Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento cirúrgico da endocardite infecciosa na fase aguda: experiência de três anos

Surgical treatment of infective endocarditis in the acute phase: a three-year experience

Resumos

O tratamento cirúrgico da endocardite na fase aguda vem-se impondo como o mais efetivo, em muitas circunstâncias clínicas. As contínuas modificações nos aspectos clínicos, diagnósticos e bacteriológicos desta afecção tornam necessária permanente avaliação dos resultados, nas situações concretas de atuação dos diversos grupos clínico-cirúrgicos. A definição de normas de conduta ante esta grave afecção tem-nos preocupado, ultimamente, por sua crescente participação em nossa prática clínica-cirúrgica. De novembro de 1983 a novembro de 1986, 6,7% das substituições valvares por nosso grupo cirúrgico deveram-se a endocardite (32 de 4,77 pacientes). A sede do processo infeccioso teve a seguinte distribuição: mitral 6 casos, aórtica 12 casos (um óbito), mitral e aórtica 6 casos (dois óbitos) prótese aórtica 4 casos (três óbitos), prótese mitral 2 casos (um óbito) mitral, aórtica e tricúspide 1 caso (um óbito) e parede do ventrículo esquerdo 1 caso. A idade variou entre 10 e 56 anos. Sete pacientes eram do sexo feminino e 24 do masculino. Todos os pacientes eram brancos. A análise dos achados anátomo-patológicos permitiu determinação de três grupos: no Grupo A, tivemos 11 operações por lesões valvares simples, consistentes basicamente de vegetações infectadas. Todos os pacientes sobreviveram e obtiveram alta hospitalar. Nos 15 pacientes do Grupo B, havia acometimento multivalvar, ou lesões complicadas por mutilações valvares extensas e/ou comunicações entre câmaras cardíacas; 5 pacientes faleceram. No Grupo C, houve 5 operações por infecções em próteses, ocorrendo 4 óbitos. O prognóstico favorável dos pacientes operados com lesões simples e o alto risco daqueles em que havia destruição tissular mais extensa e daqueles em que a endocardite se instalou em próteses, nos levam a defender o tratamento cirúrgico precoce das infecções valvares, em todos os casos em que não haja rápida resposta ao tratamento antibiótico.

endocardite infecciosa


Surgical treatment is becoming accepted as the best means of dealing with acute bacterial endocarditis in many clinical settings. The continuing changes in diagnosis, bacteriology and clinical picture of this disease must be accounted for by the surgical teams. Definition of the rules for management of this severe condition has been a matter of concern for us in the last years. From November 1983 to November 1986, 6.7% of the valvar substitutions in our Service were due to active infection (32 of 477 patients). The site of infection was the mitral valve in six patients, aortic valve in 12 patients (one death) mitral and aortic valves in six patients (two deaths), mitral prostheses in two patients (one death) aortic prostheses (three deaths), mitral, aortic and tricuspid valves in one patient (one death) and the wall of the left ventricle in one patient. Age varied from 10 to 56 years (m=29.2 years). Seven patients were females and 24 males. All patients were white. Analysis of the pathologic findings allowed us to define three subgroups: In subgroup A, 11 operations were done for simple valvar lesions. All patients left the hospital. Fifteen patients were in the subgroup of extensive valvar or perivalvar lesions, five of which died. Among the six prosthetic infections there were four deaths. The favorable outcome of the patients operated on for simple valvar lesions and the high risk of those who presented extensive tissue destruction or prosthetic infection makes us to prefer immediate surgical treatment if there is no clear response to antibiotics within 24 to 48 hours.

endocarditis, infective


Tratamento cirúrgico da endocardite infecciosa na fase aguda: experiência de três anos

Surgical treatment of infective endocarditis in the acute phase: a three-year experience

Iseu Affonso da CostaI; Djalma Luiz FaracoI; Fábio SallumI; Aldo PesariniII; Elson C. OliveiraII; Francisco Diniz Affonso da CostaII; Álvaro B. SoeiroIII

IDa Santa Casa de Curitiba, do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná e do Centro de Cardiologia Infantil do Paraná

IIDa Santa Casa de Curitiba e do Centro de Cardiologia infantil do Paraná

IIIDo Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná

Endereço para separatas Endereço para separatas: Iseu A. Costa Rua Carmelo Rangel, 816 80420 Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

O tratamento cirúrgico da endocardite na fase aguda vem-se impondo como o mais efetivo, em muitas circunstâncias clínicas. As contínuas modificações nos aspectos clínicos, diagnósticos e bacteriológicos desta afecção tornam necessária permanente avaliação dos resultados, nas situações concretas de atuação dos diversos grupos clínico-cirúrgicos. A definição de normas de conduta ante esta grave afecção tem-nos preocupado, ultimamente, por sua crescente participação em nossa prática clínica-cirúrgica. De novembro de 1983 a novembro de 1986, 6,7% das substituições valvares por nosso grupo cirúrgico deveram-se a endocardite (32 de 4,77 pacientes). A sede do processo infeccioso teve a seguinte distribuição: mitral 6 casos, aórtica 12 casos (um óbito), mitral e aórtica 6 casos (dois óbitos) prótese aórtica 4 casos (três óbitos), prótese mitral 2 casos (um óbito) mitral, aórtica e tricúspide 1 caso (um óbito) e parede do ventrículo esquerdo 1 caso. A idade variou entre 10 e 56 anos. Sete pacientes eram do sexo feminino e 24 do masculino. Todos os pacientes eram brancos. A análise dos achados anátomo-patológicos permitiu determinação de três grupos: no Grupo A, tivemos 11 operações por lesões valvares simples, consistentes basicamente de vegetações infectadas. Todos os pacientes sobreviveram e obtiveram alta hospitalar. Nos 15 pacientes do Grupo B, havia acometimento multivalvar, ou lesões complicadas por mutilações valvares extensas e/ou comunicações entre câmaras cardíacas; 5 pacientes faleceram. No Grupo C, houve 5 operações por infecções em próteses, ocorrendo 4 óbitos. O prognóstico favorável dos pacientes operados com lesões simples e o alto risco daqueles em que havia destruição tissular mais extensa e daqueles em que a endocardite se instalou em próteses, nos levam a defender o tratamento cirúrgico precoce das infecções valvares, em todos os casos em que não haja rápida resposta ao tratamento antibiótico.

Descritores: endocardite infecciosa, cirurgia.

ABSTRACT

Surgical treatment is becoming accepted as the best means of dealing with acute bacterial endocarditis in many clinical settings. The continuing changes in diagnosis, bacteriology and clinical picture of this disease must be accounted for by the surgical teams. Definition of the rules for management of this severe condition has been a matter of concern for us in the last years. From November 1983 to November 1986, 6.7% of the valvar substitutions in our Service were due to active infection (32 of 477 patients). The site of infection was the mitral valve in six patients, aortic valve in 12 patients (one death) mitral and aortic valves in six patients (two deaths), mitral prostheses in two patients (one death) aortic prostheses (three deaths), mitral, aortic and tricuspid valves in one patient (one death) and the wall of the left ventricle in one patient. Age varied from 10 to 56 years (m=29.2 years). Seven patients were females and 24 males. All patients were white. Analysis of the pathologic findings allowed us to define three subgroups: In subgroup A, 11 operations were done for simple valvar lesions. All patients left the hospital. Fifteen patients were in the subgroup of extensive valvar or perivalvar lesions, five of which died. Among the six prosthetic infections there were four deaths. The favorable outcome of the patients operated on for simple valvar lesions and the high risk of those who presented extensive tissue destruction or prosthetic infection makes us to prefer immediate surgical treatment if there is no clear response to antibiotics within 24 to 48 hours.

Descriptors: endocarditis, infective, surgery.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Trabalho realizado na Santa Casa de Curitiba, no Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná e no Centro de Cardiologia Infantil do Paraná. Curitiba, PR, Brasil.

Apresentado ao 14º Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca. Salvador, BA, 27 e 28 de março, 1987.

Discussão

DR. PABLO POMERANTZEFF

Sâo Paulo, SP

Inicialmente, gostaria de agradecer à organização do Congresso pelo convite e parabenizar o Dr. Iseu Costa, pelo seu trabalho e pelos seus bons resultados. Gostaríamos de ressaltar alguns pontos que consideramos de grande interesse. No seu trabalho, o Dr. Iseu coloca que o tratamento cirúrgico na fase agua da endocardite vem-se impondo como o mais efetivo, com o que condordamos totalmente, e também acreditamos que é muito importante definir, com detalhes, quais as circunstâncias clínicas que levam o paciente a necessitar de operação, salientando que o grupo de pacientes que melhoram com o tratamento clínico é, sem dúvida, diferente do grupo de pacientes que melhoram com o tratamento cirúrgico. Acreditamos ser importante destacar, assim como Dr. Iseu o fez, que o que define a doença seriam os diferentes agentes etiológicos, como, por exemplo, Staphylococcus, Streptococcus, gram-negativos, fungos e os diversos tipos de doentes, com prótese ou sem prótese, e, da interação destes, resulta a sua manifestação clínica. Com relação à oportunidade do tratamento, consideramos que ele não deve ser nem precoce, nem tardio, porém no momento adequado, dependendo da necessidade do doente, levando-se em conta a etiologia, a doença de base e a experiência do Serviço. Um aspecto importante para a discussão é a resposta ao antibiótico em relação à indicação cirúrgica. Nos casos de indicação cirúrgica por razões hemodinâmicas, sem dúvida não se pode esperar, como mostram os resultados da literatura, mas, quando o problema se relaciona à falha do tratamento etiológico, talvez a indicação não fosse tão urgente. Baumgartner, em 1983, estudando 75 pacientes reoperados por endocardite infecciosa em prótese, relata que a indicação em 87% dos casos foi a insuficiência cardíaca congestiva, em 15% dos casos por embolia recorrente e em 4% dos casos por infecção persistente, sendo a sua mortalidade operatória de 25% nos casos operados com endocardite ativa e 8% em endocardite tratada. No Instituto do Coração, de janeiro de 1976 a dezembro de 1984, foram operados 64 pacientes na fase ativa da endocardite bacteriana, sendo a mortalidade, neste período, de 35% em pacientes portadores de próteses e 9% em pacientes com endocardite em valva natural. No trabalho apresentado neste congresso, sobre retroca valvular no Incór, no período de janeiro de 1984 a junho de 1986, a mortalidade em retroca valvular por endocardite bacteriana foi de 11%. No Instituto do Coração, temos utilizado a ecocardiografia intra-operatória, inclusive com contraste, o que pode ser útil para melhor definição em casos de endocardite bacteriana e influir na realização de cirurgias conservadoras na endocardite, como proposto por Gammage, em 1984.

DR. ISEU COSTA

(Encerrando)

Agradeço os comentários do Dr. Pomerantzeff, notando que a sua atitude, e do Incór, que ele representa, é, basicamente, a mesma que defendemos. Creio que todos concordam que o tratamento cirúrgico não deve ser precoce ou tardio, mas sim no momento oportuno. Nossos dados, porém, mostram que a mortalidade aumenta muito nos casos de lesões complicada e que, infelizmente, o erro mais comum é indicar o tratamento muito tardíamente e não o oposto - isto é - a indicação muito precoce.

  • 1 ARBULU, A. & ASFAW, I. - Infective endocarditis. In: GLENN, W. D. ed. Thoracic and cardiovascular surgery. Norwalk, Appleton, 1983. p. 1337-1353.
  • 2 CROFT, C.; WOODWARD, W.; ELLIOT, A.; COMMERFORD, P. J.; BARNARD, C. N.; BECK, W. - Analysis of surgical versus medical therapy in active complicated native valve endocarditis. Am. J. Cardiol, 51 (6): 1650-1655, 1983.
  • 3 DANIELSON, G. K.; TITUS, J. L.; DuSHANE, J. W. - Successful treatment of aortic valve endocarditis and aortic root abscesses by insertion of prosthetic valve in ascending aorta and placement of by-pass graft to coronary arteries. J. Thorac. Cardiovasc. Surg, 67: 443-449, 1974.
  • 4 GARWEY, G. J. & NEU, H. C. - Infective endocarditis: an evolving disease. Medicine, 52 (2): 105-127, 1978.
  • 5. JUNG, J. Y.; SAAB, S. B.; ALMOND, C. H. - The case for early surgical treatment of left-sided primary infective endocarditis. J. Thorac. Cardiovasc. Surg, 70 (1): 509-518, 1975.
  • 6 LEÃO, L. E. V.; MOTA, N.; BUFFOLO, E.; GODOI, M.; ANDRADE, J. C. S.; SUCCI, J. E.; SARLE, R.; CAMPOS FILHO, O.; SCHUBSKI, V.; GALLUCCI, C. - Substituição valvar na endocardite infecciosa primária. Arq. Bras. Cardiol, 32 (5): 281-288, 1979.
  • 7 LEVITSKI, S.; MAMMANA, R. B.; SILVERMANN, N. A.; WEBER, F.; HIRO, S.; WRIGHT, R. N. - Acute endocarditis in drug addicts: surgical treatment for gram-negative sepsis. Circulation, 66 (Supl. 1): 135-138, 1982.
  • 8 LICHTLEN, P. R.; GAHLK, M. A.; NONNAST-DANIEL, B.; DANIEL, W. G. - Infektiöse Endokarditis. Verh. Dtsch. Ges. Herz u. Kreislaufforsch, 49: 1-19, 1983.
  • 9 MOORE, G. - How to achieve surgical results by really trying. Surg. Gynecol. Obstet., 116 (4): 497-498, 1963. (Editorial)
  • 10 NELSON, R. J.; HARLEY, D. P.; FRENCH, W. J.; BAYER, A. S. - Favorable ten-year experience with valve procedures for active infective endocarditis. J. Thorac. Cardiovasc. Surg, 87 (4): 493-502, 1984.
  • 11 OKIES, J. E.; BRADSHAW, M. W.; WILLIAMS, T. W. - Valve replacement in bacterial endocarditis. Chest, 63 (6): 898-904, 1973.
  • 12 OLIVEIRA, P. F.; STIER, H.; HOBACH, F. - Endocardite infecciosa: análise da casuística do Hospital de Clínicas da UFPR. Arq. Bras. Cardiol, 43 (Supl. 1): 123, 1984. (Resumo)
  • 13 RAPAPORT, E. - The changing role of surgery in the management of infective endocarditis. Circulation, 58 (4): 598-599, 1978.
  • 14 RICHARDSON, J. V.; KARP, R. B.; KIRKLIN, J. W.; DISMUKES, W. E. - Treatment of infective endocarditis: a 10-year comparative analysis. Circulation, 58 (4): 589-597, 1978.
  • 15 RUDOLPH, W. & KRANS, F. - Erkennung und Beurteilung der infektiösen Endokarditis. Herz, 8 (5): 241-270, 1983.
  • 16 WALLACE, A. G.; YOUNG, W. G.; OSTERHART, S. - Treatment of acute bacterial endocarditis by valve excision and replacement. Circulation, 31 (3): 450-453, 1965.
  • 17 WIGLE, E. D.; VELLEND, H.; LOVE, K.; LIN, P.; RAKOWISKI, H. - Infective endocarditis in the 1980s: a continuing diagnostic and therapeutic chalange. In: CHASOV, E. I.; SMIRNOV, V. N.; OGANOV, R. G. eds. Cardiology. New York, Plenum, 1984. p. 727-733.
  • 18 WILSON, W. R.; DANIELSON, G. K.; GIULIANI, E. R.: WASHINGTON, J. A.; JAUMIN, P. M.; GERACI, J. E. - Valve replacement in patients with active infective endocarditis. Circulation, 58 (4): 585-588, 1978.
  • 19 WILSON, W.; DANIELSON, G. K.; GIULIANI, E. R.; WASHINGTON, J. A.; JAUMIN, P. M.; GERARCI, J. E. - Cardiac valve replacement in congestive heart failure due to infective endocarditis. Mayo Clinic. Proc., 54 (3 e 4): 223-226, 1979.
  • Endereço para separatas:

    Iseu A. Costa
    Rua Carmelo Rangel, 816
    80420 Curitiba, PR, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 1987
    Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular Rua Afonso Celso, 1178 Vila Mariana, CEP: 04119-061 - São Paulo/SP Brazil, Tel +55 (11) 3849-0341, Tel +55 (11) 5096-0079 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: bjcvs@sbccv.org.br