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(In)visibilidade do cuidado e da profissão de enfermagem no espaço de relações

La (in)visibilidad del cuidado y de la profesión de enfermería en el espacio de relaciones

Resumos

OBJETIVO: Compreender como os profissionais de enfermagem atuantes em unidade de internação cirúrgica de um Hospital Universitário significam a visibilidade do cuidado ao outro e da profissão em seu espaço de relações. MÉTODOS: Estudo qualitativo e interpretativo. Os dados foram coletados mediante oficinas com a participação de dez profissionais de enfermagem e as falas foram submetidas à análise de conteúdo interpretados à luz do pensamento complexo. RESULTADOS: Categorias encontradas: o cuidado do outro invisível e visível na dimensão laboral; o cuidado do outro invisível e visível na dimensão familiar; a invisibilidade da enfermagem em sua categoria profissional. As relações, interações e associações humanas nos espaços organizacionais do cuidado e da prática da profissão em suas interconexões e trocas são visíveis e invisíveis. CONCLUSÃO: A visibilidade do cuidado ao outro e da profissão processa-se nas interações e trocas mobilizadas na convivência com os seres de relação nas suas múltiplas dimensões e complexidade organizacional.

Equipe de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Papel do profissional de enfermagem; Administração dos cuidados ao paciente


OBJETIVO: Comprender cómo los profesionales de enfermería, que actúan en una unidad de internación quirúrgica de un Hospital Universitario, le dan significado a la visibilidad del cuidar de otro y a la profesión de enfermería en su espacio de relaciones. MÉTODOS: Se trata de un estudio cualitativo e interpretativo. Los datos fueron recolectados mediante talleres con la participación de diez profesionales de enfermería; las declaraciones fueron sometidas al análisis de contenido e interpretadas bajo el marco teórico del pensamiento complejo. RESULTADOS: Fueron encontradas las siguientes categorías: el cuidado del otro es invisible y visible en la dimensión laboral; el cuidado del otro es invisible y visible en la dimensión familiar; y, la invisibilidad de la enfermería en su categoría profesional. Las relaciones, interacciones y asociaciones humanas en los espacios organizacionales del cuidado y de la práctica de la profesión en sus interconexiones e intercambios, son visibles e invisibles. CONCLUSIÓN: La visibilidad del cuidar de otro y de la profesión de enfermería se procesa en las interacciones e intercambios que suceden en las relaciones con los seres en sus múltiples dimensiones y complejidad organizacional.

Equipo de enfermería; Cuidados de enfermería; Papel del profesional de enfermería; Administración de los cuidados al paciente


OBJECTIVE: To understand how the nursing professionals, in a unity of surgical admission of a University Hospital, give meaning to the visibility of caring for others and to the profession of nursing, in their relations space. METHODS: Is a qualitative and interpretative study. The data were collected by means of workshops with the participation of ten professionals of nursing; and the statements were subjected to the content analysis interpreted under the theoretical frame of the complex thought. RESULTS: Were found the following categories: the invisible and visible care of others in the working dimension; the invisible and visible care of others in the familiar dimension; and, the nursing invisibility in his professional category. The relations, interactions and human associations, in the organizational spaces, where the care and the professional practice are performed, remain visible and invisible in his interconnections and exchanges. CONCLUSION: The visibility of caring for others and of the nursing profession is processed in the interactions and exchanges that happen with the beings of relation in his multiple dimensions and in the organizational complexity.

Nursing team; Nursing care; Role of the nursing professional; Administration of patient care


ARTIGO ORIGINAL

(In)visibilidade do cuidado e da profissão de enfermagem no espaço de relações* * Artigo extraído da Dissertação de Mestrado intitulada: "O significado das relações múltiplas do cuidado de si, do outro e "do nós" sob a perspectiva da complexidade" apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC- Florianópolis (SC), Brasil.

La (in)visibilidad del cuidado y de la profesión de enfermería en el espacio de relaciones

Maria Aparecida BaggioI; Alacoque Lorenzini ErdmannII

IPós-graduanda (Doutorado) em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC), Brasil. Bolsista do CNPq

IIDoutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis (SC), Brasil. Pesquisadora 1 A do CNPq

Autor Correspondente Autor Correspondente: Maria Aparecida Baggio R. Servidão Costa, 75 Florianópolis - SC - Brasil - CEP. 88036-640 E-mail: mariabaggio@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Compreender como os profissionais de enfermagem atuantes em unidade de internação cirúrgica de um Hospital Universitário significam a visibilidade do cuidado ao outro e da profissão em seu espaço de relações.

MÉTODOS: Estudo qualitativo e interpretativo. Os dados foram coletados mediante oficinas com a participação de dez profissionais de enfermagem e as falas foram submetidas à análise de conteúdo interpretados à luz do pensamento complexo.

RESULTADOS: Categorias encontradas: o cuidado do outro invisível e visível na dimensão laboral; o cuidado do outro invisível e visível na dimensão familiar; a invisibilidade da enfermagem em sua categoria profissional. As relações, interações e associações humanas nos espaços organizacionais do cuidado e da prática da profissão em suas interconexões e trocas são visíveis e invisíveis.

CONCLUSÃO: A visibilidade do cuidado ao outro e da profissão processa-se nas interações e trocas mobilizadas na convivência com os seres de relação nas suas múltiplas dimensões e complexidade organizacional.

Descritores: Equipe de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Papel do profissional de enfermagem; Administração dos cuidados ao paciente

RESUMEN

OBJETIVO: Comprender cómo los profesionales de enfermería, que actúan en una unidad de internación quirúrgica de un Hospital Universitario, le dan significado a la visibilidad del cuidar de otro y a la profesión de enfermería en su espacio de relaciones.

MÉTODOS: Se trata de un estudio cualitativo e interpretativo. Los datos fueron recolectados mediante talleres con la participación de diez profesionales de enfermería; las declaraciones fueron sometidas al análisis de contenido e interpretadas bajo el marco teórico del pensamiento complejo.

RESULTADOS: Fueron encontradas las siguientes categorías: el cuidado del otro es invisible y visible en la dimensión laboral; el cuidado del otro es invisible y visible en la dimensión familiar; y, la invisibilidad de la enfermería en su categoría profesional. Las relaciones, interacciones y asociaciones humanas en los espacios organizacionales del cuidado y de la práctica de la profesión en sus interconexiones e intercambios, son visibles e invisibles.

CONCLUSIÓN: La visibilidad del cuidar de otro y de la profesión de enfermería se procesa en las interacciones e intercambios que suceden en las relaciones con los seres en sus múltiples dimensiones y complejidad organizacional.

Descriptores: Equipo de enfermería; Cuidados de enfermería; Papel del profesional de enfermería; Administración de los cuidados al paciente

INTRODUÇÃO

O processo de cuidar em enfermagem envolve as dimensões do conhecimento/saber e da práxis, presentes no cotidiano da enfermagem. A práxis da enfermagem, como de outras profissões, é permeada de condições adversas, mas também de conquistas, pois os saberes que subsidiam a profissão são constantemente construídos, desconstruídos e reconstruídos, possibilitando o desenvolvimento e a abertura de novos caminhos, que contemplam o exercício de cidadania do profissional no desenvolvimento de suas competências e a autorrealização pessoal e profissional; condicionam a busca constante da satisfação das necessidades humanas individuais e coletivas; contribuem para o reconhecimento/valorização profissional para uma práxis que se constrói libertadora, solidária e emancipatória, integrando seres cuidadores e seres cuidados, e faz emergir o entrelaçamento de saberes e fazeres, em que o cuidado faz convergir ciência, ética, arte e estética(1).

A atuação do enfermeiro, pautada no conhecimento científico, é valorizada e reconhecida quando possibilita o respeito entre os profissionais de saúde e confiabilidade pela equipe; o atendimento de necessidades e resolução de problemas pela clientela e, pela organização institucional, quando há retorno social e financeiro advindos da atuação racional e eficaz do profissional. Assim, o termo "pouco reconhecida" abrange a relação da profissão com o meio no qual está inserida, envolvendo a própria equipe, a população e a instituição de saúde, cujo reconhecimento também advém das representações sociais e do valor atribuído às questões concretas (salário, acomodações institucionais, bens de consumo) e simbólicas (prestígio, reconhecimento e admiração)(2).

Atualmente, a profissão de enfermagem tem a fundamentação da assistência baseada no conhecimento científico, o que conduz a seu reconhecimento, diferentemente dos tempos de Florence Nightingale até meados do século XX, quando era entendida como submissa à medicina(3). Vislumbra-se o campo de conhecimento da enfermagem evoluindo em abrangência, pertinência e profundidade, com ganho de espaços e reconhecimento, tanto no âmbito regional como no internacional sustentado pelo engajamento de profissionais e pesquisadores da enfermagem em estudos e pesquisas, na busca do saber/fazer com base científica própria, promovendo visibilidade à profissão e ao profissional de enfermagem(4).

Não obstante, no exercício de suas funções, na dinâmica organização hospitalar, o profissional de enfermagem pode ter seu processo de trabalho e sua valorização comprometidos, o que lhe acarreta consequente angústia e sofrimento. O primeiro, está relacionado às inúmeras tarefas que envolvem o fazer cotidiano, pois o profissional é reconhecido como polivalente dada à falta de limitação de seu campo de atuação; o segundo, relaciona-se à remuneração insuficiente, cobrança excessiva e falta de incentivo para a capacitação(5).

Como o cotidiano do cuidar da enfermagem confronta-se com múltiplas e complexas condições de desgaste físico e psíquico, é fundamental na relação de convivência não apenas com o cliente, mas com os próprios pares, o movimento no sentido da compreensão e interação entre os seres envolvidos para a promoção do bem-estar de forma contextualizada e individualizada(6). Assim, tais atitudes poderão refletir no reconhecimento e valorização entre os pares e demais seres de relação, ampliando e dando visibilidade à profissão, ao ser humano e profissional e ao cuidado por este realizado. Com base no exposto, questiona-se: Como os profissionais de enfermagem significam a visibilidade do cuidado ao outro e da profissão em seu espaço de relações?

Este trabalho, extraído de dissertação de mestrado, teve o objetivo de compreender como os profissionais de enfermagem atuantes em unidade de internação cirúrgica de um Hospital Universitário significam a visibilidade do cuidado ao outro e da profissão em seu espaço de relações.

MÉTODOS

O estudo é do tipo qualitativo, interpretativo, desenvolvido em unidade de internação cirúrgica de um Hospital Universitário da Região Sul do País, que possui 26 leitos, conta com oito enfermeiros e 24 profissionais de enfermagem de nível médio, destinados ao perioperatório de cirurgias do aparelho digestivo, torácica e de urgência, como herniorrafia e apendicectomia. Foram participantes dez profissionais de enfermagem do sexo feminino, que autorizaram a participação voluntária, mediante esclarecimento dos objetivos e da metodologia proposta, por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina aprovou, sob o número 266/07, o projeto da pesquisa, tendo sido respeitados os aspectos éticos, envolvendo seres humanos, conforme prevê a Resolução n.º 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, em todas as etapas da pesquisa(7).

Foram realizadas cinco oficinas, com três momentos distintos, desenvolvidas por meio de um processo educativo/reflexivo/interpretativo, com temas previamente selecionados, propondo reflexão dos significados do cuidado de si, do outro e "do nós" para o "eu - profissional de enfermagem", tendo o pensamento complexo(8-9) como eixo norteador. Em cada oficina participaram, em média, sete profissionais.

O registro dos dados foi realizado, mediante gravação digital de voz e anotações de campo. Para resguardar sua identidade, as participantes foram identificadas com a letra "P", seguida do número ordinal correspondente às participações nas falas (ex.: P.1; P.2; P.3...).

Os dados foram submetidos à análise temática de conteúdo(10), seguindo três momentos distintos: foi realizada uma leitura de contato dos dados coletados, em seguida, realizaram-se várias leituras do mesmo material, visando ao maior aprofundamento das informações e consequente busca dos significados das falas dos sujeitos, sendo sinalizadas no texto as palavras-chave ou frases de significado dos conteúdos manifestos para a formação das unidades de significados; posteriormente, essas unidades de significados foram classificadas e agregadas, sendo, então, definidas e interpretadas as categorias que orientam as especificações dos temas (unidades temáticas).

RESULTADOS

A análise permitiu a identificação de três categorias que representam a (in)visibilidade do cuidado ao outro e da profissão de enfermagem nos espaços de relações do profissional de enfermagem, apresentadas a seguir.

O cuidado do outro invisível e visível na dimensão laboral

O cuidado invisível refere-se ao cuidado silencioso, espontâneo, voluntário, não explícito, evidente ou visível; não percebido pelo outro; sentido quando a profissional de enfermagem se percebe como ser humano e profissional invisível e "desvalorizada na percepção do outro" ser. No entanto, para a relação de cuidado ocorrer não é necessário conhecer a outra pessoa ou existir uma amizade que as aproxime e inter-relacione; basta ter capacidade de empatia e sentimento de solidariedade humana, condições que remetem ao cuidado humano múltiplo, não uno, como se observa na fala:

Existe o cuidado do outro sem ter uma amizade direta. Se eu vejo uma casca de banana caída no chão, e eu não junto, eu não tenho cuidado, mas se eu tiro, eu estou pensando em vários outros que eu não tenho amizade [...] (P.9).

Ações e atitudes de cuidado, quando rotineiras, não são percebidas; entretanto a ausência é vista como não cuidado. Assim, o cuidado antes invisível torna-se visível como não cuidado, quando não recebido, revelando os movimentos complexos, inquietantes, contraditórios, aparentemente, divergentes, mas inseparáveis nas relações humanas que concebem o cuidado e o não cuidado, condições ambíguas que alimentam o processo de viver humano.

Na dinâmica interação reflexiva dos significados e experiências, as profissionais apontam o cuidado visível, antes invisível no cotidiano laboral:

Como eu falei da casca de banana, se estiver no chão e ninguém retirar, vão perguntar: "Quem é que deixou isso aqui?" Mas, se alguém tirou, ninguém vai notar! (P.9).

No laboratório, tem uns tubos que ficam em cima da geladeira, que todo mundo coloca e, se ninguém tirar, o pessoal da tarde tira, sem obrigação. Mas se ficar, alguém vai notar que ficou. A gente cuida do outro sem que o outro saiba (P.5).

A própria organização do nosso ambiente de trabalho, na parte de deixar o material para o próximo turno, deixar o ambiente limpo para as pessoas que vão chegar (P.2).

A reflexibilidade articula a multidimensionalidade do cuidado, possibilitando a dialogicidade entre um e todos; integrando as incertezas e contradições do pensar complexo, de modo ao mesmo tempo complementar e antagônico; permitindo às participantes vasculharem em suas próprias experiências e condutas nos cenários do cotidiano laboral o cuidado visível e invisível.

A gente reclama de alguma coisa quando está errado, mas enquanto tem o cuidado o tempo todo, ninguém nota [...] o cuidado mais amplo, mais silencioso, que ninguém enxerga. O cuidado invisível, que é para o outro, mas o outro não está sabendo que está sendo feito para ele e, por isso, às vezes, não é expresso. Mas quando alguém deixa de fazer, deixa de cuidar do outro, isso nota, a gente sente a falta (P.9).

A reflexão sobre situações experienciadas facilitou o entendimento dos movimentos do cuidado inerentes ao mundo das participantes, seja na condição de trabalhadoras de uma organização de serviços de saúde, seja na organização familiar. Pensar e refletir criticamente sobre o contexto em que vivem e as relações que estabelecem conduziu as participantes a se perceberem "desvalorizadas na percepção do outro", como agentes de cuidado. Todavia, o sentimento de desvalia, ao mesmo tempo em que reporta a si mesmo, conduz a se colocar no lugar do outro.

O cuidado do outro invisível e visível na dimensão familiar

A organização familiar constituída pelas profissionais de enfermagem também compõe relações de cuidado invisíveis ou pouco visíveis, já citadas, porém ainda sem muita visibilidade na percepção das participantes.

As mães fazem o cuidado invisível também para os filhos. As mães reclamam do cuidado invisível, reclamam que fazem, e os filhos não valorizam, não veem (P.9).

[...] toda dedicação pela casa, pelos filhos, marido [...] (P.7).

Como lavar a roupa; se não lavar, vão reclamar que não tem roupa limpa; fazer a comida, se não fizer comida vão reclamar que não tem comida. Não é uma obrigação, mas a gente faz como se fosse uma coisa involuntária (P.5).

Nota-se que o cotidiano das profissionais de enfermagem deste estudo ainda é marcado por atividades diárias de cozinhar, limpar a casa, lavar roupas e cuidar dos filhos, embora estudiosos apontem a ocorrência de transformações significativas a partir da metade do século XX, na busca da equidade entre os gêneros, tanto na vida particular como na privada(11-13). Logo, a relação de cuidado, gênero e enfermagem, em suas diferentes esferas, permanece em processo de construção e desenvolvimento, ainda pouco visível e valorizado pela sociedade, inclusive pelos próprios filhos dessas mulheres, que não valorizam o cuidado recebido, mas reclamam sua ausência, como se fosse obrigação como mãe fazê-lo.

Não obstante, importa a essas profissionais do cuidado e do sexo feminino o lapidar ininterrupto de sua obra, tanto na vida privada como na pública, como seres humanos e profissionais, tomando consciência dos espaços e caminhos já lapidados e conquistados na trajetória do gênero e da profissão; bem como enfrentando os conflitos, as incertezas e as incompletudes que animam os movimentos contraditórios e complementares do viver complexo, necessários para compreender os fenômenos até então incompreendidos.

Invisibilidade da enfermagem em sua categoria profissional

O modelo biomédico é prevalente no senso comum, sendo a enfermagem pouco ou não reconhecida pela sociedade por seu trabalho, entendido como complementar e submisso ao do médico. O descontentamento exposto nos espaços comuns à enfermagem, como neste estudo, impossibilita a difusão das discussões sobre a prática e consequente reconhecimento da profissão e do profissional pela sociedade e pelos demais membros da equipe de saúde, gerando frustração e sentimento de desvalorização ao trabalhador.

Para as profissionais, o sentimento de valorização advém do sentir-se útil no cuidado prestado ao outro - cliente, preservado pelas características históricas do cuidado e, assim, valorizado e reconhecido socialmente(14). Evidencia-se, portanto, o contraditório e ambíguo sentido de valor, que torna complexo o entendimento, sobretudo o pouco conhecimento do outro ou de nós mesmos.

Ao ampliar a reflexibilidade, as profissionais discutem a invisibilidade das categorias do auxiliar, do técnico e do enfermeiro pelos clientes, pois, para eles, todos são enfermeiros e poucos sabem distinguir que na enfermagem existem profissionais de níveis diversos; além de possuírem entendimento inadequado ou a falta deste no que diz respeito à esfera da profissão, seu status e competências do seu saber/fazer. Essa condição é frequentemente observada na mídia, em telejornais e outros meios de comunicação e confirmada por estudos.

[...] quando a gente fala que é enfermeira e eles dizem: "Ah, mas tu não pretende estudar para ser médica? Não quer estudar mais?" (P.7).

Ah, mas tu és técnica? Mas tu és mais que enfermeira? (P.1).

Para os profissionais de comunicação, "a profissão de enfermagem é praticamente anônima e invisível nos meios de comunicação em relação a qualquer destaque de suas atribuições e realizações", desconhecendo-se os campos de atuação do enfermeiro e as categorias profissionais(15). Diante do anonimato da profissão e de sua invisibilidade perante a mídia e a sociedade, é responsabilidade da enfermagem divulgar as potencialidades, atribuições e categorias da profissão.

Além da dificuldade para distinguir as diferentes classes da enfermagem, os clientes têm dificuldade para distinguir o profissional da enfermagem de outros profissionais (nutricionistas, fisioterapeutas, médicos, assistentes social, farmacêuticos), de estudantes universitários e de estudantes de nível técnico da área da saúde, pois todos usam jaleco branco, que os uniformiza.

É, eles confundem muito! (P.8).

[...] eles (clientes) têm dificuldade para identificar qualquer profissional no hospital. Se é estudante, se é profissional [...]. Não diferenciam se tu é médico, se tu é enfermeiro, se é assistente social, se é nutricionista (P.7).

[...] para eles, tudo é enfermeiro [...] está no hospital, está de branco, tudo é enfermeiro, não tem técnico, não tem auxiliar, não tem nada [...] (P.1).

A apresentação verbal do profissional de enfermagem e/ou uso do crachá para identificação, já que outros profissionais de saúde também usam jaleco branco na instituição, seria uma forma de se diferenciar desses outros profissionais, assegurando sua identidade pessoal e profissional ao cliente. Assim, pode ser reconhecido e, portanto, visível. Contudo, algumas participantes não creem que essas medidas resolveriam a condição de invisibilidade dos profissionais da enfermagem.

Mesmo que esteja escrito (no crachá) técnico de enfermagem ou enfermeira, eles não vão saber a diferença (P.2).

Às vezes, estão internados há um mês e não sabem ao certo quem é o médico que está cuidando deles. [...]. Passa o doutorando avaliando de manhã, passa o R1 (médico residente1), o R2 (médico residente2) da equipe. Então, às vezes, eles atacam a gente (enfermagem): "Ah, você é o doutor, que dia eu vou de alta?" (P.7).

Conforme o próximo depoimento, o cliente não tem obrigação de saber a diferença entre um e outro profissional, pois essa distinção deve ser realizada pelos próprios profissionais.

Eles (clientes) não têm a obrigação de saber, quem tem que saber a diferença somos nós (P.9).

Ademais, além do não uso de identificação escrita _ não verbal - por meio do nome e profissão visíveis no crachá ou mesmo bordados no jaleco, a comunicação verbal é falha, como refere esta participante:

Eu digo "boa-tarde! Tudo bem?" Não digo meu nome [...] geralmente, a gente não diz. A gente diz: "Eu sou técnica, eu vou cuidar do senhor." (P.1).

Na fala P.1 manifesta seu grau de habilitação, que é técnica, mas técnica em quê/do quê? Qual seu nome? Como se queixar da invisibilidade se a protagonista do cuidado - a profissional de enfermagem - não reconhece a oportunidade de interação com o cliente, como momento importante para se tornar visível pelo outro?

Considera-se importante ser disponibilizada ao cliente, seja por meio do crachá, seja da comunicação não verbal ou verbal, a identificação da pessoa/profissional que lhe presta o cuidado, porque não é possível ao cliente perceber sujeitos ou profissões que desconhece. A prática do uso do crachá não é habitualmente utilizada por algumas profissionais, como justifica P.9: Porque crachá não é cultura da gente estar lendo... Contudo, as profissionais que propiciam sua identificação pessoal e profissional revelam satisfação e valorização pelo outro.

[...] a gente pensa que ninguém lê, mas as pessoas leem o nome da pessoa (bordado no jaleco). Eu noto que chamam: "Fulana!" Chama atenção! (P.4).

Sempre que te chamam pelo nome, tu se sente valorizada (P.8).

A identidade do profissional é construída por meio do que o outro identifica como produto da relação, "através de seus valores (social e subjetivamente atribuídos), caracteres de qualidade e quantidade (forma e conteúdo que constituem seus atributos) e realizações (para o que serve e o que faz)"(16). Tornar o cotidiano da enfermagem conhecido, permite ao outro a identificação do papel desempenhado e do produto do trabalho, contribuindo para a construção, identificação, bem como para a ruptura da imagem da enfermagem não condizente com a realidade oriunda dos significados e julgamentos de valor tecidos.

DISCUSSÃO

Os profissionais de enfermagem, na multidimensionalidade do cuidar de si e do outro, devem considerar as expressões de afeto, as ações de cuidado e de respeito, processando a capacidade de empatia e a manifestação de atitudes solidárias, que aproximam e facilitam a interação entre os seres. Essas ações devem ser adotadas, para que o profissional não fique estagnado na sua condição de ser, não perca a consciência da sua capacidade de construir o próprio caminho, tendo em mente que é no cuidar que está a essência da profissão e do profissional(6).

As profissionais deste estudo vivenciam e compartilham pouca visibilidade e desvalorização de seu trabalho, tanto em nível privado (eu - ser humano) como em nível público (eu - profissional). Seu trabalho na área da enfermagem, com especificidade ímpar, associado às demais tarefas cotidianas, como mulheres e mães, conduz a que se sintam consumidas e desvalorizadas(5).

Ser do sexo feminino ou masculino remete a percepções diferentes em relação a mulheres e homens, construídas com base em suas experiências e vivências pessoais, dadas as condições históricas e culturais, em determinado espaço e tempo. As diferenças de gênero são construídas, além da identificação sexual no momento do nascimento, na relação do ser com a cultura e com a sociedade, representada sobretudo pela família, escola, religião, trabalho(11). Tais diferenças orientam o comportamento humano na inter-relação com outros seres.

A invisibilidade ao profissional do sexo feminino na organização familiar relaciona-se ao lugar interno que ocupa, ao responsabilizar-se ou ser responsabilizada pelos afazeres da casa e cuidado dos filhos. Este cuidar envolve o privado, a família, onde, geralmente, são as mulheres as responsáveis pelo cuidar dos filhos, dos maridos e parentes, com raras exceções(11).

O processo interpessoal de comunicação, quando positivo, promove visibilidade do sujeito. Para tanto, é preciso que o objetivo do que se quer comunicar seja atingido, no caso, pelos profissionais de enfermagem. Se o objetivo for tornar-se visível pelo outro, pessoal ou profissionalmente, pressupõe-se para isso que os profissionais tenham consciência dos comportamentos verbais e não verbais nas interações; comuniquem com clareza e objetividade a mensagem que querem transmitir; sintam-se motivados para comunicar, reconhecendo a enfermagem como um processo interpessoal, simbólico e complexo(17). Dada sua complexidade, a enfermagem comunica, ensina e aprende, interage, favorece trocas e permite abertura à dialogicidade, condições fundamentais para o entendimento, a reflexividade, podendo tornar-se visível enquanto interage com o outro(8).

Com base nos resultados, algumas inquietações são lançadas a título de reflexão: Seria a invisibilidade do profissional de enfermagem, conforme sua categoria de classe, formação e competências um reflexo da não valorização pelo próprio profissional desses aspectos? Será que o crachá realmente não é visualizado pelo outro - cliente ou mesmo pelo outro - profissional que circula nos espaços da organização? Seria o uso do crachá uma possibilidade de tornar-se visível? Como ampliar a visibilidade do profissional de enfermagem na área da saúde e socialmente? Como mudar essa realidade? Como possibilitar ao cliente a identificação correta dos profissionais que o assistem? Como se tornar visível perante o outro, o cliente e seus familiares?

Entende-se que é o próprio profissional o responsável por construir a identidade da enfermagem, impulsionando-a a valorização de ações voltadas à promoção do conhecimento, reconhecimento e visibilidade pelo outro, o cliente e sua família, no desenvolver sua competência sociopolítica nos espaços do cuidado.

Visando ao despertar da consciência crítica do profissional em relação à construção cotidiana do fazer, saber e ser, importa o cuidado à profissão do cuidado que possibilite ao profissional de enfermagem conquistar o prestígio que lhe é digno. "Além do ensino e da pesquisa, considera-se importante a organização política da profissão, uma vez que, por meio do fortalecimento desta, alcançar-se-á uma representatividade social importante", que dê à atuação do profissional a visibilidade almejada. Para isso, importa mudança de atitude dos que constituem a profissão e que almejam tornar-se conhecidos e reconhecidos pela sociedade como seres de saber/fazer, em abrangência que dignifique a profissão e o profissional(18).

As relações, interações e associações humanas nos espaços organizacionais do cuidado e da prática da profissão em suas interconexões e trocas que são visíveis e invisíveis. São muitas as brechas para ir além, e pelo olhar da complexidade organizacional, pode se tornar mais visível a compreensão de relações nos espaços da atuação ou prática profissional da enfermagem.

CONCLUSÃO

O estudo apresenta o cuidado do outro invisível e visível nas dimensões laboral e familiar e a invisibilidade da enfermagem em sua categoria profissional. As profissionais percebem-se, como ser humano e profissional, em nível público e privado, invisíveis e desvalorizadas na percepção do outro como agentes de cuidado. Contudo, a visibilidade do cuidado ao outro e da profissão se processa nas interações e trocas mobilizadas na convivência com os seres de relação em suas múltiplas dimensões e complexidade organizacional.

As diferentes categorias da enfermagem não são conhecidas e distinguidas pelos clientes, sendo todos profissionais considerados enfermeiros, ou seja, invisíveis nas múltiplas esferas da profissão. Em contrapartida, o sentimento de valorização advém do sentir-se útil no cuidado do outro - cliente, preservado pelas características históricas do cuidado, evidenciando-se o contraditório e o ambíguo sentido de valor em sua complexidade.

Entendemos que o profissional é responsável pela formação da identidade, da imagem, representação, valorização, conhecimento/reconhecimento e visibilidade da sua profissão. Para que a enfermagem seja mais visível pela sociedade e pelos clientes, em abrangência e representatividade, cabe aos profissionais educar e difundir o conhecimento de suas ações e sua importância para o outro, embora muito já se tenha avançado e conquistado.

A compreensão da complexidade que envolve a profissão continua sendo um grande desafio para reflexão, questionamentos e inquietações. Assim, importa que nas relações estabelecidas com o outro, nós, trabalhadores da enfermagem, reconheçamos essa complexidade e sejamos compelidos a fortificar, a cada dia, nossa aptidão ou capacidade de reconhecer as (in)visibilidades da profissão, que são, ao mesmo tempo, contraditórias e complementares entre si, enfrentando-as dialogicamente diante da incapacidade de certezas absolutas.

Artigo recebido em 04/11/2009 e aprovado em 06/08/2010

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  • Autor Correspondente:
    Maria Aparecida Baggio
    R. Servidão Costa, 75
    Florianópolis - SC - Brasil - CEP. 88036-640
    E-mail:
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    Artigo extraído da Dissertação de Mestrado intitulada: "O significado das relações múltiplas do cuidado de si, do outro e "do nós" sob a perspectiva da complexidade" apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC- Florianópolis (SC), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Nov 2009
    • Aceito
      06 Ago 2010
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