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Cisto de colédoco em adulto: anomalia da junção do colédoco com o ducto pancreático submetido à ressecção do cisto e à derivação biliar e pancreática

Common bile duct cyst in adult: anomaly of the common bile duct-pancreatic junction submitted to excision of the cyst and a biliary and pancreatic deviation

Resumo

Common bile duct cysts are rare congenital anomalies which have been diagnosed only in twenty per cent of adults. The etiology is uncertain, but many patients have an anomalous pancreatobiliary junction anatomy. We present a case of a young man with a type I Alonso-Lej/ Todani common bile duct cyst and an anomalous common bile duct-pancreatic junction anatomy. Because the common bile duct did not have a segment of normal caliber, to avoid compromising with the pancreatic channel after the excision of the cyst, we performed a Roux-en-Y anastomosis by anastomosing the biliary duct to the proximal excluded jejunal loop and the common duct-pancreatic junction to the same more distally loop.

Choledochal cyst; Choledochal cyst; Choledochal cyst; Anastomosis, Roux-en-Y; Pancreatic ducts


Choledochal cyst; Choledochal cyst; Choledochal cyst; Anastomosis, Roux-en-Y; Pancreatic ducts

RELATO DE CASO

Cisto de colédoco em adulto. Anomalia da junção do colédoco com o ducto pancreático submetido à ressecção do cisto e à derivação biliar e pancreática

Common bile duct cyst in adult. Anomaly of the common bile duct-pancreatic junction submitted to excision of the cyst and a biliary and pancreatic deviation

Manlio Basilio Speranzini, ECBC-SPI; Rone Antônio Alves Abreu, TCBC-TOII; Raphael Braun Petty Pacheco, AsCBC-SPIII

IProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia da Faculdade de Medicina do ABC - São Paulo; Chefe do Serviço de Cirurgia Geral do Conjunto Hospitalar do Mandaqui - São Paulo - SP

IIProfessor Doutor da Disciplina de Técnica Cirúrgica da Faculdade de Medicina do ITPAC - Araguaína (TO); Mestre e Doutor em Gastroenterologia Cirúrgica pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP

IIIEx-Residente de Cirurgia Geral do Conjunto Hospitalar do Mandaqui - SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Manlio B Speranzini Av. Brig. Faria Lima 2553 - Apto 81 – J. Paulista 01452-000 São Paulo – SP Telefone: Res (11) 3032-1365 Cons. (11) 3666-292 E-mail: manlio.sp@uol.com.br

ABSTRACT

Common bile duct cysts are rare congenital anomalies which have been diagnosed only in twenty per cent of adults. The etiology is uncertain, but many patients have an anomalous pancreatobiliary junction anatomy. We present a case of a young man with a type I Alonso-Lej/ Todani common bile duct cyst and an anomalous common bile duct-pancreatic junction anatomy. Because the common bile duct did not have a segment of normal caliber, to avoid compromising with the pancreatic channel after the excision of the cyst, we performed a Roux-en-Y anastomosis by anastomosing the biliary duct to the proximal excluded jejunal loop and the common duct-pancreatic junction to the same more distally loop.

Key words: Choledochal cyst; Choledochal cyst/etiology; Choledochal cyst/congenital; Anastomosis, Roux-en-Y; Pancreatic ducts.

INTRODUÇÃO

Os cistos de colédoco são doença congênita pouco comum tendo sido descritos pela primeira vez por Vater em 17231. A grande maioria dos casos é diagnosticada na primeira década de vida e apenas 20% na idade adulta2.

Existem várias hipóteses quanto à etiologia, entre elas a da anomalia na desembocadura do colédoco, a qual se faria perpendicularmente no ducto de Wirsung, constituindo um longo canal comum. Esta disposição facilitaria o refluxo de suco pancreático para o colédoco que causaria inflamação levando ao enfraquecimento da sua parede causando, ectasia que progrediria para a dilatação1. Anteriormente o tratamento proposto consistia na drenagem do cisto (com o duodeno ou jejuno), porém em longo prazo, devido ao aparecimento de complicações, em especial à freqüente transformação neoplásica, passou a ser obrigatória a exérese do cisto.

O caso que ora relatamos é de paciente adulto, portador de cisto de colédoco tipo I de Alonso-Lej/Todani, com desembocadura do colédoco no ducto pancreático e que foi submetido à ressecção do cisto.

RELATO DE CASO

FCSC, 29 anos de idade, masculino, branco. Paciente do ambulatório de Cirurgia Digestiva do Conjunto Hospitalar do Mandaquí. Queixava-se desde os nove anos de idade de dor abdominal, localizada em epigástrio e hipocôndrio direito, tipo cólica, com intensificação nos últimos meses. Referia piora da dor ao ingerir alimentos gordurosos e melhora com o uso de anti-espasmódicos. Nos últimos meses apresentou alguns episódios de febre não aferida. Não relatava emagrecimento, icterícia, colúria ou acolia fecal. Ao exame físico, mostrava-se em bom estado geral, anictérico e afebril. Ao exame do abdome não se constatavam visceromegalias ou massas palpáveis. Havia apenas dor à palpação do hipocôndrio direito.

Exames de imagem

Ultrassonografia do abdome: O colédoco supra pancreático tinha calibre aumentado, medindo 3,6 cm de diâmetro, apresentando imagens hiperecogênicas, algumas produtoras de sombra acústica posterior.

Tomografia do abdome: identifica-se imagem compatível com dilatação do colédoco supraduodenal, sem dilatação das vias biliares intra-hepáticas.

Colangiopancreatografia (CPRE): ducto pancreático com características normais, cisto de colédoco de grandes proporções com cinco cálculos em seu interior. Não se vizualiza nenhum segmento de colédoco normal entre o cisto e o ducto pancreático (Figura 1).


Conduta cirúrgica

O paciente foi operado por meio de laparotomia mediana que evidenciou dilatação cística do colédoco em toda sua extensão, medindo cerca de 10 cm no seu maior eixo (tipo I), contendo quatro cálculos em seu interior. Tática cirúrgica: Realizada colecistectomia, dissecção do cisto dos outros elementos do pedículo hepático, observando-se que este tinha importante porção intrapancreática que foi dissecada cuidadosamente até sua porção mais distal; foi feita a ressecção do cisto, proximalmente, desde o hepático comum até a junção dos hepáticos e distalmente até próximo a sua junção com o ducto de Wirsung, deixando pequeno segmento de 0,5 cm fixo ao tecido pancreático, circundando um orifício que permitia a passagem de uma sonda plástica 4 French e que progredia não mais do que 2 a 3 mm, observando-se a saída de suco pancreático (Figura 2 A). Com alça jejunal exclusa, realizamos hepático-jejuno anastomose término lateral em plano único de Monocrilâ 4-0. Com esta mesma alça, cerca de 10 cm abaixo, realizamos anastomose lateral em plano único total entre a alça e o pequeno segmento de cisto aderente ao pâncreas com pontos separados e com o mesmo fio (Figura 2 B). A seguir restabelecemos o trânsito jejunal em Y de Roux.


DISCUSSÃO

A icterícia, a dor abdominal no quadrante superior direito e massa palpável sob a reborda costal direita são considerados os sintomas e sinais clássicos da existência dos cistos de colédoco na infância; no entanto, somente perto de 1/3 dos pacientes apresentam esta tríade completa1.

No adulto os cistos de colédoco podem permanecer assintomáticos por muitos anos. A apresentação mais freqüente é caracterizada por episódios recorrentes de dor abdominal, durante meses ou anos, geralmente associados à leve grau de icterícia, freqüentemente não percebida. Cerca de 15% dos pacientes adultos, por ocasião da descoberta da doença apresentam cirrose hepática, resultante de sucessivas crises de colangite e sintomas decorrentes da hipertensão portal2.

O paciente do caso estudado apresentava sintomas desde a infância. É provável que apesar da sintomatologia sugerir doença biliar, a pouca intensidade dos sintomas, o fato de ser jovem e do sexo masculino retardaram o diagnóstico. A investigação somente progrediu com a intensificação dos sintomas acompanhados, às vezes, de sinais de infecção, embora negasse icterícia. De regra, o diagnóstico é confirmado pela ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, os quais revelam a forma, dimensão, localização da dilatação cística e a configuração ductal intrahepática.

A colangiografia retrógrada endoscópica, apesar de método invasivo permite definir mais precisamente o sistema ductal além de permitir a vizibilização das ramificações intra-hepáticas com maior precisão.

No presente caso, os três exames de imagem (ultrassom, tomografia computadorizada e a CPRE) mostraram a dilatação cística do colédoco e a ausência de dilatação das vias biliares intra-hepáticas, permitindo classificar o cisto como sendo do tipo I de Alonso-Lej/Todani. Os cálculos no interior do cisto foram identificados pelo ultrassom e pela CPRE e somente esta última permitiu o estudo da canalização pancreática e da junção cisto/pancreática.

A classificação de Alonso-Lej e Todani vem sofrendo críticas, especialmente de autores americanos, entre os quais se destaca Visser et al., os quais argumentam que a distinção entre o tipo I e o IV a (dilatação do colédoco e dos ramos intra-hepáticos) é arbitrária, pois os ductos intra-hepáticos nunca seriam completamente normais; no entanto, continua sendo utilizada como referência pela maioria dos autores3.

A junção pancreato-biliar anômala, tão comum nos portadores de cisto do colédoco, pode ser identificada pela CPER e pela colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM). Segundo Yu et al, em 76,6% de seus casos de junção pancreato-biliar anômala (APBJ), o canal comum foi calculado em 15 mm ou mais e o ângulo de junção tinha 75° ou mais. Estes autores distinguem ainda dois tipos de junção: a pancreato-coledociana e a colédoco-pancreática, esta última sendo a mais freqüente4 e a que foi encontrada no caso relatado.

A colangiografia prévia ao ato cirúrgico torna-se de fundamental importância para reconhecer as peculiaridades anatômicas locais, evitando assim lesar o ducto pancreático, uma vez que o cisto deve ser seccionado distalmente dentro da cabeça do pâncreas e o ducto biliar remanescente (quando existe) deve ser ligado cuidadosamente, preservando-se o ducto pancreático2.

Dado o elevado risco de neoplasia, independentemente da idade, da existência ou não de sintomatologia, presença ou ausência de cálculos e de operação prévia de derivação a operação deve incluir a colecistectomia e a exérese do cisto biliar, incluindo sua porção intrapancreática, com o cuidado de não lesar o ducto pancreático ou o longo canal comum5.

No caso apresentado, durante a operação, ficamos surpresos pela extensão do cisto no que seria o trajeto normal do colédoco intrapancreático, terminando praticamente na junção com o ducto pancreático, não havendo nenhum segmento de colédoco normal que pudesse ser ligado com segurança, confirmando alias o achado da CPRE. Cateterizado o pequeno orifício distal, o qual permitia a passagem justa de um cateter n0 4, verificou-se que o mesmo penetrava somente dois a três mm, dando saída a suco pancreático e caracterizando uma junção colédoco-pancreática em ângulo reto (Figura 2 A).

Devido a esta disposição tivemos o receio de, ao ocluir o orifício de comunicação por meio de sutura, provocar a estenose do ducto comum/pancreático ou predispor a uma fístula pancreática. Por este motivo, decidimos realizar, após a anastomose bílio-digestiva, uma anastomose entre o pequeno segmento distal do cisto aderente ao pâncreas ladeando o orifício de comunicação, com a mesma alça jejunal a cerca de 15 cm da anastomose anterior (Figura 2B).

No pós-operatório, por meio de um cateter deixado na zona da anastomose bílio-digestiva e exteriorizado a Witzel, realizamos várias colangiografias não sendo possível a identificação desta anastomose, possivelmente devido ao pequeno calibre do orifício e a baixa pressão no interior da alça jejunal anastomosada. O paciente em acompanhamento ambulatorial acha-se em boas condições de saúde, negando sintomas digestivos.

Recebido em 10/01/2006

Aceito para publicação em 17/03/2006

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral e Digestiva do Conjunto Hospitalar do Mandaquí – SP.

  • 1. Deutsch CR, Speranzini MB, Cunha JC, Carone Filho E, Mittelstaedt W, Oliveira MR. Dilatações císticas do colédoco em adulto. Relato de quatro casos. Arq Gastroenterol. 1985; 22(3):113-21.
  • 2. Buckel EG, Nagorney DM. Choledochal cysts in adult life. In: Blumgart LH, editor. Surgery of the liver and biliary tract. 2nd ed. New York: Churchil Livingstone; 1994. p. 1183-95.
  • 3. Visser BC, Suh I, Way LW, Kang SM. Congenital choledochal cysts in adults. Arch Surg. 2004; 139(8):855-60; discussion 860-2.
  • 4. Yu ZL, Zhang LJ, Fu JZ Li J, Zhang QY, Chen FL. Anomalous pancreatobiliary junction: image analysis and treatment principles. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2004; 3(1):136-9.
  • 5. Lipsett PA, Pitt HA. Surgical treatment of choledochal cysts. J Hepatobiliary Pancreat Surg. 2003; 10(5):352-9.
  • Endereço para correspondência:
    Manlio B Speranzini
    Av. Brig. Faria Lima 2553 - Apto 81 – J. Paulista
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2006
    • Aceito
      17 Mar 2006
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