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Descolamento da epífise proximal do rádio diagnosticado tardiamente: relato de caso e revisão da literatura

Resumos

Os autores apresentam um caso de descolamento traumático da epífise proximal do rádio, diagnosticado 5 meses após luxação posterior do cotovelo, em uma criança com 9 anos de idade. Foi realizado redução e fixação da epífise avascular na metáfise proximal do rádio e, após 24 meses de seguimento, esta epífise encontrava-se revascularizada e o cotovelo apresentava flexão de 0-130º, pronação de 80º e supinação de 30º.


A case of traumatic dislocation of proximal radial epiphysis is reported, which was diagnosed 5 months after a posterior dislocation of the elbow in a 9 years old girl. Open reduction and fixation of the avascular epiphysis to the metaphysis was performed, and after 24 months follow-up the physis was vascularised and flexion ranged from 0-130°, pronation 80° and supination 30°.


ARTIGO ORIGINAL

Descolamento da epífise proximal do rádio diagnosticado tardiamente. Relato de caso e revisão da literatura

William Dias BelangeroI; Bruno LivaniII; Alessandro Janson AngeliniIII; Rodrigo Bezerra TenórioIV

IProf. Assist. Dr. e Coordenador do Departamento de Ortopedia e Traumatologia FCM/UNICAMP

IIPós-Graduando em Cirurgia e Médico Contratado do Grupo de Traumatologia

IIIPós-Graduando em Cirurgia e Médico Contratado do Grupo de Traumatologia

IVMédico Residente do 3o. ano

RESUMO

Os autores apresentam um caso de descolamento traumático da epífise proximal do rádio, diagnosticado 5 meses após luxação posterior do cotovelo, em uma criança com 9 anos de idade. Foi realizado redução e fixação da epífise avascular na metáfise proximal do rádio e, após 24 meses de seguimento, esta epífise encontrava-se revascularizada e o cotovelo apresentava flexão de 0-130º, pronação de 80º e supinação de 30º.

INTRODUÇÃO

O descolamento traumático da epífise proximal do radio (DEPR) representa de 4,5% a 21% de todas as fraturas do cotovelo na criança. (1,3,5,6,8) Landin e Danielsson (1986) relataram que as fraturas do cotovelo têm incidência média anual de 12/10.000 pacientes menores que 16 anos de idade, sendo que 14% envolvem a região proximal do rádio(7). Estas lesões ocorrem em crianças entre 02 e 16 anos de idade, com pico de incidência por volta dos 08 até os 11 anos de idade. (1,3,6,7,8,11,14,15). Não há predomínio entre os sexos(7), embora nas meninas a fratura ocorra mais precocemente. (15)

Anatomicamente, estas lesões envolvem a fise proximal do rádio, produzindo a fratura classificada como Salter-Harris tipo II e, menos freqüentemente, a Salter-Harris tipo I. Fraturas envolvendo a superfície articular da cabeça do rádio são raras nas crianças. (6,11,14,15). O mecanismo de lesão mais comum é a queda com o punho em dorsiflexão, com o cotovelo estendido e o antebraço supinado, resultando na deformidade em valgo do cotovelo, com compressão da cabeça do rádio contra o capítulo umeral. (1,3,4,9,12,13,14,) Lesões associadas, como a ruptura do ligamento colateral medial, com ou sem luxação posterior do cotovelo, ocorrem em 30 a 50% dos casos. (1,3,8,10,14) Quando ocorre o DEPR associado à luxação posterior do cotovelo, em geral a cabeça do rádio permanece anterior, enquanto que quando ocorre associado à manobra de redução da luxação, ela situa-se posteriormente. (4,11,13). O objetivo deste relato é apresentar o resultado do tratamento do descolamento traumático da epífise proximal do rádio diagnosticada tardiamente.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente com 9 anos de idade foi encaminhada ao Serviço de Ortopedia e Traumatologia, com perda da função do cotovelo esquerdo e dor há 5 meses. A história pregressa da moléstia relatada pelos pais referia que, após queda da própria altura, a criança tinha apresentado dor e edema no cotovelo direito. Foi atendida em outro Serviço por ortopedista que, após a realização de radiografias, fez o diagnóstico de contusão do cotovelo. O cotovelo da criança foi imobilizado com tala gessada por 8 dias e em seguida encaminhada à fisioterapia, sem melhora da função articular e da dor após 40 sessões.

Em nossa avaliação, feita após este período, a criança ainda queixava-se de dor intensa e continuava com o cotovelo esquerdo em atitude de flexão de 30 graus e movimento até 90 graus, pronação de 80º e supinação de 0º (Tabela 1). As radiografias iniciais, feitas após o acidente, mostravam o descolamento traumático da epífise proximal do rádio (Figura 1).


Foi realizada redução cruenta pela via lateral de Kocher, com abordagem direta da articulação, que apresentava abundante tecido fibroso no seu interior. A epífise proximal do rádio apresentava-se luxada e desvitalizada. Optou-se pela preservação da mesma, com redução e fixação com dois fios de Kirschner 1,5 mm, transcapitulares devido à grande instabilidade observada durante a redução (Figura 2). A criança foi mantida durante 6 semanas com gesso axilo-palmar, quando este e os fios de Kirschner foram retirados, e encaminhada para acompanhamento fisioterápico intensivo.


No final do primeiro ano de seguimento pós-operatório foi realizada ressonância nuclear magnética (RNM) do cotovelo, que revelou revascularização da epífise proximal do rádio, com fechamento prematuro da placa de crescimento.(Figura 3)


Atualmente, com 24 meses de pós-operatório, a criança encontra-se assintomática com flexo extensão do cotovelo de 0-130º, pronação de 80º , e supinação de 30º (Figura 4).

DISCUSSÃO

O diagnóstico radiológico de DEPR, assim como o diagnóstico das demais lesões do cotovelo na criança, são difíceis, podendo, inclusive, passar desapercebidos devido à ausência de ossificação ou ossificação incompleta das epífises. De maneira geral, estas lesões podem ser diagnosticadas com segurança por radiografias simples à partir do terceiro ano de vida, quando o núcleo da epífise proximal do rádio inicia a sua ossificação. Nas situações de dúvida é sempre recomendado que se faça uma radiografia do lado normal para ser comparada com o lado afetado. No entanto, mesmo quando diagnosticadas adequadamente, estas lesões que envolvem a epífise proximal do rádio podem evoluir com alta incidência de complicações (20 à 50%), tais como a perda do movimento articular, a necrose avascular, o fechamento prematuro da placa de crescimento, a ossificação peri-articular, a pseudoartrose, a consolidação viciosa, a sinostose rádio-ulnar proximal e o cubito valgus. (1,3,4,7,10,11,14,15) O aparecimento ou não destas complicações dependem da intensidade do trauma inicial, da presença ou não de lesão da placa de crescimento e, principalmente, do tipo de tratamento realizado (8,11,15) Dependendo do grau do desvio e da idade do paciente, a tendência atual é realizar o tratamento incruento, já que este oferece os melhores resultados. Nas crianças menores do que 5 anos o desvio aceitável pode chegar a 50º, entre 5-10 anos não deve ultrapassar 30º e em meninas maiores de 12 anos e meninos maiores de 14 anos não deve exceder 15º(4). No caso em questão, o desvio não era passível de ser mensurado, já que a epífise encontrava-se ao lado da metáfise proximal do rádio e sem ligação anatômica com a mesma. Nestas circunstâncias, a dúvida que poderia existir era a de se preservar ou não a epífise que encontrava-se avascular. Apesar disso, optou-se pela manutenção da mesma, já que os resultados apontados pela literatura são uniformemente ruins quando se realiza sua retirada, com mais de 50% de chance de desenvolver sinostose rádio-ulnar proximal, deformidade em valgo progressiva do cotovelo e luxação rádio-ulnar distal (2). O resultado obtido não só valida a conduta, como também demonstra que este procedimento é perfeitamente justificável, pois mesmo avascular a epífise teve função importante de espaçador biológico até ser revascularizada e incorporada na metáfise proximal do rádio. A criança, no entanto, deverá continuar sendo mantida em seguimento clínico para se detectar possíveis anormalidades decorrentes da ausência de crescimento da placa proximal do rádio, que apesar de contribuir menos intensamente que a distal, responde por até 25% do crescimento total do rádio.

CONCLUSÃO

Apesar da epífise proximal do rádio estar completamente separada da metáfise por 5 meses, a sua redução permitiu que a mesma pudesse ser revascularizada e incorporada à metáfise proximal do rádio e conseqüentemente, a recuperação funcional do cotovelo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2001
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