Acessibilidade / Reportar erro

Participação de adolescentes na Estratégia Saúde da Família a partir da Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora

Resumos

OBJETIVO:

avaliar a participação de adolescentes na Estratégia Saúde da Família, a partir da Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora.

MÉTODO:

estudo quantitativo, realizado de dezembro de 2010 a março de 2011, com 213 profissionais da Estratégia Saúde da Família, na região do Cariri, Ceará, Brasil. Os dados foram coletados através de questionário e organizados no Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0.

RESULTADOS:

o nível de Participação Normativa torna-se manifesto a partir da busca do adolescente pelo serviço de saúde, motivada pela doença (77,9%). A Participação Normativa + Independência aparece quando os mesmos buscam o pré-natal e o planejamento familiar. A Participação Emancipatória foi identificada através da frequência dos adolescentes em atividades de grupo, nas escolas, sendo observado um movimento em direção ao nível de Participação Transformadora.

CONCLUSÃO:

nesse contexto, entende-se que existe necessidade de estimular o processo participativo dos adolescentes para a mudança na promoção da saúde desse grupo.

Adolescente; Saúde da Família; Participação Comunitária


OBJECTIVE:

to evaluate the participation of adolescents in the Family Health Strategy, from the theoretical-methodological structure of an enabler to participation.

METHOD:

a quantitative study, conducted from December of 2010 to March of 2011, with 213 professionals in the FHS in the region of Cariri-Ceará-Brazil. Data were collected through a questionnaire and organized in SPSS 18.0.

RESULTS:

the level of normative participation becomes manifest beginning with the adolescent search for health services, motivated by disease (77.9%). Normative participation + independence appear when they seek prenatal care and family planning. Emancipatory participation was identified by the frequency of adolescents in group activities, in the schools, and a move in the direction of the level of transformative participation was observed.

CONCLUSION:

in this context, it is understood that there exists a need to stimulate the participatory process of the adolescents for a change in health promotion in this group.

Adolescent; Family Health; Consumer Participation


OBJETIVO:

evaluar la participación de los adolescentes en la Estrategia de Salud de la Familia, de la estructura teórico-metodológica de un facilitador a la participación.

MÉTODO:

un estudio cuantitativo, realizado a partir de diciembre de 2010 a marzo de 2011, con 213 profesionales de la ESF en la región de Cariri-Ceará-Brasil. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario y se organizaron en SPSS 18.0.

RESULTADOS:

el nivel de participación normativo se pone de manifiesto comenzando la busqueda de servicios de salud por los adolescentes, motivados por enfermedad (77,9%). Aparecen la participación normativa + independencia cuando buscan atención prenatal y planificación familiar. Se idenificó la participación emancipadora por la frecuencia de adolescentes en actividades de grupo, en las escuelas, y se observó un movimiento en la dirección del nivel de participación transformadora.

CONCLUSIÓN:

en este contexto, se entiende que existe una necesidad de estimular el proceso de participación de los adolescentes para un cambio en la promoción de la salud en este grupo.

Adolescente; Salud de la Familia; Participación Comunitária


Introdução

Compreendendo-se que o desenvolvimento de ações direcionadas aos adolescentes, sejam elas na área da saúde ou não, exige enfoque mais amplo, englobando não apenas os aspectos técnicos e biológicos, mas, também, os aspectos psicossociais, históricos, sociais, culturais, políticos, valores e comportamentos( 11. Ferrari RAP, Thomson Z, Melchio R. Adolescência: ações e percepção dos médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família. Interface - Comunic, Saúde, Educ. 2008;12(25):387-400. ), a visão puramente biologista faz com que o processo de entendimento do adolescente não aconteça em sua totalidade, restringindo as relações e o atendimento às necessidades desse público.

Tendo em vista essa complexidade de atenção ao adolescente, no que diz respeito às suas vivências e manifestações, diante de situações vulnerabilizantes, em especial aquelas relacionadas à sua saúde, pode-se afirmar que a Estratégia Saúde da Família (ESF) se configura como um modelo de atenção à saúde que pode favorecer a mudança da saúde do adolescente, por meio da capacidade de promover assistência integral continuada, amparada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)( 22. Vieira RP, Machado MFAS, Bezerra IMPB, Machado CA. Assistência à saúde e demanda dos serviços na estratégia saúde da família: a visão dos adolescentes. Cogitare Enferm. 2011;6(4):714-20. ).

Apesar da relevância da ESF, em direção à saúde do adolescente, percebe-se, na rotina dos atendimentos das Unidades Básicas de Saúde (UBS), baixa frequência de adolescentes no serviço e pouca oferta de ações específicas para os mesmos, mostrando que as ações voltadas à sua saúde ainda deixam a desejar( 33. Ferrari RAP, Thomson Z, Melchio R. Atenção à saúde dos adolescentes: percepção dos médicos e enfermeiros das equipes da saúde da família. Cad Saúde Pública. 2006;22(11):2491-5. ).

Existe, portanto, a necessidade de efetivação das políticas públicas existentes para ampliar o acesso dos adolescentes ao serviço de saúde e de mudanças nas práticas dos profissionais da Saúde da Família( 11. Ferrari RAP, Thomson Z, Melchio R. Adolescência: ações e percepção dos médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família. Interface - Comunic, Saúde, Educ. 2008;12(25):387-400. ), sendo esses os responsáveis pelo desenvolvimento de ações que atendam às necessidades locais e às peculiaridades da atenção aos adolescentes( 44. Ministério da Saúde (BR). Saúde integral de adolescentes e jovens: orientações para a organização de serviços de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. ) e de estratégias de captação que facilitem o acesso e potencialização das relações.

A ampliação desse acesso visa proporcionar a consolidação da atenção integral à saúde desse público, ao passo que estimula a participação dos adolescentes nos serviços da atenção básica, contribuindo para melhoria da qualidade de vida dos mesmos e, consequentemente, modificando o perfil de saúde da comunidade.

Nesse ponto, cabe fazer referência à relevância do processo participativo dos adolescentes, com vistas à promoção da saúde e efetivação do Sistema Único de Saúde, que pode ser evidenciado através da conceituação do termo promoção da saúde como um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e saúde, envolvendo maior participação no controle desse processo( 55. Ministério da Saúde (BR). Promoção da saúde: Carta de Ottawa, Declaração de Adelaide, Declaração de Sundsvall, Declaração de Jacarta, Declaração de Bogotá. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001. ).

Essa participação possibilita ao indivíduo a formação de uma consciência crítica sobre a realidade na qual está inserido, e, a partir disso, esse pode se tornar um ser autônomo e emancipado. Esse tipo de participação é denominado participação habilitadora, cuja finalidade é estabelecer um processo participativo, pois é tarefa importante para os profissionais de saúde, buscando desenvolver e valorizar a ação participativa e as habilidades dos indivíduos, para que esses possam exercer uma força social e agir em prol da coletividade( 66. Machado MFAS, Vieira NFC, Silva RM. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(4):2133-43. ).

Nesse sentido, os profissionais da ESF devem reconhecer o nível de participação dos adolescentes nos serviços de saúde, a influência do processo de participação na promoção da saúde dos mesmos, refletir sobre a relevância de suas ações e utilizar tais achados no redirecionamento das práticas assistenciais.

A partir das reflexões levantadas até aqui, este estudo foi conduzido a partir das seguintes perguntas norteadoras: quais as formas de participação dos adolescentes na Estratégia Saúde da Família? Qual o nível de participação dos adolescentes na ESF? Que ações os profissionais da ESF realizam em direção à participação dos adolescentes? Quais dificuldades são apontadas por esses profissionais no processo de participação dos adolescentes? Para responder a esses questionamentos, objetivou-se avaliar a participação de adolescentes na Estratégia Saúde da Família, a partir da Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora.

Método

Trata-se de estudo descritivo, de caráter exploratório, transversal, financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), realizado em municípios da Região do Cariri, sul do Estado do Ceará, Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, além de adotar abordagem quantitativa. A população de estudo foi composta por cirurgiões-dentistas, enfermeiros e médicos, inseridos na ESF nos municípios supracitados.

O processo de abordagem probabilística foi o de amostragem estratificada, no qual o número de profissionais de cada classe, atuantes nas Unidades Básicas de Saúde, foi estratificado segundo os municípios. Em cada estrato, o tamanho da amostra foi calculado considerando uma margem de erro de 10 Pontos Percentuais (pp), um nível de confiança de 95% e uma proporção p=0,5, de modo a maximizar o tamanho da amostra.

Os dados foram coletados no período de dezembro de 2010 a março de 2011, período no qual havia 110 Equipes de Saúde da Família implantadas nos três municípios (21 em Barbalha, 28 no Crato e 61 em Juazeiro do Norte), perfazendo o total de 289 profissionais. Com base no cálculo do tamanho da amostra, fizeram parte do estudo 213 sujeitos. Foi realizado, ainda, um sorteio aleatório das unidades de saúde no programa Excel.

A técnica empregada para o levantamento de dados foi a aplicação de um questionário, construído a partir das diretrizes preconizadas pelo Ministério da Saúde( 77. Ministério da Saúde (BR). Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. ), referente às ações que devem ser ofertadas aos adolescentes na atenção básica. O questionário abordava questões que tratavam das ações desenvolvidas e do modo de participação dos adolescentes, nesses momentos oferecidos na ESF, e, desse modo, classificava-os, tomando como referência os níveis de participação da Estrutura Teórica.

As variáveis foram analisadas descritiva (frequência, média, desvio-padrão etc.) e comparativamente. Quando as variáveis eram dicotômicas e/ou categóricas, o teste do qui-quadrado foi utilizado. O nível de significância utilizado nos testes estatísticos foi de 0,005. Os dados obtidos foram organizados com apoio do programa SPSS, versão 18.0 (SPSS para Windows, SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

A discussão dos resultados foi baseada na literatura acerca da temática, e o nível de participação dos adolescentes foi identificado a partir da utilização da Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora( 88. Machado MFAS, Vieira NFC. Estrutura teórico-metodológica de participação habilitadora de usuários na Estratégia Saúde da Família. Enferm em Foco 2010;1(2):59-62. ) (Figura 1).

Figura 1
Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora. Fortaleza, CE, Brasil, 2006

Essa Estrutura Teórica foi criada para identificar os níveis de mudanças ocorridas nos indivíduos e família, ao longo de sua incorporação na Estratégia Saúde da Família, classificando a participação dos usuários da ESF em diferentes níveis( 88. Machado MFAS, Vieira NFC. Estrutura teórico-metodológica de participação habilitadora de usuários na Estratégia Saúde da Família. Enferm em Foco 2010;1(2):59-62. ).

O primeiro nível representa a Participação Normativa, na qual o usuário está apto a cuidar de si, com ênfase no tratamento e controle dessa condição. No presente estudo, esse nível foi identificado quando os profissionais referiram que a busca dos adolescentes pelo serviço de saúde estava pautada somente nos aspectos relacionados à doença, como consultas, marcação de exames e entrega de medicamentos.

No segundo nível da Estrutura Teórica, Participação Normativa + Independência, a participação do usuário era ampliada para o desenvolvimento de uma consciência de que é necessário não somente cuidar de si, mas, também, cuidar na família, desempenhando atividades de prevenção( 88. Machado MFAS, Vieira NFC. Estrutura teórico-metodológica de participação habilitadora de usuários na Estratégia Saúde da Família. Enferm em Foco 2010;1(2):59-62. ). Foi identificada quando os adolescentes, segundo os profissionais das unidades, procuraram o serviço por ações preventivas, como busca por preservativos, imunização, cuidados com familiares e outras situações que denotam ação preventiva.

O terceiro nível acontece quando o usuário estendia sua participação para cuidar também do seu entorno, o que é chamado de Participação Emancipatória. Pode-se ilustrar esse nível, no presente estudo, quando foi citado pelos profissionais que os adolescentes experienciaram alguma ação na escola ou na comunidade, com foco na promoção da saúde desses.

No quarto nível, o usuário cuidava de si, da família, do seu entorno e havia compreensão e envolvimento com as políticas públicas, representando uma Participação Transformadora ( 88. Machado MFAS, Vieira NFC. Estrutura teórico-metodológica de participação habilitadora de usuários na Estratégia Saúde da Família. Enferm em Foco 2010;1(2):59-62. ). Neste estudo, esse nível não foi identificado por entender que os adolescentes não vivenciaram experiências como as descritas para o quarto nível.

Assim, tomando como referência os níveis da Estrutura Teórica, buscou-se, a partir do estudo realizado junto aos adolescentes na ESF, avaliar as ações desenvolvidas pelos profissionais, classificando-as nos referidos níveis. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Regional do Cariri, sob Parecer nº 38/2010.

Resultados

Perfil dos profissionais da Estratégia Saúde da Família

A amostra do estudo foi constituída por 59 dentistas, 78 enfermeiros e 76 médicos, perfazendo o total de 213 profissionais (52 profissionais do município de Barbalha, 59 do Crato e 102 de Juazeiro do Norte). A média de idade dos participantes do estudo foi de 38,14 (±11,6), sendo a mínima 22 anos de idade e a máxima de 73 anos. A seguir estão evidenciadas outras caraterísticas do perfil dos profissionais da ESF (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil dos profissionais da Estratégia Saúde da Família. Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 2011

Participação dos adolescentes na Estratégia Saúde da Família

Considerando-se o atendimento aos usuários nas unidades de saúde, inquiriram-se os profissionais sobre quais grupos eram mais atendidos, considerando-se o atendimento no interior da unidade ou em atividades fora dela. Observou-se que 70,9% indicaram as mulheres, seguidas de idosos (64,8%), crianças (56,3%), adolescentes (27,2%) e homens, com 11,7%. Vale ressaltar que a somatória ultrapassa 100%, tendo em vista que os profissionais podiam assinalar mais de uma opção, o mesmo acontece com as demais variáveis presentes no estudo.

Porcentagem considerável dos mesmos (31,9%) considera que os adolescentes do seu território adscrito participam das ações propostas pela equipe de saúde da família.

Em relação aos serviços ofertados ao adolescente na atenção básica, os profissionais identificaram que eles estão mais presentes no atendimento individual (94,8%), independente do motivo principal, seguido pelo envolvimento dos adolescentes em atividades em grupo/ações educativas (55,9%), participação em atividades intersetoriais (atividades desenvolvidas em escolas, centros comunitários, igrejas, entre outros) (51,2%); visita domiciliar (43,2%) e somente 12,7% dos profissionais consideraram que os adolescentes participavam das estratégias de participação juvenil (fortalecimento da autonomia).

Referente ao atendimento individual, observa-se a predominância de ações curativas, pré-natal e planejamento reprodutivo, em virtude do acompanhamento da evolução e do processo que representa uma ação básica de acompanhamento da saúde do adolescente (Tabela 2).

Tabela 2
Participação do adolescente no atendimento individual. Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 2011

Mais da metade dos profissionais afirmaram que os adolescentes participam das ações propostas pela unidade básica, sendo essa participação restrita ao atendimento individual. Por sua vez, nesse tipo de atendimento, à luz da Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora, foi considerada forte a presença do primeiro nível do referencial, a participação normativa (pré-contemplação), quando se observa a predominância da participação dos adolescentes em ações curativas, dando ênfase na doença e/ou no tratamento dessa condição.

O segundo nível do referencial, que indica participação normativa + independência (contemplação), foi identificado quando os profissionais deste estudo também referiram grande participação dos adolescentes no atendimento pré-natal e planejamento reprodutivo, no qual eles passam a cuidar não só de si, mas, também, agregando o descritor cuidar na família, através do cuidado na gestação, ou agindo com responsabilidade no controle de natalidade.

Na participação normativa + independência, o usuário também já desempenha atividades de prevenção. No entanto, pelos dados coletados no estudo, a participação do adolescente, segundo os profissionais, no serviço de imunização, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento e processo educativo em nível individual ainda é incipiente.

Quanto à realização de atividades de grupo com adolescentes, 37,1% dos profissionais citou que não realizavam essas atividades. Entre os profissionais que as realizavam, o processo participativo era centrado em ações desenvolvidas em escolas (55,4%), jogos e oficinas na unidade (9,9%) e em grupos de vivências (8,9%).

O processo participativo dos adolescentes nas atividades de educação em saúde está centrado nas ações desenvolvidas em escolas, embora as ações realizadas na Unidade Básica de Saúde ainda não configurem uma realidade.

Foi identificada, aqui, a participação emancipatória (determinação/preparação), representando o terceiro nível, onde já existem elementos que indicam cuidar no entorno, onde os adolescentes vivenciam ações na escola com foco na promoção da saúde.

A participação dos adolescentes na visita domiciliar se desenvolve, principalmente, quando são gestantes ou puérperas (59,6%) ou quando os mesmos estão doentes (45,1%). Essa atividade também acontece, em menor escala, quando se quer identificar situações de risco (33,8%), captar pacientes que não aderem ao tratamento (31,9%) e convidá-los para atividades educativas (28,2%).

Quando os adolescentes são contemplados pela visita domiciliar, ela ocorre principalmente quando são gestantes/puérperas ou quando eles estão doentes, incapacitados fisicamente de se deslocar até a unidade. Esses elementos caracterizam a passividade dos sujeitos diante de tais atividades e a participação normativa dos adolescentes.

Inquiriu-se a equipe se eles estimulavam a participação dos adolescentes nos serviços da unidade. Noventa e três por cento dos profissionais afirmaram fazê-lo através do acolhimento (86,4%), da aproximação com os espaços de inserção dos adolescentes (26,3%), realizando mobilização para debates sobre as condições de saúde e campanhas (21,6%), envolvendo os adolescentes na avaliação dos serviços e das ações da UBS (21,1%), nas atividades de controle social (7,5%) e identificando e valorizando as lideranças estudantis e juvenis da comunidade (8,9%).

Pôde-se observar um movimento para o quarto nível que representa a participação transformadora (ação/manutenção), além dos outros descritores, a participação nas ações das políticas públicas e de controle social. Nesse momento, os profissionais afirmaram estimular a participação dos adolescentes na avaliação dos serviços e das ações da unidade de saúde, nos debates sobre as condições de saúde do bairro, campanhas, envolvendo os adolescentes. No entanto, esse nível ainda não se encontra consolidado, já que os percentuais das variáveis relacionadas ao quarto nível foram muito baixos.

Quanto à realização de atividades intersetoriais, 75,6% dos profissionais afirmaram realizá-las. Essas ocorrem através de apoio das atividades de educação em saúde, realizada em escolas (60,1%), divulgação em grupos e escolas dos serviços oferecidos pela unidade de saúde (43,2%), buscando apoio das escolas e grupos da comunidade (29,6%), através de reuniões com os profissionais dos equipamentos sociais existentes na comunidade (22,1%), e através da articulação com outras secretarias do município (10,8%).

Quando solicitado que os profissionais sinalizassem dificuldades relacionadas à participação dos adolescentes na ESF, somente 15% deles indicaram que não existia dificuldade para a participação do grupo. Entre os problemas identificados, constavam falta de disponibilidade dos profissionais para a realização de ações impostas pela organização do serviço (43,7%), o fato de os adolescentes não conhecerem as ações a eles ofertadas na Unidade Básica de Saúde da Família Ubasf (42,3%), o serviço de saúde não ter ações específicas para os adolescentes (26,3%) e falta de habilidade dos profissionais para trabalhar com esse grupo (14,6%).

Na realização de atividades em grupo, pode-se considerar, também, que um dos elementos para a não participação de adolescentes em tais atividades é justamente a pouca iniciativa dos profissionais em conduzir tais momentos, onde os dentistas representaram a categoria profissional que menos realizava tais atividades (p>0,001). Eles também foram identificados como os profissionais que menos realizavam atividades intersetoriais (p>0,001) e os que menos realizavam apoio às escolas (p>0,001).

Discussão

O estudo evidenciou que as mulheres, crianças e idosos representam os grupos de usuários mais atendidos nas Unidades Básicas de Saúde. Em contrapartida, os adolescentes se incluem, juntamente com os homens, entre os grupos que menos são atendidos.

A discussão acerca da saúde do adolescente ainda é incipiente, o que pode ser reflexo da política nacional de saúde que, durante décadas, priorizou, em suas diretrizes gerais, a assistência ao grupo materno infantil( 99. Nogueira MJ, Modena CM, Schall VT. Políticas públicas voltadas para adolescentes nas unidades básicas de saúde no município de Belo Horizonte/MG: uma análise sob a perspectiva dos profissionais de saúde. Ver APS 2010;13(3):338-45. ). Observa-se, então, fragilidade nas ações voltadas à saúde do adolescente, em detrimento às ações da saúde da criança, adulto e idoso( 1010. Silva JM, Caldeira AP. Modelo assistencial e indicadores de qualidade da assistência: percepção dos profissionais da atenção primária à saúde. Cad Saúde Pública. 2010;26(6):1187-93. ).

No presente estudo, os adolescentes participam das ações ofertadas pela unidade com ênfase em ações curativas, observando-se o nível de participação normativa. Semelhante a outro estudo que utilizou a Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora, no qual a participação do usuário na ESF está condicionada à doença. O vínculo do usuário com a equipe se estabelece a partir de consultas e busca por medicamentos( 66. Machado MFAS, Vieira NFC, Silva RM. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(4):2133-43. ).

Um estudo identificou que os profissionais atendem adolescentes, diariamente ou quase todos os dias, no entanto, quanto ao motivo da procura por atendimento médico, evidenciou-se que eles os procuram para tratamento de doenças, mostrando que o motivo da procura pelo serviço tem estado bastante ligado a problemas clínicos( 11. Ferrari RAP, Thomson Z, Melchio R. Adolescência: ações e percepção dos médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família. Interface - Comunic, Saúde, Educ. 2008;12(25):387-400. ).

Outro estudo, realizado junto a adolescentes, evidencia que 16% dos entrevistados referiram estarem se tratando de alguma doença, 82% avaliaram seu estado de saúde como bom ou muito bom e 48% afirmaram ter sentido necessidade de procurar um serviço de saúde nos últimos três meses( 1111. Claro LBL, March C, Mascarenhas MTM, Castro IAB, Rosa M LG. Adolescentes e suas relações com os serviços de saúde: estudo transversal em escolares de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006; 22(8): 1565-74. ). Indicando que a necessidade de buscar serviços de saúde também está vinculada a ações preventivas.

Identificou-se o nível de participação normativa + independência quando os adolescentes percebem as ações de saúde num sentido mais ampliado, abrangendo as ações preventivas e de cuidado familiar. Nesse nível, o usuário não comparece à unidade somente pelo medicamento, mas já apresenta mudança de postura para a prevenção. Mesmo que a procura pelo serviço de saúde ainda seja caracterizada pela necessidade percebida pelos usuários de que existe um problema, mesmo que ainda seja a doença( 66. Machado MFAS, Vieira NFC, Silva RM. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(4):2133-43. ).

As atividades realizadas durante as visitas domiciliares, na maior parte das vezes, possuem caráter essencialmente curativo e individual( 1212. Oliveira RG, Marcon SS. Trabalhar com famílias no Programa de Saúde da Família: a prática do enfermeiro em Maringá-Paraná. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):65-72. ), apesar da proposta da Estratégia Saúde da Família ser o cuidado estendido ao âmbito familiar e domiciliar. Isso também foi percebido durante as observações em que a abordagem feita ao adolescente, nesse cenário, é feita sempre ao indivíduo com queixa de doença, ou que necessita de exames ou procedimentos curativos, representando um entrave à promoção da saúde.

Um percentual relativamente grande de profissionais relatou não realizar nenhum tipo de atividade de educação em saúde envolvendo adolescentes. Um estudo qualitativo, realizado com profissionais da ESF, em Florianópolis, constatou que a formação dos profissionais de saúde é uma das problemáticas centrais, no contexto investigado, em se trabalhar a educação em saúde na lógica da promoção da saúde requerida pela ESF( 1313. Besen CB, Netto MS, Da Ros MA, Silva FW, Silva CG, Pires MF. A estratégia saúde da família como objeto de educação em saúde. Saude Soc. 2007;16(1):57-68. ).

A maioria dos discursos é permeada por uma educação voltada para as doenças e para a tentativa de mudança de comportamento dos indivíduos, com relação vertical e impositiva. Por essa razão, reitera-se a relevância da educação permanente e da reestruturação dos cursos graduação, de modo a aproximar a práxis da educação em saúde da realidade social( 1313. Besen CB, Netto MS, Da Ros MA, Silva FW, Silva CG, Pires MF. A estratégia saúde da família como objeto de educação em saúde. Saude Soc. 2007;16(1):57-68. ).

A concepção crítica da educação, que pretende ser uma educação para a conscientização e para a mudança, solicita uma relação de proximidade entre os profissionais e a população, na qual a produção do conhecimento passa a ser coletiva, gerando modificação mútua, porque ambos são portadores de conhecimentos distintos( 1414. Machado MFAS, Monteiro EMLM, Queiroz DT, Vieira NFC, Barroso MGT. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS - uma revisão conceitual. Ciênc Saúde Coletiva. 2007; 12(2):335-42. ).

No nível de participação emancipatória, reconhece-se a importância das ações de educação em saúde nas escolas. No processo de busca da promoção da saúde, utilizam-se as estratégias de educação em saúde como uma ferramenta para transformar os usuários em sujeitos autônomos e participativos do processo de saúde( 66. Machado MFAS, Vieira NFC, Silva RM. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(4):2133-43. ).

A educação em saúde, como processo político-pedagógico, requer o desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo, permitindo desvelar a realidade e propor ações transformadoras que levem o indivíduo à sua autonomia e emancipação enquanto sujeito histórico e social, capaz de propor e opinar nas decisões de saúde para o cuidar de si, de sua família e da coletividade( 1414. Machado MFAS, Monteiro EMLM, Queiroz DT, Vieira NFC, Barroso MGT. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS - uma revisão conceitual. Ciênc Saúde Coletiva. 2007; 12(2):335-42. ), o que possibilita a ascensão dos adolescentes e da comunidade em geral através dos níveis da Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora.

Quase a totalidade dos profissionais afirmou estimular a participação dos adolescentes no cotidiano da Estratégia Saúde da Família. O principal meio pelo qual os profissionais buscam isso se dá pelo processo do acolhimento desse público na unidade de saúde.

O acolhimento, quando realizado de forma adequada, possibilita a aproximação dos profissionais com os adolescentes que, por sua vez, proporciona o desenvolvimento do vínculo entre os mesmos. A relevância disso está no fato de tornar mais fácil a adesão do grupo às propostas de atendimento e atividades educativas, elaboradas pelos profissionais da equipe, agindo, portanto, como um elemento de captação dos adolescentes para o serviço de saúde.

Na aplicação da Estrutura Teórico-Metodológica de uma Participação Habilitadora, o nível de participação transformadora foi identificado quando uma pequena parcela de usuários se envolvia com problemas da comunidade e buscavam articulação intersetorial( 66. Machado MFAS, Vieira NFC, Silva RM. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(4):2133-43. ). Neste estudo, observa-se estímulo por parte dos profissionais para que os adolescentes participem das ações de controle social, portanto, o quarto nível não foi identificado efetivamente.

A maioria dos profissionais afirmou realizar atividades intersetoriais, sendo que elas se concentravam nas atividades realizadas nas escolas, quer seja através da realização de ações educativas ou na divulgação das atividades desenvolvidas na UBS. No entanto, somente pouco mais da metade dos profissionais afirmou realizar tais atividades, mostrando que a presença dos profissionais no contexto escolar ainda não acontece de forma efetiva.

Poucos profissionais citaram que não possuíam habilidade para trabalhar com o grupo de adolescentes, caracterizando um aspecto positivo, tendo em vista ser esse um fator impeditivo para o atendimento a esse público.

Semelhante ao que ocorre em outros municípios, existem dificuldades no cotidiano da assistência relacionadas à falta de estruturação e pessoal, precariedades nas unidades, excessiva priorização de grupos específicos e predomínio de práticas curativo-individuais, como também excesso de demanda e sobrecarga de trabalho profissional( 1515. Rocha PM, Uchoa AC, Rocha NSPD, Souza ECF, Rocha ML, Pinheiro TXA. Avaliação do Programa Saúde da Família em municípios do Nordeste brasileiro: velhos e novos desafios. Cad Saúde Pública. 2008; 24 Sup 1:S69-S78. ).

Pensa-se que várias foram as dificuldades elencadas para a participação dos adolescentes nos serviços de saúde, sendo que algumas são mais complexas do que outras e exigem a reorientação dos serviços, mas, principalmente, uma reorganização das práticas individuais de cada profissional de saúde envolvido na atenção à saúde do adolescente.

Conclusão

O estudo evidenciou que os adolescentes ainda mantêm sua participação nos serviços da atenção básica, restrita às práticas médico-assistenciais, com ênfase na doença e no seu tratamento/controle, ressaltando o distanciamento que o serviço e os profissionais ainda impõem aos adolescentes e a necessidade urgente de captação dos mesmos.

Torna-se relevante considerar que, nesse processo de participação dos adolescentes no serviço, os mesmos ainda se encontram como sujeitos passivos de cuidados, difíceis de conquistar e conduzir e, ainda, dependentes da reorganização das práticas assistenciais. Os adolescentes, por sua vez, ainda não veem, na prática, a ESF como algo que irá contribuir para a promoção de sua saúde, refletindo-se numa participação não efetiva.

Nessa perspectiva, com o processo de consolidação da Estratégia Saúde da Família, espera-se um movimento ascendente na participação dos usuários adolescentes, e, consequentemente, maior envolvimento dos profissionais no desenvolvimento de ações de captação dessa clientela.

References

  • 1
    Ferrari RAP, Thomson Z, Melchio R. Adolescência: ações e percepção dos médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família. Interface - Comunic, Saúde, Educ. 2008;12(25):387-400.
  • 2
    Vieira RP, Machado MFAS, Bezerra IMPB, Machado CA. Assistência à saúde e demanda dos serviços na estratégia saúde da família: a visão dos adolescentes. Cogitare Enferm. 2011;6(4):714-20.
  • 3
    Ferrari RAP, Thomson Z, Melchio R. Atenção à saúde dos adolescentes: percepção dos médicos e enfermeiros das equipes da saúde da família. Cad Saúde Pública. 2006;22(11):2491-5.
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Saúde integral de adolescentes e jovens: orientações para a organização de serviços de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005.
  • 5
    Ministério da Saúde (BR). Promoção da saúde: Carta de Ottawa, Declaração de Adelaide, Declaração de Sundsvall, Declaração de Jacarta, Declaração de Bogotá. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001.
  • 6
    Machado MFAS, Vieira NFC, Silva RM. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(4):2133-43.
  • 7
    Ministério da Saúde (BR). Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005.
  • 8
    Machado MFAS, Vieira NFC. Estrutura teórico-metodológica de participação habilitadora de usuários na Estratégia Saúde da Família. Enferm em Foco 2010;1(2):59-62.
  • 9
    Nogueira MJ, Modena CM, Schall VT. Políticas públicas voltadas para adolescentes nas unidades básicas de saúde no município de Belo Horizonte/MG: uma análise sob a perspectiva dos profissionais de saúde. Ver APS 2010;13(3):338-45.
  • 10
    Silva JM, Caldeira AP. Modelo assistencial e indicadores de qualidade da assistência: percepção dos profissionais da atenção primária à saúde. Cad Saúde Pública. 2010;26(6):1187-93.
  • 11
    Claro LBL, March C, Mascarenhas MTM, Castro IAB, Rosa M LG. Adolescentes e suas relações com os serviços de saúde: estudo transversal em escolares de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006; 22(8): 1565-74.
  • 12
    Oliveira RG, Marcon SS. Trabalhar com famílias no Programa de Saúde da Família: a prática do enfermeiro em Maringá-Paraná. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):65-72.
  • 13
    Besen CB, Netto MS, Da Ros MA, Silva FW, Silva CG, Pires MF. A estratégia saúde da família como objeto de educação em saúde. Saude Soc. 2007;16(1):57-68.
  • 14
    Machado MFAS, Monteiro EMLM, Queiroz DT, Vieira NFC, Barroso MGT. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS - uma revisão conceitual. Ciênc Saúde Coletiva. 2007; 12(2):335-42.
  • 15
    Rocha PM, Uchoa AC, Rocha NSPD, Souza ECF, Rocha ML, Pinheiro TXA. Avaliação do Programa Saúde da Família em municípios do Nordeste brasileiro: velhos e novos desafios. Cad Saúde Pública. 2008; 24 Sup 1:S69-S78.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2013
  • Aceito
    05 Dez 2013
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br