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Preservação do Nervo Intercostobraquial na Linfadenectomia Axilar por Carcinoma de Mama

Preservation of Intercostobrachial Nerve during Axillary Clearance for Breast Cancer

Resumos

Objetivos: avaliar a associação entre a preservação do nervo intercostobraquial e a sensibilidade dolorosa do braço, tempo de cirurgia e número de linfonodos dissecados em pacientes submetidas à linfadenectomia axilar por carcinoma de mama. Métodos: foi realizado um estudo de intervenção, tipo ensaio clínico, randomizado e duplo-cego com 85 pacientes atendidas no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas, no período de janeiro de 1999 a julho de 2000. As pacientes foram divididas aleatoriamente em dois grupos, conforme a intenção da preservação ou não do nervo intercostobraquial. As cirurgias foram realizadas sempre por dois dos pesquisadores, utilizando a mesma técnica. As avaliações pós-operatórias foram feitas com 2 dias, 40 dias e após 3 meses, por um dos pesquisadores que não havia participado das cirurgias. A sensibilidade dolorosa no braço foi avaliada mediante emprego de questionário específico e pelo exame físico neurológico, sempre correlacionado com o membro contralateral. Para a análise estatística foram utilizados os testes t de Student e exato de Fisher. Resultados: a técnica cirúrgica de preservação do nervo intercostobraquial foi factível em 100% dos casos, associando-se a diminuição significativa nas alterações de sensibilidade dolorosa do braço, em comparação com as pacientes que tiveram o nervo intercostobraquial seccionado. Após 3 meses, na avaliação subjetiva 61% das pacientes encontravam-se assintomáticas no grupo da preservação e 28,6% no grupo da secção (p<0,01). Na avaliação objetiva, a porcentagem de pacientes com exame físico neurológico normal no metâmero do nervo intercostobraquial foi de 53,7% e 16,7% (p<0,01) entre os grupos da preservação e secção, respectivamente. Não houve diferença significativa no tempo de cirurgia e número de linfonodos dissecados entre os grupos. A média de tempo foi de 81,2 e 79,1 minutos nos grupos da preservação e secção do nervo e a média do número de linfonodos dissecados foi de 19,5 e 20,4 linfonodos entre os grupos da preservação e secção do nervo intercostobraquial, respectivamente. Conclusão: a preservação do nervo intercostobraquial é factível e leva à diminuição significativa das alterações de sensibilidade dolorosa no braço, sem interferir no tempo cirúrgico e no número de linfonodos dissecados.

Mama; Cirurgia; Linfadenectomia; Dor


Purpose: to evaluate the relationdhip between preservation of the intercostobrachial nerve and pain sensitivity of the arm, total time of the surgery, and number of dissected nodes in patients submitted to axillary lymphadenectomy due to breast cancer. Methods: an intervention, prospective, randomized and double-blind study was performed on 85 patients assisted at the State University of Campinas, Brazil, from January 1999 to July 2000. The patients were divided into two groups, according to the intention of preserving or not the intercostobrachial nerve. The surgeries were performed by the same researchers, utilizing the same technique. The postoperative evaluations were performed within 2 days, 40 days and after 3 months. The pain sensitivity of the arm was evaluated through a specific questionnaire (subjective evaluation) and through a neurological physical examination (objective evaluation). Results: the surgical technique was applied to all patients and the preservation of the intercostobrachial nerve was related to a significant decrease in the alterations of pain sensitivity of the arm, both by the subjective and objective evaluations. After three months, in the subjective evaluation, 61% of the patients were asymptomatic in the intercostobrachial nerve preservation group and 28.6% in the nerve section group (p<0.01). By the objective evaluation, 53.7% of the patients presented normal neurological examination in the intercostobrachial nerve preservation group and 16.7% in the nerve section group (p<0.01). No significant difference was observed regarding total time of surgery (p=0.76) and number of dissected nodes between the two evaluated groups (p=0.59). Conclusions: these data show that the preservation of the intercostobrachial nerve is feasible and leads to a significant decrease in the alterations of pain sensitivity of the arm, without interfering in the total time of surgery and the number of dissected nodes.

Breast cancer; Surgery; Lymphadenectomy; Pain


Trabalhos Originais

Preservação do Nervo Intercostobraquial na Linfadenectomia Axilar por Carcinoma de Mama

Preservation of Intercostobrachial Nerve during Axillary Clearance for Breast Cancer

Renato Zocchio Torresan, César Cabello dos Santos, Délio Marques Conde, Henrique Benedito Brenelli

RESUMO

Objetivos: avaliar a associação entre a preservação do nervo intercostobraquial e a sensibilidade dolorosa do braço, tempo de cirurgia e número de linfonodos dissecados em pacientes submetidas à linfadenectomia axilar por carcinoma de mama.

Métodos: foi realizado um estudo de intervenção, tipo ensaio clínico, randomizado e duplo-cego com 85 pacientes atendidas no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas, no período de janeiro de 1999 a julho de 2000. As pacientes foram divididas aleatoriamente em dois grupos, conforme a intenção da preservação ou não do nervo intercostobraquial. As cirurgias foram realizadas sempre por dois dos pesquisadores, utilizando a mesma técnica. As avaliações pós-operatórias foram feitas com 2 dias, 40 dias e após 3 meses, por um dos pesquisadores que não havia participado das cirurgias. A sensibilidade dolorosa no braço foi avaliada mediante emprego de questionário específico e pelo exame físico neurológico, sempre correlacionado com o membro contralateral. Para a análise estatística foram utilizados os testes t de Student e exato de Fisher.

Resultados: a técnica cirúrgica de preservação do nervo intercostobraquial foi factível em 100% dos casos, associando-se a diminuição significativa nas alterações de sensibilidade dolorosa do braço, em comparação com as pacientes que tiveram o nervo intercostobraquial seccionado. Após 3 meses, na avaliação subjetiva 61% das pacientes encontravam-se assintomáticas no grupo da preservação e 28,6% no grupo da secção (p<0,01). Na avaliação objetiva, a porcentagem de pacientes com exame físico neurológico normal no metâmero do nervo intercostobraquial foi de 53,7% e 16,7% (p<0,01) entre os grupos da preservação e secção, respectivamente. Não houve diferença significativa no tempo de cirurgia e número de linfonodos dissecados entre os grupos. A média de tempo foi de 81,2 e 79,1 minutos nos grupos da preservação e secção do nervo e a média do número de linfonodos dissecados foi de 19,5 e 20,4 linfonodos entre os grupos da preservação e secção do nervo intercostobraquial, respectivamente.

Conclusão: a preservação do nervo intercostobraquial é factível e leva à diminuição significativa das alterações de sensibilidade dolorosa no braço, sem interferir no tempo cirúrgico e no número de linfonodos dissecados.

PALAVRAS-CHAVE: Mama: câncer. Cirurgia: complicações. Linfadenectomia. Dor.

Introdução

A linfadenectomia axilar é procedimento que permite o correto estadiamento do carcinoma de mama, com informações determinantes para a terapêutica da doença. No entanto, está associada a seqüelas e complicações em até 70% dos casos, afetando negativamente a qualidade de vida das pacientes1,2. Esta alta morbidade faz com que, cada vez mais, se intensifiquem as pesquisas para tornar o procedimento menos agressivo e até mesmo aboli-lo nos casos iniciais, visto que para tumores iniciais, com menos de 1,0 cm, a taxa de comprometimento axilar é baixa3. Atualmente, estão sendo desenvolvidas técnicas conservadoras para predizer o estado dos linfonodos axilares nas pacientes com axila clinicamente negativa, sem a realização da linfadenectomia axilar completa, localizando e analisando o linfonodo sentinela4,5, evitando-se assim a dissecção da axila nos casos desnecessários e reduzindo conseqüentemente a morbidade do procedimento. A utilização da endoscopia também tem sido desenvolvida como opção de técnica minimamente invasiva de dissecção axilar, no intuito de diminuir as complicações inerentes às lesões de estruturas neurovasculares que cruzam a axila6.

Várias são as complicações da linfadenectomia axilar, como hemorragias, necrose de pele, infecções, seromas, dor crônica, linfedemas do membro superior e da mama, limitação de movimentação da articulação acrômio-umeral, escápula alada, atrofia dos músculos peitorais e parestesias no braço e axila homolaterais à cirurgia1,7,8. Estas últimas complicações têm, como causa básica, as lesões de nervos durante a linfadenectomia axilar. A lesão do nervo sensitivo chamado intercostobraquial (ICB) é responsável por queixa freqüente e duradoura referida pelas pacientes: a alteração da sensibilidade dolorosa na região medial e póstero-superior do braço e axila que se apresenta na maioria dos casos como anestesia ou hipoestesia, podendo ocorrer hiperestesia em alguns casos1,8-12.

Este nervo pode apresentar alterações anatômicas no seu percurso, mas geralmente origina-se de ramo lateral do segundo nervo intercostal, e ao perfurar os músculos serrátil anterior e intercostal, penetra na axila aproximadamente um a dois centímetros anteriormente ao trajeto do nervo torácico longo, na linha axilar média. Após curto trajeto na base da axila, divide-se em dois ou três ramos até atingir o lado medial da parte superior do braço e axila11. As técnicas classicamente descritas de linfadenectomia axilar não mencionam a preservação do nervo ICB como um dos tempos da cirurgia9,10.

Não há, no entanto, consenso a respeito da associação entre a lesão do nervo ICB e as alterações sensitivas acima descritas. Alguns autores consideram que a secção do nervo não causa déficits sensitivos13,14. Outros reconhecem esta associação, mas preconizam a secção rotineira do nervo ICB no intuito de efetuar dissecção axilar completa15. Mesmo assim, existem fortes evidências na literatura de que a ocorrência dos sintomas decorrentes da secção do nervo ICB é alta e duradoura e pode diminuir se o nervo for preservado1,16. A manipulação do tecido linfoadiposo axilar, necessária para se obter a preservação do nervo ICB, parece, também, não aumentar a incidência de recidiva axilar após 5 anos de seguimento11.

Portanto, de modo geral, existem evidências de que as pacientes submetidas à linfadenectomia axilar com preservação do nervo ICB apresentam menos alterações de sensibilidade dolorosa no braço e axila, sem comprometimento da dissecção axilar completa, não acarretando, deste modo, prejuízo na abordagem oncológica da axila10,11,16,17.

Atualmente, devido ao diagnóstico precoce do carcinoma de mama, o tratamento proporciona longa sobrevida às pacientes e muitas mulheres viverão por muitos anos após a cirurgia. Portanto, o desenvolvimento de técnicas cada vez mais conservadoras, com menor morbidade, mas que mantenham a mesma eficiência da abordagem radical, tem sido uma constante no meio médico e é neste contexto que aparece a contribuição da preservação do nervo ICB.

Os objetivos deste trabalho foram avaliar a associação da preservação do nervo ICB com a sensibilidade dolorosa do braço, número de linfonodos dissecados, tempo de cirurgia e, por fim, a factibilidade da técnica cirúrgica.

Pacientes e Métodos

Foi realizado um estudo de intervenção, tipo ensaio clínico, aleatório, controlado e duplo-cego, com 85 pacientes portadoras de carcinoma de mama, candidatas a tratamento cirúrgico com linfadenectomia axilar. Todas foram tratadas no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no período de janeiro de 1999 a julho de 2000.

Após preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido, as pacientes foram divididas aleatoriamente em dois grupos: com e sem a preservação do nervo ICB, sendo este dado não informado às pacientes.

A distribuição em relação ao tipo de cirurgia, por grupo, foi de 39 pacientes submetidas a mastectomias com dissecção axilar e 3 pacientes submetidas a quadrantectomias com dissecção axilar no grupo da preservação do nervo ICB e, respectivamente, 38 e 5 pacientes no grupo da secção do nervo ICB. A cirurgia foi sempre realizada por dois dos pesquisadores, nunca em conjunto. Na técnica cirúrgica adotada, a linfadenectomia axilar foi iniciada pela identificação da borda lateral do músculo peitoral maior, prosseguindo-se com a dissecção do espaço interpeitoral até a visualização da porção apical da veia axilar. Uma vez realizada a linfadenectomia do nível III, continuou-se a dissecção no sentido crânio-caudal, sendo o nervo ICB identificado junto à sua emergência na parede torácica, no 2º espaço intercostal. Para completar a linfadenectomia da base axilar (nível I), realizava-se a dissecção de todo o tecido linfoadiposo que circunda o nervo e seus ramos até sua entrada no retalho cutâneo lateral, de onde prossegue sua trajetória até a face medial e súpero-posterior do braço9,11.

As avaliações da sensibilidade do braço foram realizadas sempre por um dos pesquisadores que não havia participado da cirurgia da paciente em questão. Estas avaliações foram divididas em subjetiva e objetiva e realizadas em três momentos após a cirurgia: com 2 dias, 40 dias e após 3 meses. A avaliação subjetiva baseou-se na aplicação de questionário específico para avaliação da sensibilidade dolorosa. Para tanto, inicialmente a paciente foi orientada, em linguagem adequada, sobre o que é alteração de sensibilidade e quais os tipos existentes (anestesia, hipoestesia ou hiperestesia). Após a orientação inicial, foi inquirida sobre a existência de alguma destas alterações no metâmero do nervo intercostobraquial (região súpero-medial do braço) homolateral à cirurgia, sempre fazendo comparação com a mesma região do braço contralateral. Quando a paciente referiu alterações compatíveis com hipoestesia ou hiperestesia, foi apresentada uma escala analógica, graduada de 1 a 10, com a qual a paciente pode quantificar o sintoma em leve (1 - 3), moderado (4 - 7) ou intenso (8 - 10). A avaliação objetiva foi aferida mediante aplicação do exame neurológico com estímulos dolorosos – pressão com agulha 25 X 7 mm – na área de inervação do nervo ICB homolateral à cirurgia, comparando-se com o membro contralateral. A paciente classificava o resultado do exame com os mesmos parâmetros descritos para a avaliação subjetiva. Os dados foram analisados com os testes t de Student e exato de Fisher, com erro tipo I (a) = 0,05.

O projeto de pesquisa deste estudo foi avaliado e aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento de Tocoginecologia e Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

Resultados

Das 44 pacientes do grupo da preservação do nervo ICB, duas foram excluídas por apresentarem nítida invasão neoplásica de todo o tecido linfoadiposo perineural. Nas 42 restantes, em todas obtivemos sucesso na tentativa de preservação do nervo ICB.

Tanto na avaliação da sensibilidade subjetiva como na objetiva, observamos nas três avaliações realizadas diferenças significativas na ocorrência de alterações de sensibilidade entre os grupos (Tabelas 1 e 2).

Após 3 meses da cirurgia, na avaliação subjetiva 61% das pacientes encontravam-se assintomáticas no grupo da preservação e 28,6% no grupo da secção do nervo ICB (p<0,01). Na avaliação objetiva, 53,7% das pacientes apresentavam exame físico neurológico normal no metâmero do nervo ICB no grupo da preservação e 16,7% no grupo da secção do nervo (p<0,01).

Em relação ao tempo de cirurgia, a média de tempo no grupo da preservação foi de 81,2 minutos (DP=28,08 minutos) e de 79,1 minutos (DP=35,71 minutos) no grupo da secção do nervo ICB. Esta diferença não foi significativa (p=0,76).

O número de linfonodos dissecados também foi similar entre os dois grupos, com média de 19,5 (DP=5,86 linfonodos) no grupo da preservação e de 20,4 linfonodos (DP=8,43 linfonodos) no grupo da secção do nervo ICB (p=0,59).

Discussão

A proposta inicial foi avaliar as pacientes em três momentos diferentes após a cirurgia, no intuito de traçar um padrão de comportamento das alterações de sensibilidade do braço com o decorrer do tempo nos dois grupos. Optou-se por realizar a última avaliação após três meses, com base em trabalhos que mostram que as alterações de sensibilidade dolorosa no braço são persistentes e que a avaliação com três meses não apresenta diferenças significativas em relação àquela realizada mais tardiamente, com 15, 18 ou 24 meses1,2,18.

A avaliação subjetiva demonstrou que no grupo de pacientes designadas para a preservação do nervo ICB, houve mais pacientes assintomáticas e menos casos com hipoestesia em relação ao grupo submetido à secção do nervo ICB. Essas diferenças foram significativas e se mantiveram nas três avaliações pós-operatórias realizadas. Uma distribuição semelhante nas alterações de sensibilidade foi encontrada com o exame neurológico do braço, ou seja, na avaliação objetiva. Em relação à ocorrência de anestesia e hiperestesia, nos dois tipos de avaliação, os números mostram distribuição semelhante entre os 2 grupos, mas como representam valores absolutos pequenos, não são adequados para avaliação estatística e, portanto, não foi aprofundada a análise sobre estes dois tipos de alteração de sensibilidade.

Algumas questões ainda ficam em aberto para quantificar com precisão a sensibilidade, como possíveis variações na pressão da agulha realizada pelo médico examinador durante o teste neurológico e possíveis diferenças de interpretação, uma vez que o próprio exame neurológico é baseado em uma medida indireta da sensibilidade, ou seja, naquilo que o paciente refere estar sentindo mediante estímulos provocados. É importante salientar que a proposta de investigação deste trabalho foi montada sobre o exame neurológico clássico19, de conhecimento comum entre todos os médicos e fácil de ser realizado e interpretado. Existem técnicas de estimativa precisa para a pesquisa de alterações neurológicas, como a eletroneuromiografia, no entanto, no caso específico do nervo ICB, não existe técnica eletrofisiológica desenvolvida para estudá-lo20,21. A qualificação das alterações neurológicas referentes à dor é uma interpretação puramente clínica e, na verdade, acredita-se ser a alteração subjetiva da sensibilidade, ou seja, aquela que a paciente nos refere mediante interrogatório, a que determina mais diretamente o padrão de qualidade de vida.

Apesar de o metâmero do nervo ICB incluir também parte da axila, não foi estudada esta região anatômica por alguns motivos: as queixas das pacientes são, em geral, referentes ao braço, sendo raramente à axila. Além disto, em algumas cirurgias como quadrantectomias com axilectomias realizadas com incisões separadas ou mesmo algumas mastectomias cuja cicatriz se prolonga até a axila, a avaliação de sensibilidade dolorosa ficaria muito prejudicada pela presença de cicatriz recente na região.

Não se observou evolução linear das alterações de sensibilidade com o decorrer do tempo, sendo que, na maioria dos casos, a alteração relatada ou diagnosticada dois dias após a cirurgia foi a definitiva. Alguns autores apontam que, nos casos de preservação do nervo ICB, devido à manipulação, podem existir alterações de sensibilidade transitórias com duração de algumas semanas, com tendência a desaparecer com o passar do tempo10,17. Sabe-se que a lesão isolada de um nervo periférico pode ser causada pela compressão, estiramento e/ou isquemia e que quando existe regeneração das fibras dos nervos periféricos é comum a observação de sensação de formigamento e até mesmo dor quando o metâmero correspondente é estimulado20-22. Estes dados poderiam de certa forma explicar a incidência maior de hiperestesia no grupo da preservação em relação ao grupo da secção do nervo ICB, principalmente na avaliação com 40 dias, ou seja, momento no qual poderia estar ocorrendo a regeneração dos nervos lesados pela manipulação.

Em relação à factibilidade da técnica de preservação, conseguiu-se neste trabalho preservar o nervo ICB em todos os casos indicados para tal procedimento. Entre as referências bibliográficas estudadas há somente um ensaio clínico aleatório, no qual a preservação foi factível em 65% dos casos16. Os outros estudos não fazem nenhuma referência à factibilidade da técnica.

Neste trabalho, para se minimizarem diferenças quanto ao tempo e a técnica operatória que pudessem interferir na análise dos dados, todas as cirurgias foram realizadas por apenas dois cirurgiões, com capacitação profissional semelhante e mantendo-se a mesma técnica operatória. O tempo cirúrgico foi maior no grupo com preservação, porém a diferença não foi significativa. Os trabalhos são divergentes em relação à questão do tempo de cirurgia, alguns relatando que não há aumento significativo do tempo, sem contudo quantificá-lo, e outros referindo aumento de cinco a 15 minutos9,16,23, sem mencionar diferença significante.

A avaliação do número médio de linfonodos dissecados nos dois grupos é importante, pois representa uma forma indireta de mensurar se a técnica cirúrgica para a preservação do nervo ICB pode interferir na linfoadenectomia axilar. Uma vez que o estado dos linfonodos axilares é considerado o fator prognóstico isolado mais importante na história natural e no manuseio do câncer de mama24, qualquer procedimento que prejudicasse essa avaliação, poderia ter um impacto negativo na abordagem da doença. No presente estudo, não se encontrou diferença significativa em relação ao número de linfonodos entre os dois grupos. Alguns autores estudados criticam a manipulação excessiva do tecido linfoadiposo perineural na tentativa da preservação do nervo ICB, pois quando há comprometimento de linfonodos desta região pela neoplasia, poderia haver um maior risco de disseminação e conseqüentemente maiores taxas de recidivas locais10,11. No entanto, avaliações realizadas após períodos de 18 meses a cinco anos pelos mesmos autores não encontraram diferenças significativas nas recidivas locorregionais entre os grupos com e sem a preservação do nervo ICB.

De uma maneira geral, este trabalho demonstrou que a preservação do nervo ICB é uma técnica factível, com um impacto positivo nas alterações de sensibilidade dolorosa do braço após a linfadenectomia axilar, sem alterar o tempo cirúrgico e o número de linfonodos dissecados.

ABSTRACT

Purpose: to evaluate the relationdhip between preservation of the intercostobrachial nerve and pain sensitivity of the arm, total time of the surgery, and number of dissected nodes in patients submitted to axillary lymphadenectomy due to breast cancer.

Methods: an intervention, prospective, randomized and double-blind study was performed on 85 patients assisted at the State University of Campinas, Brazil, from January 1999 to July 2000. The patients were divided into two groups, according to the intention of preserving or not the intercostobrachial nerve. The surgeries were performed by the same researchers, utilizing the same technique. The postoperative evaluations were performed within 2 days, 40 days and after 3 months. The pain sensitivity of the arm was evaluated through a specific questionnaire (subjective evaluation) and through a neurological physical examination (objective evaluation).

Results: the surgical technique was applied to all patients and the preservation of the intercostobrachial nerve was related to a significant decrease in the alterations of pain sensitivity of the arm, both by the subjective and objective evaluations. After three months, in the subjective evaluation, 61% of the patients were asymptomatic in the intercostobrachial nerve preservation group and 28.6% in the nerve section group (p<0.01). By the objective evaluation, 53.7% of the patients presented normal neurological examination in the intercostobrachial nerve preservation group and 16.7% in the nerve section group (p<0.01). No significant difference was observed regarding total time of surgery (p=0.76) and number of dissected nodes between the two evaluated groups (p=0.59).

Conclusions: these data show that the preservation of the intercostobrachial nerve is feasible and leads to a significant decrease in the alterations of pain sensitivity of the arm, without interfering in the total time of surgery and the number of dissected nodes.

KEY WORDS: Breast cancer. Surgery: complications. Lymphadenectomy. Pain.

Recebido em: 18/02/02

Aceito com modificações em: 18/04/02

Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Correspondência:

Renato Zocchio Torresan

R. Olavo Bilac, 288 / 63 – Bairro: Cambuí

13024-110 – Campinas – São Paulo

e-mail: torresan@terra.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    Maio 2002

Histórico

  • Aceito
    18 Abr 2002
  • Recebido
    18 Fev 2002
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