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Incidentes críticos do processo ensino-aprendizagem do curso de graduação em enfermagem, segundo a percepção de alunos e docentes

Resumos

O processo ensino-aprendizagem é complexo e apresenta várias incógnitas, principalmente quando se pensa em qualidade. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores que interferem positiva ou negativamente no processo ensino-aprendizagem, segundo a visão de alunos e professores do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Norte do Paraná - UNOPAR. Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa através da técnica de incidentes críticos. Fizeram parte do estudo 36 professores e 140 alunos. Após a análise dos dados observou-se que os alunos relataram 435 incidentes críticos relacionados à categoria conduta do professor, sendo 317 referências negativas e 118 positivas. Em relação aos relatos dos professores, verificou-se que a categoria interação com o grupo apresentou 58 referências, sendo 10 positivas e 48 negativas. Portanto, o processo ensino-aprendizagem, para ocorrer de forma adequada, necessita de bom relacionamento professor-aluno e aluno-aluno, favorecendo a boa interação e aprendizado eficiente.

ensino; aprendizagem; comunicação; enfermagem


The teaching-learning process is complex and leaves many question marks, mainly when one thinks about quality. Therefore, this study aims at identifying factors that interfere positively or negatively in the teaching-learning process, through the perspective of students and faculty of the Nursing course at the Universidade Norte do Paraná- UNOPAR. This descriptive study with a qualitative approach was carried out through the critical incidents technique. Thirty-six faculty and 140 students participated. Data analysis revealed that the students mentioned 435 critical incidents related to the category faculty behavior, being 317 negative references and 118 positive. According to the faculty members' reports, the category interaction with the group produced 58 references, being 10 positive and 48 negative. An adequate teaching-learning process requires good faculty-student and student-student relationships, favoring good interaction and efficient learning.

teaching; learning; communication; nursing


El proceso de enseñanza-aprendizaje es complejo y presenta varias incógnitas, principalmente cuando se piensa en la calidad. Así, el objetivo de este estudio fue de identificar los factores que interfieren positiva o negativamente en el proceso de enseñanza-aprendizaje, según la visión de alumnos y profesores del curso de pregrado de Enfermería de la Universidad Norte del Paraná - UNOPAR. Fue llevado a cabo un estudio descriptivo con aproximación cualitativa, a través de la "técnica de incidentes críticos". Formaron parte de este estudio 36 profesores y 140 alumnos. Después del análisis de los datos, se observó que los alumnos relataron 435 incidentes críticos relacionados a la categoría conducta del profesor, siendo 317 referencias negativas y 118 positivas. Con relación a los relatos de los profesores, se verificó que la categoría interacción con el grupo presentó 58 referencias, siendo 10 positivas y 48 negativas. Por lo tanto, para que el proceso de enseñanza-aprendizaje ocurra de forma adecuada, necesita de una buena relación entre profesor-alumno y alumno-alumno, favoreciendo de esa manera una buena interacción y un aprendizaje eficiente.

enseñanza; aprendizaje; comunicación; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Incidentes críticos do processo ensino-aprendizagem do curso de graduação em enfermagem, segundo a percepção de alunos e docentes1 1 Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado

Adriana Valongo ZaniI; Maria Suely NogueiraII

IProfessor da Universidade Norte do Paraná, Mestranda, e-mail: adriana.zani@unopar.br

IIProfessor Doutor, e-mail msnog@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

RESUMO

O processo ensino-aprendizagem é complexo e apresenta várias incógnitas, principalmente quando se pensa em qualidade. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores que interferem positiva ou negativamente no processo ensino-aprendizagem, segundo a visão de alunos e professores do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Norte do Paraná - UNOPAR. Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa através da técnica de incidentes críticos. Fizeram parte do estudo 36 professores e 140 alunos. Após a análise dos dados observou-se que os alunos relataram 435 incidentes críticos relacionados à categoria conduta do professor, sendo 317 referências negativas e 118 positivas. Em relação aos relatos dos professores, verificou-se que a categoria interação com o grupo apresentou 58 referências, sendo 10 positivas e 48 negativas. Portanto, o processo ensino-aprendizagem, para ocorrer de forma adequada, necessita de bom relacionamento professor-aluno e aluno-aluno, favorecendo a boa interação e aprendizado eficiente.

Descritores: ensino; aprendizagem; comunicação; enfermagem

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O processo ensino-aprendizagem e a comunicação sempre caminharam juntos, pois não há como falar de processo ensino-aprendizagem, sem falar de comunicação e vice-versa. Para ensinar, necessita-se da comunicação, seja ela verbal ou não-verbal, pois o processo ensino-aprendizagem é pautado pela troca de conhecimentos e experiências dos sujeitos envolvidos, e a comunicação é elemento indispensável para que essa troca ocorra.

Atuando como enfermeira e docente no curso de Enfermagem, muitas vezes a autora se deparou com acadêmicos de enfermagem que referiam dificuldades no aprendizado, decorrentes de problemas de compreensão de conteúdos, por não possuírem conhecimentos básicos, não concordarem com a didática utilizada pelo docente, bem como apresentarem dificuldades de relacionamento com o docente. Sendo, portanto, necessário descrever o significado real do processo ensino-aprendizagem.

A palavra ensinar, a princípio, pode parecer simples, pois qualquer pessoa, seja um educador capacitado ou um leigo, passa toda sua vida ensinando algo a alguém. Cada vez que uma mãe explica para o filho como atravessar uma rua, ou quando uma pessoa explica a outra como se chega a determinado lugar, também está ensinando.

Um número invariável de pessoas que, sem diploma ou créditos em didática ensinam sem saber como as coisas mais incríveis, como a habilidade de se falar a língua e, com ela, os mistérios da composição e arquitetura do mundo(1).

Sendo assim, o ato de ensinar é, por excelência, um ato de comunicação, de partilha de conhecimentos, idéias, sentimentos, crenças ou valores próprios da cultura de um grupo social. O ensino é considerado, há milênios, como o principal sistema de preservação do patrimônio cultural de um grupo, transmitindo-o aos novos integrantes e inserindo-os na vida comum(2). Porém, sabe-se que a aprendizagem não se dá por meio de cópia ou memorização de determinados conteúdos, mas, sim, através das experiências passadas do indivíduo. A aprendizagem é o processo pelo qual o comportamento se modifica em decorrência da experiência, não se restringe à assimilação de conteúdos ou técnicas, mas também a sentimentos e emoções(3-4).

De modo geral, ensinar designa a atividade do professor e o conceito de ensino refere-se à interação professor-aluno, tendo como produto final a aprendizagem(5).

A aprendizagem, porém, não se baseia nas habilidades pedagógicas do professor, nem no conhecimento erudito que tem sobre o assunto, nem de seu planejamento curricular, nem na utilização que faz dos recursos audiovisuais, nem de suas predileções e exposições, nem de abundância de livros, embora em certas ocasiões cada um desses itens possa ser utilizado. Mas a aprendizagem se baseia na qualidade de atitudes que existem no relacionamento pessoal entre o professor (facilitador) e aquele que aprende (o aluno)(6). Sendo assim, o objetivo deste estudo foi:

Identificar os fatores que interferem positiva ou negativamente no processo ensino-aprendizagem, segundo a visão de alunos e docentes do curso de graduação em enfermagem.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa a respeito dos fatores que interferem no processo ensino-aprendizagem de docentes e alunos de Enfermagem da Universidade do Norte do Paraná - UNOPAR, matriculados nos anos de 1998 a 2002. A amostra foi composta por 36 docentes e por 140 alunos que estavam cursando o 2º, 3º e 4º ano do curso de graduação em enfermagem da UNOPAR, e que manifestaram disponibilidade e interesse em participar do estudo, após o conhecimento dos objetivos do mesmo. A escolha dos alunos deu-se através de amostragem por conveniência e o número de alunos e docentes foi determinado através do princípio da pesquisa qualitativa em que se determina o fim da pesquisa decorrente do momento que ocorre a repetição dos dados. Foram excluídos os alunos do 1º ano pelo fato de estarem há pouco tempo no curso de Enfermagem.

Utilizou-se a técnica dos incidentes críticos, assim definida como "um conjunto de procedimentos para a coleta de observações diretas do comportamento humano, de modo a facilitar sua utilização potencial na solução de problemas práticos e no desenvolvimento de amplos princípios psicológicos, delineando também procedimentos para a coleta de incidentes observados que apresentem significação especial e para o encontro de critérios sistematicamente definidos"(7).

Incidente é "qualquer atividade humana observável que seja suficientemente completa em si mesma para permitir inferências e provisões a respeito da pessoa que executa o ato. Para ser crítico um incidente deve ocorrer em uma situação onde o propósito ou intenção do ato pareça razoavelmente claro ao observado, e suas conseqüências sejam suficientemente definidas, para deixar poucas dúvidas no que se refere aos seus efeitos"(7).

Alguns autores utilizaram a técnica de incidentes críticos para identificar as dificuldades e problemas vivenciados pelas pacientes submetidas ao tratamento de cesiomoldagem. Os resultados mostraram que os problemas e dificuldades observados e relatados pelas mulheres estavam relacionados, principalmente, às imposições inerentes ao tratamento e que o papel da enfermeira é importante no planejamento da assistência de enfermagem em cesiomoldagem, a partir da compreensão dos problemas e dificuldades vivenciadas pelas mulheres submetidas a esse tratamento(8).

Os dados foram obtidos por meio da técnica de incidentes críticos. Para isso, utilizou-se de dois instrumentos, um destinado à obtenção de dados entre os alunos e outro à obtenção de dados entre os docentes, os quais eram constituídos por 2 partes: a primeira com perguntas relacionadas à caracterização dos sujeitos e a segunda contendo basicamente duas questões norteadoras que possibilitaram identificar aspectos positivos e negativos relacionados ao processo ensino-aprendizagem no curso de graduação em Enfermagem, segundo a percepção de alunos e docentes do curso.

As entrevistas foram realizadas na sala de estudos da Coordenação de Enfermagem, respeitando a disponibilidade, interesse e privacidade do aluno e docente.

Após garantir-lhes o anonimato, obedecendo às diretrizes e normas regulamentadoras para a pesquisa de seres humanos, através da Resolução 196/96, eram iniciadas as entrevistas. A princípio eram realizadas perguntas sobre sua caracterização e após eram feitas duas perguntas as quais solicitava-se que relatassem situações ocorridas durante atividades em sala de aula, campo de estágio ou laboratório. Foi explicado o significado de incidentes e a definição do termo crítico.

Houve necessidade de citação pela pesquisadora de alguns exemplos de incidentes que possibilitassem a melhor compreensão dos sujeitos. Tomou-se, no entanto, cuidado para não se fazer referência a exemplos que estivessem relacionados com a atividade em estudo. Além das normas que norteiam qualquer pesquisa, no caso dos incidentes críticos deve se tomar alguns cuidados tais como: explicar com clareza o significado de incidentes críticos, esclarecer a conotação do termo crítico, dar um ou dois exemplos que não estejam relacionados diretamente com a atividade desenvolvida e explicitar os critérios que são considerados os episódios relatados como incidentes críticos(9).

A análise dos dados obtidos obedeceu a quatro critérios, sendo leitura e levantamento dos relatos, identificação dos elementos que compreendem o incidente crítico (situação, comportamento e conseqüência), agrupamentos dos relatos e categorização(10).

No primeiro momento, foi realizada a leitura das entrevistas e delas foram retirados os incidentes críticos, inerentes ao processo ensino-aprendizagem, com referências positivas e negativas, segundo a visão de alunos e professores do curso de enfermagem. Após, foi realizada uma segunda leitura, em busca de relatos que estivessem confusos ou que não demonstrassem clareza(7). Assim, oito relatos foram excluídos por não se constituírem em incidentes críticos.

Os incidentes críticos, após exaustiva análise, foram categorizados de acordo com suas semelhanças, considerando os aspectos referentes ao processo ensino-aprendizagem e definidos como categoria conduta do docente na percepção dos alunos, com total de 435 relatos, e interação com o grupo, na percepção dos docentes, com 58 relatos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Obteve-se 435 relatos relacionados à conduta do docente na percepção do aluno, sendo 118 (27,1%) com referência positiva e 317 (72,9%), negativa. Os aspectos agrupados e relacionados com a conduta do docente foram assim configurados: docente dificulta a criatividade do aluno - 133 referências negativas, docente não considera o momento de aprendizagem do aluno, interrompendo esse processo - 73 referências negativas, postura do docente - 43 referências positivas e 89 negativas, docente incentiva o aluno durante o processo de aprendizagem - 36 referências positivas, docente é considerado exemplo ideal de profissional em decorrência de sua atuação - 39 referências positivas, didática imposta pelo docente em sala de aula dificulta o aprendizado do aluno - 20 referências negativas.

Entende-se que o docente é um estimulador da capacidade crítico-criativa e, nesse papel, deve promover a liberdade e desafiar a razão(11) .

No entanto, quando o docente dificulta a criatividade do aluno, isso causa ao mesmo críticas negativas ao docente, como se pode confirmar com o relato a seguir.

"... Estava fazendo estágio em unidade de internação e a professora havia me dado um paciente que necessitava de banho no leito; então ela pediu que fosse arrumar o material enquanto ela iria ver os outros alunos, quando preparava o material a enfermeira pediu-me que realizasse o procedimento logo, pois o paciente iria fazer uma tomografia e o transporte viria buscá-lo logo; tentei avisar a professora mas ela disse para eu esperar, então como não havia bandeja disponível para levar o material, utilizei a tampa de um recipiente como bandeja e levei o material para o quarto, quando estava quase terminando o banho a professora chegou e ficou muito brava disse-me que não poderia ter começado o banho sem ela e onde já se viu pegar uma tampa para fazer de bandeja, mandou que parasse o banho e que fosse arrumar uma bandeja para continuar, não me deixou explicar nada...".

Pode-se identificar neste relato que, apesar da indignação do aluno, em relação à conduta do docente, percebe-se que o mesmo não conhece os princípios científicos de determinadas técnicas, uma vez que considera a utilização de uma tampa como bandeja um procedimento correto, não se preocupando com a finalidade de cada material a ser utilizado e suas implicações junto ao paciente.

Quando o docente não considera o momento de aprendizagem do aluno, interrompendo seu processo, esse recebe referência negativa como pode ser identificado no relato que se segue.

"... meu grupo tinha que apresentar seminário, cada um ficou encarregado por uma parte, como eu era a responsável pela digitação, por esta razão, eu acabei sabendo a parte de todos; eu havia estudado muito, muito mesmo, mas, quando tenho que falar em público fico desesperada. No dia do seminário quando comecei a apresentar coloquei uma transparência com uma tabela, e por ter ficado alguns segundos em silêncio, a professora começou a fazer perguntas sem parar, fiquei desesperada e não conseguia responder, então ela pediu que eu sentasse, me criticou a ponto de insinuar que eu era incapaz e passou a falar todo o meu conteúdo e eu sai da sala de aula para chorar...."

Observa-se no depoimento acima, que apesar do aluno se sentir prejudicado pela forma como o docente conduziu a situação, verifica-se que ocorreu a desarticulação do grupo, pois o aluno se referiu a um trabalho em grupo, porém não foi isso o que ocorreu, cada um fez uma determinada parte do trabalho, e o fato desse aluno ter digitado todo o trabalho, não significa que compreendeu todo o conteúdo. O trabalho em grupo não deve ser visto como uma atividade que será realizada por mais de uma pessoa, e que cada uma fará seu trabalho individualmente e, após, irá uni-lo aos demais.

O trabalho em grupo/equipe "pressupõe compartilhar idéias e sentimentos, diálogo e enfrentamento de conflitos"(12). Atitudes de docente como referido acima causa nos alunos sentimentos de indignação pelo docente e dificuldade no aprendizado. Portanto, se o aluno não for respeitado e considerado integralmente como ser humano, pode apresentar dificuldades para se ver e se relacionar de forma diferente com o outro. Assim, não se pode exigir dele que seja respeitado, por exemplo, quando isso ele não tem ou não aprendeu a valorizar, pois só se oferece ao outro aquilo que se possui(13).

Em outros relatos os alunos referem que a postura do docente pode trazer benefícios ou malefícios para os alunos tais:

"... estávamos tendo aula teórica com um determinado professor, e dois colegas conversavam, a professora que já estava irritada pelo fato dos mesmos terem questionado-a sobre alguns nomes que estavam na sua transparência e que ela não conseguia responder, teve a atitude de colocá-los para fora da sala, isto gerou descontentamento na classe, uma vez que a conversa dos alunos não estava relacionada à critica a professora..."

"... estávamos no laboratório de enfermagem para aprendermos a realizar exame físico, havia alguns colegas que já eram auxiliares e começaram a falar nomes técnicos que nós não conhecíamos, e a criticar quando eu perguntava, a professora chamou a atenção deles e disse que ali dentro ela iria tratar todos como se ninguém soubesse nada e que quem tivesse a coragem de criticar os outros teria que explicar toda a matéria e caso não conseguissem seriam punidos, achei uma postura muito legal, pois e a não deixou que os que sabiam mais, humilhassem os que não sabiam..."

Em relação ao primeiro depoimento, observa-se referência negativa, visto que ocorre desrespeito entre as duas classes (aluno e docente), pois, para que o processo ensino-aprendizagem ocorra de forma adequada e eficiente é necessário que haja respeito, ou seja, que o aluno respeite o docente, realizando as atividades propostas, e que o docente respeite o aluno, compreendendo seu momento de aprendizado, elaborando métodos que incentivem esse processo e respeitando-o como indivíduo em formação. Já, no segundo depoimento, o aluno considerou positiva a atitude do docente em nivelar todos os alunos em um mesmo patamar de conhecimentos, porém, isso vem prejudicar e até mesmo desmotivar os alunos que possuem um embasamento teórico maior. Sabendo-se que o docente deve ser mediador do processo ensino-aprendizagem, o mesmo deve proporcionar aos alunos métodos de aprendizado que no caso em questão, beneficiará os dois lados. Portanto, cada professor é único em sua forma de montar estratégias de ensino que terão influência positiva ou negativa na apreensão de conhecimento pelo aluno em sala de aula(14).

Outros relatos são considerados pelos alunos como benéficos para o seu aprendizado, quando o docente compreende o tempo de aprendizado do aluno e o incentiva. O aluno acredita que os conhecimentos que possui podem ser acessados quando existe, por parte do docente, pelo menos a paciência de esperar que conduza seu pensar, mesmo sem a ajuda dela, para conseguir chegar a conclusões, mesmo que parcialmente corretas(6), como se pode observar a seguir.

"... era a primeira vez que realizava sondagem vesical em uma mulher, estava muito nervosa e com medo de errar, a professora percebeu e foi comigo montar o material, então ela ia me guiando e de forma gentil me dizendo o que estava faltando ou dava dicas; depois foi comigo até a paciente disse para a paciente ficar tranqüila que eu era aluna, mas sabia o que estava fazendo; comecei a abrir os pacotes de material estéril e a professora foi me auxiliando, quando ela percebia que eu ia fazer algo incorreto pegava delicadamente em meu braço e me levava ao caminho certo, quando terminei o procedimento eu sabia que não tinha feito tudo correto, mas a professora chamou-me e disse que eu precisava rever a técnica, mas que estava de parabéns, pois me esforcei para fazer tudo certo...".

Demonstrando, assim, que o docente deve ser o facilitador do processo de aprendizagem, ele deve criar oportunidades para as situações de aprendizagem, um oportunizador das experiências intensas e adequadas, capaz de despertar no aluno a motivação para a pergunta, para uma atitude investigativa que busque soluções e que fundamente sua intervenção na realidade(11).

O aluno espera que o docente seja calmo e compreensivo, que entenda suas falhas por estar começando, que comentem seus erros particularmente para que eles não se repitam(15), como se pode observar no relato a seguir.

"... a professora pediu que fizesse um trabalho, deveria ser científico, mas quando entreguei; ela corrigiu e estava cheio de anotações, quando vi pensei, nossa a professora odiou, mas ao contrário ela disse que era um excelente trabalho, só precisava de algumas modificações e que ela iria me ajudar a publicá-lo, achei a atitude dela muito incentivadora, pois não acreditava que meu trabalho pudesse ter esse resultado..."

É função do educador encaminhar o educando para a descoberta e a prática dos valores por intermédio dos quais a educação ganha sentido e o próprio educando se auto-realiza, o que se efetua por meio do processo ensino-aprendizagem(6)

Verificou-se também relatos com referências positivas em relação a perceber o docente como exemplo ideal de profissional em decorrência de sua atuação.

"...eu estava fazendo estágio em uma maternidade, de repente o bebê nasceu e estava em parada cardiorrespiratória, todos ficaram nervosos, menos a minha professora que iniciou as manobras de reanimação e foi solicitando materiais com tranqüilidade e explicando, quando não sabíamos o que era, como se fosse um atendimento normal; até o médico ficou calmo com a postura dela, o nenê se recuperou e foi para o berçário, e depois daquele dia sonho em ser como ela....".

O aluno, para aprender, precisa realizar um trabalho cognitivo de análise e revisão de seus conhecimentos, a fim de que os conhecimentos sejam realmente significativos e propiciem nível mais elevado de competência. A influência do docente e de sua intervenção pedagógica é que torna significativa a atividade do aluno(5), porém quando a didática imposta por alguns docentes não motiva o aprendizado, essa é vista pelos alunos como referência negativa ao seu aprendizado como se pode verificar abaixo.

"... Uma professora sempre dá aula lendo textos, sentada, e nunca passa os textos antes para a gente, e quando dá a fotocópia antes também não adianta nada, pois ela senta e fica só lendo, não entendo nada e quando eu e meus colegas fomos falar com ela, nos disse que estávamos em uma faculdade e que tínhamos que buscar o nosso próprio conhecimento...".

Aulas monótonas, desinteressantes, falta de feedback têm sido queixas freqüentes. Os alunos lêem pouco, escrevem pouco, praticam pouco e, no entanto, ocupam dois turnos diários durante quatro anos em função da enfermagem(16).

Em relação ao docente, obteve-se 58 relatos relacionados à categoria interação com o grupo, sendo 10 (20,8%) com referências positivas e 48 (79,2%) negativas. Os aspectos agrupados e relacionados à interação com o grupo foram assim configurados: dificuldade de relacionamento entre os alunos - 40 referências negativas, liderança negativa de alguns alunos sobre o grupo - 8 referências negativas, cooperação dos alunos para auxiliar os demais - 10 referências positivas.

A dificuldade de relacionamento entre os alunos foi o fator que recebeu número significativo de referências negativas na percepção docente, como fica implícito no relato abaixo.

"...O que dificulta o processo ensino-aprendizagem do aluno é a dificuldade da maioria no relacionamento uns com os outros, lembro-me de uma dupla de alunos que iriam fazer o Trabalho de Conclusão de Curso juntos, porém tiveram um desentendimento e o trabalho não foi entregue no prazo, a dupla separou-se e cada uma teve que buscar um novo orientador e começar do ponto zero, com isso ficaram prejudicados na avaliação do trabalho, e deixaram de aprender, pois juntos teriam tido a possibilidade de realizar um trabalho muito mais elaborado..."

Sabe-se que o ser humano não foi criado para viver sozinho, necessitando conviver com outros seres humanos, porém, também deve-se ter a consciência que a convivência em grupo é complexa e difícil, pois se deve lembrar que o ser humano é um ser individual com opiniões, crenças e conflitos próprios.

Outro fato que vem contribuir como referência negativa ao processo ensino-aprendizagem são alunos que apresentam liderança negativa sobre sua turma, como se pode verificar com clareza no depoimento do docente, a seguir:

"...tenho uma turma que é considera pela Universidade como "problema", e isto ocorre porque o representante de turma é um líder negativo, ou seja, uma vez pedi que ele entregasse aos colegas um material, para que pudessem fazer um trabalho, porém, além de não entregar o material para os colegas, ele disse que eu não poderia cobrar aquele trabalho deles, pois a explicação dada por mim foi insuficiente para a realização do mesmo; no dia da entrega, como ninguém havia feito o trabalho, por orientação dele, fiquei furiosa, e isto desencadeou um tumulto entre os alunos. Durante as argumentações dos alunos é que descobri que o fato que desencadeou o problema foi a não entrega do material pelo representante, então oportunizei um novo prazo para a entrega e chamei este aluno para conversar e ele tentou de todas as formas não se responsabilizar pelo que havia ocorrido, percebo que estas atitudes vêm prejudicar o ensino, pois neste dia quase não consegui dar aula, porque tive que conseguir fazer com que os alunos compreendessem o que tinha causado o problema..."

Os docentes citaram como referências positivas situações onde há colaboração de outros colegas na tentativa de ajudarem os demais, como descrito a seguir.

"... tinha uma aluna que estava passando por problemas pessoais gravíssimos, e não estava conseguindo assistir as aulas, então ela veio conversar comigo, expondo toda sua situação e conforme tentava falar começava chorar compulsivamente; de repente um colega dela que não sabia da situação e que nem era tão ligado a ela se aproximou e pediu para participar da conversa, ela não se recusou, e naquele momento o colega pediu-me que o deixasse ajuda-la, e eu permiti, ela não só conseguiu recuperar o conteúdo que havia perdido durante todo um bimestre, como também obteve uma das maiores notas na prova, e tudo isso graças a solidariedade de um colega....".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde os primórdios da educação, educadores e educandos buscam a verdadeira essência do processo ensino-aprendizagem. A princípio, o termo processo ensino-aprendizagem parece ter um significado simples, porém é extremamente complexo, sendo necessária uma busca constante pela aprendizagem transformadora, deve ocorrer de forma contínua, transformando gradativamente os sujeitos envolvidos.

Durante a execução deste trabalho, identificou-se aspectos negativos e positivos relacionados ao processo ensino-aprendizagem do curso de enfermagem, sendo que, nos depoimentos relacionados aos alunos, a categoria que obteve um número significativo de referências negativas foi a conduta do docente. Assim, evidencia que os professores apresentam dificuldade para lidar com o despreparo e até mesmo com a imaturidade do aluno durante sua formação no curso de enfermagem. Isso se torna aparente em decorrência do aluno atribuir à conduta do professor grande parte de suas angústias e medos. Visto que a relação professor-aluno deve ser considerada como ponto-chave num processo em que se percebe pessoas distintas, com experiências únicas, sendo aproximadas com o objetivo de troca de conhecimentos, em ambientes e momentos específicos. Os alunos consideram que o processo ensino-aprendizagem em sala de aula pode ser satisfatório quando ocorre qualidade nas relações humanas, onde os alunos destacam os professores que dão atenção, escutam, são honestos e respeitam o outro(14).

Os alunos referiram com ênfase que a aprendizagem foi prejudicada nas situações em que o professor dificultou a criatividade do aluno durante a execução de uma determinada atividade, que puderam ser evidenciadas em decorrência de atitudes ríspidas e autoritárias advindas do professor.

Em relação à interrupção de atividades decorrentes das ordens do professor, observou-se expressivo número de relatos que vão desde substituir um material pelo outro para a execução de atividades, derrubar um pacote de gaze no chão, esquecer a seqüência lógica durante sondagem vesical, esquecer de cortar os esparadrapos para fixação do cateter durante a punção venosa, ou durante a apresentação de seminário o professor interromper e solicitar que o aluno retornasse à carteira, e em quase todas as situações o professor parou a atividade e a executou no lugar do aluno ou, então, chamou a atenção do mesmo perante outras pessoas e não permitiu que continuasse a executar a atividade.

O professor, portanto, precisa refletir acerca de suas atitudes, para que valorize o aluno como um ser em formação, respeite sua experiência de vida, compreenda o momento pelo qual ele passa, para que a aprendizagem seja conduzida de forma eficaz(14).

Em relação aos aspectos positivos e negativos, relacionados ao processo ensino-aprendizagem na percepção do docente, a dificuldade de relacionamento entre os alunos foi a categoria que apresentou número elevado de referências negativas, segundo a percepção do docente, pois, em especial, no curso de Enfermagem, a interação entre as pessoas de um grupo é de suma importância uma vez que o aluno de enfermagem deve ter consciência que, para executar de forma adequada as atividades de sua profissão, terá que trabalhar constantemente em grupo e, para tal, terá que ocorrer um bom relacionamento.

A interação oferece condições para troca de experiências e transformação do conhecimento. A comunicação serve de meio para que essa interação se efetue. O ensino é parte importante desse evento quando permite que o aluno seja participante de seu próprio desenvolvimento.

Outra categoria referida pelos docentes, e que apresentou apenas pontos negativos, foi em relação à liderança negativa de alguns colegas sobre o grupo. A liderança, em geral, é considerada tanto na área de enfermagem, como em outras áreas, como positivo, o líder, freqüentemente, não tem autoridade formal, mas obtém seu poder por intermédio de outros meios, como a influência, por exemplo, e dirigem seguidores dispostos a colaborar(17), porém, quando esse poder é utilizado de forma negativa, especificamente, no processo ensino-aprendizagem ele vem dificultar e conseqüentemente prejudicar o processo.

A cooperação dos alunos, porém, para auxiliar os demais, foi considerada uma categoria positiva, visto que a aprendizagem de um aluno não é responsabilidade apenas do professor, mas de todo um conjunto, que envolve família, professor, sociedade e aluno.

O ensino, portanto, na área da saúde e, mais especificamente, no curso de graduação em enfermagem, deve propiciar aquisição de conhecimentos e mudanças comportamentais, sem perder de vista a vinculação entre teoria e prática(18). Para isso, o docente precisa refletir acerca de suas atitudes, para que valorize o aluno como um ser em formação, respeite sua experiência de vida, compreenda o momento pelo qual ele passa, para que a aprendizagem seja conduzida de forma eficaz(14).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 4.3.2005

Aprovado em: 10.5.2006

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  • 1
    Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Recebido
      04 Mar 2005
    • Aceito
      10 Maio 2006
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