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Modulação da pressão intracraniana em um modelo experimental de hipertensão abdominal e lesão pulmonar aguda

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o efeito de alterações hemodinâmicas, respiratórias e metabólicas sobre a pressão intracraniana em um modelo de lesão pulmonar aguda e síndrome compartimental abdominal. MÉTODOS: Oito porcos Agroceres foram submetidos, após a instrumentação, a cinco cenários clínicos: 1) estado basal com baixa pressão intra-abdominal e pulmão sadio; 2) pneumoperitôneo, com pressão intra-abdominal de 20 mm Hg; 3) lesão pulmonar aguda induzida por lavagem pulmonar e desativação de surfactante; 4) pneumoperitôneo com pressão intra-abdominal de 20 mm Hg na vigência de lesão pulmonar aguda e com PEEP baixo; e 5) PEEP ajustado a 27 cm H2O na vigência de pneumoperitôneo e lesão pulmonar aguda. Variáveis respiratórias e hemodinâmicas foram coletadas. Análise multivariada foi realizada buscando as variáveis associadas com elevação da pressão intracraniana nos cinco cenários estudados. RESULTADOS: Após a análise multivariada, nas situações não associadas com lesão pulmonar aguda apenas a pressão de platô das vias aéreas se correlacionou positivamente com a pressão intracraniana. Nos modelos associados com lesão pulmonar aguda, a pressão de platô de vias aéreas, a pressão arterial de CO2, o CO2 no final da expiração e a pressão venosa central se correlacionaram positivamente com incrementos da pressão intracraniana. CONCLUSÃO: Em um modelo de disfunção orgânica múltipla com situações clínicas associadas com aumento da pressão torácica e abdominal, o incremento da pressão intracraniana desencadeado pela elevação da pressão abdominal parece ser decorrente da piora da complacência do sistema respiratório e da redução do gradiente para drenagem venosa cerebral ocasionado pela elevação da pressão venosa central.

Lesão pulmonar aguda; Respiração artificial; Sindromes de compartimento; Pressão intracraniana; Modelos animais de doenças; Unidades de terapia intensiva; Suínos


OBJECTIVE: To evaluate the effects of hemodynamic, respiratory and metabolic changes on intracranial pressure in a model of acute lung injury and abdominal compartment syndrome. METHODS: Eight Agroceres pigs were submitted to five different clinical scenarios after instrumentation: 1) a baseline condition with low intra-abdominal pressure and healthy lungs; 2) pneumoperitoneum with 20 mmHg intra-abdominal pressure; 3) acute lung injury induced by pulmonary lavage with surfactant deactivation; 4) pneumoperitoneum with 20 mmHg intra-abdominal pressure with lung pulmonary injury and low positive end-expiratory pressure; and 5) 27 cmH2O positive end-expiratory pressure with pneumoperitoneum and acute lung injury. Respiratory and hemodynamic variables were collected. A multivariate analysis was conducted to search for variables associated with increased intracranial pressure in the five scenarios. RESULTS: Only plateau airway pressure showed a positive correlation with intracranial pressure in the multivariate analysis. In the models with acute lung injury, plateau airway pressure, CO2 arterial pressure, end tidal CO2 and central venous pressure were positively correlated with increased intracranial pressure. CONCLUSION: In a model of multiple organ dysfunction with associated clinical conditions causing increased intra-thoracic and abdominal pressure, increased intracranial pressure triggered by elevated intra-abdominal pressure is apparently caused by worsened respiratory system compliance and a reduced brain venous drainage gradient due to increased central venous pressure.

Respiration, artificial; Acute lung injury; Compartment syndromes; Intracranial pressure; Diseases models, animal; Intensive care units; Swine


ARTIGO ORIGINAL

Modulação da pressão intracraniana em um modelo experimental de hipertensão abdominal e lesão pulmonar aguda

Fernando Godinho ZampieriI,II; Juliana Roberta AlmeidaIII; Guilherme Pinto de Paula SchettinoIII; Marcelo ParkI,III; Fabio Santana MachadoIII; Luciano Cesar Pontes AzevedoI,III

IUnidade de Terapia Intensiva, Disciplina de Emergências Clínicas, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIUnidade de Terapia Intensiva, Hospital Alemão Oswaldo Cruz - São Paulo (SP), Brasil

IIIInstituto de Ensino e Pesquisa, Hospital Sírio-Libanês - São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Fernando Godinho Zampieri Secretaria da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 CEP: 05403-000– São Paulo (SP), Brasil. Fone: (11) 9600-8428 E-mail: fgzampa@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o efeito de alterações hemodinâmicas, respiratórias e metabólicas sobre a pressão intracraniana em um modelo de lesão pulmonar aguda e síndrome compartimental abdominal.

MÉTODOS: Oito porcos Agroceres foram submetidos, após a instrumentação, a cinco cenários clínicos: 1) estado basal com baixa pressão intra-abdominal e pulmão sadio; 2) pneumoperitôneo, com pressão intra-abdominal de 20 mm Hg; 3) lesão pulmonar aguda induzida por lavagem pulmonar e desativação de surfactante; 4) pneumoperitôneo com pressão intra-abdominal de 20 mm Hg na vigência de lesão pulmonar aguda e com PEEP baixo; e 5) PEEP ajustado a 27 cm H2O na vigência de pneumoperitôneo e lesão pulmonar aguda. Variáveis respiratórias e hemodinâmicas foram coletadas. Análise multivariada foi realizada buscando as variáveis associadas com elevação da pressão intracraniana nos cinco cenários estudados.

RESULTADOS: Após a análise multivariada, nas situações não associadas com lesão pulmonar aguda apenas a pressão de platô das vias aéreas se correlacionou positivamente com a pressão intracraniana. Nos modelos associados com lesão pulmonar aguda, a pressão de platô de vias aéreas, a pressão arterial de CO2, o CO2 no final da expiração e a pressão venosa central se correlacionaram positivamente com incrementos da pressão intracraniana.

CONCLUSÃO: Em um modelo de disfunção orgânica múltipla com situações clínicas associadas com aumento da pressão torácica e abdominal, o incremento da pressão intracraniana desencadeado pela elevação da pressão abdominal parece ser decorrente da piora da complacência do sistema respiratório e da redução do gradiente para drenagem venosa cerebral ocasionado pela elevação da pressão venosa central.

Descritores: Lesão pulmonar aguda; Respiração artificial; Sindromes de compartimento; Pressão intracraniana; Modelos animais de doenças; Unidades de terapia intensiva; Suínos

INTRODUÇÃO

O aumento de pressões dentro de compartimentos é uma causa importante de disfunção orgânica e é associado com maior mortalidade em pacientes graves. (1-4) A síndrome compartimental múltipla, ou seja, a elevação pressórica de vários compartimentos ocasionando insuficiência de órgão ou sistema é uma entidade clínica que recentemente começou a ser descrita na literatura.(1,5) Várias situações na doença critica podem se associar com aumento de pressões em compartimentos, incluindo a ventilação com pressão positiva, a infusão de grandes alíquotas de fluidos e variações no conteúdo vascular de sangue.(1)

O efeito da doença critica sobre a pressão intracraniana (PIC) fora do contexto de insultos cerebrais agudos é pouco estudado na literatura. Sabemos que variações de pressão intratorácica (PIT) e intra-abdominal (PIA) podem influenciar no valor da PIC.(6-8) Entretanto, a magnitude deste efeito e sua relevância clínica fora da doença neurológica aguda são desconhecidas.

O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito de alterações hemodinâmicas, respiratórias e metabólicas sobre a pressão intracraniana em um modelo de lesão pulmonar aguda e síndrome compartimental abdominal já validado.

MÉTODOS

Instrumentação e período de estabilização

Este estudo foi realizado no laboratório de experimentação em anestesiologia e medicina intensiva do instituto Sírio Libanês de pesquisa e ensino. Todos os procedimentos experimentais envolvendo animais foram realizados em conformidade com as diretrizes do Instituto Nacional de Saúde para cuidados e uso de animais de laboratório e as recomendações da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento (SBNeC). Oito porcos fêmea Agroceres (peso 38 kg ±5 kg, 35–42 kg) foram submetidos a jejum durante uma noite com livro acesso à água. A pré-medicação foi realizada com midazolam (0,3 mg/kg) e acepromazina (0,5 mg/kg). Anestesia foi induzida com tionembutal (12 mg/kg) e paralisia com pancurônio (0,1 mg/kg). Os animais foram intubados e ventilados (Evita XL; Drager, Luebeck, Germany) com os seguintes parâmetros, mantidos durante todo o estudo, exceto quando mencionado: volume corrente (VT) de 8 mL/kg; pressão positiva de final de expiração (PEEP) de 5cmH2O; fluxo de 1L/s; fração inspirada de oxigênio (FiO2) para manter saturação periférica entre 93-95% e freqüência respiratória (FR) necessária para manter PaCO2 entre 35 e 50 mmHg. A anestesia durante o estudo foi mantida com midazolam (0,3 mg/kg/h), fentanila (5 mcg/kg/h) e bloqueio muscular com pancurônio (0,2 mg/kg/h)

A veia jugular interna direita foi canulada para passagem de cateter de artéria pulmonar, sendo o procedimento guiado pela visualização de curvas pressóricas típicas. A artéria femoral direita foi canulada para mensuração de pressão arterial sistêmica e para coletar amostras. O esvaziamento gástrico foi realizado com uma sonda de grosso calibre.

A pressão intracraniana foi mensurada usando o monitor Camino® ICP monitors (Camino Laboratories, San Diego, California, USA), locado dentro do parênquima cerebral.

Após a instrumentação, os animais foram estabilizados durante o período de uma hora sem nenhuma intervenção. Uma infusão contínua de ringer lactato na velocidade de 4 mL/kg/h foi mantida durante todo o experimento.

A pressão arterial sistêmica, a pressão venosa central (PVC) e a pressão de artéria pulmonar (PAP) foram aferidas com transdutores de quartz (Edwards Critical Care, Irvine, CA) mostradas continuamente em um monitor multiparamétrico (DX 2020; Dixtal, São Paulo, Brasil), que também mensurava freqüência cardíaca (FC), saturação periférica (SatO2) e end tidal CO2 (EtCO2). Mensuração contínua da saturação venosa mista de oxigênio (SvO2) era realizada por espectofotometria e o débito cardíaco (DC) era mensurado por termodiluição automática (Vigilance; Edwards, Irvine, CA). Ao termino de cada etapa, uma gasometria arterial era colhida e os seus valores, anotados.

Protocolo experimental e indução de lesão pulmonar

Todos os animais foram estudados em cinco condições distintas e sempre na mesma sequência: 1) estado basal com pulmão sadio (baixa PEEP, baixa PIA em pulmões normais); 2) pneumoperitôneo induzido por um insuflador eletrônico de CO2 (Storz 26430520; Karl Storz, Tuttlingen, Germany), com PIA de 20 mm Hg, (baixa PEEP, alta PIA em pulmões normais); 3) lesão pulmonar aguda (LPA) induzida por lavagem pulmonar e desativação de surfactante (baixa PEEP, baixa PIA em pulmões lesados); 4) pneumoperitôneo com PIA de 20 mm Hg na vigência de LPA (baixa PEEP, alta PIA em pulmões lesados); e 5) PEEP ajustado a 27 cm H2O associado com pneumoperitôneo em pulmões lesados (alta PEEP, alta PIA em pulmões lesados). Todas as condições foram mantidas por 30 minutos.

Lavagem pulmonar repetida foi realizada com uma solução de Tween 20 2,5% (para induzir desativação do surfactante) diluído em soro fisiológico (3mL/kg) até a relação entre pressão arterial de oxigênio (PaO2) e FiO2 (relação PaO2/FiO2) atingisse 150 ou menos. Durante a indução da LPA, os animais foram mantidos com FiO2 de 1.0; PEEP 5 cmH2O; VT 8 mL/kg; FR entre 20-30 ipm; e tempo inspiratório de 1 segundo.

Os parâmetros cardiovasculares medidos durante cada um dos estágios foram: pressão arterial média (PAm), PVC, PAP, FC, SvO2 e DC. As variáveis respiratórias adquiridas foram volume minuto, VT, FR, pressão de pico (Ppico), pressão de platô (Pplat - calculada como uma média de 5 pausas inspiratórias de 2 segundos), PEEP, EtCO2, SatO2, FiO2. A PIC foi aferida durante cada um dos estágios.

Ao final do experimento, os animais foram sacrificados com doses altas de cloreto de potássio em bolus por via intravascular.

Análise estatística

Os dados foram avaliados para normalidade utilizando o teste de Shapiro-Wilk. Correlações simples foram analisadas com o teste de correlação de Pearson. Correlações independentes relacionadas com a variação de pressão intracraniana foram avaliadas com um modelo de regressão multilinear. Comparações múltiplas repetitivas foram realizadas pelo ANOVA para medidas repetitivas, com teste de Tukey para o post-hoc e teste de Mauchly para esfericidade. A amostra foi dividida em situações clínicas com ou sem LPA (situações 1 e 2 versus 3, 4 e 5) para avaliar melhor os fatores relacionados com a pressão intracraniana nestes dois cenários.

A amostra muito reduzida pode limitar a análise multivariada neste estudo; desta forma, a elegibilidade para a entrada de um dado na análise multivariada era definida levando-se em conta: 1. Sua relevância clínica; 2. Plausibilidade fisiológica; 3. Colinearidade baixa, definida como um coeficiente de Pearson menor do que 0.8; 4. Baixa multi-colinearidade (fator de aumento de variância < 2,5).

As variáveis independentes foram inseridas individualmente de forma progressiva ( "enter"). O modelo final foi obtido com o menor número possível de variáveis independentes. O software SPSS 16.0 foi utilizado e um valor de p < 0,05 foi considerado como significativo.

RESULTADOS

A tabela 1 mostra o comportamento da pressão intracraniana nos cinco cenários estudados. Embora não exista diferença estatística significativa, há tendência a maiores valores de pressão intracraniana nas situações onde a PIA é elevada. A situação 3 (LPA isolada com baixo PEEP) parece não produzir incremento na PIC. Entretanto, a associação entre LPA e HIA (situação 4) produziu aumento de PIC mais relevante do que na situação 2 (HIA isolada). O uso de PEEP alta (situação 5) comparado com a mesma situação com PEEP baixa (situação 4) provocou incremento da PIC pequeno.

Com relação às variáveis respiratórias (Tabela 1), houve piora na oxigenação nos grupos com HIA e LPA, além de elevação da PaCO2 no grupo onde havia LPA associada com HIA. A associação LPA + HIA produziu relação pO2/FiO2 ainda menor e que foi apenas parcialmente resolvida com a elevação da PEEP para 27 cmH2O.

A tabela 1 nos mostra o comportamento de variáveis da mecânica respiratória. É notório o aumento da pressão de platô em todos os cenários clínicos patológicos, mostrando que nosso modelo de LPA e HIA foi efetivo em reproduzir uma condição clínica comum na avaliação beira-leito de pacientes.

As variáveis hemodinâmicas são delineadas na tabela 1. Tanto o débito cardíaco quanto a pressão arterial média estiveram constantes ao longo de experimento. A PVC teve aumento nas situações estudadas, chegando a valores próximos de 25 mmHg.

A tabela 2 mostra a análise de todas as situações em relação à variação da PIC, onde, sem categorizar em situações com LPA e sem, a Pplat é a variável que se mantem associada com a PIC. A tabela 3 nos mostra os resultados da análise multivariada. Nos modelos sem LPA apenas a Pplat se correlacionou com a PIC (R = 0,625). Já nos modelos com LPA, a EtCO2 (R = 0,192), a PaCO2 (R = 0,481), a PVC (R = 0,646) e a Pplat (R = 0,761) se correlacionaram com a PIC.

DISCUSSÃO

O paciente crítico frequentemente possui grave doença sistêmica e necessidade de suporte de múltiplos órgãos. O impacto de uma intervenção sobre determinado sistema pode gerar consequências deletérias sobre outros órgãos, minimizando ou até mesmo abolindo um eventual efeito benéfico.(1) A ventilação mecânica, por exemplo, é uma terapia salvadora e capaz de melhorar a oxigenação em vários cenários clínicos. Entretanto, a ventilação mecânica, especialmente com o uso de pressões altas de vias aéreas, pode estar associada com complicações respiratórias(9,10) e sistêmicas, incluindo distúrbios hemodinâmicos severos,(11) aumento da PIA(12) e aumento da PIC.(13)

Recentemente, vários trabalhos ressaltaram o impacto da pressão intra-abdominal na fisiopatologia da doença crítica, especialmente sua correlação com disfunção renal.(14) A associação entre LPA e HIA é clinicamente desafiadora, pois pressões mais elevadas de vias aéreas podem ser necessárias para a expansão pulmonar pela restrição imposta pela cavidade abdominal.(15) Ao mesmo tempo, maior pressão intratorácica pode agravar a HIA, perpetuando um ciclo que tende a agravar a situação do paciente.

A magnitude da influência da pressão dos compartimentos torácico e abdominal sobre a pressão intracraniana durante a doença crítica é pouco estudada. O uso de PEEP em pacientes com PIC elevada pode gerar incrementos deletérios na PIC,(13) muito embora este assunto seja controverso.(16) A pressão intra-abdominal parece interferir com a pressão intracraniana, provavelmente pelo aumento da pressão venosa e da pressão intratorácica.(7,8) Peritoneostomia já foi descrita como terapia de resgate em pacientes com hipertensão intracraniana refratária.(17,18)

O objetivo deste trabalho foi avaliar se, em um modelo clínico relevante de disfunção de múltiplos órgãos, as variações da pressão intratorácica e abdominal além da alteração de parâmetros de oxigenação poderiam refletir em maiores valores de pressão intracraniana.

Situações associadas com HIA foram as que mais reproduziram aumento da PIC. O uso de PEEP alto (situação 5) produziu pouco efeito sobre a PIC, sugerindo que a PEEP, isoladamente, não deve ser determinante importante na elevação da PIC em nosso modelo. Mais do que isso, este achado sugere que utilizar uma PEEP similar ao valor da PIA não produz aumento significativo na PIC, o que poderia estar relacionado a melhora da complacência dos compartimentos envolvidos.

Na análise multivariada de situações não associadas com LPA, apenas a Pplat pareceu se relacionar com a PIC, sugerindo que o aumento da pressão intratorácica foi o determinante mais importante da PIC nestas situações, ou seja, que o mecanismo pelo qual a HIA produziu aumento da PIC foi por meio do aumento da Pplat. O aumento da Pplat, por sua vez, deve refletir a piora da complacência do sistema respiratório induzido pelo aumento da pressão abdominal.

Nas situações associadas com LPA, a análise multivariada apontou que a Pplat, a PVC, o EtCO2 e a PaCO2 estão todos relacionados com aumento da PIC. O aumento das tensões de CO2 (refletidos pela PaCO2 e EtCO2) provavelmente reflete aumento na fração do espaço morto alveolar desencadeada pela LPA. Também é sabido de que a tensão de CO2 plasmática é determinante importante da PIC. Era de se esperar que situações que cursassem com maiores tensões de CO2 (como a LPA) esta relação ficasse ainda mais evidente. A Pplat esteve relacionada com a PIC, o que pode ser explicado pelos mesmos motivos explicitados anteriormente. A correlação entre a PVC e a PIC pode sugerir que o aumento das pressões venosas desencadeados pela elevação das pressões torácica e abdominal pode ter limitado a drenagem venosa cerebral, aumentando a PIC.

Com base nos nossos resultados, a primeira e mais importante conclusão que podemos tirar é de que a pressão intracraniana sofre alterações em um modelo de doença crítica. Conforme descrito na tabela1, a associação de HIA com LPA produz incremento importante sobre a PIC, podendo chegar a 15 mmHg. Em seres humanos, elevações de PIC desta magnitude são clinicamente relevantes, uma vez que valores elevados de PIC estão associados com pior prognóstico neurológico e até com eventos neurológicos fatais, como herniação cerebral.

A principal hipótese gerada pelo presente estudo é de que o mecanismo pelo qual a HIA produz aumento da PIC é o aumento da Pplat. A influência direta da PIA sobre o sistema venoso também não pode ser descartada. Este achado reforça a teoria corrente de que os compartimentos corporais são interligados. A elevação da PIC durante a HIA decorre, portanto, da transmissão de pressão do abdome para o tórax e, então, do tórax para o crânio. O aumento da pressão venosa talvez reduza o gradiente pressórico para a drenagem venosa cerebral. Nossos achados estão em concordância com a literatura vigente(6-8) e ampliam o conhecimento sobre a relação entre compartimentos corpóreos.

Nosso trabalho possui várias limitações. Primeiramente, trata-se de estudo puramente fisiológico e, embora baseado em um modelo de disfunção orgânica múltipla de órgãos já validado, sua aplicabilidade em uma situação clínica real pode ser questionada. Em segundo lugar, o pequeno número de animais associado com uma miríade de situações clínicas limita o poder de nossa análise estatística. Entretanto, a idéia do presente trabalho foi produzir hipóteses para estudos futuros e não gerar uma hipótese definitiva sobre situação tão complexa.

CONCLUSÃO

Em um modelo de disfunção orgânica múltipla com situações clínicas associadas com aumento da pressão torácica e abdominal, o incremento da pressão intracraniana desencadeado pela elevação da pressão abdominal parece ser decorrente da piora da complacência do sistema respiratório. A elevação da pressão venosa em situações de LPA também pode se correlacionar com a elevação da PIC, provavelmente por reduzir o gradiente pressórico para a drenagem venosa cerebral.

Submetido em 8 de Maio de 2011

Aceito em 7 de Junho de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

Estudo realizado no Laboratório de Experimentação em Anestesiologia e Medicina Intensiva do Instituto de Ensino e Pesquisa, Hospital Sírio – Libanês – São Paulo (SP), Brasil.

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  • Autor correspondente:
    Fernando Godinho Zampieri
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      08 Maio 2001
    • Aceito
      07 Jun 2011
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