluindo sexo e idade, não foram significativos7.

O território vascular acometido pelo AVC possivelmente se relaciona com risco de transformação hemorrágica, mas esta associação ainda não foi confirmada clinicamente em pacientes com endarterectomia precoce. O FSC no hemisfério ipsilateral à endarterectomia é mais direcionado à artéria cerebral média (ACM) do que a outros territórios vasculares. Estes pacientes estariam mais expostos à HI. Toni et al. descreveram que 94% das transformações hemorrágicas ocorrem em território da ACM13.

Recomendações

O fato de os estudos recentes serem retrospectivos e terem outras imperfeições metodológicas torna difícil a elaboração de recomendações definitivas quanto ao timing da endarterectomia após um AVC recente. A incidência de AVC no pós-operatório variou de 0% a 18,5%, com média de 4,4% quando os 408 pacientes descritos são analisados em conjunto (Tabela 1). A HI parece estar relacionada com a síndrome de hiperperfusão cerebral que ocorre no pós-operatório imediato da endarterectomia. Por outro lado, os pacientes operados tardiamente parecem estar expostos a um risco de recorrência do AVC estimado em 4,9% nos pacientes sintomáticos (AVC e AIT), chegando a 7,9% quando AVC de causa embólica cardíaca ou lacunar são excluídos. A maioria dos autores concorda que a cirurgia é segura no paciente estável, sem déficit neurológico ou com déficit mínimo após alcançado o platô neurológico. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um recente estudo em 100 EC consecutivas, demonstrou um índice de morbidade de 2% e nenhum óbito29.

Pacientes com TC positiva representam um grupo de maior risco peroperatório quando a cirurgia é realizada precocemente. A crítica aos estudos disponíveis na literatura advém do fato de que, além de serem retrospectivos e não-randomizados, freqüentemente há inclusão de pacientes heterogêneos e a avaliação neurológica muitas vezes é inconsistente. Além disso, houve uma tendência a agrupar pacientes mais graves (achados tomográficos positivos e quadro instável) no grupo operado tardiamente, o qual serviu de controle para comparação dos resultados obtidos com a cirurgia precoce.

A análise crítica da literatura pertinente permite definir algumas recomendações:

1. Os pacientes com déficit neurológico grave, incluindo aqueles com alteração no nível de consciência, não são candidatos à endarterectomia precoce ou tardia;

2. O paciente com maior risco de desenvolver AVC é aquele com idade inferior a 65 anos, hipertenso, com estenose severa ipsilateral, estenose ou oclusão contralateral e com achados tomográficos positivos;

3. A cirurgia precoce somente deve ser considerada após atingido o platô neurológico;

4. A cirurgia precoce é provavelmente mais segura em pacientes sem déficit residual e sem achados tomográficos;

5. A presença de achados tomográficos positivos e de déficit moderado indica risco aumentado. Estes pacientes provavelmente se beneficiam de uma espera mínima de quatro a seis semanas antes da endarterectomia.

Estudos prospectivos de escolha aleatória bem desenhados poderão em futuro breve definir com maior clareza a melhor conduta a ser estabelecida. Até que isto ocorra as condutas expostas parecem ser as mais adequadas quanto ao planejamento cirúrgico dos pacientes com AVC e estenose de carótida ipsilateral.

Recebido em 24/4/2000

Aceito para publicação em 31/10/2000

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia, Mayo Clinic Foundation, Rochester, Minnesota USA, Serviço de Cirurgia Vascular e Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — HCPA-UFRGS — Porto Alegre-RS.

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  • Endereço para correspondência:

    Dr. Adamastor Humberto Pereira
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    90570-030 — Porto Alegre-RS
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2001

    Histórico

    • Recebido
      24 Abr 2000
    • Aceito
      31 Out 2000
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