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Integração de políticas e governança ambiental: o caso do licenciamento rural no Brasil

Policies Integration and environmental governance: the case of rural environmental licensing in Brazil

Resumos

Tratamos da coordenação horizontal de políticas, a partir do estudo da relação entre o desmatamento nos assentamentos de reforma agrária e o licenciamento Ambiental Rural. São identificados falhas técnicas, administrativas, de integração e coordenação na implementação do instrumento. A eficácia contra o desmatamento está em ações coordenadas e integrações políticas, institucionais, técnicas e estruturais de diversos setores.

Coordenação de políticas públicas; Desmatamento; Intersetorialidade; Licenciamento ambiental rural


We focus on cross-sectoral policy coordination, based on the study of the relationships between deforestation in land settlement projects and rural environmental licensing. We identified technical and administrative failures, lack of integration and coordination in the implementation of the licensing policies. Efficient initiatives to reduce deforestation involve coordinated and integrated multidimensional actions across various political sectors.

Cross-sector policy coordination; Deforestation; Intersectionality; Rural environmental licensing


ARTIGOS

Integração de políticas e governança ambiental: o caso do licenciamento rural no Brasil

Policies Integration and environmental governance: the case of rural environmental licensing in Brazil

Leandra Fatorelli; Frédéric Mertens

Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília - UnB

Autor para correspondência Autor para correspondência: Leandra Fatorelli Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília - UnB CEP 70904-970, Brasília, DF, Brasil E-mail: lfatorelli@gmail.com

RESUMO

Tratamos da coordenação horizontal de políticas, a partir do estudo da relação entre o desmatamento nos assentamentos de reforma agrária e o licenciamento Ambiental Rural. São identificados falhas técnicas, administrativas, de integração e coordenação na implementação do instrumento. A eficácia contra o desmatamento está em ações coordenadas e integrações políticas, institucionais, técnicas e estruturais de diversos setores.

Palavras-chave: Coordenação de políticas públicas. Desmatamento. Intersetorialidade. Licenciamento ambiental rural.

ABSTRACT

We focus on cross-sectoral policy coordination, based on the study of the relationships between deforestation in land settlement projects and rural environmental licensing. We identified technical and administrative failures, lack of integration and coordination in the implementation of the licensing policies. Efficient initiatives to reduce deforestation involve coordinated and integrated multidimensional actions across various political sectors.

Keywords: Cross-sector policy coordination. Deforestation. Intersectionality. Rural environmental licensing.

1 Introdução

No final do mês de setembro de 2008, o Ministério do Meio Ambiente do Brasil (MMA) divulgou uma lista que classificava os 100 maiores causadores de desmatamento da Floresta Amazônica. Esta lista era baseada em dados provenientes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e era a primeira ação, dentre 12 Ações de Combate ao Desmatamento divulgadas pelo MMA. Os responsáveis pelos seis maiores desmatamentos, segundo a lista, eram os Assentamentos de Reforma Agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), todos localizados no estado do Mato Grosso e sem Licenciamento Ambiental Rural.

A publicação da lista do MMA na mídia esconde o problema histórico de coordenação e gestão, que está por trás do desmatamento da Amazônia. Houve um anúncio público do MMA acusando o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), na figura do INCRA, de atuar em contradição com suas políticas. Esse fato gerou uma reação do INCRA. O Instituto também criticou as metodologias de levantamento e avaliação dos dados utilizadas pelo MMA que levaram às conclusões que projetaram os assentamentos rurais do Mato Grosso como os maiores causadores de desmatamento da floresta amazônica.

O presente artigo ilustra como o desentendimento demonstrado pelos dois ministérios envolvidos (MMA e MDA), além de explicitar a ocorrência de problemas referentes ao desmatamento e ao planejamento, execução e gestão ambiental de Assentamentos da Reforma Agrária, evidencia um fenômeno comum de contradição de políticas públicas e falta de integração entre políticas setoriais.

Desta forma, esse trabalho buscou verificar os principais problemas que são obstáculos à gestão ambiental eficiente em Assentamentos de Reforma Agrária e avaliar em que medida o instrumento de Licenciamento Ambiental Rural seria um instrumento eficaz para diminuição do desmatamento em áreas de Assentamento do INCRA. Objetivou-se também analisar o papel da integração de políticas públicas setoriais (meio ambiente e agricultura) para a governança ambiental e desenvolvimento sustentável.

Para alcançar os objetivos propostos, o texto foi dividido em seções. A seção 2 introduz dois instrumentos, o Licenciamento Ambiental Rural e o Projeto de Assentamento de Reforma Agrária como ferramentas de gestão de recursos ambientais. A seção 3 descreve os problemas de ordem institucional, técnica e de coordenação do sistema de gestão ambiental rural na Amazônia. A seção 4 descreve problemas técnicos e metodológicos, institucionais e políticos enfrentados na implementação do Licenciamento Ambiental Rural. A seção 5 discute as limitações políticas, institucionais e gerenciais que minimizam o potencial de utilização do licenciamento como instrumento integrador de políticas públicas dentro do sistema de gestão ambiental para a Amazônia. E a seção 6 fala das oportunidades e caminhos para a integração de políticas públicas e encerra o trabalho com as considerações finais.

2 Gestão ambiental em assentamentos de reforma agrária do INCRA

A Constituição Federal afirma em seu Capítulo VI, Art. 225, que "[...] todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." (BRASIL, 1988). A Lei nº 6.938/81 instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), cujo objetivo, segundo o Art 2º, é "[...] a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana." (BRASIL, 1981).

Em 1997, a Resolução CONAMA nº237 traz em seu texto a exigência de licenciamento ambiental para estabelecimentos agrícolas (BRASIL, 1997). Em 2006, a Resolução CONAMA nº 387/2006 estabeleceu diretrizes e procedimentos de gestão ambiental para orientar e disciplinar o uso e a exploração dos recursos naturais, assegurada a efetiva proteção do meio ambiente, de forma sustentável nos Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária (BRASIL, 2006).

Desta forma, o órgão executor dos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária - o INCRA e as suas superintendências estaduais - estão obrigados a solicitar Licença Prévia e Licença de Implantação e Operação para todos os assentamentos implantados após 2003 e a Licença de Implantação e Operação para aqueles criados antes de 2003, com a finalidade de se adequar às exigências da Resolução nº 387/2006.

Segundo esta Resolução, um Projeto de Assentamento de Reforma Agrária é muito mais do que uma área destinada à produção agrícola por pequenos agricultores sem-terra. Segundo o Art 2º, o Projeto de Assentamento seria um:

[...] conjunto de ações planejadas e desenvolvidas em área destinada à reforma agrária, de natureza interdisciplinar e multissetorial, integradas ao desenvolvimento territorial local e regional, definidas com base em diagnósticos precisos acerca do público beneficiário e das áreas a serem trabalhadas, orientadas para utilização racional dos espaços físicos e dos recursos naturais existentes, objetivando a implantação dos sistemas de vivência e produção sustentáveis, na perspectiva do cumprimento da função social da terra e da promoção econômica, social e cultural do trabalhador rural e de seus familiares. (BRASIL, 2006).

Segundo os instrumentos aqui avaliados, tanto o Licenciamento Ambiental Rural como o Projeto de Assentamento de Reforma Agrária trazem em suas descrições o objetivo de viabilizar o desenvolvimento da atividade produtiva de maneira integrada ao uso sustentável dos recursos naturais e conservação ambiental. Esse objetivo é coincidente com o objetivo proposto pela PNMA, pela Constituição Federal e também com as premissas da sustentabilidade. Entretanto, existem muitos desafios para se alcançar plenamente os objetivos acima expostos em função de problemas de natureza diversa que são descritos na próxima seção.

3 Problemas de implementação da gestão ambiental rural

A gestão ambiental rural, entendida como o instrumento que integra planejamento, coordenação e ação para direcionar as atividades produtivas e sociais rurais em direção à sustentabilidade, ainda apresenta problemas para sua eficácia plena. Aqui são listados seis problemas de gestão ambiental rural. Esses problemas abordam questões amplas que não limitam a discussão simplesmente a problemas fundiários. Acreditamos que o conjunto destes problemas é um entrave para o desenvolvimento sustentável na Amazônia.

3.1 implantação de grande número de assentamentos de reforma agrária na Amazônia Legal

Ao observar o histórico da questão agrária no Brasil, a implantação de Assentamentos de Reforma Agrária não pareceria ser um problema e, sim, uma solução para esta questão. Entretanto, uma análise mais ampla em torno do desenvolvimento permite verificar que, em função dos demais problemas a serem expostos aqui sobre gestão ambiental rural e da pressão constante sofrida pelo bioma amazônico por diversas atividades econômicas, a implantação de grande número de Assentamentos de Reforma Agrária na Amazônia Legal pode ser um problema de gestão ambiental.

A partir de dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2001 e 2006, Azevedo (2009) infere que o crescimento de aproximadamente 45% das propriedades rurais em produção no MT se deve ao aumento de implantação de Assentamentos de Reforma Agrária no estado.

Até 2007 havia 1.804 assentamentos na Amazônia, ocupando uma área de 329.676 km2com 373.111 famílias (BRASIL, 2009). Pacheco (2009), observa que no período compreendido entre 2003 e 2006 a proporção de famílias assentadas na Amazônia em relação ao total de assentados no país inteiro foi de 78%. No período de 1964 a 1994, esta proporção foi de 74%. Entretanto, este último período engloba os anos de 1960 a meados de 1980, quando houve grande número de projetos e programas específicos de desenvolvimento, inclusive de colonização, no governo militar (PRATES, 2008, PACHECO, 2009).

O estado que concentrou o maior número de famílias assentadas na região Amazônica foi o Pará, seguido do Maranhão e Mato Grosso. Desde 2003, foram assentadas 155.5681 1 Este valor refere-se ao total de famílias assentadas no Pará, representado pela soma das famílias assentadas nas três superintendências (SR) do INCRA no Pará: SR-01/Pará, SR-27/Marabá e SR-30/ Santarém (INCRA, 2009). famílias no Pará. No MA foram 62.507 e no MT 46.741. Observa-se assim, uma grande concentração de famílias assentadas na região Amazônica.

3.2 Apropriação de terras e assentamentos sem licenciamento

Desde a colonização brasileira, há o processo de passagem de terras do domínio público ao domínio privado (LEITE, 2004). Segundo Bentes (1996), a terra na Amazônia sempre foi uma categoria econômica. "Como tal, foi tomada privadamente, numa apropriação geomercantil, seletiva e socialmente hierarquizada e de maneira concentrada" (BENTES, 1996, p. 169).

A forma mais fácil de justificar a propriedade da terra é por meio da conversão da área de floresta em uso agrícola ou agropecuário (PACHECO, 2009). A vasta área da floresta Amazônica favoreceu este tipo de apropriação levando agricultores a se instalarem na região sem, no entanto, pertencerem a nenhum projeto de Assentamento de Reforma Agrária. Além disso, esse tipo de apropriação dá margem à especulação imobiliária numa lógica de valorização da terra em função de futuras obras de infra-estrutura, desenvolvimento do mercado local e consequentes dinâmicas socioeconômicas locais (PACHECO, 2009).

O Estado do Mato Grosso foi o primeiro a iniciar o processo de Licenciamento Ambiental Rural. Entretanto, em 2008, abrigava os maiores desmatadores da Floresta Amazônica, segundo o MMA. Um ano antes, havia apenas um assentamento licenciado no estado (AZEVEDO, 2009). Em 2008, o INCRA realizou a solicitação de licença prévia de 70% dos imóveis rurais disponíveis para a Reforma Agrária no MT e obteve 10% de licenças prévias expedidas pelos órgãos ambientais estaduais. Segundo Azevedo (2009) o processo do Licenciamento Ambiental Rural do estado do MT não foi projetado para incluir pequenas propriedades, caracterizadas no estado segundo o Código Florestal, como propriedades com até 150 hectares. As imagens utilizadas pela Secretaria de Meio Ambiente para análise dos dados possuíam escalas incompatíveis para a análise de dados de pequenas propriedades. Além do problema de inadequação do processo de licenciamento para contemplar as pequenas propriedades, a situação é agravada falta de regularização fundiária para todas as pequenas propriedades (AZEVEDO, 2009).

Além dos problemas técnicos que excluem a pequena propriedade rural do Licenciamento Ambiental Rural (AZEVEDO, 2009), a exclusão de pequenos agricultores se dá também pelo alto custo econômico do processo de Licenciamento Ambiental Rural (AZEVEDO, 2009). Esta exclusão se reflete na negação do crédito agrícola para agricultores sem licença, impactando de forma ampla as atividades de pequenos agricultores.

3.3 concentração fundiária e reestruturação espacial

Além do direcionamento dos assentamentos para a região Amazônica, que ao evitar o embate político da reforma agrária aumenta a pressão pela demanda de terra na região, há um problema de re-concentração de terras crescente dentro dos Assentamentos de Reforma Agrária do INCRA (FEARNSIDE, 2001, 2008; CAMPARI, 2005; LUDEWIGS et al., 2009). Segundo Ludewigs et al. (2009), a reconcentração fundiária em assentamentos estaria associada a problemas sociais e ambientais como abandono do lote, investimento falido, conflitos de terra, êxodo rural, desmatamento, modelos de exploração e produção degradantes dos recursos naturais, mudanças intergeracionais, chegadas e partidas de assentados ou agricultores. Ainda, há a inclusão de novos fatores, como troca de atividade econômica em que o assentado passa a ser empregado do setor agrícola, pecuário ou madeireiro e exerce uma profissão ou atividade não-agrícola.

O modelo histórico de formação de assentamentos rurais "[...] promove a urbanização em áreas rurais, usando a força de trabalho das famílias de agricultores como mecanismo para a expansão da fronteira e compensa os assentados com oportunidades de capitalização a partir da venda de seus lotes." (LUDEWIGS et al., 2009, p. 1357, tradução nossa). Além destes autores, Kirby et al. (2006), Hayes-Bohanan (1998) e Chew (2001) concluíram que o processo de urbanização e expansão urbana está associado significativamente ao aumento do desmatamento e à degradação ambiental e ecológica.

3.4 Falta de planejamento dos assentamentos

O planejamento dos assentamentos, em suas dimensões agrícola, econômica, social, de distribuição estrutural e de Reserva Legal configura-se como um dos instrumentos mais importantes de gestão ambiental rural. A falta de planejamento pode gerar problemas graves nos assentamentos, tais como falência econômica, desmatamento ilegal, ineficiência produtiva agrícola, etc. Soares (2008) avaliou a questão do planejamento estrutural dos assentamentos e sua relação com a gestão ambiental dos Assentamentos de Reforma Agrária.

O planejamento da infra-estrutura do projeto de assentamento rural refere-se ao formato organizacional da área produtiva (distribuição dos lotes), da área socioeconômica e da área de preservação ambiental, tudo isso com vistas a garantir a sustentabilidade social, econômica e ambiental e a otimização dos recursos. "Projetos de assentamento mal planejados favorecem o extrativismo predatório ao prover a área de infra-estrutura precária, mão-de-obra não qualificada e um proprietário cúmplice." (SOARES, 2008 p. 146). Um exemplo concreto é a definição da área de Reserva Legal. Com muita frequência ela é realizada nas parcelas, sob a responsabilidade do assentado e sem seguir nenhum tipo de planejamento ambiental para preservação das funções ecológicas ou dentro de um projeto de corredor ecológico para preservação da biodiversidade. Segundo Soares (2008, p. 153) essa forma de proceder "[...] contribui muito para o elevado passivo ambiental verificado na Reforma Agrária".

Ainda em relação aos assentamentos, Araújo (2006) coloca alguns problemas sérios enfrentados pelos assentados em função da falta de planejamento referente à área destinada para produção como solos inférteis, relevos acidentados e falta de água.

3.5 Falta de técnicas e tecnologias agrícolas sustentáveis

Apesar da existência de algumas iniciativas de implementação de sistemas de agricultura que potencializam a agrobiodiversidade (COSTA NETO, 2000; MATTOS; FALEIRO; PEREIRA, 2001; BECKER; LÉNA, 2002) e do baixo índice de uso de agroquímicos entre os pequenos agricultores na Amazônia (INSTITUTO..., 2008b), os sistemas agroecológicos ainda são pouco desenvolvidos nos assentamentos (GOMES; SILVEIRA, 2002; COSTA NETO; CANAVESI, 2002; CHELOTTI, 2007; LOSEKANN; WIZNIEWSKY, 2008). Além disso, o sistema de crédito para sistemas agrícolas sustentáveis no país ainda é limitado (WEID, 2006; CAMPELO et al., 2008).

As técnicas e tecnologias agrícolas sustentáveis costumam chegar até o agricultor por meio de assistência técnica e extensão rural. Os assentados têm o direito a esses serviços que objetivam "viabilizar com o produtor rural, suas famílias e organizações, soluções adequadas para seus problemas de produção, gerência, beneficiamento, armazenamento, comercialização, industrialização, eletrificação, consumo, bem-estar e preservação do ambiente" (FLORIANO, 2007, p. 65). Entretanto, a assistência técnica na maioria dos casos não possui capacitação especializada para apoiar o agricultor em relação à questão ambiental (ARAÚJO, 2006; GUERRA, 2002).

3.6 integração de políticas agrícolas e políticas não produtivas

Ao enxergarmos a implementação de um Projeto de Assentamento Rural sob a ótica da complexidade, observamos que não são somente as políticas de infraestrutura e crédito garantem viabilidade do assentamento. Segundo Soares (2008), a infraestrutura precária tem impacto negativo direto na estrutura social e é um dos motivos pelos quais as políticas de setores não-produtivos (p.e., meio ambiente, saúde e educação) apresentam também resultados insatisfatórios nos Assentamentos de Reforma Agrária. O conhecimento, adquirido através da educação, é um instrumento de autonomia e é a partir dele que o indivíduo torna-se apto para lidar com estado, outros atores sócio-políticos, instituições financeiras e atores de mercado.

A falta de políticas e programas de educação para a população rural é um problema grave que aprisiona o agricultor numa situação que o leva a assinar contratos de financiamento sem o conhecimento claro das regras e condições, sem autonomia para realizar reivindicações, denunciar abusos e injustiças. Além disso, a educação poderia ser um instrumento de construção e integração de conhecimentos técnicos e práticos aliados à gestão ambiental e à busca da sustentabilidade.

Observa-se, portanto, o isolamento das políticas de reforma agrária das políticas produtivas, ambientais e sociais que poderiam minimizar o problema de concentração e desordenamento fundiários. A eficiência da Reforma Agrária é mensurada atualmente pelo alcance de metas e objetivos quantitativos, como número de assentamentos ou número de licenças, mascarando problemas sociais e ambientais graves que colocam em risco a conservação dos ecossistemas amazônicos.

4 Problemas na implementação do licenciamento ambiental rural

Um dos instrumentos de gestão ambiental rural, o Licenciamento Ambiental Rural apresenta problemas estruturais institucionais, técnicos, de coordenação e gerência que fragilizam a credibilidade do processo. Além disso, alguns autores já discutiram erro em se avaliar a qualidade ambiental por meio da quantificação de licenças emitidas ou áreas licenciadas (AZEVEDO, 2009; MAGLIO, 2000).

Diversos autores identificaram problemas que prejudicam a eficácia do Licenciamento Ambiental Rural quanto ao seu uso potencial como instrumento de gestão ambiental e planejamento estratégico para a governança ambiental. Os problemas foram classificados aqui em técnicos e metodológicos, institucionais, políticos e ligados à legislação.

4.1 Problemas técnicos e metodológicos

Um destes problemas é a inexistência de metodologias e procedimentos padrões (formato do projeto e processo de licenciamento, roteiro, conteúdo essencial, etc.) para a realização do Licenciamento Ambiental Rural (SOUSA, 2005; SOARES, 2008; AZEVEDO, 2009). Também há falta de padronização, sistematização e armazenamento da informação gerada para tornar eficiente este instrumento (AZEVEDO, 2009, SOARES, 2008).

No caso do Mato Grosso primeiro estado a implantar o Licenciamento Ambiental Rural regulamentado em 1997 e implementado a partir de 2000, os projetos apresentados para licença eram extensos, gerais e não continham as informações mínimas sobre as áreas de Reserva Legal e de Proteção Permanente. A equipe técnica para análise dos processos era reduzida, sem infra-estrutura adequada e com conhecimento limitado. Esses problemas levaram a uma simplificação do processo, transformando-o em simples identificação e localização da propriedade rural e das áreas de Reserva Legal e Proteção Permanente (AZEVEDO, 2009).

Quanto ao perfil dos técnicos, Sousa (2005) destaca como principais problemas enfrentados a baixa porcentagem de especialistas e a falta de experiência. Além disso, há falta de capacitação dos técnicos na área específica, que não participam de eventos relativos às questões de licenciamento ambiental.

Com relação ao monitoramento do desmatamento, há divergências de metodologias e resultados utilizados pelas agências e órgãos Federais e Estaduais de meio ambiente. A metodologia utilizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pela Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso são diferentes e, consequentemente, apresentam resultados distintos para a quantificação do desmatamento (AZEVEDO, 2009). Isto traz resultados ambíguos, uma vez que ao usar uma metodologia, pode-se dizer que o desmatamento diminuiu e, ao utilizar outra, o resultado pode ser diferente. A padronização da metodologia de monitoramento evitaria a geração e uso de dados inconsistentes e aumentaria a eficiência do Licenciamento Ambiental Rural. Há, ainda, deficiência de monitoramento, fiscalização e execução de cobranças legais após a emissão do licenciamento (SOUSA, 2005; SOARES, 2008; AZEVEDO, 2009). Esta impunidade impacta diretamente a eficiência do Licenciamento Ambiental Rural, por que é permissiva com a continuidade do desmatamento e dificulta, por parte do órgão ambiental, a arrecadação de recursos que poderiam ser revertidos em conservação ambiental e programas de sustentabilidade.

Azevedo (2009), em seu estudo sobre o sistema de Licenciamento Ambiental Rural no Mato Grosso, conclui que houve diminuição na contabilização do total de desmatamento dentro de propriedades licenciadas, mas houve aumento no desmatamento dentro das áreas de Reserva Legal, modalidade que deveria ser combatida prioritariamente com a implementação do instrumento. Os problemas técnicos e metodológicos do sistema de licenciamento implementado transformaram o desmatamento em uma prática legal nas áreas além das Reservas Legais, descaracterizando o Licenciamento Ambiental Rural.

4.2 Problemas institucionais e políticos

A implementação ineficaz do Licenciamento Ambiental Rural é reflexo da baixa capacidade de planejamento e gerenciamento dos órgãos ambientais responsáveis pela elaboração e execução do instrumento nos seus diversos níveis de atuação (MAGLIO, 2000; LITTLE, 2003; BOEIRA, 2003; PRADO FILHO; SOUZA, 2004 ).

Há desarticulação de setores internos, baixa qualificação do corpo técnico institucional, defasagem de infraestrutura, baixo grau de integração e cooperação de técnicos e administradores entre departamentos e entre instituições que possuem atividades relacionadas. Além desses fatores, há ausência de conexão dos objetivos e resultados de políticas com os objetivos das instituições (MAGLIO, 2000; SOUSA, 2005; SOARES, 2008; AZEVEDO, 2009). Segundo Maglio (2000), há também clara deficiência no processo e práticas de planejamento e em desenvolvimento de estratégias para aumentar a eficiência dos licenciamentos.

Os próprios técnicos apontam as dificuldades criadas pela falta de intercâmbio dentro de seus respectivos órgãos e a falta de atuação conjunta dos órgãos e setores envolvidos nas diferentes escalas do processo de licenciamento (SOUSA, 2005; SOARES, 2008). A falta de entrosamento e intercâmbio entre os órgãos (internamente e entre níveis) resulta em "[...] fragilidade operacional agravada por falta de estrutura técnico-administrativa e ingerências políticas que promovem distorções técnicas." (SOUSA, 2005, p. 147).

A dependência e interferência política no processo de licenciamento também configuram um problema determinante na eficácia deste instrumento de gestão ambiental, além dos problemas de ingerência administrativa e de inexistência ou ineficiência do monitoramento dos licenciamentos realizados (SOUSA, 2005).

Ao avaliar o processo de Licenciamento Ambiental Rural no Mato Grosso, Azevedo (2009) observou falta de participação, preparo e discussão coordenada do instrumento de licenciamento ambiental com a sociedade. A falta de discussão e politização para a formulação do instrumento de Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais deixa transparecer a fragilidade do estado e da legitimidade na implementação da política (AZEVEDO, 2009).

Como notam Batistella e Moran (2005), o desenvolvimento e uso de todo o potencial da ferramenta de licenciamento ambiental traria a possibilidade de desenvolvimento com valorização das dimensões social e ambiental na Amazônia.

4.3 Problemas ligados a legislação

Araújo (2006) e Sousa (2005) descrevem os problemas mais comuns relacionados à legislação ambiental, como falta de conhecimento sobre ela ou dúvidas quanto à operacionalização do instrumento de licenciamento. Adicionalmente, observa-se o fraco caráter educacional da legislação ambiental. A legislação ambiental poderá alcançar maior eficácia se estiver difundida no tecido social. Em função da sua linguagem jurídica, se torna praticamente inacessível a maioria da população. Talvez isto explique o forte índice de seu descumprimento, problema presente historicamente e que não é restrito à legislação voltada para temas ambientais.

5 Licenciamento ambiental e integração de políticas públicas para a governança ambiental

Os problemas de gestão ambiental rural, incluindo os problemas de implementação do Licenciamento Ambiental Rural, revelam que a diminuição do desmatamento em áreas de assentamentos rurais e o estabelecimento da sustentabilidade não podem ser alcançados somente a partir de políticas e instrumentos ambientais.

Ao olharmos a questão ambiental sob o prisma da legislação ambiental e das normas técnicas, encontramos grandes avanços. Entretanto, em função das limitações políticas, institucionais e gerenciais os "[...] efeitos destes instrumentos, por si só, não são suficientes para garantir proteção ambiental satisfatória." (SOUSA, 2005, p. 147).

O instrumento de licenciamento ambiental é uma das políticas ambientais dentre muitas outras que podem ter impacto direto sobre a preservação do meio ambiente, na dinâmica de uso e ocupação do solo e no padrão e dinâmicas dos setores produtivos. Porém, políticas ambientais não são suficientes para o estabelecimento e desenvolvimento da sustentabilidade, uma vez que esta incorpora não somente aspectos ambientais, mas sociais, culturais, econômicos, políticos e de saúde. A política ambiental deve estar integrada intimamente à elaboração e implementação de políticas públicas de setores produtivos e não produtivos.

Os esforços para tratar a questão ambiental como política horizontal e desta forma, integrar as questões ambientais na formulação de políticas econômicas, estruturais e sociais setoriais, contudo, ainda são poucos (LENSCHOW, 2002).

Ainda segundo Lenschow (2002) as estruturas atuais de governança não se adequam à natureza interescalar e trans-setorial dos problemas ambientais. A autora complementa que, para tanto, seria essencial uma coordenação horizontal (entre ministérios ou setores) e vertical (entre níveis) de políticas. Para se alcançar a governança, são necessários arranjos colaborativos de um conjunto de atores diversificados e interconectados. Esse conjunto deve se configurar em uma interseção de arranjos institucionais em diversos níveis organizacionais (OLSSON; FOLKE; BERKES, 2004; FOLKE et al., 2005; LEMOS; AGRAWAL, 2006; BRONDÍZIO; OSTROM; YOUNG, 2009). Desta forma, a política ambiental e seus instrumentos devem prever as relações entre atores diversos (agricultores familiares e empresariais, organizações não governamentais, agências governamentais, sociedade civil, etc.) nos níveis local, regional, estadual e nacional, bem como criar espaços de decisão conjunta e implementação ativa e colaborativa das decisões tomadas.

Após a divulgação da lista dos maiores causadores de desmatamento da Amazônia em outubro de 2008, o MMA e o INCRA anunciaram medidas de combate ao desmatamento e regularização das situações ilegais. O MMA anunciou principalmente medidas de comando e controle e fiscalização. Quanto ao problema dos desmatamentos em assentamentos rurais, a medida tomada visava a realização de oficinas estaduais com o objetivo de acelerar o processo de licenciamento. Do lado do INCRA, foi assinado um termo de cooperação com o governo do Mato Grosso para acelerar a regularização ambiental de todos os assentamentos do estado. Apesar da importância essencial do Licenciamento Ambiental Rural para a contenção do desmatamento, a garantia da eficiência deste instrumento passa pela superação problemas de natureza técnica e metodológica, institucional e política e de natureza legal explicitados na seção 4. Em síntese, estes problemas demonstram a falta de planejamento e integração setorial da concepção e formulação de políticas públicas até sua implementação e monitoramento.

Uma ação importante anunciada pelo MMA em direção à integração de políticas foi a revisão do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). O PPCDAM foi lançado em 2004 e é um instrumento inovador, pois é um plano elaborado entre 14 ministérios do governo brasileiro a partir dos trabalhos do Grupo Permanente de Trabalho Interministerial. O Plano foi desenvolvido a partir de três eixos temáticos: i) ordenamento fundiário e territorial; ii) monitoramento e controle ambiental; e iii) fomento a atividades produtivas sustentáveis.

Os principais resultados foram apresentados no documento Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal -PPCDAM Avaliação 2004-2007 Revisão - 2008 (BRASIL, 2008). Há ações fundamentais que asseguraram áreas públicas de preservação (criação de Unidades de Conservação, homologação de terras indígenas e inibição de milhares de títulos de imóveis rurais), importantes para o combate ao desmatamento. Entretanto, estas ações mesmo que positivas são dispersas e fragmentadas (BRASIL, 2008; INSTITUTO..., 2008a). O relatório traz a descrição de problemas relacionados a recursos financeiros, humanos, tecnológicos, institucionais e administrativos. Além destes problemas, ressalta-se também a carência de coordenação, planejamento estratégico, integração horizontal entre ministérios e integração vertical entre governos federal, estadual e municipal na implementação das ações do PPCDAM (BRASIL, 2008; INSTITUTO..., 2008a).

As ações estratégicas descritas no Plano: "Implementar projetos de gestão ambiental integrada" (eixo temático i), "Implantar sistema compartilhado de licenciamento ambiental em propriedades rurais" (eixo temático ii), e "Implementar ações para uma política agrícola sustentável para a Amazônia Legal, em conjunto com as Secretarias Estaduais de Agricultura" (eixo temático iii), são ações que necessitam de coordenação integrada (mas somente um ministério é responsável pela coordenação de cada atividade), planejamento estratégico e articulação horizontal e vertical em sua implementação e cujos resultados são extremamente sensíveis a esta carência.

Desta forma, observa-se aqui a gravidade das divergências tornadas públicas entre MMA e MDA (INCRA) no tocante ao desmatamento proveniente de assentamentos de reforma agrária, uma vez que o licenciamento foi debatido como instrumento para contenção do desmatamento no PPCDAM e este plano foi elaborado pela ação insterministerial da qual fazem parte os referidos ministérios. Não houve ações conjuntas concretas que pudessem gerar resultados para a gestão ambiental compartilhada ou para a implementação de sistema compartilhado de licenciamento ambiental em propriedades rurais. Desta forma, as divergências entre MMA e MDA (INCRA) são fruto da falta de articulação entre os ministérios para viabilizar a gestão ambiental rural e atender aos objetivos de ambos.

Segundo o trabalho de Bengston, Fletcher e Nelson (2004) (2004), a garantia de sucesso dos instrumentos e políticas públicas integradas ou intersetoriais passam pela incorporação de 5 aspectos essenciais:

• Necessidade de realização de avaliações meticulosas da eficiência e impactos das políticas;

• A implementação, que é o como executar a política, é mais essencial do que sua descrição (formulação);

• Uso de instrumentos políticos múltiplos e complementares, tecnicamente integrados e sob coordenação sinérgica;

• Coordenação horizontal e vertical: as políticas setoriais e nas diferentes escalas de administração afetam-se reciprocamente. As coordenações horizontais e verticais são importantes para evitar sobreposições e contradições de políticas, bem como orientar a condução de suas implementações, garantindo a consistência com os objetivos das políticas e das instituições.

• Participação das partes interessadas: a participação de atores da sociedade civil, atores governamentais e setor privado é essencial para obter sucesso em políticas ambientais integradas a políticas setoriais produtivas.

Os problemas abordados nas seções 3 e 4 bem como os problemas apontados pela avaliação do PPCDAM (BRASIL, 2008, INSTITUTO..., 2008a), explicitam que os desafios das políticas intersetoriais no país, envolvendo a política ambiental, podem ser enquadrados em todos os cinco aspectos acima citados. Nenhuma das ações propostas no plano inclui a reestruturação institucional ou a cooperação e elaboração conjunta de programas e políticas para a região amazônica.

A integração de políticas, utilizando a definição de Stead (2008) e Peters (1998), inclui ações como troca de informação, transparência e gestão de conflitos políticos, trabalho em conjunto, sinergias entre políticas e o uso de objetivos comuns na etapa de formulação. Entretanto, a partir da análise dos problemas descritos na seção 4, esse nível de integração está longe de ser um realidade no país.

Peters (1998), Bengston, Fletcher e Nelson (2004) e Lenschow (2002) observam a necessidade de mudanças institucionais e políticas para se alcançar esta integração e apontam o papel fundamental que deve ser desempenhado pela instância federal na coordenação horizontal e vertical para sua promoção.

Dentre as funções desempenhadas pela liderança federal legítima, estariam a promoção da capacidade de planejamento das instituições, a coordenação estratégica para estabelecimento de metas claras comuns, a implementação das políticas de forma eficiente e eliminação de sobreposições e contradições; a coordenação de ações e esforços em todos os níveis, a produção, sistematização e distribuição de informação, o desenvolvimento de modelos e ferramentas de avaliação de políticas e o incentivo à postura ética.

Segundo Peters (1998), a coordenação é o caminho para se atingir os objetivos de um programa ou de um plano de nação. É importante observar que, no Brasil, as políticas de planejamento, de produção e desenvolvimento e de infraestrutura pouco se integram às políticas ambientais e sociais. Entretanto, essas políticas se dão dentro de mesmo território nacional e constituem lados de uma mesma moeda. Portanto, a coordenação horizontal, além de ser importante do ponto de vista administrativo, melhorando sua eficiência, é também extremamente importante do ponto da sustentabilidade (PETERS, 1998).

A partir do exposto nas seções anteriores, ressalta-se a importância do licenciamento ambiental quanto ao seu caráter de planejamento estratégico para a governança ambiental e para o desenvolvimento sustentável. Apesar de ser um instrumento inserido na PNMA, o licenciamento ambiental configura-se como ferramenta de integração de políticas e planejamento estratégico, desde que acompanhado de outros instrumentos e, principalmente, coordenação horizontal e vertical destas políticas. Ainda, deve ser aplicado a todas organizações produtivas públicas ou privadas cujas atividades sejam potencialmente poluidoras ou degradantes do meio ambiente. Desta forma, seu objetivo não é apenas o enquadramento das atividades produtivas, mas é também um instrumento de planejamento que estabelece pontes entre políticas, pois trata, simultaneamente, dos processos produtivos e da preservação do ambiente em acordo com os objetivos da PNMA e, consequentemente, com os objetivos da Constituição Federal.

Quando as exigências técnicas do licenciamento são bem cumpridas, existem informações importantes para serem utilizadas na melhoria da gestão ambiental servindo como inputs para a formulação de políticas produtivas, de uso e ocupação do solo, sociais, de saúde e de preservação ambiental.

6 Considerações finais

As políticas ambientais e produtivas setoriais afetam umas as outras reciprocamente. A partir da década de 70, com a ascensão e fortalecimento do movimento ambientalista moderno, as instituições e políticas ambientais tornam-se cada vez mais importantes. Entretanto, ainda são incipientes as iniciativas de elaboração e implementação conjuntas das políticas ambientais, sociais e de políticas produtivas setoriais (planejamento, desenvolvimento e infraestrutura). Todavia, é cada vez mais urgente a integração destas políticas, obedecendo a objetivos comuns e de maneira a não se contradizerem nem se sobreporem setorialmente e entre as diversas escalas.

O licenciamento ambiental, apesar de não ser utilizado de acordo com o seu propósito original é uma ferramenta importante para a integração de políticas ambientais e produtivas setoriais, associada a outros instrumentos e regidos a partir de uma coordenação horizontal e vertical destas políticas. As variáveis levantadas e diagnosticadas no Licenciamento Ambiental Rural, aliadas a outros diagnósticos, permitem a elaboração de um retrato da dinâmica socioeconômica e ambiental dentro de um território. Também, favorecem o planejamento integrado de políticas públicas que sejam coincidentes com os objetivos primordiais da Constituição Federal e da PNMA, os quais prezam pelo desenvolvimento do país integrado intimamente à conservação ambiental e à proteção da vida.

Desta forma, pensar a questão do desmatamento na Amazônia é pensar além das estatísticas. O problema tem raízes na distribuição de poder, na tomada de decisão sobre os rumos do desenvolvimento regional e nacional e, sobretudo, num plano claro de nação sustentável que não existe objetivamente. As arenas de decisão sobre políticas de desenvolvimento, agronegócio, agricultura familiar e meio ambiente apresentam atores distintos, com interesses diversos (muitas vezes conflitantes), poder de influência diferenciado e com informações assimétricas não padronizadas entre os produtores institucionais de informação e portanto, sem possibilidades de comparação. O estado forte tem papel preponderante como regulador e coordenador de planejamentos e ações dos diversos atores nessa rede política, tendo a sustentabilidade e a ética como norteadores dessa sua função.

Agradecimentos

Este trabalho foi elaborado no âmbito do projeto Poor Land Use, Poor Health. Foi realizado com o apoio da Iniciativa de Pesquisa em Saúde Mundial, uma associação dedicada ao financiamento de pesquisas entre os Institutos Canadenses de Pesquisa em Saúde, a Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional, o Ministério de Saúde do Canadá, o Centro Internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento e a Agência de Saúde Pública do Canadá. Agradecemos a toda equipe de pesquisa do projeto pelo apoio.

Notas

Recebido em: 16/1/2010.

Aceito em: 27/1/2011.

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  • 1
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  • Autor para correspondência:
    Leandra Fatorelli
    Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília - UnB
    CEP 70904-970, Brasília, DF, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      16 Jan 2010
    • Aceito
      27 Jan 2011
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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