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A esperança na vida de mulheres com HIV/AIDS: avaliação pela Escala de Herth

Resumos

Este estudo descritivo, transversal, teve como objetivo avaliar o nível de esperança de mulheres com 50 anos ou mais, com HIV/aids, pela Escala de Esperança de Herth. Foram entrevistadas 200 mulheres soropositivas na faixa etária de interesse, matriculadas em três Serviços de Assistência Especializada em DST/aids do município de São Paulo. Foi atendida a Resolução 196/96 e o estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados foram coletados em 2010 com preenchimento de dois instrumentos: caracterização dos sujeitos e Escala de Esperança de Herth. Os resultados mostraram escore médio na aplicação da Escala de Esperança de Herth de 36,75 (±4,52), num intervalo de 12 a 48. Este escore está abaixo dos obtidos com a mesma escala para diversas patologias, indicando reduzida percepção de esperança de vida pela amostra. O enfermeiro deve propor suas ações na busca da melhoria da esperança da pessoa assistida, estabelecendo metas realistas e fortalecendo o suporte social.

Saúde da mulher; HIV; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Esperança de vida; Envelhecimento


This descriptive cross-sectional study had the objective to evaluate the level of hope in women aged 50 or older suffering from HIV/AIDS, utilizing the Herth Hope Scale. The study involved 200 HIV- positive women, within the age bracket of interest, enrolled in three STI/AIDS specialized healthcare services in the city of São Paulo. The rules of the 196/96 Resolution were met and the study was approved by the Research and Ethics Committee. Data were collected in 2010 using two instruments: subjects' characterization and the Herth Hope Scale. Results demonstrated an average score of 36.75 (±4.52) on the Herth Hope Scale, with an interval of 12 to 48. This score is below the score obtained with the same scale for various pathologies, indicating a reduced perception of hope by the sample. Nurses should provide interventions to improve hope for these people, establishing realistic goals and strengthening social support.

Women's health; HIV; Acquired immunodeficiency syndrome; Life expectancy; Aging


Estúdio transversal-descriptivo que tuvo como objetivo evaluar el nível de esperanza de vida para las mujeres mayores de 50 años com VIH/SIDA por la Escala de Esperanza de Herth. Se entrevistaron a 200 mujeres VIH-positivas en el grupo de edad de interés, asistidas en tres Servicios de Atención Especializada de ETS/SIDA en São Paulo. Se cumplió la Resolución 196/96 y el estudio fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación. Los datos fueron recolectados en el año 2010 con la aplicación de dos instrumentos: caracterización de los sujetos y Escala de Esperanza de Herth. Los resultados mostraron una puntuación media de la aplicación de la Escala de Esperanza de Herth de 36.75 (±4,52), dentro de los 12 a 48. Esta puntuación está por debajo de los obtenidos con la misma escala para diversas patologías, lo que indica la percepción de la esperanza de vida reducida por la muestra. El enfermero debe proponer acciones que busquen la mejoría de la esperanza de la persona asistida, estableciendo metas realistas y fortaleciendo el suporte social.

Salud de la mujer; VIH; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Esperanza de vida; Envejecimiento


ARTIGO ORIGINAL

A esperança na vida de mulheres com HIV/AIDS: avaliação pela Escala de Herth

La esperanza en la vida de mujeres con VIH/SIDA: evaluación por la Escala de Herth

Fabiana de Souza OrlandiI; Neide de Souza PraçaII

IDoutora em Ciências. Professora Adjunta do Departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos. São Paulo, Brasil. E-mail: forlandi@ufscar.br

IILivre Docente. Professora Associado do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, Brasil. E–mail: ndspraca@usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo descritivo, transversal, teve como objetivo avaliar o nível de esperança de mulheres com 50 anos ou mais, com HIV/aids, pela Escala de Esperança de Herth. Foram entrevistadas 200 mulheres soropositivas na faixa etária de interesse, matriculadas em três Serviços de Assistência Especializada em DST/aids do município de São Paulo. Foi atendida a Resolução 196/96 e o estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados foram coletados em 2010 com preenchimento de dois instrumentos: caracterização dos sujeitos e Escala de Esperança de Herth. Os resultados mostraram escore médio na aplicação da Escala de Esperança de Herth de 36,75 (±4,52), num intervalo de 12 a 48. Este escore está abaixo dos obtidos com a mesma escala para diversas patologias, indicando reduzida percepção de esperança de vida pela amostra. O enfermeiro deve propor suas ações na busca da melhoria da esperança da pessoa assistida, estabelecendo metas realistas e fortalecendo o suporte social.

Descritores: Saúde da mulher. HIV. Síndrome da imunodeficiência adquirida. Esperança de vida. Envelhecimento.

RESUMEN

Estúdio transversal-descriptivo que tuvo como objetivo evaluar el nível de esperanza de vida para las mujeres mayores de 50 años com VIH/SIDA por la Escala de Esperanza de Herth. Se entrevistaron a 200 mujeres VIH-positivas en el grupo de edad de interés, asistidas en tres Servicios de Atención Especializada de ETS/SIDA en São Paulo. Se cumplió la Resolución 196/96 y el estudio fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación. Los datos fueron recolectados en el año 2010 con la aplicación de dos instrumentos: caracterización de los sujetos y Escala de Esperanza de Herth. Los resultados mostraron una puntuación media de la aplicación de la Escala de Esperanza de Herth de 36.75 (±4,52), dentro de los 12 a 48. Esta puntuación está por debajo de los obtenidos con la misma escala para diversas patologías, lo que indica la percepción de la esperanza de vida reducida por la muestra. El enfermero debe proponer acciones que busquen la mejoría de la esperanza de la persona asistida, estableciendo metas realistas y fortaleciendo el suporte social.

Descriptores: Salud de la mujer. VIH. Síndrome de inmunodeficiencia adquirida. Esperanza de vida. Envejecimiento.

INTRODUÇÃO

A infecção pelo HIV em mulheres merece atenção especial, principalmente pela alta taxa de incidência encontrada nos últimos anos, pelas desigualdades sofridas em relação aos contextos socioeconômicos, culturais e de gênero, e pelas mudanças no perfil epidemiológico dos infectados.1-2

Os dados epidemiológicos publicados pelo gestor de saúde3 mostram que o número de casos notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) segundo sexo, em 2011 foi de 9.035 casos de aids em homens, para 5.491 casos de aids em mulheres, incluindo-se todas as faixas etárias. Na comparação com o período de 1980 a 1997, ocorreram 123.714 casos em homens e 39.125 em mulheres. Observa-se, portanto, a crescente incidência de casos em mulheres e a diminuição da razão entre homens/mulheres. Entre os casos femininos, 10,1% são representados por mulheres com 50 anos de idade ou mais. A contaminação pelo vírus HIV em pessoas a partir de 50 anos cresce no Brasil como em nenhum outro grupo etário, cabendo destacar que este crescimento é superior entre as mulheres.

Com os avanços científicos obtidos com a terapia antiretroviral de alta potência, a expectativa de vida de portadores do HIV/aids teve aumento tornando-os portadores de uma doença crônica potencialmente controlável.4

Toda doença crônica causa impacto na vida do indivíduo, tanto pessoal, quanto profissional, o que requer o manejo de complexos regimes terapêuticos e a necessidade de alterações nas atividades de vida diária, o que pode acarretar situações nas quais os pacientes experimentam sentimentos de desesperança.5

A manutenção da esperança frente à doença crônica é um processo infinito, porém é um recurso valioso no enfrentamento dessa condição.5 A esperança é um dos aspectos centrais do cuidado de enfermagem.6 Ela tem efeito benéfico para a saúde das pessoas, ao contribuir para sua capacitação ao lidar com situações de crise, para a manutenção da qualidade de vida, a determinação de objetivos saudáveis e para a promoção da saúde.7 A avaliação da esperança de vida proporciona a implementação de intervenções que auxiliem as pessoas com doenças crônicas e de seus familiares.8 Trata-se de subsídio que possibilita o planejamento de intervenções para a redução do impacto da doença no cotidiano desses indivíduos.9

Vale salientar que a literatura demonstra a inexistência de pesquisas que avaliam o nível de esperança de vida de mulheres com HIV/aids no contexto brasileiro.

O presente estudo teve por objetivo avaliar o nível de esperança de mulheres com 50 anos ou mais, portadoras de HIV/com aids, por meio da Escala de Esperança de Herth; e caracterizá-las segundo os aspectos sociodemográficos e clínicos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo e transversal, realizada em três Serviços de Atenção Especializada (SAE) em DST/aids do município de São Paulo, sendo um da região norte e dois da região leste do município. Os SAEs DST/aids são serviços de saúde capacitados para atividades de prevenção, de diagnóstico e de tratamento para pessoas com DST/HIV/aids, em nível ambulatorial, e contam com equipe multiprofissional.

Para o cálculo do tamanho da amostra foram considerados: o valor do coeficiente de correlação (Pearson) r ³ 0,20 e os valores fixados de a = 0,05 e b = 0,20.10 Dessa forma, o tamanho da amostra foi definido em 194 sujeitos, porém foram coletados dados com 200 mulheres.

A amostra foi constituída por 200 mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 50 anos; ser sabidamente portadora do HIV/aids, independente do estágio da infecção e estar em acompanhamento clínico-ambulatorial em um dos Serviços de Assistência Especializada campos do estudo. Para a coleta de dados, as mulheres com consulta médica agendada que compareciam ao serviço, e que atendiam os critérios de inclusão, eram convidadas a participar do estudo. Os dados clínicos foram obtidos diretamente do prontuário das entrevistadas, que responderam dois instrumentos em entrevista individual, realizada em sala privativa, no próprio ambulatório, antes ou após a consulta médica.

Dentre os dois instrumentos aplicados na entrevista, um deles, específico para caracterização de população com 50 anos ou mais portadora de HIV/aids, construído e validado no contexto brasileiro,11 é composto por questões de caracterização sóciodemográfica (estado civil, religião, idade, escolaridade, profissão, ocupação, renda) e clínica (carga viral, CD4, estágio da infecção pelo HIV, presença de doenças oportunistas relacionadas ao HIV/aids ou outras patologias, uso de medicamentos antiretrovirais e/ou não antiretrovirais). Inclui também questões sobre hábitos e comportamentos em saúde (tabagismo, etilismo e drogadição) e sexualidade (relação e parceria sexual, situação marital, multiplicidade de parceiros, uso de preservativos, justificativa para não adesão ao preservativo), além de crenças e ações relacionadas à doença e ao tratamento (tempo e meio em que tomou conhecimento do diagnóstico, crença sobre a via de infecção, complicações decorrentes da infecção, tempo de tratamento, percepção de vantagem terapêutica e abandono do tratamento).

Além do citado instrumento, adotou-se a escala Herth Hope Index, validado no Brasil12 e chamado de Escala de Esperança de Herth (EEH). Esta é uma escala de autorrelato de origem americana,9 que quantifica a esperança de vida. Esta escala possui 12 afirmativas e a graduação dos itens segue a escala tipo Likert de quatro pontos, variando de "concordo completamente" a "discordo completamente" onde 1 indica "discordo completamente" e 4 corresponde a "concordo completamente". Os itens 3 e 6 apresentam escores invertidos. O escore total varia de 12 a 48 e quanto maior o escore, mais alto o nível de esperança de vida. É uma escala considerada breve e de fácil compreensão.

Os dados obtidos foram codificados e organizados em banco de dados com dupla entrada e comparação dos valores, utilizando-se o programa Microsoft Excel 2000. O tratamento dos dados foi feito adotando o programa estatístico SPSS 16.0 para windows (Statistical Package for the Social Science). Os dados foram submetidos à análise descritiva e para tanto foram calculadas as medidas de posição (média, mediana, mínima e máxima) e de dispersão (desvio padrão). Para testar a confiabilidade da EEH, foi utilizado o teste de consistência interna pelo Alfa de Cronbach (a). Adotou-se o valor de 0,7 como limite inferior de consistência interna.13

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, sob o número 09/2010.

RESULTADOS

Os dados foram coletados no período de março a julho de 2010, e são apresentados em subitens: caracterização e condição clínica da amostra, e esperança de vida.

Caracterização e condição clínica

Para caracterizar os sujeitos que integram a amostra e sua condição clínica, apresentam-se as tabelas 1 a 3, a seguir.

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Os dados apresentados na tabela 1 revelam que a amostra foi composta predominantemente por mulheres na faixa etária entre 50 e 59 anos (73%) e que tinha filhos (94%). Quanto à crença religiosa, 48% eram católicas.

Ao se confrontar os dados da tabela 1 com os da tabela 2, a seguir, verifica-se que a idade média das entrevistadas foi de 56,59 anos (±6,60), com variação entre 50 e 83 anos. Dentre as 188 mulheres que referiram ter filhos, a média foi de 3,39 filhos (±1,91) por mulher. Com relação à escolaridade, a média de anos completos de estudo dentre as 184 mulheres que estudaram foi de 6,37 (±3,88), variando entre um e 20 anos. Quanto à renda per capita mensal, observa-se na tabela 1 que 71,7% (n=129) das entrevistadas recebiam até um salário mínimo.

Ao se avaliar a condição clínica dos sujeitos da amostra, verificaram-se os dados encontrados à tabela 3, a seguir.

À tabela 3 observa-se que 71% da amostra apresentava carga viral indetectável; sendo que 54,0% e 35,5% tinham contagem CD4 maior que 500/mm3 e entre 200 – 500/mm3, respectivamente; 86,5% faziam uso de medicamentos antirretrovirais; enquanto 86,0% eram diagnosticadas com aids.

Esperança na vida

A análise dos componentes da EEH mostrou alfa de Crombach de 0,836, o que demonstra a consistência interna e a confiabilidade do instrumento aplicado.

Na tabela 4 são apresentadas as variáveis que compõem a EEH segundo os dados obtidos.

Os dados apresentados na tabela 4 revelam que o índice de resposta à EEH, mostrou o escore médio de 36,75 (±4,52) e mediana de 37,00. Vale lembrar que a pontuação da EEH pode variar de 12 a 48, sendo que quanto maior a pontuação, maior o nível de esperança. A variação da pontuação total obtida foi de 25 a 48. Ainda na tabela 4 verifica-se que, dentre os 12 itens da escala, o item de número 3 apresentou a pontuação média mais baixa (2,29), o que indica que 44% da amostra discordava da afirmativa "Eu me sinto muito sozinha", porém não houve discordância total (39%). Por outro lado, o item com mais alto escore médio foi o de número 5 (média de 3,52). Isto demonstra que 53% das respondentes concordavam com a afirmativa "Eu tenho uma fé que me conforta".

Também merecem destaque os itens 12 "eu sinto que minha vida tem valor e utilidade", 11 "eu acredito no valor de cada dia" e 9 "eu me sinto capaz de dar e receber afeto/amor", com pontuações médias de 3,49, 3,33 e 3,32, respectivamente.

DISCUSSÃO

Nesta pesquisa, os dados obtidos para a faixa etária predominante (50 a 59 anos) e a média de idade encontrada (56,59 anos) vão ao encontro dos achados do estudo realizado com homens e mulheres entre 50 e 59 anos com HIV, realizado em Salvador-BA, que obteve média de idade aproximada (53,70 anos).14 Com relação ao estado marital, a maioria das mulheres avaliadas não possuía companheiro, corroborando com estudo realizado com homens e mulheres com idades a partir de 50 anos com HIV/aids do município de Campinas-SP, que encontrou maior percentual de pessoas sem união estável (65,1%).11 Dado também verificado em pesquisa realizada com idosos portadores de HIV/aids, no Rio de Janeiro, que encontrou 71% dos sujeitos que não viviam em união estável.15

O predomínio da religião católica corrobora o estudo em que 61,2% dos sujeitos também professavam essa religião.14 Os achados relacionados à escolaridade coincidem com o perfil social da epidemia de aids no Brasil, pois atinge as pessoas com menor escolaridade. Com relação à renda per capita mensal, observa-se a pauperização, que mais uma vez concorda com as características do perfil dos infectados, quando se verifica o aumento na proporção da infecção pelo HIV/aids entre as pessoas com menor renda.16-18

A existência de filhos dentre as entrevistadas corrobora com estudo sobre sexualidade e questões reprodutivas, realizado com 148 mulheres portadoras de HIV atendidas em um ambulatório de um centro de referência na área de doenças sexualmente transmissíveis e aids localizado na cidade de São Paulo, em que a maioria das entrevistadas afirmou ter filhos.19 Quanto à média do número destes, no presente estudo, 3,39 filhos, aproximou-se do obtido em pesquisa realizada na cidade de Salvador-BA, especificamente no Centro de Referência Estadual em DST e aids, administrado pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, onde a média de filhos foi de 2,98 filhos.14

Neste estudo, a maioria das mulheres (71,0% - n=142) apresentava carga viral indetectável, o que é compatível com dados semelhantes obtidos em outros estudos.11,20 Vale lembrar que a carga viral verifica o número de partículas de HIV no sangue e quanto maior for seu resultado, maior será a chance de transmitir o agravo. Com relação à contagem de linfócitos T-CD4, foi observado que a maior parte das mulheres (53,5%) apresentou valores maiores que 500/mm³, concordando com estudo que obteve 45% de sujeitos com valores maiores que 500/mm³,13 porém diferindo de outra pesquisa onde a maioria dos sujeitos apresentou CD4 entre 200 e 499/mm³.20

Cabe esclarecer que ambos estudos foram desenvolvidos no estado de São Paulo. O primeiro, realizado com 109 sujeitos com 50 anos ou mais, soropositivos para o HIV/aids, atendidos no complexo da saúde da Universidade Estadual de Campinas, no município de Campinas.11 O segundo estudo trata-se de uma pesquisa analítica e correlacional, realizada em dois serviços de atendimento especializado em aids, no município de Ribeirão Preto.20

A busca por estudos que adotaram a escala de Herth em pessoas com HIV/aids mostrou escassez de pesquisas realizadas com o segmento de interesse. Ainda que, na literatura nacional, inexistam estudos com o recorte na faixa etária igual ou superior a 50 anos, publicações internacionais mostraram três pesquisas que avaliaram a esperança de pessoas com HIV/aids.21-23 Um estudo teve o objetivo de descrever o nível de esperança de mulheres africanas-americanas, com HIV/aids, em idade reprodutiva (18 a 45 anos) por meio da Herth Hope Scale e comparar o nível de esperança destas respondentes com mulheres portadoras de câncer de mama e adultos com câncer hospitalizados. Dentre seus achados verificou que o nível de esperança das mulheres com HIV/aids em idade reprodutiva foi inferior ao das mulheres com câncer de mama e dos adultos com câncer hospitalizados.21 Outra pesquisa sobre a correlação de fatores fisiológicos e psicossociais e a percepção de saúde em uma amostra de 275 mulheres infectadas pelo HIV na Geórgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte utilizou o instrumento Herth Hope Index, por meio do qual as mulheres respondentes obtiveram um escore médio de 38,0 (±5,4), sendo superior ao encontrado no nosso estudo.22

O terceiro estudo encontrado investigou a relação entre a percepção do suporte social, esperança e qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/aids no Nepal, tendo utilizado um instrumento denominado Hope Scale para avaliar a esperança dos sujeitos, construído especificamente para o referido estudo. Dentre seus achados, a esperança foi considerada um fator preditivo de qualidade de vida uma vez que houve associação significante estatisticamente entre ambas, pois o aumento do nível da esperança culminou na melhora da qualidade de vida da população estudada.23 Vale salientar portanto que foi encontrado apenas um estudo internacional22 que utilizou a EEH em mulheres com HIV/aids, porém na faixa etária de 15 a 48 anos, não incluindo mulheres a partir de 50 anos, que é a faixa etária de interesse do presente estudo.

A busca por estudos nacionais com utilização da EEH mostrou apenas uma publicação. Trata-se de pesquisa realizada com pacientes oncológicos, com diabéticos e seus acompanhantes (familiares ou cuidadores).24 Nesse estudo, o escore obtido com a aplicação da EEH mostrou a pontuação média de 41,57 (±4,60), 40,46 (±4,88) e 40,88 (±3,77) para os grupos de pacientes com câncer, com diabetes e seus acompanhantes, respectivamente.24 Estes achados mostram que as mulheres com HIV/aids do presente estudo apresentaram nível de esperança inferior (36,75±4,52).

Com relação às pesquisas internacionais que empregaram a EEH, cujos sujeitos apresentaram nível de esperança de vida inferior ao do presente estudo serão apresentadas a seguir, embora não tenham o HIV/aids como foco. Estudo realizado com mulheres receptoras de transplante cardíaco que investigou a esperança, o estado de humor e a qualidade de vida das mesmas, obteve escore médio para a EEH de 35,84 (±5,08).25 A avaliação da esperança e da qualidade de vida de pessoas com distúrbios circulatórios de fluido cérebro-espinal em Cambridge (Inglaterra) encontrou sujeitos com hipertensão intracraniana benigna com pontuação média para a EEH de 35,2; enquanto para os pacientes com hidrocefalia congênita foi obtida a média de 34,2.26

Pesquisa que comparou a média obtida na EEH entre grupos de pacientes oncológicos com dor e sem dor, com metástase e sem metástase, verificou que as pessoas com dor e sem metástase apresentaram escores médios superiores aos de pacientes com dor e com metástase, porém vale salientar que todos os escores médios foram superiores a 37,00. No entanto, ao comparar o grupo de pacientes com câncer que apresentou melhora com o tratamento (37,89± 5,13) ao grupo que não melhorou, este obteve pontuação média inferior (35,10±4,92).27 Diante do exposto, observa-se que apenas o grupo de pacientes que não obteve melhora no tratamento do câncer obteve nível de esperança inferior ao encontrado no presente estudo com as mulheres a partir de 50 anos com HIV/aids.

Outra investigação sobre a relação entre dor, incerteza e esperança em pacientes com câncer de pulmão em Taiwan verificou que os sujeitos que sentiam dor apresentaram menor esperança que aqueles sem dor, com pontuações médias para a EEH de 30,81 (±5,95) e 36,91 (± 5,18), respectivamente.28

Estudo acerca das expressões de esperança dos pacientes com fibrose cística em comparação com a população geral da Noruega verificou que os indivíduos com fibrose cística tiveram nível de esperança inferior ao obtido na população norueguesa, com pontuação média de 36,1 (±4,1) e 37,2 (±4,1), respectivamente.29

Outro dado relevante relaciona-se à pontuação obtida para cada item da EEH. Neste estudo, o item de número 3 ("Eu me sinto muito sozinha") da EEH foi o que obteve a pontuação mais baixa, ou seja, a maioria das mulheres com HIV/aids discordou da afirmativa, porém não houve discordância total. Na busca por outros estudos que trouxessem a pontuação média por item da EEH, foram encontradas apenas duas pesquisas, apresentadas a seguir.

Estudo sobre esperança e dor de pacientes oncológicos hospitalizados verificou que o item 6 ("Eu tenho medo do meu futuro") foi o que obteve a menor pontuação (2,60).30 O mesmo ocorrendo no presente estudo, cujo item também teve pontuação média baixa. A pesquisa que investigou a esperança de pacientes com fibrose cística encontrou o item de número 5 ("Eu tenho uma fé que me conforta") com a menor média para a EEH, com pontuação de 2,25.29 Esse achado diferiu do presente estudo onde as mulheres com HIV/aids sinalizaram o referido item como o de maior pontuação média (3,52), constatando-se que as respondentes concordaram com a afirmativa deste item, embora sem concordância total.

Dois estudos encontrados na literatura mostraram o item de número 7 ("Eu posso me lembrar de tempos felizes e prazerosos") com maior pontuação, médias de 3,6129 e 3,6031 Vale destacar que entre as mulheres com HIV/aids do presente estudo obteve-se 3,18 no referido item. Sendo assim, embora em níveis inferiores, a maioria das respondentes desta pesquisa concordou com a afirmativa de que pode se lembrar de tempos felizes e prazerosos, porém não houve concordância total.

Outros dados de relevância referem-se à abordagem sobre espiritualidade e religiosidade, uma vez que o item da EEH no qual a maioria das mulheres a partir de 50 anos com HIV/aids apresentou melhor nível de esperança relacionou-se à fé que as conforta. Deve-se diferenciar os conceitos de espiritualidade e religiosidade, pois enquanto a primeira se refere às questões de significado da vida e da razão de viver, independente de crenças e de práticas religiosas; a religiosidade se entende como a medida que um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião. Os autores desta afirmativa desenvolveram estudo com indivíduos com HIV/aids onde verificaram que aqueles que apresentavam escores mais elevados de bem-estar espiritual tendiam a ser mais esperançosos.32 Outros estudos também apontam que a religiosidade e a espiritualidade em pessoas com HIV/aids podem auxiliar no enfrentamento de uma dada patologia bem como na promoção de esperança de vida.33-34

CONCLUSÕES

Neste estudo observa-se que as características sociodemográficas e clínicas das mulheres estudadas corroboram com o perfil epidemiológico dos infectados pelo HIV com aids, no país, reforçando as características da epidemia, tais como pauperização, heterossexualização e cronicidade da epidemia. Evidencia, ainda, que o nível de esperança apresentado pelas mulheres segundo a EEH, em sua maioria, encontra-se abaixo dos escores médios obtidos na maioria dos estudos com abordagem em várias morbidades, publicados na literatura nacional e internacional; a exceção se manifesta com a aplicação da mesma escala apenas em transplantados cardíacos, portadores de fibrose cística e indivíduos acometidos por câncer pulmonar.

Com relação às afirmativas avaliadas pela EEH, a maioria das mulheres demonstra presença da fé como apoio e conforto, além de valorizar o afeto, o amor, o cotidiano e a própria vida. Assim, verifica-se que a fé tem importante valor na esperança destas mulheres, valendo salientar a relevância da abordagem de questões referentes à espiritualidade e à religiosidade, pelo profissional, no apoio e na assistência a pessoas que vivem com HIV/aids para seu enfrentamento da síndrome e para a melhoria da esperança e de sua qualidade de vida.

Este estudo é um alerta ao profissional, em especial o enfermeiro, que na assistência às mulheres na faixa etária igual ou superior a 50 anos com HIV/aids, deve empregar escuta ativa para identificação de demandas dessas mulheres e seus familiares, e motivá-los a estabelecer metas, contribuindo no fortalecimento de apoio social, e traçando ações com vistas à melhores níveis de esperança na vida dessa clientela.

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  • Correspondence:

    Fabiana de Souza Orlandi
    Rua Francisco Couto, 33
    13560-310 – Centro, São Carlos, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Ago 2011
    • Aceito
      14 Mar 2012
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