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Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos

Resumos

Os bisfosfonatos são potentes inibidores da reabsorção óssea e são utilizados no tratamento da osteoporose e de outras doenças que causam a perda de massa óssea, como doença de Paget, metástases ósseas e mieloma múltiplo, prevenindo fraturas patológicas. Desde 2003, estudos associam osteonecrose avascular dos ossos maxilares a seu uso, principalmente intravenoso. Na literatura, há relatos de ocorrência variando de 0,8% a 12%, dos pacientes, na sua maioria em uso prolongado. Médicos e dentistas devem estar cientes dessa potencial complicação no tratamento odontológico.

Osteonecrose; doenças maxilares; osteoporose


Bisphosphonates are potent inhibitors of bone resorption, and are used in the treatment of osteoporosis and other diseases that cause bone mass loss, such as Paget's disease, bone metastases, and multiple myeloma, to prevent pathological fractures. Since 2003, avascular osteonecrosis of the jaw has been associated with the use of bisphosphonates, mainly intravenous. According to the literature, the occurrence of osteonecrosis of the jaw has ranged from 0.8% to 12% of the patients on bisphosphonates, most of them on prolonged use. Physicians and odontologists should be aware of that potential complication in dental treatment.

osteonecrosis; maxillary diseases; osteoporosis


RELATO DE CASO

Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos

Luis Augusto PasseriI; Manoel Barros BértoloII; Allan AbuabaraIII

IProfessor Titular; Professor Titular de Cirurgia Bucomaxilofacial, Área de Cirurgia Plástica, Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp

IILivre-docente; Professor Associado, Área de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp

IIICirurgião-dentista; Especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela Prefeitura de Joinville, Santa Catarina

Correspondência para Correspondência para: Luis Augusto Passeri Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz Campinas, SP, Brasil. CEP: 13083-887 E-mail: passeri@fcm.unicamp.br

RESUMO

Os bisfosfonatos são potentes inibidores da reabsorção óssea e são utilizados no tratamento da osteoporose e de outras doenças que causam a perda de massa óssea, como doença de Paget, metástases ósseas e mieloma múltiplo, prevenindo fraturas patológicas. Desde 2003, estudos associam osteonecrose avascular dos ossos maxilares a seu uso, principalmente intravenoso. Na literatura, há relatos de ocorrência variando de 0,8% a 12%, dos pacientes, na sua maioria em uso prolongado. Médicos e dentistas devem estar cientes dessa potencial complicação no tratamento odontológico.

Palavras-chave: Osteonecrose; doenças maxilares; osteoporose.

INTRODUÇÃO

Os bisfosfonatos (BFT) são potentes inibidores da reabsorção óssea e são utilizados no tratamento da osteoporose e outras doenças que causam a perda de massa óssea como doença de Paget, metástases ósseas e mieloma múltiplo prevenindo fraturas patológicas.1 A ação dos BFT resulta no aumento da massa e mineralização óssea, com o aumento na densidade mineral, aumento da resistência e redução do risco de fratura óssea.

Os BFT apresentam seletividade por áreas de reabsorção óssea e agem inibindo a ação dos osteoclastos. Em termos moleculares, um dos principais meios de ação dos BFT é a inibição da enzima farnesil difosfato sintase, causando uma série de alterações citoesqueléticas, reduzindo a capacidade de reabsorção óssea dos osteoclastos e induzindo a apoptose dessas células.1-3 Os BFT, de uma forma geral, são sistemicamente bem tolerados. Seus efeitos adversos são raros e consistem em febre baixa e transitória, fadiga, artralgia, náuseas, esofagite, insuficiência renal, hipocalcemia e dor óssea.4 No entanto, seu uso tem sido associado a casos de osteonecrose avascular dos maxilares (Figura 1). Outros ossos do esqueleto não são envolvidos. Os sintomas geralmente incluem dificuldades em comer e falar, inchaço, dor, sangramento, parestesia do lábio inferior, mobilidade e perdas dentárias. Os achados radiográficos não são específicos, e assim tais lesões podem requerer biopsia, para exclusão de metástases.5


O objetivo deste trabalho é revisar a literatura quanto ao risco de osteonecrose avascular dos maxilares relacionado ao uso dos BFT e orientar as medidas de prevenção e tratamento dos pacientes de acordo com o estágio da doença.

REVISÃO DA LITERATURA

O pamidronato e o zoledronato pertencem à classe de medicamentos inibidores da reabsorção óssea, sendo há anos utilizados para o tratamento da osteoporose. A efi cácia clínica do uso destes no tratamento da osteopenia/osteoporose já está bem estabelecida.6 A presença do nitrogênio na formulação confere a característica de difícil metabolização, levando ao acúmulo nos ossos e a uma ação prolongada.7 Os BFT orais são indicados, mais frequentemente, para o tratamento de osteoporose, e também de osteopenia. São, ainda, indicados em outras condições, menos comuns, como a doença de Paget e a osteogênese imperfeita. A Tabela 1 apresenta as características dos BFT presentes no mercado brasileiro, indicados para o tratamento da osteoporose.

O primeiro relato de caso associando os BFT à osteonecrose dos maxilares foi feito em 2003, por Marx.8 O autor apresentou 36 casos de osteonecrose avascular, sendo 29 na mandíbula, cinco na maxila e dois casos em ambos os maxilares. Dos 36 pacientes, 24 utilizavam pamidronato 90 mg endovenoso (EV) mensalmente, seis faziam o uso do pamidronato na mesma dose inicialmente e passaram a usar zoledronato 4 mg EV mensalmente e outros seis recebiam somente zoledronato 4 mg EV mensalmente. As indicações para o uso dessas medicações eram hipercalcemia relacionada ao mieloma múltiplo - 18 pacientes, hipercalcemia relacionada ao carcinoma de mama mestastático - 17 pacientes e um para tratamento de osteoporose.

Após o relato inicial em 2003,8 uma série de trabalhos, de cirurgiões bucomaxilofaciais, associam o uso dos BFT à osteonecrose avascular dos maxilares. Em dezembro de 2004, a Novartis, laboratório fabricante do pamidronato e do zoledronato, alertou sobre o risco do osteonecrose.9 Em uma busca no banco de dados PubMed (U.S. National Library of Medicine and the National Institutes of Health) (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez) [2 de fevereiro de 2011] com os descritores (bisphosphonate) AND (osteonecrosis of the jaws) foram encontrados 928 artigos.

Para a distinção de outras patologias ósseas, a definição da osteonecrose avascular dos maxilares, segundo a Associação Americana de Cirurgiões Bucomaxilofaciais (AAOMS),10 é a presença de três características: 1) Tratamento anterior ou atual com BFT, 2) exposição de osso necrótico nos maxilares, persistente por mais de 8 semanas, 3) não apresentar história de radioterapia na região.

O risco de osteonecrose avascular dos maxilares existe, variando de 0,8% a 12%. A ocorrência é mais frequentemente relacionada ao uso intravenoso, mensal e por um período maior que 3 anos. O uso dos BFT nessas condições é mais comum no tratamento da hipercalcemia, secundária a tumores malignos, às metástase ósseas de câncer de mama, próstata e pulmão e às doenças osteolíticas, como o mieloma múltiplo.10-12

O uso oral é mais comum no tratamento de osteoporose. Até 2006, segundo a IMS Health, mais de 190 milhões de prescrições haviam sido dispensadas em todo o mundo.10 Pacientes que utilizam os BFT oralmente são considerados de baixo risco com relação a pacientes com câncer e que recebem tratamento intravenoso mensal com BFT, aumentando significativamente o risco de osteonecrose.11 Mas existem casos relatados de osteonecrose dos maxilares em pacientes fazendo uso de BFT na forma oral.13,14 Um controle australiano estima a incidência em pacientes com uso semanal de alendronato variando de 0,01% a 0,04%.15 Entre 13 mil pacientes de uma seguradora americana, que fazem uso de BFT oral por longo tempo, a prevalência foi de 0,06% ou 1:1.700 pacientes.16

A ocorrência de osteonecrose dos maxilares parece estar mais relacionada à utilização dos BFT intravenosos. Entretanto os dados são imprecisos e o grande número de pacientes em tratamento de osteoporose, que usam os BFT orais por um longo período, pode levar ao surgimento de muitos casos, também nesse grupo, já que o tempo de uso é um dos fatores de risco.17,18

Comorbidades como obesidade e uso crônico de corticoides podem estar associadas, mas ainda não está clara essa relação. Os fatores de risco locais incluem cirurgia bucal, colocação de implantes dentais, extrações e cirurgia periodontal envolvendo lesões ósseas. Fatores locais ainda incluem a presença de exostoses ósseas (tórus lingual e tórus palatino) e próteses mal adaptadas. Com relação aos fatores de risco demográficos e sistêmicos, os estudos são poucos. O gênero parece não ter relação, entretanto, brancos, idosos e uso de tabaco parecem aumentar o risco, enquanto o consumo de álcool não.18-20

Antes do tratamento com BFT intravenoso, o paciente deve passar por um exame oral completo, todos os dentes não tratáveis devem ser extraídos, todos os procedimentos dentários invasivos devem ser concluídos e o paciente deve apresentar uma boa saúde periodontal e as próteses devem estar bem adaptadas. Dessa forma, o risco de osteonecrose dos maxilares é diminuído, porém não eliminado.18,19 Algumas orientações e protocolos para pacientes com risco de osteorradionecrose parecem ser as mesmas para os pacientes com terapia de BFT intravenoso. Quando houver necessidade de cirurgia prévia, caso as condições sistêmicas permitam, deve-se adiar o início da utilização dos BFT até a completa cicatrização da mucosa na área operada ou ainda, se possível, até completa reparação óssea.10-12

A Tabela 2 apresenta o estadiamento e as correspondentes estratégias de tratamento propostas pela AAOMS, em 2009.10

O uso oral de BFT não é tão crítico para o risco de osteonecrose avascular dos maxilares. Dessa forma, cirurgias orais eletivas não são contraindicadas, mas o paciente deve estar consciente do risco. Se as condições sistêmicas permitirem, deve-se considerar a interrupção dos BFT orais por um período de 3 meses antes e 3 meses após a cirurgia eletiva, para diminuir o risco de osteonecrose. A justificativa para essa abordagem é baseada em dados extrapolados, demonstrando flutuações da função dos osteoclastos relacionadas a terapia com BFT e conclusões de estudos recentes que mostraram melhores resultados do tratamento da osteonecrose avascular dos maxilares com a cessação da droga.21-23

CONCLUSÕES

Existem evidências da associação do uso dos bisfosfonatos e a osteonecrose avascular dos maxilares. Esse quadro, de ocorrência rara, afeta, ainda mais a qualidade de vida de pacientes já comprometidos fisicamente. Os pacientes que fazem uso ou irão ser tratados com BFT, principalmente endovenoso, mas também na forma oral, por longos períodos, devem ser cuidadosamente avaliados pelo médico e pelo cirurgião-dentista com o objetivo de prevenir a osteonecrose.

Recebido em 21/5/2010.

Aprovado, após revisão, em 30/4/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, Brasil.

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  • Correspondência para:

    Luis Augusto Passeri
    Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz
    Campinas, SP, Brasil. CEP: 13083-887
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      21 Maio 2010
    • Aceito
      30 Abr 2011
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