Acessibilidade / Reportar erro

Toracometria em crianças com Distrofia Muscular de Duchenne: expansão do método

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: A toracometria é um método simples e acessível para avaliar a mobilidade do tórax durante uma respiração forçada, mas não permite pesquisar os movimentos compensatórios utilizados por portadores de doenças crônicas, como Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), caracterizada pela degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética. OBJETIVOS: Ampliar método de avaliação pela toracometria, permitindo avaliação dos movimentos compensatórios; analisar a confiabilidade da ferramenta e descrever a mobilidade torácica de crianças com DMD durante respiração profunda. MÉTODO: Participaram 60 meninos, 30 com DMD (10,1±0,5 anos) e 30 saudáveis (9,5±0,6 anos). Organizou-se método de toracometria expandida em duas fases: livre movimentação corporal, permitindo avaliação de movimentos compensatórios (toracometria livre) e movimentação corporal sem movimentos compensatórios, permitindo o estudo dirigido aos movimentos do gradil costal (toracometria dirigida). Esse método prevê filmagem e observação sistemática dos movimentos, gerando dados numéricos e descritivos. O estudo de confiabilidade foi realizado para os dois grupos. RESULTADOS: As medidas de toracometria axial e xifoide (livres e dirigidas) apresentaram excelente confiabilidade. As medidas apresentaram diferenças significantes entre os grupos. Nas crianças com DMD, a toracometria livre apresentou valor de expansibilidade torácica maior quando comparada com a toracometria dirigida, provavelmente decorrente do auxílio dos movimentos compensatórios, sendo observados com maior frequência os associados à cabeça, ombro e tronco. CONCLUSÕES: O método de toracometria expandida apresentou excelente confiabilidade e permitiu descrever os movimentos compensatórios e da caixa torácica durante respiração profunda. Sugere-se sua utilização na avaliação respiratória de crianças com DMD.

fisioterapia; reprodutibilidade de resultados; avaliação respiratória; Distrofia Muscular de Duchenne


BACKGROUND: Thoracic cirtometry is a simple and accessible technique to evaluate chest mobility during forced breathing. However, it does not allow for the assessment of compensatory movements commonly used by people with chronic diseases, such Duchenne muscular dystrophy (DMD). DMD is a condition characterized by progressive and irreversible degeneration of the musculoskeletal system. OBJECTIVES: To expand the method of thoracic cirtometry to allow for the assessment of compensatory movements; to analyze the reliability of the tool; and to describe thoracic mobility of children with DMD during deep breathing. METHOD: Sixty boys, 30 with DMD (10.1±0.5 years) and 30 healthy controls (9.5±0.6 years) participated in the study. The expanded thoracic cirtometry was organized in two phases: 1. the body could move freely, allowing the assessment of compensatory movements (free thoracic cirtometry) and 2. the body without compensatory movements, allowing for the direct study of the movements of the chest (guided thoracic cirtometry). This method includes videotaping and systematic observation of body movements using descriptive and numeric data. We investigated reliability of these measures in both groups. RESULTS: Measures of axial and the xiphoid thoracic cirtometry (both free and guided) showed excellent reliability. All measures were significantly different between groups. In DMD boys, free thoracic cirtometry presented a greater value of chest expansion when compared with the guided measures, which probably occurred due to compensatory movements. The most commons were movements of the head, shoulder and torso. CONCLUSIONS: The expanded thoracic cirtometry method showed excellent reliability and achieved the objectives of determining measures of chest mobility and compensatory movements during deep breath. We suggested its use in the respiratory evaluation of children with DMD.

physical therapy; reliability; respiratory assessment; Duchenne muscular dystrophy


ARTIGO ORIGINAL

Toracometria em crianças com Distrofia Muscular de Duchenne - expansão do método

Agenor Garcia JúniorI; Fátima A. CaromanoI; Adriana M. ContesiniI; Renata EscorcioI; Lilian A. Y. FernandesI; Sílvia M. A. JoãoII

ILaboratório de Fisioterapia e Comportamento, Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Medicina (FM), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

IILaboratório de Avaliação Musculoesquelética, Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Medicina (FM), USP, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: A toracometria é um método simples e acessível para avaliar a mobilidade do tórax durante uma respiração forçada, mas não permite pesquisar os movimentos compensatórios utilizados por portadores de doenças crônicas, como Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), caracterizada pela degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética.

OBJETIVOS: Ampliar método de avaliação pela toracometria, permitindo avaliação dos movimentos compensatórios; analisar a confiabilidade da ferramenta e descrever a mobilidade torácica de crianças com DMD durante respiração profunda.

MÉTODO: Participaram 60 meninos, 30 com DMD (10,1±0,5 anos) e 30 saudáveis (9,5±0,6 anos). Organizou-se método de toracometria expandida em duas fases: livre movimentação corporal, permitindo avaliação de movimentos compensatórios (toracometria livre) e movimentação corporal sem movimentos compensatórios, permitindo o estudo dirigido aos movimentos do gradil costal (toracometria dirigida). Esse método prevê filmagem e observação sistemática dos movimentos, gerando dados numéricos e descritivos. O estudo de confiabilidade foi realizado para os dois grupos.

RESULTADOS: As medidas de toracometria axial e xifoide (livres e dirigidas) apresentaram excelente confiabilidade. As medidas apresentaram diferenças significantes entre os grupos. Nas crianças com DMD, a toracometria livre apresentou valor de expansibilidade torácica maior quando comparada com a toracometria dirigida, provavelmente decorrente do auxílio dos movimentos compensatórios, sendo observados com maior frequência os associados à cabeça, ombro e tronco.

CONCLUSÕES: O método de toracometria expandida apresentou excelente confiabilidade e permitiu descrever os movimentos compensatórios e da caixa torácica durante respiração profunda. Sugere-se sua utilização na avaliação respiratória de crianças com DMD.

Palavras-chave: fisioterapia; reprodutibilidade de resultados; avaliação respiratória; Distrofia Muscular de Duchenne.

Introdução

A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é a segunda desordem genética mais comum em humanos. Constitui um distúrbio genético de caráter recessivo, com alta taxa de mutação, localizado em Xp21. Essa mutação causa um defeito na estrutura da membrana muscular, que tem como consequência a ausência ou diminuição da produção da proteína distrofina, responsável, entre outras funções, pela integridade da membrana basal da fibra muscular. O quadro clínico da DMD caracteriza-se, principalmente, pela degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética, levando à incapacidade de deambulação e insuficiência respiratória por fraqueza muscular1.

Em decorrência da fraqueza muscular da musculatura postural e respiratória, a maioria dos pacientes com DMD desenvolve escoliose e/ou deformidades na caixa torácica, com compro-metimento da biomecânica respiratória2,3 e diminuição dos volumes pulmonares, incapacitando a expansão até sua capacidade máxima e o retorno ao volume residual4,5. Como consequência, observa-se ventilação inadequada em situação de aumento das cargas mecânicas e necessidades elevadas de ventilação6.

Numerosas abordagens terapêuticas, com objetivo de corrigir a alteração genética, estão atualmente em estudo, mas não existe nenhuma forma de cura. Enquanto isso, ação abrangente, interdisciplinar, organizada para manter o paciente em sua melhor condição física possível é a melhor opção1, pois tem função preventiva e atua nos aspectos primários e secundários da doença, podendo favorecer a história natural e melhorar a qualidade de vida7. A preocupação com a função respiratória se justifica por ser a falência desse sistema a principal causa de morte nessa população.

Na avaliação rotineira e durante as intervenções fisioterapêuticas em diferentes patologias respiratórias, a mensuração da amplitude de movimento torácico, por meio da toracometria ou perimetria torácica, tem sido utilizada devido a sua praticidade, rapidez e baixo custo de execução8.

Em situações de inspiração forçada, na presença de fraqueza muscular, os músculos posturais podem ser acionados, gerando compensações biomecânicas3. Esses movimentos compensatórios, embora positivos em casos de pacientes com doenças degenerativas progressivas, por fornecerem uma estratégia para obtenção da ação desejada, são pouco estudados e desconsiderados durante a avaliação da mobilidade torácica. A compreensão do movimento do gradil costal à custa da musculatura respiratória e dos movimentos compensatórios, decorrentes do uso de musculatura acessória e postural, são informações complementares que auxiliam na compreensão do quadro da mobilidade torácica associada à respiração profunda.

Conhecer as possibilidades de movimentos compensatórios que podem auxiliar os pacientes com DMD, em situações em que sejam exigidas respirações forçadas, pode auxiliar o fisioterapeuta a estabelecer estratégias com comportamentos motores prévia e adequadamente treinados.

Diante do exposto, os objetivos deste estudo foram expandir o método da toracometria, de tal forma a contemplar a avaliação dos movimentos compensatórios, analisar a confiabilidade da ferramenta quando aplicada em crianças saudáveis e portadoras de DMD e caracterizar seus movimentos torácicos durante a respiração profunda. Para tanto, organizou-se método de toracometria expandida em duas fases: livre movimentação corporal durante respiração profunda, permitindo avaliação de movimentos compensatórios (toracometria livre) e respiração profunda sem movimentos compensatórios, permitindo estudar os movimentos do gradil costal (toracometria dirigida).

Método

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil, sob processo número 0685/09.

Sujeitos

Participaram 60 crianças do sexo masculino, sendo 30 com DMD (10,1±0,5 anos) - grupo DMD - e 30 saudáveis (9,5±0,6 anos) - grupo S. O responsável legal de cada criança assinou o termo de consentimento livre e esclarecido, e as crianças afirmaram concordância em participar após demonstração dos procedimentos, de acordo com o proposto e aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Instituição.

Foram classificadas como saudáveis as crianças que preencheram os requisitos de não apresentarem alteração em avaliação postural fisioterapêutica cega, aplicada por fisioterapeuta com experiência, e não ter histórico e nunca ter sido diagnosticada portadora de doença, exceto intercorrências passageiras (por exemplo, otite, faringite ou gripe), segundo relato obtido em entrevista realizada com o responsável pela criança.

As crianças com DMD também foram avaliadas pelo mesmo avaliador que elaborou um relatório escrito sobre a postura do tronco na posição sentada e sobre o histórico de doenças.

Foram critérios de inclusão a ausência de doença respiratória crônica e a capacidade de compreensão do teste proposto. Foram critérios de exclusão do estudo, para ambos os grupos, presença de qualquer doença aguda, como gripes e resfriados ou lesões musculoesqueléticas agudas, como fratura ou torção, durante o período de coleta de dados. Esses episódios foram investigados pelo pesquisador imediatamente antes da coleta de dados.

O estudo foi realizado no Laboratório de Fisioterapia e Comportamento do Curso de Fisioterapia da FMUSP, na Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM) e em Escola Estadual de Ensino Fundamental da Cidade de São Paulo.

Procedimentos

Cirtometria ou perimetria toracoabdominal é definida como um conjunto de medidas das circunferências do tórax e do abdome, coletadas durante os movimentos respiratórios9. Utiliza-se o termo toracometria no sentido de enfocar unicamente os movimentos do tórax. Tal opção ocorre pelo fato de pessoas com DMD assumirem a situação de cadeirante ainda durante a adolescência, e a coleta de dados da toracometria, neste estudo, aconteceu com os participantes posicionados sentados. Na postura sentada, a avaliação da mobilidade abdominal é questionável, uma vez que a musculatura abdominal está em posição de relaxamento, facilitando deslocamento de vísceras, e a da região posterior do tronco está alongada, limitando os movimentos na região.

A medida da amplitude torácica, como descrita na literatura, é realizada por meio da cirtometria, utilizando-se uma fita métrica, escalonada em centímetros, e coletada em duas regiões, a saber, na altura das axilas e na altura do processo xifoide. As referências usadas para a coleta de medidas são, na altura das axilas, no plano frontal, o terceiro espaço intercostal. No plano dorsal, utiliza-se o processo espinhoso da quinta vértebra torácica. Para coleta de medida na altura do processo xifoide, no plano frontal, usa-se a ponta do apêndice xifoide e, no plano dorsal, o processo espinhoso da décima vértebra torácica10.

Em trabalhos recentes, com voluntários adultos jovens do sexo masculino, a coleta das medidas de cirtometria toracoabdominal mostrou ser uma técnica replicável e utilizável na prática clínica9-11.

Sugere-se manter essas medidas e complementar os dados, coletando as mesmas medidas com realização dos movimentos de cabeça, tronco e membros superiores que se façam necessários para que se realizem inspiração e expiração profundas, permitindo assim a visualização dos movimentos compensatórios.

Propõe-se que a coleta de dados com movimentos livres, que se denomina toracometria livre, seja precedida da coleta com os movimentos compensatórios limitados (tradicional), que se chama toracometria dirigida. Para o estudo dos movimentos compensatórios, propõe-se que a coleta de dados da toracometria seja filmada e observada de forma sistemática, de tal forma que cada segmento corporal (cabeça, pescoço, membros superiores e tronco) possa ser observado quantas vezes forem necessárias até que o examinador conclua sobre a presença ou não de movimentos compensatórios e descreva o tipo de movimento executado. O dado deve ser registrado para posterior análise.

Para coletar os dados utilizando a técnica de toracometria expandida, orienta-se o voluntário para que realize uma inspiração máxima e, logo após, uma expiração máxima, enquanto a fita métrica, colocada ao redor do tórax, em posições anatômicas definidas, desloca-se acompanhando a expansão do tórax. O procedimento é aplicado em nível superior e inferior do tórax, e o examinador acompanha os movimentos dos pacientes. Para cada variável, devem ser coletadas três medidas relativas à inspiração e à expiração forçadas, e a diferença entre ambas é registrada, ou seja, a medida coletada diz respeito à medida da circunferência torácica no pico de inspiração menos a medida coletada no pico de expiração. Para fins de pesquisa, considera-se a melhor medida obtida. Para evitar cansaço, permitiu-se um descanso mínimo de um minuto entre cada coleta.

O comando verbal deve ser claro e reforçador. Tradicionalmente, pede-se ao paciente para não deslocar o tronco ou a cabeça para frente ou para trás, nem movimentar os braços. Essa ação, associada ao bloqueio imposto pela posição sentada, impede movimentos compensatórios, permitindo a avaliação isolada da mobilidade da caixa torácica. Durante a cirtometria livre, que deve anteceder a cirtometria induzida, não se fornece nenhuma informação sobre postura ou movimentos.

As crianças dos dois grupos foram avaliadas sentadas em banco de madeira (cadeira padrão com retirada de encosto), pés apoiados no solo (se necessário, colocado apoio usando bloco de madeira) e mãos apoiadas nas coxas durante cirtometria dirigida.

Coleta de dados

Um examinador previamente treinado durante oito horas, avaliando dez crianças saudáveis e dez com DMD, coletou medidas de toracometria dos grupos S e DMD, no tempo zero e um mês após a primeira coleta, gerando dados para análise de confiabilidade intraexaminador. Dois dias após a coleta do tempo zero, outro examinador, também previamente treinado, coletou as mesmas medidas, gerando dados para análise de confiabilidade interexaminadores.

Os testes foram filmados com a filmadora colocada perpendicularmente num ângulo de 45º ao sujeito, sobre um tripé a 1 m de altura, numa distância de 2 m. O examinador se posicionou no lado oposto da filmadora, permitindo visualizar a criança em avaliação.

A partir dos filmes, foram realizadas observações sistemáticas para registrar os movimentos compensatórios realizados pelas crianças durante a inspiração e a expiração forçadas.

A coleta de dados e a observação dos filmes foram executadas por avaliadores que também se submeteram ao treinamento. Os movimentos foram registrados a partir da observação do tronco, cíngulo escapular, membros superiores e cabeça e, posteriormente, organizados por categorias. Assim, cada criança poderia apresentar mais de um movimento compensatório.

Análise dos dados

Por se tratar de variáveis quantitativas em escala de razão e compensações observadas, foi testada a normalidade de cada variável por meio do teste de aderência de Kolmogorov-Smirnov. Verificada a normalidade, foram realizados os testes de Barlett e Levene para verificar a homogeneidade das variáveis11. Confirmados os pressupostos, foram realizadas as correlações das toracometrias livre e dirigida para as medidas axial e xifoide por meio do teste de correlação de Pearson. Foram feitas as comparações entre toracometrias livre e dirigida entre os grupos S e DMD por meio da análise de variância (ANOVA) two-way, tendo como fatores os grupos e as medidas de toracometria12.

Pesquisou-se o Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI) utilizando-se os resultados da ANOVA two-way para a reprodutibilidade dos dados e ANOVA one-way com medidas repetidas para cálculo da repetibilidade dos dados avaliados, para que, desse modo, se pudesse refletir tanto o grau de Endereço para correspondência quanto a concordância entre os avaliadores13,14.

Para avaliar o nível de confiança entre os diferentes examinadores (reprodutibilidade), a amostra foi avaliada por dois examinadores diferentes, treinados, sem conhecimento entre eles dos resultados obtidos. Para analisar o nível de confiança de um mesmo examinador (repetibilidade), os mesmos sujeitos foram examinados em duas ocasiões diferentes, com um intervalo de um mês, para que o examinador não memorizasse os resultados15,16.

Para caracterização dos sujeitos e estudo das variáveis de compensações, foram realizadas análises descritivas.

Resultados

Caracterização dos participantes

As informações sobre peso, altura e idade estão descritas na Tabela 1.

Foram organizados dois grupos (DMD e S), com idade próxima e encontrou-se diferença significativa no peso e na altura, como esperado, uma vez que a DMD afeta o ganho de peso e o desenvolvimento dessas crianças. As crianças com DMD se mostraram mais baixas e mais pesadas. O ganho de peso nessa população pode estar associado à inatividade7.

Todas as crianças com DMD faziam uso de corticoide, e nenhuma utilizava medicação analgésica ou antidepressiva, o que pode ocorrer em alguns casos. Nenhuma criança do grupo saudável fazia uso de medicamento. O uso de corticoide não afeta a biomecânica nem a fisiologia da respiração.

Na avaliação física dos indivíduos, cada disfunção foi categorizada isoladamente, dessa forma, uma mesma criança poderia se encaixar em mais de uma categoria de disfunção postural de tronco. Detectou-se que, no grupo DMD, 97% das crianças apresentavam algum tipo de deformidade no tórax, sendo as mais evidentes o abaulamento à direita (46%) e o tórax em tonel (23%). Nesse grupo, 57% das crianças apresentavam deformidades anatômicas de tórax relacionadas com a coluna vertebral, sendo que, dessas, 46% apresentavam escoliose à direita, 10% à esquerda e 1% (apenas uma criança) com escoliose em "S". Essas alterações dificultaram, mas não impediram a coleta de dados. No grupo S, não foi encontrada deformidade de tórax.

Análise de confiabilidade

Pesquisou-se a confiabilidade interavaliador (reprodutibilidade) e intra-avaliador (repetibilidade) da toracometria (axial e xifoide) e a observação seguida de registro da presença de compensações de movimentos respiratórios forçados das crianças dos grupos DMD e S. Conforme mostrado na Tabela 2, todas as medidas pesquisadas, para ambos os grupos, apresentaram uma excelente confiabilidade, demonstrando precisão das coletas de dados para avaliação da expansibilidade torácica nas condições propostas.

Foram realizadas e comparadas as medidas de toracometria livre e dirigida em crianças com DMD e em crianças saudáveis. Todas as medidas de toracometria apresentaram-se diferentes significativamente entre os grupos S e DMD, dados os respectivos valores de p, conforme mostrado na Tabela 3. O mesmo pode ser afirmado em relação ao número de compensações posturais realizadas, considerando-se cada segmento corporal isoladamente.

Os valores da toracometria das crianças com DMD apresentam uma diferença estatística entre os valores da medida axial livre e dirigida, sendo que a livre apresenta um valor de expansibilidade torácica maior. Visto que a toracometria axial livre permitia às crianças realizarem as compensações que elas desejassem, observaram-se quais ocorreram visando facilitar expansibilidade torácica.

Movimentos compensatórios

A comparação entre o número de movimentos compensatórios apresentados pelas crianças foi significativamente maior no grupo DMD, com p<0,001.

Durante a cirtometria livre, foi possível observar que, no grupo DMD, 13 participantes realizaram compensações de ombro com movimentos de elevação e rotação externa seguida de depressão e rotação interna; extensão seguida de flexão da cabeça; anteriorização com extensão do tronco seguida de retorno à posição inicial, sendo que cinco participantes utilizaram, inclusive, um leve suporte das mãos como alavanca para deslocamento de tronco. Outros 17 participantes utilizaram movimentos compensatórios menos impactantes, associando movimentos de anteriorização com extensão seguida de retorno à posição inicial do tronco associados com flexão e extensão de cabeça.

No grupo S, 12 participantes realizaram compensação com movimentos de flexão e extensão de cabeça, quatro crianças realizaram anteriorização e retorno à posição inicial do tronco, e oito meninos realizaram compensações com elevação e depressão de ombros, seis participantes realizaram movimentos associados de elevação e depressão de ombros associados com flexão e extensão de cabeça. Todas as crianças do grupo S realizaram compensações, mas de impacto menor que as executadas pelas crianças do grupo DMD.

Discussão

Na avaliação e durante as intervenções fisioterapêuticas em diferentes patologias respiratórias, a mensuração da amplitude de movimento torácico tem sido utilizada por ser um método barato, fácil de aprender e aplicar, apropriado para clínica. Mesmo quando o pulmão não está diretamente envolvido, como nas cirurgias de laparotomia, as alterações biomecânicas podem ocorrer, e essa técnica ser utilizada17-19. A toracometria, mesmo sendo uma técnica limitada, quando usada de forma criteriosa, pode fornecer ao fisioterapeuta dados do estado da funcionalidade da caixa torácica9,19,20.

A avaliação respiratória de crianças com DMD gera dados fundamentais na tomada de decisão clínica, especialmente na rotina do fisioterapeuta, que pode se beneficiar do exame de toracometria.

Um estudo com pacientes asmáticos submetidos à manipulação osteopática demonstrou a eficácia do tratamento, utilizando, como avaliação, a toracometria20,21. Em crianças com fibrose cística, submetidas a fisioterapia22, o estado funcional pulmonar esteve indiretamente refletido na expansibilidade torácica que foi obtida por toracometria.

Em pessoas saudáveis, a eficácia e reprodutibilidade da avaliação da expansibilidade torácica por toracometria, utilizando fita métrica, mostrou ser um método altamente reprodutível e com boa confiabilidade10. No presente estudo, todas as medidas de toracometria em ambas as análises (reprodutibilidade e repetibilidade) apresentaram excelente confiabilidade, demonstrando uma precisão dessa medida para avaliação da expansibilidade torácica também em crianças, inclusive nas crianças com DMD.

Juntamente com a fraqueza simultânea progressiva dos músculos respiratórios, ocorre uma insuficiência pulmonar restritiva por alteração postural, alterando a expansibilidade pulmonar. A maioria dos pacientes com DMD desenvolvem uma escoliose progressiva quando eles deixam de deambular e passam a fazer uso da cadeira de rodas. Nessa fase, também desenvolvem ou acentuam as deformidades torácicas e pélvicas23,24. Na caracterização e avaliação postural dos nossos participantes, encontraram-se alterações posturais, sendo que 46% apresentavam escoliose com concavidade à direita, 10% à esquerda e 1% em "S".

Em um estudo longitudinal que avaliou a correlação entre deformidades torácicas e alterações pulmonares, a diminuição da capacidade vital esteve ligada com piora da deformidade torácica. As deformidades e sua associação com a fraqueza muscular na DMD devem ser pesquisadas e acompanhadas durante a evolução da doença25.

Essas alterações progressivas posturais e motoras podem levar essas crianças a construírem estratégias adaptativas para alcançarem o movimento desejado. Em um estudo para avaliar função bimanual em crianças com DMD26, os autores encontraram que, em consequência da fraqueza muscular característica da doença, essas crianças encontram ajustes antecipatórios posturais para completarem suas funções.

A fraqueza da musculatura respiratória altera os volumes pulmonares, dificultando a expansão pulmonar até sua capacidade total25. Além da dificuldade para gerar volume pulmonar, essa perda, associada à fraqueza muscular, também leva à dificuldade para gerar mecanismos de defesa, como a tosse27,28. As alterações progressivas respiratórias também podem levar essas crianças a gerar adaptações ventilatórias e a ajustarem a cinemática respiratória com o agravamento da doença, como adotar predominantemente um padrão respiratório abdominal29,30.

O presente estudo propõe uma expansão na execução da técnica de toracometria, utilizando-a de duas formas, a toracometria livre e a dirigida, que poderiam fornecer indicadores das compensações posturais facilitadoras da respiração nas crianças portadoras de DMD. Foram encontradas diferenças significativas em todas as medidas de toracometria entre os grupos de crianças saudáveis e com DMD, sendo esse último grupo caracterizado por medidas menores. Quando analisados os valores de expansibilidade torácica somente no grupo DMD, encontrou-se um valor maior quando foram permitidas compensações na toracometria livre em relação à dirigida.

Para alcançar maior expansibilidade torácica, essas crianças realizaram, na toracometria livre, principalmente compensações como movimentação de cabeça associada ao ombro e essas associadas à movimentação torácica e à lombar. Portanto, assim como para funções motoras, essas crianças criam estratégias compensatórias também para melhora da função respiratória, sendo elas benéficas, visto que assim são capazes de aumentar sua expansibilidade torácica.

O limite deste trabalho está principalmente na impossibilidade de o método proposto graduar as compensações realizadas durante a cirtometria livre e na ausência de estudo da mobilidade abdominal durante a respiração profunda. Ambos os temas devem ser objetos de estudos futuros por este grupo.

Conclusões

O método de avaliação testado - toracometria expandida - livre e dirigida, com observação de movimentos compensatórios, apresentou replicabilidade e reprodutibilidade excelentes.

Encontrou-se diferença significativa nas medidas obtidas por meio das duas formas de mensuração propostas, que geraram informações complementares na avaliação respiratória desses pacientes. Foi possível observar que a realização de movimentos compensatórios é comum e normal durante a inspiração seguida de expiração forçadas, e essas compensações envolvem um número maior de seguimentos no grupo DMD.

Sugere-se a utilização do método de toracometria livre e dirigida em rotinas de avaliação pulmonar de crianças com DMD ou doenças similares, a exemplo da Distrofia Muscular de Becker.

Referências

  • 1
    López-Hernández LB, Vázquez-Cárdenas NA, Luna-Padrón E. Duchenne muscular dystrophy: current aspects and perspectives on treatment. Rev Neurol. 2009;49(7):369-75. PMid:19774532.
  • 2
    Allen J. Pulmonary complications of neuromuscular disease: a respiratory mechanics perspective. Paediatr Respir Rev. 2010;11(1):18-23. PMid:20113987. http://dx.doi.org/10.1016/j.prrv.2009.10.002
  • 3
    Smith AD, Koreska J, Moselley CF. Progression of scoliosis in Duchenne muscular dystrophy. J Bone Joint Surg Am. 1989;71(7):1066-74. PMid:2760082
  • 4
    Veneruso G, Adami Lami C, Azzari C, Calandi C, Franchini C, Sabatini C, et al. Evaluation of the respiratory function in patients with Duchenne's muscular dystrophy. Pediatr Med Chir. 1987;9(1):15-9. PMid:3628047.
  • 5
    Inkley SR, Oldenburg FC, Vignos Junior PJ. Pulmonary function in Duchenne muscular dystrophy related to stage of disease. Am J Med. 1974;56(3):297-306. PMid:4813648. http://dx.doi.org/10.1016/0002-9343(74)90611-1
  • 6
    Estenne M, Heilporn A, Delhez L, Yernault JC, De Troyer A. Chest wall stiffness in patients with chronic respiratory muscle weakness. Am Rev Respir Dis. 1983;128(6):1002-7. PMid:6228174.
  • 7
    Lynn DJ, Woda RP, Mendell JR. Respiratory dysfunction in muscular dystrophy and other myopathies. Clin Chest Med. 1994;15(4):661-74. PMid:7867281.
  • 8
    Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens PR, Cripe L, et al. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 2: implementation of multidisciplinary care. Lancet Neurol. 2010;9(2):177-89. http://dx.doi.org/10.1016/S1474-4422(09)70272-8
  • 9
    Costa D, Sampaio LMM, Lorenzo VAPD, Jamami M, Damaso AR. Avaliação da força muscular respiratória e amplitudes torácicas e abdominais após RFR em indivíduos obesos. Rev Latinoam Enferm. 2003;11(2):156-60.
  • 10
    Carvalho MRA. Avaliação morfodinâmica do tórax e do abdomen. In: Carvalho MRA, editor. Fisioterapia respiratória. Rio de Janeiro: Nova Casuística; 1979. p. 65-68.
  • 11
    Bockenhauer SE, Chen H, Julliard KN, Weedon J. Measuring thoracic excursion: reliability of the cloth tape measure technique. J Am Osteopath Assoc. 2007;107(5):191-6. PMid:17596587.
  • 12
    Eadie WT, Drijard D, James FE, Roos M, Sadoulet B. Statistical Methods in Experimental Physics Amsterdam: North-Holland; 1971.
  • 13
    Weir JP. Quantifying test-retest reliability using the intraclass correlation coefficient and the SEM. J Strength Cond Res. 2005;19(1):231-40. PMid:15705040.
  • 14
    Iunes DH, Castro FA, Salgado HS, Moura IC, Oliveira AS, Bevilaqua-Grossi D. Confiabilidade intra e interexaminadores e repetibilidade da avaliação postural pela fotogrametria. Rev Bras Fisioter. 2005;9(3):327-34.
  • 15
    Levin J, Fox JA. Estatística para ciências humanas. 9. ed. Pearson Prentice Hall; 2004.
  • 16
    Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74. PMid:843571.
  • 17
    Silva EF, Guedes RP, Ribeiro EC. Estudo das repercussões das cirurgias abdominais sobre os músculos respiratórios. Fisioter Mov 2003;16(1):51-6.
  • 18
    Pires AC, Saporito WF, Grandini SM, Freitas ACO, Gui D, Zambon JP, et al. Avaliação da disfunção diafragmática no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Arq Med ABC. 1999;22(1/2):13-7.
  • 19
    Aliverti A, Stevenson N, Dellacà RL, Lo Mauro A, Pedotti A, Calverley PM. Regional chest wall volumes during exercise in chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2004;59(3):210-6. PMid:14985554 PMCid:PMC1746979. http://dx.doi.org/10.1136/thorax.2003.011494
  • 20
    Bockenhauer SE, Julliard KN, Lo KS, Huang E, Sheth AM. Quantifiable effects of osteopathic manipulative techniques on patients with chronic asthma. J Am Osteopath Assoc. 2002;102(7):371-5. PMid:12138951.
  • 21
    Saad IAB, Zambom L. Variáveis clínicas de risco pré-operatório. Rev Assoc Méd Bras. 2001;47(2):117-24. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302001000200029
  • 22
    Custers JWH, Arets HGM, Engelbert RHH, Kooijmans FTC. Thoracic excursion measurement in children with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2005;4(2):129-33. PMid:15914097.
  • 23
    Galasko CS, Williamson JB, Delaney CM. Lung function in Duchenne muscular dystrophy. Eur Spine J. 1995;4(5):263-7. PMid:8581525.
  • 24
    Heller KD, Forst R, Forst J, Hengstler K. Scoliosis in Duchenne muscular dystrophy: aspects of orthotic treatment. Prosthet Orthot Int. 1997;21(3):202-9. PMid:9453095.
  • 25
    Yamashita T, Kanaya K, Yokogushi K, Ishikawa Y, Minami R. Correlation between progression of spinal deformity and pulmonary function in Duchenne muscular dystrophy. J Pediatr Orthop. 2001;21(1):113-6. PMid:11176364.
  • 26
    Jover M, Schmitz C, Bosdure E, Chabrol B, Assaiante C. Anticipatory postural adjustments in a bimanual load-lifting task in children with Duchenne muscular dystrophy. Neurosci Lett. 2006;403(3):271-5. PMid:16750880.
  • 27
    Kang SW, Kang YS, Moon JH, Yoo TW. Assisted cough and pulmonary compliance in patients with Duchenne muscular dystrophy. Yonsei Med J. 2005;46(2):233-8. PMid:15861496 PMCid:PMC2823019. http://dx.doi.org/10.3349/ymj.2005.46.2.233
  • 28
    Park JH, Kang SW, Lee SC, Choi WA, Kim DH. How respiratory muscle strength correlates with cough capacity in patients with respiratory muscle weakness. Yonsei Med J. 2010;51(3):392-7. PMid:20376892 PMCid:PMC2852795. http://dx.doi.org/10.3349/ymj.2010.51.3.392
  • 29
    Lo Mauro A, D'Angelo MG, Romei M, Motta F, Colombo D, Comi GP, et al. Abdominal volume contribution to tidal volume as an early indicator of respiratory impairment in Duchenne muscular dystrophy. Eur Respir J. 2010;35(5):1118-25. PMid:19840972.
  • 30
    Culham EG, Jimenez HA, King CE. Thoracic kyphoss, rib mobility, and lung volumes in normal women and women with osteoporosis. Spine (Phila Pa 1976). 1994;19(11): 1250-5. PMid:8073317.
  • Correspondence:
    Fátima Caromano
    Universidade de São Paulo
    Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina
    Laboratório de Fisioterapia e Comportamento
    Rua Cipotânea, 51, Cidade Universitária
    CEP 05360-000, São Paulo, SP, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Nov 2011
    • Aceito
      15 Ago 2012
    • Revisado
      05 Jul 2012
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: contato@rbf-bjpt.org.br