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Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas

Resumos

Este artigo resume o processo de validação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), realizado entre 2003 e 2004 em cinco unidades da federação. Foi um estudo colaborativo com uma primeira fase qualitativa constituída por quatro painéis de especialistas e 11 grupos focais em comunidades pobres, e uma segunda, quantitativa, com inquéritos em amostras intencionais de populações de estratos sociais diversos. O texto enfatiza o grau de compreensão que a população tem dos conceitos contidos na escala, o que mostra sua adequação à realidade brasileira. A partir desse trabalho, o Brasil passa a contar com um instrumento de medida direta da insegurança alimentar e da fome, de alta validade, fácil aplicação e baixo custo.

Segurança alimentar; Fome; Escala; Validação


This paper brings the validation process of the Brazilian Scale to measure food insecurity (Ebia), which has been conducted from 2003 through 2004. It was a collaborative study that took place in five Brazilian States and was carried out initially with a qualitative method, bringing up the opinion of four specialists panels and also eleven focus groups to evaluate the comprehension of concepts by participants living in poor communities. The second phase comprised five surveys that used convenience samples of different social strata of the population. The high understanding of the study population about the scale concepts and contents is emphasized, showing it’s adequacy to Brazilian reality, meaning that the country can now rely on an instrument to direct measuring food insecurity and hunger with high internal and external validity, easy to use and of low cost application.

Food security; Hunger; Scale; Validation


ALIMENTAÇÃO E EDUCAÇÃO II

Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas

Ana Maria Segall Corrêa

RESUMO

Este artigo resume o processo de validação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), realizado entre 2003 e 2004 em cinco unidades da federação. Foi um estudo colaborativo com uma primeira fase qualitativa constituída por quatro painéis de especialistas e 11 grupos focais em comunidades pobres, e uma segunda, quantitativa, com inquéritos em amostras intencionais de populações de estratos sociais diversos. O texto enfatiza o grau de compreensão que a população tem dos conceitos contidos na escala, o que mostra sua adequação à realidade brasileira. A partir desse trabalho, o Brasil passa a contar com um instrumento de medida direta da insegurança alimentar e da fome, de alta validade, fácil aplicação e baixo custo.

Palavras-chave: Segurança alimentar, Fome, Escala, Validação.

O TRABALHO que apresentamos foi realizado de abril de 2003 a dezembro de 2004 e é resultado de um grande esforço de cinco instituições de pesquisa do Brasil. Além da equipe com a qual trabalho no Departamento de Medicina Preventiva e Social da Unicamp, participaram pesquisadores do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília, da Universidade Federal da Paraíba, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Universidade Federal de Mato Grosso.

Trata-se da validação de um instrumento de medição direta de segurança alimentar que originalmente foi desenvolvido na Universidade Cornell (Radimer et al., 1992), como pesquisa qualitativa e quantitativa, e que depois, junto com outros projetos de avaliação nutricional de crianças nos Estados Unidos (Wehler et al., 1992), sofreu uma série de adaptações, gerando a escala que é utilizada pelo censo americano para avaliação de segurança alimentar (Bickel et al., 2000).

Tomamos a escala original, composta de dezoito itens, e realizamos um trabalho qualitativo e quantitativo de validação para a realidade brasileira, no contexto dos Estados onde estão as instituições que mencionei (Segall-Corrêa et al., 2004; Perez-Escamilla et al., 2004). Assim surgiu a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia). Esperamos trazer um pouco da nossa vivência no projeto, sobretudo na etapa de investigação qualitativa. Organizamos grupos focais tanto para população urbana como para população rural, e com isso pudemos escutar, pudemos ouvir pessoas que residiam em áreas muito carentes daquelas regiões do Brasil. Nossa suposição era de que tinham experiência de insegurança alimentar ou fome, que tinham passado por isso em algum momento da vida, e que, portanto, poderiam trazer contribuições relevantes para o desenvolvimento de um instrumento de medida da insegurança alimentar (IA) adequado à realidade brasileira.

Orientando o trabalho, assumimos uma definição adotada no Brasil a partir da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada em Olinda, no Estado de Pernambuco (Consea, 2004). Segundo recomendações dessa conferência, segurança alimentar é a garantia do direito de todas as pessoas a ter acesso a alimento de qualidade adequada, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis, de tal modo que esse acesso não comprometa outras necessidades consideradas básicas e que se realize de forma sustentável. Isso significa que não se admite, por exemplo, que as pessoas tenham de lançar mão de atos ilegais, como roubos; significa também que se considera socialmente inaceitável que elas vivam longos períodos sustentadas por cestas básicas, por outros tipos de ajuda ou outros arranjos.

Os elementos dessa definição levantam a necessidade de identificarmos indicadores que meçam desde o direito de acesso ao alimento até as condições concretas desse acesso, vale dizer: nenhum indicador, isoladamente, consegue dar conta de suas múltiplas dimensões.

Na verdade, quando se discute segurança alimentar, o que está implícito é que haja condições de vida e condições nutricionais adequadas. O Quadro 1 mostra sinteticamente como se realiza a segurança alimentar e o caminho até a segurança nutricional. Para cada nível – global, nacional, domicílio e indivíduo, pessoa – dispomos de indicadores que são tradicionalmente utilizados; a partir do final da década de 1980, e mais intensamente a partir da década de 1990, passamos a ter também a avaliação familiar com base num indicador direto, isto é, passamos a obter informações sobre a condição de segurança ou insegurança entrevistando uma pessoa da própria família.


Assim, seguindo a lógica da determinação da segurança nutricional, passando pela mediação da segurança alimentar, temos no nível global os indicadores que medem a disponibilidade de alimentos, em geral transformada em disponibilidade calórica per capita, e que são também usados nacionalmente. Os indicadores de disponibilidade domiciliar de alimentos, em geral capturados em pesquisa de gastos familiares, a exemplo dos indicadores de renda, são estimadores indiretos de segurança alimentar no domicílio ou do indivíduo. Também no âmbito do domicílio está o indicador de percepção da segurança/insegurança alimentar, que é a medida direta dessa condição na família ou no domicílio. Já os indicadores antropométricos constituem medidas diretas do estado nutricional, sendo, entretanto, indiretos para medir a segurança ou insegurança alimentar.

A disponibilidade calórica, indicador calculado a partir da disponibilidade dos alimentos no país, avalia o que é produzido, importado e exportado, o que vai para ração animal e mesmo o desperdício estimado. É um balanço da disponibilidade, e esse balanço é cotejado com o número de possíveis consumidores dos alimentos, a população do país. É um indicador muito útil para o estudo de séries históricas da disponibilidade de alimentos. O único problema é que ele fornece informações geralmente de abrangência nacional, sendo por isso mesmo inadequado para definir os grupos mais vulneráveis à insegurança alimentar e à fome no âmbito de regiões específicas, de municípios ou grupos populacionais do país.

Observação semelhante pode ser feita em relação aos gastos no domicílio com a compra de alimentos – portanto, num nível de determinação da segurança alimentar centrado nas famílias. Esse indicador traz informações muito importantes, por medir o quanto da renda familiar é comprometido com a compra de alimentos, o que nos permite não apenas estimar o quanto a família consome, mas também presumir a qualidade da dieta, pelo tipo de compra. No Brasil já temos uma série histórica da Pesquisa de Orçamento Familiar, a POF (IBGE, 2005). Uma desvantagem desse indicador é o fato de ele analisar a disponibilidade no domicílio e não necessariamente o consumo dos alimentos, nem sua distribuição intrafamiliar. Outro ponto a assinalar: as POF são muito caras.

O indicador de renda, de grande utilidade para definir beneficiários dos programas sociais, também apresenta problemas. Em geral são definidas linhas de pobreza usando-se a renda e os gastos com itens de necessidades básicas para estabelecer pontos de corte, abaixo dos quais estariam os indivíduos ou as famílias socialmente vulneráveis e, portanto, sob risco de insegurança alimentar ou fome. Entretanto, há famílias que, embora abaixo da linha de pobreza, por alguma circunstância estão em segurança alimentar – e o oposto também é verdadeiro.

A medida antropométrica é um indicador importante do estado nutricional, porém avalia a segurança alimentar de forma indireta. Basta lembrar um tema de discussão muito atual no Brasil: a associação da pobreza com sobrepeso e mesmo com obesidade. Podemos obter valores normais de peso, altura e índice de massa corporal (IMC) em famílias que estão vivendo em situação de IA. Podemos encontrar tanto crianças desnutridas como crianças obesas vivendo em situação de segurança alimentar. Ou seja, mesmo não havendo restrição calórica, a qualidade da dieta está comprometida, e, nesse caso, também a segurança da alimentação, o que confirma os limites da antropometria para estimativas de segurança ou insegurança alimentar (Drewnowski & Specter, 2004).

Foi essa situação que levou os pesquisadores do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos a pensarem outras formas de avaliar ou medir a segurança alimentar, surgindo então a idéia de uma escala de medida da percepção da IA que hoje está bastante difundida em inúmeros países, mesmo do Terceiro Mundo, e representa um indicador de alta confiabilidade e consistência, sendo um recurso de baixo custo e fácil uso para identificação de famílias sob risco de IA.

Vale lembrar que a insegurança alimentar decorre de falta de qualidade e de quantidade dos alimentos, mas gostaria de chamar a atenção para um aspecto abordado por Rosana Salles da Costa em seu artigo publicado nesta edição: na insegurança alimentar existem também componentes psicológicos importantes, como a preocupação, a incerteza sobre a família ter ou não alimento no próximo mês. Para nós, esse é um aspecto altamente significativo, e vemos que ele aparece de maneira marcante na fala das pessoas. Vivemos um quadro de grande instabilidade social, com desemprego muito alto; assim, mesmo quem nunca passou por situações de insegurança ou de fome pode, em tais circunstâncias, sentir-se na iminência de viver essa experiência, o que pode levar à depressão e à ansiedade, entre vários outros problemas.

Há também o fato de que na família o alimento compete com outras necessidades básicas. Quando se estuda apenas a renda, não se atenta para a circunstância de que as pessoas podem optar primeiro por pagar o aluguel, a luz ou o transporte e só depois comprar o alimento. Essa é uma situação que temos verificado freqüentemente nos nossos estudos qualitativos.

Preparamos um relatório de pesquisa que, embora muito sucinto (o objetivo era que fosse lido pelas autoridades), dá idéia do que é o questionário usado no projeto e de como transcorreu o processo de validação. (O relatório está disponível na internet, no site da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) www.opas.org.br/.) Das dezoito perguntas do original americano, mantivemos quinze. A versão americana na verdade não constituía propriamente um questionário, mas uma espécie de roteiro com afirmações como esta: "Sabemos que em algumas famílias a comida acaba antes de haver dinheiro para comprar mais. Na sua família isso acontece e com que freqüência". Especialistas e participantes dos grupos focais no Brasil preferiram o formato de perguntas diretas.

A escala avalia inicialmente a preocupação (Gráfico 1). Depois, há um construto que avalia sobretudo a qualidade da alimentação da família. Em seguida, passa-se para a deficiência em termos quantitativos, havendo aqui dois subgrupos: deficiência ou insuficiência de alimento para os adultos da família e deficiência ou insuficiência para as crianças.


Conforme o artigo de Rosana Salles da Costa, há outra forma interessante de tratamento de dados, mas existe certa rotina nesse tipo de análise, isto é, a partir do estabelecimento de pontos de corte estabelecem-se gradientes de gravidade da insegurança alimentar. Ocorre então que as perguntas do questionário têm um ordenamento, obedecem a uma seqüência de conceitos já testada em vários estudos, incluindo os brasileiros, o que não recomenda a análise de perguntas isoladas. Estamos, contudo, numa fase inicial de utilização dessa escala, e certamente é muito proveitoso que todas as possibilidades de análise sejam exploradas.

Temos quatro níveis na escala:

  • Segurança alimentar.

  • Insegurança alimentar leve.

  • Insegurança alimentar moderada.

  • Insegurança alimentar grave.

No nível de segurança, todas as perguntas são respondidas negativamente, temos zero de respostas positivas. Na insegurança leve, de uma a cinco perguntas são respondidas afirmativamente, e nesse nível o aspecto mais afetado é a qualidade da alimentação, juntamente com a preocupação de que possa faltar alimento no futuro próximo. Na insegurança moderada, temos de seis a dez respostas positivas; começa a haver restrição quantitativa na alimentação dos adultos da família. Por último, na insegurança grave, temos de onze a quinze respostas afirmativas ao questionário – aqui aparece deficiência quantitativa e mesmo fome entre adultos e crianças da família.

Na fase qualitativa deste estudo, promovemos discussões exaustivas com especialistas e, em seguida, com os grupos focais, dos quais participaram pessoas que, por sua situação social, poderiam ter experimentado insegurança alimentar. Nessa etapa, avaliamos a validade interna das perguntas, sua consistência interna, a compreensão dos seus significados. Na seqüência, desenvolvemos uma etapa quantitativa, com pré-teste do questionário e comparação dos resultados obtidos com os estratos de renda e padrão de consumo de alimentos. Esse procedimento permitiu o teste de validade externa da escala.

Pretendemos agora mostrar por que a percepção pode ser tomada como medida valiosa para a análise da segurança alimentar. A percepção é um fenômeno subjetivo, mas pode ser objetivamente quantificada e usada como recurso de monitoramento. Para tornar mais claro esse ponto, apresentaremos alguns exemplos do que as pessoas disseram nos grupos focais. Ao todo, contando a área rural e a urbana, foram onze grupos, com uma média de dez pessoas em cada um deles. Foi uma atividade bastante exaustiva, e muito heterogênea em relação à localidade e a contextos sociais e culturais. Fica evidente, nessas falas, que as pessoas têm noção de que o direito à alimentação faz parte do seu cotidiano (Sampaio et al., 2006). Infelizmente, aqui não teremos como explorá-las, mas acredito que os exemplos são expressivos por si mesmos.

Sobre a garantia do direito de todos ao acesso aos alimentos:

  • "não tenho segurança que no fim do mês eu vou ter dinheiro pra fazer compra."

  • "Eu acho que qualquer cidadão tinha que ter o suficiente pra se manter. Eu tenho alguns amigos que falam: ... eu trabalho o dia inteiro, a semana inteira, e não sobra nem pra eu comer!"

  • "Pois é, acho que [segurança alimentar] é tudo isso aí, um direito de ter essas coisas..."

  • "Quando precisa pedir ajuda é sinal que a situação está pior."

  • "A pior situação é que não tem emprego, casa, sem marido, e as crianças na rua pedindo esmola porque a mãe e o pai não têm dinheiro."

A compreensão sobre o acesso aos alimentos também se evidencia:

  • "Tem muitas pessoas que não têm segurança. Por exemplo, eu tenho pra esse mês, mas e o mês que vem? Segurança pra mim é essa coisa de ficar seguro. Por exemplo, quem tem a terra pra trabalhar, com a terra ele tá seguro... a terra sendo o alimento... não ter aonde..."

  • "Eu me preocupo todo dia, mesmo que tem alguma coisa em casa, eu penso ai, meu Deus, será que vai faltar? Eu me preocupo todo dia, eu levanto da cama me preocupando."

Sobre cesta básica (a frase foi ouvida no Nordeste):

  • "Eu recebo cesta básica, todos nós aqui recebemos cesta básica, mas eu não quero receber cesta básica, eu quero ter trabalho."

Sobre a alimentação de qualidade:

  • "Então também tem todo tipo de alimento, arroz, feijão..."

Sobre quantidade suficiente:

  • "Que não falte, que dê pra todo mundo, um pouquinho pra cada um. Então dá até o fim do mês."

Sobre o significado de "básico":

  • "Não quer dizer que seja suficiente. A gente agüenta com o básico mas precisa de um pouco mais."

A fome se expressa como situação social, tal como objetiva a escala de medida:

  • "a fome dói, panela virada, geladeira sem nada, nem ovo pra suprir o estômago."

  • "Acho que a coisa mais triste é a fome..."

  • "é a pior das violências."

  • "eu já passei, eu sei como é triste."

Outros dois aspectos chamaram muita a atenção. As pessoas têm consciência da questão da segurança do alimento também como uma condição de insegurança alimentar. Além disso, o acesso aos alimentos e a forma sustentável de obtê-los entram realmente num contexto muito mais amplo: "Nós estamos com fome – fome de não ter como viver, de não ter onde trabalhar, de não conseguir mandar as crianças para a escola".

No processo de validação da escala, nós obedecemos a todos os critérios recomendados internacionalmente, mas gostaríamos de comentar uma situação particularmente interessante. O Gráfico 1 traz o resultado de um inquérito feito em Campinas e em Brasília quase na mesma época, com famílias que têm crianças e adolescentes em sua composição. São duas cidades com perfil social, perfil de renda e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito parecidos, são populações muito semelhantes, mas, ainda assim, não deixamos de nos surpreender ao constatar o comportamento homogêneo da escala nos dois lugares. Os porcentuais de respostas positivas são muito próximos, mostrando que as pessoas respondem à escala da mesma forma, com a mesma consistência. Isso nos dá uma grande segurança.

As amostras de Brasília e Campinas são representativas da população de famílias com crianças em sua composição (Panigassi, 2005; Leão, 2005), diferentemente das amostras investigadas no processo de validação da escala, que foram amostras intencionais. Na validação escolhemos áreas em que podíamos ter garantia de que haveria famílias de estratos variados – classe média, classe média baixa, pobres e muito pobres –, pois queríamos saber se a escala se comportaria da forma esperada em relação à renda e ao consumo de alimentos. A expectativa era que pessoas com insegurança mais grave tivessem mais baixa renda e alimentação menos adequada. Trata-se de um critério de validação externa, e efetivamente, nos Estados que estudamos, vimos que a escala mostrou validade externa bastante grande.

Um único problema ocorre em relação às áreas rurais, porque ali a renda é muito baixa e por isso não formamos estrato, isto é, o número de pessoas era insuficiente para compor faixas de renda heterogêneas. Assim, sobretudo no Amazonas e em Goiás, verificamos um comportamento um pouco divergente, ou não tão linearmente distribuído como nas áreas urbanas, sugerindo que para a zona rural talvez a renda não seja o indicador mais adequado. Entretanto, em todas as regiões estudadas, constatamos um gradiente de redução da insegurança alimentar grave à medida que aumenta a renda.

Em outro exemplo (Gráfico 3), vemos como a insegurança se comporta em relação ao consumo de determinados alimentos – aqui, apenas consumo de frutas e verduras. Observa-se uma distribuição do consumo em razão dos níveis de segurança/insegurança alimentar, há concordância nas respostas: à medida que se acentuam as condições de IA, o consumo de frutas e verduras vai de fato caindo. Esse comportamento é uniforme em todas as regiões, exceto no Amazonas. Como Lucia Yuyama sempre lembra, no Amazonas a pesquisa foi feita na época da abundância; fora desse período, segundo ela, os resultados não seriam esses. Considerando o conjunto, surge claramente uma associação quase linear em relação aos gradientes de segurança alimentar e ao consumo de frutas e verduras. Esse padrão se repete para consumo de carne, leite e derivados de leite.


O trabalho que apresentamos permite concluir que, hoje, no Brasil, dispomos de uma escala válida para monitorar as condições de segurança alimentar no país – uma escala com grande consistência interna e externa, de fácil aplicação e baixo custo. Atualmente há vários projetos em andamento que já a utilizam, mas ela sem dúvida será aprimorada à medida que for sendo usada, tal como continua a ocorrer com a escala americana. Assim, é muito importante que mais pesquisadores se interessem em aplicá-la, em testá-la em populações específicas, em grupos definidos, em municípios pequenos. São muitas as possibilidades de pesquisa que ela oferece.

Recebido em 22.5.2006 e aceito em 10.7.2006.

Ana Maria Segall Corrêa é médica sanitarista e epidemiologista, docente do Departamento de Medicina Preventiva e Social (Laboratório de Aplicação em Epidemiologia – Lape) da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. @ – segall@fcm.unicamp.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007

Histórico

  • Aceito
    10 Jul 2006
  • Recebido
    22 Maio 2006
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