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Comportamento da força muscular respiratória de obesas mórbidas por diferentes equações preditivas

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: Estudos sobre o comportamento da força muscular respiratória (FMR) em obesos mórbidos têm produzido resultados conflitantes. OBJETIVOS: Avaliar a FMR de obesas mórbidas e comparar com os valores preditos por diferentes equações matemáticas encontradas na literatura. MÉTODO: Estudo transversal realizado com 30 obesas mórbidas e grupo controle constituído por 30 eutróficas. Foram avaliadas as características antropométricas e as pressões respiratórias máximas. Foi utilizada análise visual de Bland-Altman para avaliar o viés de concordância entre as equações estudadas, considerando significativo p<0,05. RESULTADOS: As obesas mórbidas apresentaram aumento significativo nos valores obtidos de pressão inspiratória máxima (PImáx) (-87,83±21,40 cmH2O) em comparação com as eutróficas (-72±15,23 cmH2O) e redução significativa da PImáx (-87,83±21,40 cmH2O) segundo os valores previstos pela equação EHarik (-130,71±11,98 cmH2O). Quanto à pressão expiratória máxima (PEmáx), não houve diferenças nos valores obtidos entre os grupos (p>0,05), assim como não foram observadas concordâncias dos valores obtidos e previstos de PEmáx segundo as equações ENeder e ECosta. Na análise de Bland-Altman, foi observada maior validade na equação de Harik-Khan para predizer a PImáx nas obesas, já, para a predição da PEmáx, não foi possível visualizar qual das equações apresentou maior validade. CONCLUSÕES: Mulheres obesas mórbidas apresentaram maior força muscular inspiratória do que eutróficas. Das três equações utilizadas, a de Harik-Khan parece ser a mais apropriada para calcular os valores de referência das medidas de Plmáx para obesas mórbidas. Mulheres obesas mórbidas e eutróficas parecem apresentar semelhança no comportamento da força dos músculos expiratórios, entretanto esses achados são inconclusivos.

obesidade mórbida; pressões respiratórias máximas; músculos respiratórios; valores de referência; fisioterapia


BACKGROUND: Studies on the behavior of respiratory muscle strength (RMS) in morbidly obese patients have found conflicting results. OBJECTIVES: To evaluate RMS in morbidly obese women and to compare the results by using different predictive equations. METHOD: This is a cross-sectional study that recruited 30 morbidly obese women and a control group of 30 normal-weight women. The subjects underwent anthropometric and maximal respiratory pressure measurement. Visual inspection of the Bland-Altman plots was performed to evaluate the correlation between the different equations, with a p value lower than 0.05 considered as statistically significant. RESULTS: The obese women showed a significant increase in maximal inspiratory pressure (MIP) values (-87.83±21.40 cmH2O) compared with normal-weight women (-72±15.23 cmH2O) and a significant reduction of MIP (-87.83±21.40 cmH2O) according to the values predicted by the EHarik equation (-130.71±11.98 cmH2O). Regarding the obtained maximal expiratory pressure (MEP), there were no between-group differences (p>0.05), and no agreeement was observed between obtained and predicted values of MEP and the ENeder and ECosta equations. CONCLUSIONS: Inspiratory muscle strength was greater in the morbidly obese subjects. The most appropriate equation for calculating the predicted MIP values for the morbidly obese seems to be Harik-Khan equation. There seem to be similarities between the respiratory muscle strength behavior of morbidly obese and normal-weight women, however, these findings are still inconclusive.

morbid obesity; maximal respiratory pressures; respiratory muscles; reference values; physical therapy


ARTIGO ORIGINAL

Comportamento da força muscular respiratória de obesas mórbidas por diferentes equações preditivas

Eli M. Pazzianotto-FortiI,II; Fabiana S. Peixoto-SouzaI; Camila Piconi-MendesII; Irineu Rasera-JuniorIII; Marcela Barbalho-MoulimIV

IPrograma de Pós-Graduação em Fisioterapia, Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Piracicaba, SP, Brasil

IICurso de Graduação em Fisioterapia, Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Piracicaba, SP, Brasil

IIICentro de Gastroenterologia e Cirurgia da Obesidade de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil

IVPrograma de Pós-Graduação em Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Eli Maria Pazzianotto Forti Rodovia do Açúcar, Km 156, Taquaral, Bloco 7, Sala 33 CEP 13400-911, Piracicaba, SP, Brasil e-mail: empforti@unimep.br

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: Estudos sobre o comportamento da força muscular respiratória (FMR) em obesos mórbidos têm produzido resultados conflitantes.

OBJETIVOS: Avaliar a FMR de obesas mórbidas e comparar com os valores preditos por diferentes equações matemáticas encontradas na literatura.

MÉTODO: Estudo transversal realizado com 30 obesas mórbidas e grupo controle constituído por 30 eutróficas. Foram avaliadas as características antropométricas e as pressões respiratórias máximas. Foi utilizada análise visual de Bland-Altman para avaliar o viés de concordância entre as equações estudadas, considerando significativo p<0,05.

RESULTADOS: As obesas mórbidas apresentaram aumento significativo nos valores obtidos de pressão inspiratória máxima (PImáx) (-87,83±21,40 cmH2O) em comparação com as eutróficas (-72±15,23 cmH2O) e redução significativa da PImáx (-87,83±21,40 cmH2O) segundo os valores previstos pela equação EHarik (-130,71±11,98 cmH2O). Quanto à pressão expiratória máxima (PEmáx), não houve diferenças nos valores obtidos entre os grupos (p>0,05), assim como não foram observadas concordâncias dos valores obtidos e previstos de PEmáx segundo as equações ENeder e ECosta. Na análise de Bland-Altman, foi observada maior validade na equação de Harik-Khan para predizer a PImáx nas obesas, já, para a predição da PEmáx, não foi possível visualizar qual das equações apresentou maior validade.

CONCLUSÕES: Mulheres obesas mórbidas apresentaram maior força muscular inspiratória do que eutróficas. Das três equações utilizadas, a de Harik-Khan parece ser a mais apropriada para calcular os valores de referência das medidas de Plmáx para obesas mórbidas. Mulheres obesas mórbidas e eutróficas parecem apresentar semelhança no comportamento da força dos músculos expiratórios, entretanto esses achados são inconclusivos.

Palavras-chave: obesidade mórbida; pressões respiratórias máximas; músculos respiratórios; valores de referência; fisioterapia.

Introdução

Obesidade é a doença metabólica mais comum no mundo, e sua prevalência tem aumentado em grandes proporções1. É considerada um fator de risco significante para doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, artrite reumatóide e neoplasias2-4, além do desenvolvimento das doenças respiratórias, como apneia do sono e síndrome da hipoventilação3.

Estudos sobre o comportamento da força muscular respiratória (FMR) em obesos mórbidos têm produzido resultados conflitantes. Segundo Magnani e Cataneo5, tanto o excesso de massa corporal quanto a distribuição da gordura na região superior não promovem disfunção muscular respiratória. Por outro lado, autores relatam uma disfunção muscular respiratória nessa população, que é justificada pelo aumento da resistência elástica causada pelo excesso de tecido adiposo na caixa torácica e abdome, a qual acarreta desvantagem mecânica aos músculos6,7.

Entretanto, existem relatos sobre aumento da FMR nos obesos mórbidos justificado pelas adaptações presentes nas fibras musculares esqueléticas, o que é atribuído aos esforços físicos diários para mover o corpo e a uma maior tentativa das estruturas musculoesqueléticas para manter o corpo na posição ereta8,9. Tanner et al.10 investigaram o tipo da fibra muscular em obesos, por meio de uma biópsia do músculo retoabdominal durante a cirurgia bariátrica, e encontraram um alto percentual de fibras do tipo II, que estão relacionadas com a resistência baixa e alto poder de contração.

A redução na resistência dos músculos respiratórios pode retardar ou comprometer a evolução pós-operatória de indivíduos obesos mórbidos, especialmente aqueles submetidos à cirurgia bariátrica11. Sabe-se que a FMR apresenta relação com faixa etária, sexo, massa corporal, altura e área de superfície corpórea12. Nesse contexto, vêm sendo formuladas equações para obtenção de valores previstos de normalidade da FMR para variadas populações13, porém não obesas.

Entretanto, até o momento, não se encontra na literatura um estudo que aponte valores de FMR que sejam específicos para a população de obesos mórbidos nem tampouco que aponte, dentre as fórmulas matemáticas disponíveis na literatura, aquela que melhor seja aplicada a essa população. Diante do exposto, os objetivos do presente estudo foram avaliar a FMR dessa população e comparar com os valores preditos por diferentes equações matemáticas encontradas na literatura.

Método

População estudada

Trata-se de um estudo transversal do qual participaram 60 mulheres adultas, divididas em 2 grupos: 30 mulheres com obesidade mórbida (IMC 44,7±4,11 kg/m²) e um grupo controle, composto por 30 mulheres eutróficas (IMC 22,1±1,8 kg/m²). As voluntárias foram informadas quanto aos objetivos do estudo e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Piracicaba, SP, Brasil, sob o parecer nº 19/10.

As mulheres obesas mórbidas foram triadas numa Clínica Bariátrica onde realizavam reuniões com equipe multidisciplinar para preparação para gastroplastia, e as mulheres eutróficas foram recrutadas na comunidade a partir do convite para a participação na pesquisa.

Foram adotados como critérios de inclusão: mulheres com obesidade mórbida (IMC>40 kg/m2) e mulheres eutróficas (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2), idades entre 25 e 50 anos, estilo de vida sedentário, avaliado com o Questionário de Baecke, Burema e Frijters14, que foi validado no Brasil por Florindo e Latorre15, com pontuação até 816, sem presença de comorbidades, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, doenças cardiovasculares ou pulmonares, ausência de alterações na região torácica e/ou abdominal que alterassem a dinâmica respiratória, ausência de tabagismo e capacidade de entendimento para realização das manobras.

A ausência de comorbidade nas obesas mórbidas foi constatada por meio do prontuário médico pré-operatório. As voluntárias eutróficas do presente estudo foram classificadas como saudáveis de acordo com o autorrelato, seguindo perguntas padronizadas baseadas nas diretrizes para testes de função pulmonar17.

Foi realizado exame espirométrico para verificar a ausência de algum tipo de distúrbio ventilatório nas voluntárias, ou seja, capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório no primeiro segundo (VEF1) e razão VEF1/CVF acima de 80%. Foi utilizado um espirômetro computadorizado ultrassônico, com sensor de fluxo, (Microquark; Cosmed, Roma, Itália), seguindo as normas preconizadas pela American Thoracic Society18. Os valores foram expressos em porcentagem do predito, segundo valores estabelecidos para a população brasileira19.

Avaliação antropométrica

As voluntárias permaneceram em posição ortostática, sem sapatos ou roupas pesadas. O peso corporal foi obtido por uma balança digital (Filizola®, Brasil) devidamente aferida, com capacidade máxima de 300 kg e resolução de 100 g. A estatura foi verificada por um estadiômetro de parede (Wiso), com resolução em milímetros.

O cálculo do IMC foi obtido por meio da equação peso/estatura2 (kg/m2). A circunferência do pescoço (CP) foi medida ao nível da cartilagem cricoide20; a mensuração da circunferência da cintura (CC), no ponto médio entre a margem da última costela e a margem superior da crista ilíaca; a circunferência do quadril, no nível do trocanter maior do fêmur21.

Avaliação das pressões respiratórias máximas

Para a medida das pressões respiratórias máximas (PRM), foi utilizado um manovacuômetro analógico (Critical Med, USA, 2002), com intervalo operacional de 0±300 cmH2O, devidamente equipado com um adaptador de bocais de plástico rígido, contendo um pequeno orifício de 2 mm de diâmetro interno, servindo de válvula de alívio, com o objetivo de prevenir a elevação da pressão na cavidade oral, gerada exclusivamente por contração da musculatura facial com o fechamento da glote22. Foi utilizado bocal circular descartável de papelão (De Marchi).

Inicialmente, foi demostrada às voluntárias a forma correta de realização das manobras, ou seja, manter os lábios selados firmemente em torno do bocal para que não houvesse escape de ar23.

A pressão inspiratória máxima (PImáx) foi medida a partir do volume residual, e a pressão expiratória máxima (PEmáx) foi medida a partir da capacidade pulmonar total. Um intervalo de 1 minuto foi realizado entre os esforços24. A bochecha foi comprimida pelo voluntário para evitar vazamento perioral. A posição alcançada ao final dos esforços máximos foi mantida por pelo menos um segundo para caracterização da pressão de platô25. Para a realização dessas medidas, as voluntárias foram orientadas a permanecer sentadas com os pés apoiados e a usar clipe nasal.

Todas as voluntárias realizaram pelo menos três esforços e, no máximo, cinco esforços de inspiração e expiração máximos, tecnicamente aceitáveis e reprodutíveis, ou seja, sem vazamento de ar perioral, sustentados por pelo menos 1 segundo e com valores próximos entre si (<10%). Caso o valor mais alto fosse obtido na última manobra, o teste tinha prosseguimento até que um valor próximo, com diferença de <10% fosse obtido. Com isso, o número de manobras poderia passar de cinco. Para a análise dos dados, o valor mais alto foi registrado25,26.

Os valores obtidos das medidas das pressões respiratórias máximas foram comparados aos valores previstos para PImáx e PEmáx por meio das equações propostas por Harik-Khan, Wise e Fozard12, Neder et al.25 e Costa et al.27, conforme descrito abaixo:

Equação Harik-khan (EHarik): Harik-Khan, Wise e Fozard12

Mulheres: PImax=171-0,694 x idade +0,861 x massa corporal (kg) -0,743 x altura (cm)

Equação Neder (ENeder): Neder et al.25

Mulheres: PImáx=-0,49 x idade+110,4

PEmáx=-0,61 x idade+115

Equação Costa (ECosta): Costa et al.27

Mulheres: PImáx=-0,46 x idade +74,25

PEmáx=-0,68 x idade+119,35

Análise estatística

A distribuição dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk, e, após constatada a normalidade, eles foram expressos em média e desvio-padrão.

Para a comparação das características antropométricas, atividade física habitual e valores obtidos de FMR entre os grupos, foram utilizados o teste t de Student para os dados paramétricos e o teste de Mann-Whitney para os dados não paramétricos.

Na comparação dos valores obtidos de PImáx e PEmáx com os previstos das eutróficas, utilizou-se o teste de Friedmam para a PImáx e o teste ANOVA medidas repetidas com post-hoc de Bonferroni para a PEmáx. Já para as obesas mórbidas, utilizou-se ANOVA medidas repetidas com post-hoc de Bonferroni para PImáx e PEmáx.

Foi utilizada análise visual de Bland-Altman para avaliar o viés de concordância entre as equações estudadas.

O nível de significância estatística adotado foi de p<0,05. Todos os procedimentos estatísticos foram realizados por meio do programa estatístico BioStat, versão 5.0 e Medcalc, versão 12.2.1 (MedCal Software, Mariakerke, Bélgica).

Resultados

A Tabela 1 mostra que não foram encontradas diferenças estatísticas na idade e estatura entre os grupos. Quanto à massa corporal, IMC, CC, RC/Q e CP, as obesas mórbidas apresentaram valores significativamente maiores do que as eutróficas. Não houve diferenças significativas nos valores de CVF e razão VEF1/CVF entre os grupos; o VEF1 apresentou-se significativamente menor nas obesas. Não foram encontradas diferenças significativas no nível de atividade física habitual das voluntárias (Tabela 1).

As obesas mórbidas apresentaram valores obtidos de PImáx significativamente superiores em comparação às eutróficas.

No que se refere às diferenças entre os valores obtidos de PImáx e os valores previstos pelas equações, as obesas mórbidas apresentaram valores previstos pela equação EHarik significativamente superiores aos obtidos. Não houve diferença entre os valores obtidos e previstos pela equação ENeder; os valores previstos da equação ECosta foram significativamente inferiores aos obtidos. Quando se comparou a diferença entre os valores previstos pelas três equações, observou-se que houve diferença significativa entre todas elas, conforme a Tabela 2.

Quanto às voluntárias eutróficas, pode-se observar que não houve diferença nos valores obtidos e previstos pela equação EHariK; os valores previstos pela equação ENeder foram signicativamente superiores aos obtidos, e os valores previstos pela equação ECosta foram significativamente inferiores aos obtidos (Tabela 2).

Para as medidas de PEmáx, não houve diferenças nos valores obtidos entre os grupos. Quanto às diferenças entre os valores obtidos de PEmáx e os valores previstos pelas equações, pode-se constatar diferença estatística significativa entre os valores obtidos e os valores preditos pelas equações ENeder e ECosta. Quando comparados os valores previstos, não houve diferença entre as equações (Tabela 3).

Para a PImáx, a análise estatística gráfica realizada pelo teste de Bland-Altman entre os valores obtidos e previstos pela equação EHarik mostrou uma média das diferenças de –7,7 cmH2O e um intervalo de confiança de –38,9 cmH2O a 23,6 cmH2O. Os valores obtidos e os previstos pela ENeder apresentaram média das diferenças de –23,5 cmH2O e um intervalo de confiança de –52,3 cmH2O a 5,3 cmH2O. Valores obtidos e previstos pela ECosta mostraram um média das diferenças de 11,8 cmH2O e um intervalo de confiança de –17,1 cmH2O a 40,6 cmH2O. No que se refere à PEmáx, a análise gráfica de Bland-Altman entre os valores obtidos e previstos pela ENeder mostrou uma média das diferenças de 14,4 cmH2O e um intervalo de confiança de –53,2 cmH2O a 24,1 cmH2O. Os valores obtidos e previstos pela ECosta apresentaram média das diferenças de –16,1 cmH2O e um intervalo de confiança de –54,9 cmH2O a 22,6 cmH2O (Figuras 1 e 2).



Discussão

A análise dos parâmetros de FMR se faz relevante especialmente quando o portador de obesidade mórbida é candidato à cirurgia de gastroplastia28. Segundo Barbalho-Moulin et al.29, a disfunção dos músculos respiratórios é a principal causa das complicações pulmonares após a cirurgia abdominal e, em função disso, recomendam o treinamento muscular respiratório. O presente estudo orienta o fisioterapeuta e os profissionais da saúde em relação às dificuldades de se utilizarem fórmulas preditoras de FMR que não se utilizam da massa corporal.

A função dos músculos respiratórios pode ser severamente comprometida com o aumento da obesidade, e isso ocorre pela carga imposta ao músculo diafragma. Devido à diminuição da capacidade residual funcional (CRF), ocorre aumento da ventilação, e altos fluxos são necessários para realizar ventilação voluntária máxima30.

De acordo com os resultados referentes às comparações dos valores obtidos de PImáx com as diferentes equações, podemos observar que não houve diferença entre os valores obtidos e os previstos pela equação EHarik no grupo de eutróficas. Já, segundo a equação proposta por Neder et al.25, observamos uma superestimação da FMR; enquanto, segundo Costa et al.27, os valores previstos para a PImáx foram subestimados.

Sendo assim, em relação à avaliação da FMR das obesas mórbidas, pode-se constatar três resultados diferentes para um mesmo valor obtido, confirmando a hipótese do estudo de que as fórmulas matemáticas em questão não podem predizer a FMR de obesas mórbidas de forma fidedigna. Esse fato talvez possa explicar também as diferenças encontradas nos resultados de estudos que procuram avaliar a força dos músculos respiratórios na obesidade mórbida28,31,32.

Em função da nulidade estatística encontrada para as medidas da Pimáx obtidas e previstas pela equação EHarik para as voluntárias eutróficas, maior concordância entre os valores obtidos e previstos dada pela análise visual Bland-Altman, levando em consideração que as eutróficas do presente estudo não apresentaram qualquer motivo para ter redução ou aumento da FMR e considerando que essa fórmula é a única que leva em consideração a massa corporal e estatura das voluntárias, o presente estudo a elege como a mais confiável para as medidas das pressões respiratórias máximas nas obesas mórbidas estudadas. Constata-se, dessa forma, que a força dos músculos inspiratórios das obesas encontra-se reduzida.

Esse resultado pode ser explicado pela restrição da caixa torácica ocasionada pelo depósito excessivo de gordura na região toracoabdominal, alterando a mobilidade da musculatura diafragmática33. Além disso, nos obesos, o peso do abdome, na posição supina, leva o diafragma à posição cefálica, acarretando fechamento das pequenas vias aéreas da base do pulmão e assim pressão positiva expiratória final intrínseca, acarretando aumento do trabalho ventilatório e consequente desvantagem muscular34.

Para o grupo controle do presente estudo, a equação EHarik para a PImáx mostrou-se a mais adequada. Esse resultado também foi encontrado por Leal et al.35, que avaliaram as pressões respiratórias de 475 adultos saudáveis e sedentários, verificando-se que as equações mais adequadas para aquela população foi a de Harik-Kahn, Wise e Fozard12 para PImáx, a qual relaciona massa corporal, idade e altura, e a de Neder et al.25 para PEmáx, a qual relaciona idade. Entretanto, neste estudo, pela falta de nulidade estatística entre eutróficas e os valores preditos por Neder et al.25, não se considerou a referida equação como adequada para predição da força muscular expiratória de obesas mórbidas.

Em outro estudo publicado por Parreira et al.36, verificou-se que as equações propostas por Neder et al.25 não foram capazes de predizer os valores de PImáx e PEmáx na população estudada de indivíduos saudáveis não obesos, e essas diferenças foram atribuídas a diferenças metodológicas entre os estudos.

Assim como neste estudo, pesquisadores que utilizaram as equações estabelecidas por Neder et al.25 verificaram resultados contraditórios no que se refere ao comportamento da FMR em obesos mórbidos. Magnani e Cataneo5 realizaram um estudo somente com obesos que possuíam indicação para cirurgia bariátrica, com média de IMC de 44,42 kg/m2, e verificaram que a PImáx e a PEmáx estavam dentro do limite de normalidade. Já Castello et al.28 verificaram que mulheres com obesidade mórbida apresentaram menores valores para a PImáx (76% do predito) e para a PEmáx (67% do predito) em comparação a eutróficas com mesma faixa etária. Poder-se-ia dizer que os resultados referentes às obesas deste estudo foram semelhantes aos achados de Castello et al.28, entretanto teria que se considerar os valores preditos de Harik-Kahn, Wise e Fozard12 para a PImáx e os de Neder et al.25 e/ou Costa et al.27 para a PEmáx.

Levando em consideração apenas os resultados obtidos para PImáx, eles corroboram os obtidos por Costa et al.32, que avaliaram 57 obesas e 46 eutróficas sedentárias, verificando-se maior PImáx e PEmáx das pacientes obesas em comparação às eutróficas. Neste estudo, não foram calculados os valores preditos segundo equações estabelecidas. Os autores também ressaltam a importância de um grupo controle no caso de eutróficas para avaliação da FMR, tendo em vista o número de equações variadas para estimar os valores das pressões.

O aumento da força dos músculos respiratórios nos obesos pode ser explicado por uma adaptação à sobrecarga crônica que acompanha a obesidade, mostrado pela maior quantidade de fibras do tipo II e uma pequena quantidade de fibras do tipo I37. Entretanto, em função da diferença entre os valores obtidos e previstos de PEmáx nas eutróficas e da demonstração de valores previstos superestimados pela análise de Bland-Altman é que a força muscular expiratória das obesas mórbidas deste estudo permanecem inconclusivas.

Costa et al.27 realizaram um estudo que comparou a PImáx e a PEmáx medidas em indivíduos saudáveis com os valores previstos utilizando as equações propostas por Neder et al.25 no intuito de predizer equações de referência para população brasileira. Foi demonstrado que os valores previstos para a PI por meio das equações propostas por Neder et al.25 foram significativamente maiores do que os obtidos, mas não houve diferença nos valores previstos de PEmáx em relação aos obtidos. Costa et al.27 atribuiu isso ao fato de o estudo de Neder et al.25 não ter especificado o tamanho do orifício presente no bocal para reduzir a pressão dos músculos bucinadores. Provavelmente essa informação também possa ajudar a explicar os achados sobre a força muscular inspiratória nas eutróficas no presente estudo, quando se leva em consideração a equação ENeder.

Enright et al.38 relataram que os preditores positivos para a PImáx são gênero, CVF, força de preensão manual e quantidade de massa magra. Alguns estudos têm mostrado precisamente que indivíduos obesos têm maior força muscular periférica do que os indivíduos magros, e ela é provavelmente associada a uma maior massa livre de gordura39,40. Por não ter sido avaliada a composição corporal das voluntárias do atual estudo, não se pode atribuir os achados de PRM à quantidade de gordura.

Bruschi et al.41 relatam uma grande variedade nos resultados dos estudos sobre as PRM. Esses autores relataram que a variabilidade pode ser atribuída a diferentes metodologias utilizadas, como tipo de bocal, número de manobras realizadas, posição corporal e diferenças nas populações estudadas.

Podem ser considerados fatores limitantes do estudo a ausência de um teste cardiopulmonar, a avaliação da composição corporal e a falta da análise de outros estudos sobre a FMR, especialmente envolvendo a população brasileira.

Conclusão

As mulheres obesas mórbidas estudadas apresentaram maior força muscular inspiratória do que mulheres eutróficas. Das três equações utilizadas no presente estudo, a de Harik-Khan et al.12 parece ser a mais apropriada para calcular os valores de referência das medidas de Plmáx de obesas mórbidas. Mulheres obesas mórbidas e eutróficas parecem apresentar semelhança no comportamento da força dos músculos expiratórios, entretanto esses achados são inconclusivos.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/PROSUP) e ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPQ), pelo suporte financeiro, e à Maria Imaculada de Lima Montebello, pela contribuição na análise estatística.

Recebido: 10/01/2012

Revisado: 15/03/2012

Aceito: 26/06/2012

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2012
    • Aceito
      26 Jun 2012
    • Revisado
      15 Mar 2012
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