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Lesões na córnea: incidência e fatores de risco em Unidade de Terapia Intensiva

Resumos

Pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) podem apresentar risco para lesão na córnea devido à sedação ou coma. Este estudo teve por objetivo estimar a incidência das lesões na córnea, identificar os fatores de risco e propor modelo de predição de risco para o desenvolvimento de lesão na córnea, em pacientes adultos, em unidade de terapia intensiva, de um hospital público. É estudo de coorte prospectiva de um ano, com 254 pacientes. Os dados foram analisados por estatística descritiva, univariada e de regressão logística. Dos 254 pacientes, 59,4% tiveram lesão na córnea e o tempo médio para o seu aparecimento foi de 8,9 dias. As variáveis independentes que predispõem ao risco para lesão na córnea, tipo puntacta, foram: tempo de internação, outro dispositivo de assistência ventilatoria, presença de edema e piscar de olhos menor que cinco vezes por minuto. Escala de coma de Glasgow e exposição de globo ocular foram as variáveis relacionadas à lesão na córnea do tipo úlcera de córnea. As lesões foram do tipo puntacta (55,1%) e úlceras de córnea (11,8%). Modelos de predição de risco para lesões na córnea do tipo puntacta e úlcera foram estabelecidos.

Doenças da Córnea; Úlcera da Córnea; Fatores de Risco; Diagnóstico de Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermagem


Patients hospitalized in the Intensive Care Unit (ICU) may present risk for corneal injury due to sedation or coma. This study aimed to estimate the incidence of corneal injuries; to identify the risk factors and to propose a risk prediction model for the development of corneal injury, in adult patients, in an intensive care unit of a public hospital. This is a one year, prospective cohort study with 254 patients. The data were analyzed using descriptive statistics, univariate and logistic regression. Of the 254 patients, 59.4% had corneal injuries and the mean time to onset was 8.9 days. The independent variables that predispose to risk for punctate type corneal injury were: duration of hospitalization, other ventilatory support device, presence of edema and blinking less than five times a minute. The Glasgow Coma Scale and exposure of the ocular globe were the variables related to corneal ulcer type corneal injury. The injury frequencies were punctate type (55.1%) and corneal ulcers (11.8%). Risk prediction models for the development of punctate and corneal ulcer type corneal injury were established.

Corneal Diseases; Corneal Ulcer; Risk Factors; Diagnosis of Nursing; Intensive Care Units; Nursing


Pacientes internados en Unidad de Terapia Intensiva (UTI) pueden presentar riesgo de lesión en la córnea debido a la sedación o al coma. Este estudio tuvo por objetivo estimar la incidencia de las lesiones en la córnea; identificar los factores de riesgo y proponer un modelo de predicción de riesgo para el desarrollo de lesión en la córnea, en pacientes adultos, en Unidad de Terapia Intensiva, de un hospital público. Estudio de cohorte prospectivo de un año con 254 pacientes. Los datos fueron analizados por estadística descriptiva, univariada y de regresión logística. De los 254 pacientes, 59,4% tuvieron lesión en la córnea y el tiempo promedio para su aparición fue de 8,9 días. Las variables independientes que predisponen al riesgo de lesión en la córnea tipo punteada fueron: tiempo de internación, otro dispositivo de asistencia ventilatoria, presencia de edema y parpadeo de ojos menor que cinco veces por minuto. La escala de coma de Glasgow y la exposición del globo ocular fueron las variables relacionadas a la lesión en la córnea del tipo úlcera de córnea. Las lesiones fueron del tipo punteada (55,1%) y úlceras de córnea (11,8%). Modelos de predicción de riesgo para lesiones en la córnea del tipo punteada y úlcera fueron establecidos.

Enfermedades de la Córnea; Úlceras Corneales; Factores de Riesgo; Diagnóstico de Enfermería; Unidades de Cuidados Intensivos; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Lesões na córnea: incidência e fatores de risco em Unidade de Terapia Intensiva1

Andreza Werli-AlvarengaI; Flávia Falci ErcoleII; Fernando Antônio BotoniIII; José Aloísio Dias Massote Mourão OliveiraIV; Tânia Couto Machado ChiancaV

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: andwe20@yahoo.com

IIEnfermeira, Doutor em Epidemiologia, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. E-mail: flavia.ercole@gmail.com

IIIMédico, Doutor em Infectologia, Professor Adjunto, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Hospital Risoleta Tolentino Neves, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail:fabotoni@gmail.com

IVMédico, Hospital São Geraldo, Belo Horizonte, MG, Brasil. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. E-mail: massote84@yahoo.com.br

VEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. E-mail: tchianca@enf.ufmg.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) podem apresentar risco para lesão na córnea devido à sedação ou coma. Este estudo teve por objetivo estimar a incidência das lesões na córnea, identificar os fatores de risco e propor modelo de predição de risco para o desenvolvimento de lesão na córnea, em pacientes adultos, em unidade de terapia intensiva, de um hospital público. É estudo de coorte prospectiva de um ano, com 254 pacientes. Os dados foram analisados por estatística descritiva, univariada e de regressão logística. Dos 254 pacientes, 59,4% tiveram lesão na córnea e o tempo médio para o seu aparecimento foi de 8,9 dias. As variáveis independentes que predispõem ao risco para lesão na córnea, tipo puntacta, foram: tempo de internação, outro dispositivo de assistência ventilatoria, presença de edema e piscar de olhos menor que cinco vezes por minuto. Escala de coma de Glasgow e exposição de globo ocular foram as variáveis relacionadas à lesão na córnea do tipo úlcera de córnea. As lesões foram do tipo puntacta (55,1%) e úlceras de córnea (11,8%). Modelos de predição de risco para lesões na córnea do tipo puntacta e úlcera foram estabelecidos.

Descritores: Doenças da Córnea; Úlcera da Córnea; Fatores de Risco; Diagnóstico de Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermagem.

Introdução

Na unidade de terapia intensiva (UTI) estão internados pacientes gravemente doentes e, geralmente, dependentes de tecnologias e do uso de medicamentos para a manutenção da vida. Esses pacientes estão em risco para o desenvolvimento de lesão na córnea devido a múltiplos fatores, entre eles a causa de maior destaque é a exposição ocular(1). A atuação do enfermeiro intensivista na prevenção e no monitoramento para a identificação de alterações na córnea é de fundamental importância(2-4).

A lesão na córnea é lesão inflamatória ou infecciosa no tecido corneano que pode atingir camadas superficiais ou profundas, sendo classificada em traumática, superficial, infecciosa, degenerativa, ceratocone e miscelânea(5-7). Em UTI de adultos, as lesões mais frequentes são do tipo traumática, superficial e infecciosa(1,8-14).

A lesão traumática mais frequente em pacientes internados na UTI é a abrasão corneana. Trata-se de lesão superficial no epitélio, passível de implementação de cuidados para a sua regressão(1-14). As lesões superficiais referem-se à ceratite puntacta superficial e à ceratite de exposição. Elas podem ser causadas pela exposição ocular, com fechamento palpebral ineficaz e qualidade lagrimal inadequada(1-4). Dentre as lesões infecciosas mais comuns tem-se as ceratites infecciosas ulcerativas ou úlceras de córnea bacteriana(1-14). Essas lesões podem ser prevenidas ou tratadas adequadamente. Por outro lado, podem levar a prejuízo visual temporário ou definitivo, dependendo do grau de acometimento tissular.

Nessa direção, nos pacientes internados em UTI, os mecanismos responsáveis pela lubrificação e proteção ocular podem estar comprometidos. A pálpebra está preservada em pacientes sedados/comatosos, desde que sua integridade esteja mantida(5).

Os olhos, normal,mente, são mantidos fechados durante o período do sono devido à contração do músculo orbicular ocular. Nos estados de sedação ou coma ocorre o relaxamento do músculo orbicular ocular, reduzindo a sua contração, o que dificulta o completo fechamento ocular passivo. Adicionalmente, a sedação e o coma podem comprometer os movimentos oculares aleatórios, a perda do reflexo de piscar e o comprometimento do filme lacrimal. Outros fatores intervenientes na formação do filme lacrimal incluem a administração de medicamentos como atropina, anti-histamínicos e antidepressivos tricíclicos. Esses fatores comprometem seriamente as defesas corneanas e conjuntivais(13) e podem resultar em queratopatia superficial e doenças inflamatórias na córnea, levando à ulceração e perfuração, danos permanentes. Essas exposições podem ocorrer em pacientes internados em UTI, em média, de 48 horas de internação a uma semana(9,13).

Em estudos randomizados e controlados(1,8,12), a taxa de ocorrência de lesão na córnea em pacientes de UTI permaneceu entre 3,33 e 22%. Outro estudo aponta que 60% dos pacientes internados em UTI que recebem sedação por mais de 48 horas desenvolvem abrasão corneana, detectada em 42% dos casos na primeira semana de internação. Por sua vez, a abrasão leva a risco elevado de infecções e ulcerações(13).

Estudo para estimar a incidência e fatores de risco para lesão corneana, em pacientes internados em UTI, é necessário, dado que o problema é atual e relevante. Assim, este estudo teve como objetivo estimar a incidência de lesões na córnea, identificar os fatores de risco e propor modelo de predição de risco de desenvolvimento de lesão na córnea. Considera-se importante que diagnósticos de enfermagem sejam identificados em pacientes críticos, em estudos de incidência, inicialmente, como é o caso do estudo proposto. Acredita-se que a identificação de diagnósticos de enfermagem favoreça o melhor planejamento da assistência, melhor comunicação entre enfermeiros e equipe, além do reconhecimento de fenômenos considerados importantes para investigação e descrição.

Métodos

Trata-se de estudo de coorte prospectiva, realizado em uma UTI de pacientes adultos de um hospital público, em Belo Horizonte, MG. Esse é um hospital geral de grande porte, conta com 30 leitos de UTI para internação de pacientes nas especialidades clínicas e cirúrgicas. É referência para urgências, emergências traumatológicas e não traumatológicas do Sistema Único de Saúde (SUS).

O cálculo amostral foi baseado em uma incidência global do evento de interesse (lesão na córnea) de 57,1% em estudo piloto realizado previamente. Considerando uma margem de erro de 10%, nível de significância de 5% (erro tipo I) e poder de 90% (1-erro tipo II), estimou-se amostra aleatória sistemática de, aproximadamente, 254 sujeitos.

Os critérios para inclusão dos pacientes foram: ter mais de 18 anos, não apresentar lesão na córnea na admissão, permanecer internado na UTI por período superior a 24 horas e consentir em participar da pesquisa ou ter sua participação autorizada pelo responsável, através do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento construído e testado no estudo piloto, contendo as variáveis sociodemográficas, clínicas e fatores de risco para o desenvolvimento de lesão na córnea, identificados na literatura(1,8-9,11-14).

As variáveis dependentes para a determinação da incidência foram lesão na córnea e tipo de lesão na córnea - puntacta e úlcera de córnea. As variáveis independentes (fatores de risco para lesão na córnea), selecionadas na literatura(1,8-9,11-14), foram: UTI, grau de contaminação da cirurgia, modo ventilatório, idade, sexo, procedência, tempo de internação na UTI, tempo de internação até o aparecimento da lesão na córnea, Acute Physiology and Chronic Health Disease Classification System II - APACHE II, Terapheutic Interventions System Score (TISS 28), tipo de paciente, American Society of Anesthesiologists (ASA), diagnóstico médico, tempo de pós-operatório, estimativa de peso, estimativa de altura, presença de edema, localização do edema, sedação, escala de coma de Glasgow (ECG), escala de sedação de Ramsay, entubação, traqueostomia (TQT), outro dispositivo de assistência ventilatória, ventilação mecânica (VM), tempo de VM, ventilação não invasiva (VNI), tempo de VNI, fração inspirada de oxigênio (FiO2), pressão expiratória final (PEEP), piscar de olhos por minuto, exposição do globo ocular, grau de exposição do globo ocular, hemorragia conjuntival, colonização/infecção ocular, secreção do olho direito e do esquerdo, microrganismo do olho direito e do esquerdo, pneumonia, medicamentos em uso, estado nutricional, balanço hídrico acumulado (BHA), grau de elevação da cabeceira, fixação do tubo orotraqueal (TOT) ou TQT,,temperatura da unidade, dosagem de albumina, contagem de leucócitos, dosagem de proteínas totais e dosagem de sódio sérico.

Antes de iniciar a coleta de dados uma enfermeira e um médico intensivista foram capacitados para a avaliação da córnea, por um oftalmologista. Essa capacitação consistiu de conteúdo teórico-prático sobre lesão na córnea. O oftalmologista foi considerado padrão-ouro para a realização da avaliação da córnea. Foi encontrado coeficiente Kappa de 0,77 (concordância substancial) entre o médico intensivista e o oftalmologista e de 0,88 (concordância quase perfeita) entre a enfermeira intensivista e o oftalmologista. Foi calculado o coeficiente alfa de Cronbach para avaliar a consistência interna e confiabilidade da avaliação. Encontrou-se valor de 0,91 que mostra excelente confiabilidade no teste realizado.

O estudo piloto teve duração de 30 dias e permitiu estimar o tempo médio de coleta dos dados, testar o instrumento e realizar o cálculo da amostra. Após o alcance da concordância entre os examinadores, testes dos instrumentos e cálculo da amostra, o estudo foi realizado de maio de 2008 a maio de 2009.

A coleta de dados foi realizada pela enfermeira intensivista, cinco vezes por semana. Para a avaliação corneana foi instilada uma gota de fluoresceína em cada olho do paciente e aguardava-se, aproximadamente, três minutos. Em seguida, o oftalmoscópio com luz de cobalto para avaliação da córnea foi posicionado sob luz ambiente muito baixa, para melhor qualidade do exame. A coleta das culturas da secreção da conjuntiva com antibiograma foi realizada após 24 horas de internação e quando os pacientes apresentavam sinais e sintomas de infecção ocular. Para a coleta do material foram utilizadas duas alças plásticas e dois meios de cultura de ágar chocolate.

Os dados obtidos foram transferidos, tratados e processados no programa Statistics Package for Social Science (SPSS), versão 16.0, e no Minitab 15.1. Foi procedida dupla digitação para evitar erros de digitação. A análise descritiva foi conduzida com utilização de distribuições de frequências simples, medidas de tendência central (média e mediana) e medidas de variabilidade (desvio padrão). A incidência de lesão na córnea e a identificação dos fatores de risco para a lesão foram determinadas. Análise univariada foi conduzida e medidas de associação entre as variáveis dependentes e independentes foram calculadas através do teste qui-quadrado (c2) ou do teste exato de Fisher, no caso de variáveis qualitativas. Para as variáveis quantitativas, foi realizado o teste t de Student para comparação de dois grupos (associação com lesão puntacta e úlcera de córnea).

Em todos os testes foi utilizado nível de significância de 5% (α=0,05). Para estimar a força da associação das variáveis dependentes com as independentes foi usada a odds ratio (OR), com intervalo de confiança de 95% e valor de p=0,05.

Regressão logística múltipla foi realizada para estimar modelos de predição de risco para lesão na córnea, puntacta e úlcera de córnea, através do método Forward. O teste de Hosmer e Lemeshow foi utilizado para avaliar a adequação dos modelos estimados.

As variáveis utilizadas para estimar os modelos eram as variáveis independentes que, na análise univariada, foram consideradas estatisticamente significativas (p£0,20). Excluídas algumas variáveis independentes por estarem correlacionadas a outras variáveis já incluídas no modelo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais, Parecer COEP/UFMG, Protocolo nºETIC 008/08.

Resultados

Caracterização dos pacientes

Dos 254 sujeitos obteve-se que a maioria (66,1%) era do sexo masculino. Apenas 21,7% eram pacientes cirúrgicos, e 63,4%, procedentes de leitos no pronto-socorro para pacientes críticos. A média de idade foi de, aproximadamente, 55,9 anos (18-100). A média do APACHE II foi de 19 e do TISS 28 de 37,2. O tempo médio de aparecimento de lesão na córnea foi de 8,9 dias. No período de coleta de dados, houve perda de 60 pacientes (23,6%) por óbito e 194 (76,4%) pacientes referenciados, sendo 187 (96,4%) para unidades de internação. Em relação aos dispositivos de assistência ventilatória, 199 (78,3%) estavam entubados, 200 (78,7%) em ventilação mecânica e 199 (78,3%) em uso de outro dispositivo de assistência ventilatória. A macronebulização foi utilizada em 114 (57,3%) pacientes, e, apenas em 16 (6,3%), a ventilação não invasiva. Quanto à secreção conjuntival, encontrou-se 48 (18,89%) infecções oculares, no olho direito 27 (10,6%) e no esquerdo 21 (8,3%). 10 (3,94%) pacientes apresentaram infecção em ambos os olhos. Em relação ao diagnóstico médico à admissão na UTI, as doenças pulmonares foram as mais frequentes, atingindo 91 (35,8%) pacientes.

Incidência e fatores de risco de lesão na córnea dos pacientes incluídos no estudo

Dos 254 sujeitos foram identificadas 151 lesões na córnea. A incidência global desse tipo de lesão foi de 59,4% para o período de estudo. A incidência de lesão na córnea do tipo puntacta foi de 55,1% e de úlcera de córnea, de 11,8%. O número de lesões do tipo úlcera de córnea foi calculado tomando por base o número de úlceras identificado na primeira avaliação mais o número de lesão tipo puntacta que evoluíram para úlcera de córnea, no período estipulado para o estudo. Houve regressão da lesão do tipo puntacta em 14,3%.

Modelo de predição de risco para lesão na córnea

As variáveis qualitativas que apresentaram associação significativa (p£0,05) à lesão na córnea foram: procedência do paciente, tipo de paciente, presença de doença neurológica, entubação, ventilação mecânica ou TQT, utilização de outro dispositivo de assistência ventilatória, pneumonia, resultado da cultura da secreção conjuntival, resultado da cultura da secreção conjuntival do olho esquerdo, presença de edema, localização do edema, paciente sedado, piscar de olhos por minuto, exposição do globo ocular, área de exposição do globo ocular, presença de hemorragia conjuntival, uso de drogas vasoativas, uso de anti-hipertensivos, uso de antibióticos (ATB), uso de diuréticos, uso de hipnóticos/sedativos/ansiolíticos, uso de antifúngicos, utilização de outra droga não categorizada, uso de vitaminas, uso de broncodilatadores, uso de bloqueadores musculares e fixação do TOT/TQT/macronebulização/CN.

As variáveis quantitativas que apresentaram associação significativa (p£0,05) à lesão na córnea foram: tempo de internação, tempo de internação até o aparecimento/regressão da lesão na córnea, idade, APACHE II; TISS 28, PEEP, tempo de VM em dias, ECG e BHA.

A probabilidade de um paciente desenvolver uma lesão na córnea foi estimada no modelo preditivo de risco com a equação de regressão logística, através do método Forward. No ajuste do modelo, foram utilizadas como variáveis independentes aquelas consideradas estatisticamente significativas (p£0,05) para lesão na córnea (Tabela 1).

Modelo de predição de risco para lesão na córnea do tipo puntacta

As variáveis qualitativas com associação significativa (p£0,05) para lesão do tipo puntacta foram: procedência, tipo de paciente, doença renal, doença neurológica, entubação/VM ou TQT, outro dispositivo de assistência ventilatória, PNM, resultado da cultura da secreção conjuntival do olho direito, presença de edema, paciente sedado, piscar de olhos por minuto, exposição do globo ocular, área de exposição ocular, uso de anti-hipertensivos, uso de drogas vasoativas, uso de diuréticos, uso de hipnóticos/sedativos/ansiolíticos, uso de vitaminas, uso de broncodilatadores, uso de bloqueador muscular e fixação do TOT/TQT/macronebulização/CN. As variáveis quantitativas com associação significativa (p£0,05), para lesão do tipo puntacta, foram: tempo de internação, idade, APACHE II, TISS 28, PEEP, tempo de VM em dias e ECG.

A probabilidade de um paciente desenvolver uma lesão na córnea do tipo puntacta foi estimada no modelo de predição de risco, através do método Forward (Tabela 2).

Modelo de predição de risco para lesão na córnea do tipo úlcera de córnea

As variáveis no modelo de predição para lesão na córnea do tipo úlcera de córnea com significância estatística foram: tempo de internação, outro dispositivo de assistência ventilatória, presença de edema e piscar de olhos por minuto. As variáveis quantitativas que apresentaram associação significativa (p£0,05) à úlcera de córnea foram: APACHE II, TISS 28, peso, tempo de VM em dias e ECG.

A probabilidade de um paciente desenvolver uma lesão na córnea do tipo úlcera de córnea foi estimada no modelo de predição de risco, através do método Forward (TAB3).

Tabela 3

Apesar de conter apenas duas variáveis (exposição do globo ocular e escala de coma de Glasgow com valores entre 11 e 15), o valor de R2 indica que esse modelo é capaz de explicar 74,2% da variabilidade da probabilidade de desenvolvimento de úlcera de córnea. Além disso, é possível concluir, através do teste de Hosmer e Lemeshow, que o modelo é adequado para estimar a probabilidade de desenvolvimento de úlcera de córnea (p=0,31). O percentual total de acerto na predição da resposta, através da equação estimada, foi de 89,1% (95,5% de acerto nos negativos e 37% nos positivos). É importante observar que o valor da OR, para a escala de coma de Glasgow, foi igual a -0,253, indicando que, a cada aumento de uma unidade na escala, a probabilidade de desenvolver úlcera de córnea diminui em 0,253 vezes.

Discussão

Entre os 254 pacientes internados na UTI, verificou-se que 151 apresentaram lesões nas córneas, do tipo puntacta e de úlceras de córnea. A incidência de lesões do tipo puntacta encontrada foi de 55,1% e de úlcera de córnea de 11,8%. Ao somar as duas, esse número é maior que 59,4%, uma vez que 19 lesões do tipo puntacta evoluíram para úlcera de córnea no período de estudo. Estudos(15-16) estimaram incidência de lesão na córnea entre 20 e 40%, entretanto, eles não descrevem as características dos pacientes estudados. Por sua vez, os estudos(1,8-9,12) estimaram incidência entre 3,33 e 42%. Vale salientar que os estudos citados acima foram desenvolvidos em países em contexto social diferente do Brasil.

Os cuidados de enfermagem para a prevenção de lesões na córnea devem ser estabelecidos na admissão do paciente em UTI e naqueles em risco para lesão, oriundos de outras unidades de internação, dada a alta incidência encontrada (59,4%) no presente estudo.

Ao considerar que a úlcera de córnea é um tipo de lesão que, muitas vezes, pode deixar como sequela o leucoma(5), é imperiosa a sua prevenção quando, ainda, essa se encontra no estágio de lesão tipo puntacta. Houve regressão da puntacta em 14,3% dos casos. Esse número foi estimado somente para esse tipo de lesão, pois é o tipo de lesão que regride sem tratamento médico. Nesse estágio, o enfermeiro pode oferecer o cuidado qualificado por meio da detecção precoce e intervenções de enfermagem com vistas à sua regressão sem tratamento médico.

O tempo médio de aparecimento de lesão na córnea foi de 8,9 dias. Esse é o período crítico de internação para o paciente desenvolver uma lesão na córnea. Durante essa fase, o enfermeiro e equipe médica devem, obrigatoriamente, realizar a avaliação corneana para que ações de prevenção sejam implementadas. Estudo(12) apresenta tempo médio de aparecimento da lesão entre 48 horas e 7 dias. Há escassez de estudos que estimem o tempo médio para aparecimento de lesão e a implementação de cuidados com a córnea em pacientes internados em UTI, no Brasil, o que dificulta a comparação e análise dos dados.

As variáveis que apresentaram associação significativa (p£0,05) à lesão na córnea foram: procedência do paciente, tipo de paciente, presença de doença neurológica, entubação, ventilação mecânica ou TQT, utilização de outro dispositivo de assistência ventilatória, pneumonia, resultado da cultura da secreção conjuntival, resultado da cultura da secreção conjuntival do olho esquerdo, presença de edema, localização do edema, paciente sedado, piscar de olhos por minuto, exposição do globo ocular, área de exposição do globo ocular, presença de hemorragia conjuntival, uso de drogas vasoativas, uso de anti-hipertensivos, uso de antibióticos (ATB), uso de diuréticos, uso de hipnóticos/sedativos/ansiolíticos, uso de antifúngicos, utilização de outra droga não categorizada, uso de vitaminas, uso de broncodilatadores, uso de bloqueadores musculares e fixação do TOT/TQT/macronebulização/CN, tempo de internação, tempo de internação até o aparecimento da lesão na córnea, idade, APACHE II, TISS 28, PEEP, tempo de VM em dias, ECG e BHA. As variáveis no modelo preditivo para lesão na córnea foram as seguintes: tempo de internação até aparecimento/regressão da lesão, presença de TOT/VM/TQT, piscar de olhos por minuto e uso de bloqueador muscular.

A literatura(1,8-14) aponta como possíveis fatores de risco para lesão na córnea: entubação, ventilação mecânica ou TQT, resultado da cultura da secreção conjuntival, edema, sedação, piscar de olhos por minuto, exposição do globo ocular;,área de exposição do globo ocular, uso de hipnóticos/sedativos/ansiolíticos, APACHE II, TISS 28, PEEP, tempo de VM em dias e ECG. Algumas dessas variáveis foram confirmadas como fatores de risco nos modelos de predição aqui construídos como entubação, ventilação mecânica ou TQT, resultado da cultura da secreção conjuntival, piscar de olhos por minuto e presença de edema, entre outras.

A partir do modelo preditivo de risco observou-se que, a cada aumento de uma unidade no tempo de internação, a probabilidade de desenvolver a lesão diminui em 0,11. Esse dado pode ser explicado pela melhora no quadro clínico do paciente com o aumento do tempo de internação. Ele não estaria mais entubado, em ventilação mecânica ou traqueostomia e apresentaria reflexo de piscar adequado. Essas variáveis foram estimadas pelo modelo como fatores de risco para lesão na córnea.

A entubação, VM ou TQT aumenta em 117,11 vezes a chance de um paciente desenvolver uma lesão na córnea, quando comparado àqueles que não estão em uso desses dispositivos, mantendo as outras variáveis constantes. Esse achado é corroborado por vários estudos(1,8-17).

O piscar de olhos menos que cinco vezes por minuto aumenta em 45,46 vezes a chance de um paciente desenvolver uma lesão de córnea, quando comparado aos que piscam mais de cinco vezes por minuto, mantendo as outras variáveis constantes. Esse fator de risco é confirmado em estudo(10) onde é proposto protocolo de cuidados oculares, de acordo com o número de vezes em que o paciente internado em UTI pisca os olhos por minuto. Essa é importante variável em relação ao risco para lesão na córnea.

Por sua vez, pode-se concluir que pacientes que usam bloqueador muscular têm chance 14,085 vezes maior de desenvolver uma lesão na córnea, quando comparados àqueles nos quais esse não foi administrado. Em tais casos, muitas vezes, o paciente pode apresentar exposição do globo ocular quando em bloqueio muscular(2).

Não foi identificado na literatura estudo que estimasse os fatores de risco para lesão do tipo puntacta e do tipo úlcera de córnea, portanto, não é possível estabelecer comparação com os resultados encontrados no presente estudo. Nos trabalhos disponíveis(1,8,13), os fatores de risco são estabelecidos a partir da fisiopatologia da lesão.

Para a lesão do tipo puntacta, a cada aumento de uma unidade no tempo de internação, a probabilidade de desenvolver a lesão aumenta em 0,03 vezes. Esse dado pode ser explicado pelo perfil de gravidade do paciente. Quanto mais grave o estado clínico dele, maior seu tempo de internação, consequentemente, maior o risco para o desenvolvimento de uma lesão na córnea.

Outro achado relevante no presente estudo é o de que um fator de risco para lesão do tipo puntacta, apresentado pelos pacientes, foi a utilização de outro dispositivo de assistência ventilatória, como macronebulização, máscara de Venturi e cateter nasal. Pacientes em uso de algum desses dispositivos têm chance 1,96 vezes maior de desenvolver lesão do tipo puntacta, quando comparados aos que não estão em uso de algum deles, mantendo as outras variáveis constantes. Esse dado pode ser explicado pela exposição corneana ao oxigênio com concentração maior que 21%(17).

É possível concluir que pacientes que apresentam edema têm chance 1,86 vezes maior de desenvolver lesão do tipo puntacta quando comparados àqueles que não apresentam, se as outras variáveis são mantidas constantes. Esse dado é apontado como fator de risco para lesão na córnea por diversos autores(1,8-13).

A exposição do globo ocular aumenta em 2,7 vezes a chance de um paciente desenvolver uma úlcera de córnea, quando comparado àqueles que não apresentam exposição, mantendo as outras variáveis constantes. Esse dado é também corroborado pela literatura(1,8-14), pois, na exposição da íris, a córnea também permanece exposta. Sem mecanismos de lubrificação, ela pode apresentar lesões em seu epitélio. Quando é mantido o estado de desidratação, pode haver lesão endotelial e, consequentemente, úlcera de córnea.

Conclusões

A incidência da lesão do tipo puntacta encontrada neste estudo foi maior que as das demais lesões na córnea. A prevenção de lesão do tipo puntacta em pacientes em UTI de adultos é essencial e deve ser implementada pelo enfermeiro intensivista.

No modelo final, as variáveis que predispõem ao risco para o desenvolvimento de lesão na córnea são: tempo de internação até o aparecimento/regressão da lesão, entubação, VM ou TQT, piscar de olhos por minuto e uso de bloqueador muscular. As variáveis que predispõem ao risco para lesão na córnea do tipo puntacta são: tempo de internação, outro dispositivo de assistência ventilatória, presença de edema e piscar de olhos por minuto. A variável que predispõe ao risco para lesão na córnea do tipo úlcera de córnea é exposição do globo ocular e escala de coma de Glasgow, com valores entre 11 e 15.

Pelo estudo realizado, pode-se afirmar ser de fundamental importância um diagnóstico de enfermagem que contemple o risco para lesão na córnea, devido à alta incidência de um tipo de lesão passível de prevenção por parte da enfermagem.

O caráter pontual do estudo, realizado com determinado grupo de pacientes em hospital público e de ensino, pode ser apontado como fator limitador, necessitando de estudo multicêntrico para legitimar a validade externa do estudo.

Referências

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  • Corresponding Author:
    Tânia Couto Machado Chianca
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Aceito
      22 Jun 2011
    • Recebido
      10 Nov 2010
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