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Indicadores antropométricos de insatisfação corporal e de comportamentos alimentares inadequados em jovens atletas

Resumos

INTRODUÇÃO: Altos valores de índice de massa corporal (IMC) e percentual de gordura (%G) parecem estar associados à insatisfação corporal (IC) e aos comportamentos alimentares inadequados (CAI). OBJETIVO: Identificar a influência de variáveis antropométricas sobre a IC e o CAI em atletas adolescentes competitivos. MÉTODO: Trata-se de uma análise transversal com 580 participantes com idades entre dez e 19 anos de ambos os sexos, praticantes de diversas modalidades esportivas. Aplicou-se o Body Shape Questionnaire para mensurar a IC. Utilizou-se o Eating Attitudes Test para avaliar CAI. Foram aferidas dobras cutâneas para estimar o percentual de gordura (%G). Mensurou-se peso e estatura para calcular-se o IMC. Conduziu-se regressão linear múltipla para avaliar influências das variáveis independentes sobre os desfechos do estudo. RESULTADOS: Os resultados evidenciaram que a IC no sexo feminino foi modulada apenas pelo %G, ao contrário do sexo masculino, em que IMC e %G, juntos, explicaram parte de sua variância (p < 0,05). O CAI no sexo masculino foi pouco influenciado pelo %G. CONCLUSÃO: O %G foi a única variável que influenciou a IC em ambos os sexos. Ademais, os CAI em jovens atletas parecem não ser influenciados por características antropométricas.

imagem corporal; comportamento alimentar; antropometria


INTRODUCTION: High values of body mass index (BMI) and fat percentage (%F) seem to be associated with body dissatisfaction (BD) and inappropriate eating behaviors (IEB). OBJECTIVE: The goal of this study was to identify the influence of anthropometric variables on the BD and the IEB in competitive teenage athletes. METHOD: This is a crossed analysis with 580 participants between the ages of 10 and 19 years of both sexes, practitioners of various kinds of sports. The Body Shape Questionnaire was applied to measure the BD. The Eating Attitudes Test was used to evaluate IEB. Skinfolds were measured to estimate the fat percentage (%F). Weight and height were measured to calculate the Body Mass Index (BMI). Multiple linear regression method was performed to evaluate the influence of independent variables on the outcomes of the study. RESULTS: The results showed that the BD in female gender was modulated only by %F, unlike the males, in which BMI and %F together explained part of its variance (p<0.05). The IEB in male gender was little influenced by %F. CONCLUSION: It can be concluded that the %F was the only variable that influenced the BD in both genders. Furthermore, the IEB on young athletes does not seem to be influenced by anthropometric characteristics.

body image; eating behavior; anthropometry


ARTIGO ORIGINAL

CLÍNICA MÉDICA DO EXERCÍCIO E DO ESPORTE

Indicadores antropométricos de insatisfação corporal e de comportamentos alimentares inadequados em jovens atletas

Leonardo de Sousa FortesI; Sebastião Sousa AlmeidaII; Maria Elisa Caputo FerreiraIII

IUniversidade Federal de Juiz de Fora. Laboratório de Estudos do Corpo / UFJF

IIFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Laboratório de Nutrição e Comportamento. Departamento de Psicologia

IIIUniversidade Federal de Juiz de Fora. Programa de Mestrado em Educação Física - UFV/UFJF. Laboratório de Estudos do Corpo / UFJF

Correspondência Correspondência: Rua Dr. Hameleto Fellet, 20/201 - Santa Catarina 36036-130 - Juiz de Fora, MG, Brasil E-mail: leodesousafortes@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Altos valores de índice de massa corporal (IMC) e percentual de gordura (%G) parecem estar associados à insatisfação corporal (IC) e aos comportamentos alimentares inadequados (CAI).

OBJETIVO: Identificar a influência de variáveis antropométricas sobre a IC e o CAI em atletas adolescentes competitivos.

MÉTODO: Trata-se de uma análise transversal com 580 participantes com idades entre dez e 19 anos de ambos os sexos, praticantes de diversas modalidades esportivas. Aplicou-se o Body Shape Questionnaire para mensurar a IC. Utilizou-se o Eating Attitudes Test para avaliar CAI. Foram aferidas dobras cutâneas para estimar o percentual de gordura (%G). Mensurou-se peso e estatura para calcular-se o IMC. Conduziu-se regressão linear múltipla para avaliar influências das variáveis independentes sobre os desfechos do estudo.

RESULTADOS: Os resultados evidenciaram que a IC no sexo feminino foi modulada apenas pelo %G, ao contrário do sexo masculino, em que IMC e %G, juntos, explicaram parte de sua variância (p < 0,05). O CAI no sexo masculino foi pouco influenciado pelo %G.

CONCLUSÃO: O %G foi a única variável que influenciou a IC em ambos os sexos. Ademais, os CAI em jovens atletas parecem não ser influenciados por características antropométricas.

Palavras-chave: imagem corporal, comportamento alimentar, antropometria.

ABSTRACT

INTRODUCTION: High values of body mass index (BMI) and fat percentage (%F) seem to be associated with body dissatisfaction (BD) and inappropriate eating behaviors (IEB).

OBJECTIVE: The goal of this study was to identify the influence of anthropometric variables on the BD and the IEB in competitive teenage athletes.

METHOD: This is a crossed analysis with 580 participants between the ages of 10 and 19 years of both sexes, practitioners of various kinds of sports. The Body Shape Questionnaire was applied to measure the BD. The Eating Attitudes Test was used to evaluate IEB. Skinfolds were measured to estimate the fat percentage (%F). Weight and height were measured to calculate the Body Mass Index (BMI). Multiple linear regression method was performed to evaluate the influence of independent variables on the outcomes of the study.

RESULTS: The results showed that the BD in female gender was modulated only by %F, unlike the males, in which BMI and %F together explained part of its variance (p<0.05). The IEB in male gender was little influenced by %F.

CONCLUSION: It can be concluded that the %F was the only variable that influenced the BD in both genders. Furthermore, the IEB on young athletes does not seem to be influenced by anthropometric characteristics.

Keywords: body image, eating behavior, anthropometry.

INTRODUÇÃO

Existem alguns indicadores antropométricos de sobrepeso/obesidade. O índice de massa corporal (IMC) é um deles, índice este amplamente utilizado na avaliação do estado nutricional1. A Organização Mundial da Saúde2 recomenda a utilização do IMC para diagnosticar tanto a obesidade quanto a desnutrição em adolescentes. O IMC é bastante utilizado devido ao baixo custo, à simplicidade para realização das medidas e à alta reprodutibilidade3. Altos valores de IMC têm sido fortemente associados à insatisfação corporal1 e comportamento alimentar inadequado em adolescentes4,5, porém, ainda não foi comprovado se o IMC possui influência sobre estas variáveis em atletas.

Além do IMC, a adiposidade corporal também pode ser utilizada como ponto de corte de sobrepeso/obesidade4. Para isso, são necessárias mensurações em dobras cutâneas para estimar o percentual de gordura6. Ainda não foi abordada na literatura a sua influência na insatisfação com o corpo e no comportamento alimentar inadequado em atletas.

A adiposidade corporal e o IMC sofrem variações principalmente no período de maior crescimento físico, ocorrido durante a puberdade7, assim como varia devido ao hábito alimentar e prática de exercícios físicos8. Estas modificações morfológicas podem influenciar no comportamento alimentar e na imagem corporal de adolescentes1.

A imagem corporal é definida como a imagem mental que temos de nosso corpo9. Um dos subcomponentes da dimensão atitudinal da imagem corporal que vale a pena ser investigado é a insatisfação corporal, que diz respeito à depreciação que o indivíduo tem com sua aparência física1. Segundo Bonci et al.9, a insatisfação com o corpo é um dos fatores predisponentes para o comportamento alimentar inadequado, que por sua vez pode desencadear os transtornos alimentares (TAs). Parece que tanto a insatisfação corporal quanto o comportamento alimentar anormal manifestam-se com frequências diferentes entre os sexos. Estudos têm apresentado resultados que mostram maior prevalência destes desfechos entre indivíduos do sexo feminino4,5, recomendando-se avaliar estas variáveis segundo o sexo.

Os TAs mais comumente conhecidos são a anorexia nervosa (AN) e a bulimia nervosa (BN). Estas psicopatologias são caracterizadas por medo mórbido de engordar, distorção perceptiva da imagem corporal e uso de métodos patológicos para emagrecimento5. São doenças que parecem afetar em maior escalão a população de atletas10. Entretanto, ainda são escassos os estudos que tenham avaliado a influência de características antropométricas sobre comportamentos alimentares e insatisfação corporal em jovens atletas. Estima-se que esta seja a primeira pesquisa a estudar tais influências nesta população. Diante do pressuposto, o objetivo do presente estudo foi identificar a influência de variáveis antropométricas sobre a insatisfação corporal e o comportamento alimentar inadequado em atletas adolescentes.

MÉTODOS

Amostra

Trata-se de uma análise transversal realizada nos anos de 2010 e 2011, nas cidades do Rio de Janeiro, RJ, Três Rios, RJ, Barbacena, MG, e Juiz de Fora, MG no Brasil. Avaliaram-se 620 atletas competitivos com idades entre dez e 19 anos, de ambos os sexos, praticantes das modalidades esportivas atletismo, basquete, esgrima, futebol, ginástica artística, handebol, judô, natação, nado sincronizado, polo aquático, saltos ornamentais, tae kwon do, triathlon e voleibol. Todos os voluntários praticavam o treinamento físico sistematizado com frequência mínima de três vezes na semana com duração de pelo menos uma hora por dia, além de ter participado de competição em sua respectiva modalidade esportiva. Para os menores de 18 anos, seus responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que explicava os objetivos e procedimentos do estudo, autorizando a participação voluntária de seu(ua) filho(a) na pesquisa. Foi garantido o anonimato de todos os sujeitos da pesquisa. Além disso, este estudo somente foi desenvolvido após receber o número do parecer do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, de acordo com a resolução 196/96. Foram excluídos da pesquisa 40 atletas, por diversos motivos, dentre eles: falta da apresentação do consentimento assinado pelo responsável e aqueles que não responderam os questionários em sua íntegra ou não participaram da avaliação antropométrica. A amostra final contou, portanto, com 580 jovens atletas.

INSTRUMENTOS

Anamnese

Comportamento alimentar

Foi utilizado o questionário Eating Attitudes Test (EAT-26), composto por 26 questões distribuídas em diferentes aspectos: fator I (dieta), fator II (bulimia nervosa e preocupação com comida) e fator III (controle oral). O EAT-26 aplicado em atletas adolescentes do sexo feminino foi validado por Bighetti et al.11. Para esportistas do sexo masculino foi utilizado o EAT-26, validado para adolescentes brasileiros por Fortes et al.12. Para amostra do presente estudo, o alfa de Cronbach foi calculado, identificando-se valores de 0,89 e 0,92 para meninas e meninos, respectivamente. A pontuação do EAT-26 é feita pela soma dos seus itens. Escore igual ou maior que 20 representa indivíduos com comportamento alimentar de risco para TAs. Existem seis opções de resposta que variam de 0 a 3 pontos (sempre = 3, muitas vezes = 2, frequentemente = 1, poucas vezes = 0, quase nunca = 0 e nunca =0). A única questão que apresenta pontuação em ordem invertida é a 25 (sempre = 0, muitas vezes = 0, frequentemente = 0, poucas vezes = 1, quase nunca = 2 e nunca =3).

Insatisfação corporal

Foi avaliada pelo Body Shape Questionnaire. Este instrumento possui 34 questões em escala Likert, variando de 1 = nunca até 6 = sempre. Estas questões avaliam a insatisfação com o peso e a aparência corporal. A versão utilizada foi validada para adolescentes brasileiros13. Calculou-se o alfa de Cronbach para a amostra da presente pesquisa, sendo encontrados valores de 0,91 para meninas e 0,92 para os meninos. A pontuação final é resultado final da soma dos escores de cada item do questionário. Quanto maior a pontuação, maior é a depreciação com o peso e a aparência física.

Antropometria

O percentual de gordura foi estimado pelo método duplamente indireto, mensurando-se as dobras cutâneas tricipital e subescapular. Utilizou-se o protocolo de Slaughter et al.6 para executar tal estimativa. Estas medidas foram realizadas de forma rotacional e coletadas três vezes, considerando-se a média dos valores.

A massa corporal foi mensurada por uma balança digital portátil da marca Tanita com precisão de 100g e capacidade máxima de 200 kg. Utilizou-se estadiômetro portátil com precisão de 0,1cm e altura máxima de 2,20 m da marca Welmy para mensurar a estatura.

Para todas as medições antropométricas, utilizaram-se as padronizações da ISAK14. Ademais, as medidas das dobras cutâneas foram realizadas pelo mesmo avaliador para aumentar a fidedignidade da avaliação e realizou-se o cálculo do erro técnico de medida proposto por Silva et al.15, excluindo dados com variância maior que 10%.

Determinou-se a adiposidade corporal pelo percentual de gordura. A classificação dessa variável foi atribuída pelos pontos de corte estabelecidos por Lohman16, que levam em consideração o sexo do sujeito.

O índice de massa corporal [IMC = massa corporal (kg)/estatura (m2)] foi usado como indicador de estado nutricional. A classificação do IMC obedeceu aos critérios da OMS2, que propõe a classificação em baixo peso, peso normal, sobrepeso e obeso, de acordo com percentis (5, 85 e 95) segundo idade cronológica.

Procedimentos

Os procedimentos foram realizados no horário do treinamento das equipes em dois dias subsequentes. Todos os clubes disponibilizaram salas e ambientes para proceder tais avaliações.

As coletas de dados foram realizadas por apenas um pesquisador. Este ficou responsável pela aplicação dos questionários no primeiro momento. O segundo encontro destinou-se à realização de avaliações antropométricas (peso, estatura e dobras cutâneas).

No primeiro encontro foram aplicados os instrumentos BSQ e EAT-26. Os questionários foram entregues aos atletas que receberam a mesma orientação verbal. A orientação escrita dos procedimentos adequados constava nos mesmos. Eventuais dúvidas foram esclarecidas pelo responsável pela aplicação destes instrumentos. Os sujeitos do estudo não comunicavam entre si. Efetuou-se a distribuição dos questionários no momento em que os atletas adentravam no ambiente (sala) e o preenchimento destes constituiu-se de caráter voluntário. Não houve limite de tempo para preenchê-los.

No segundo encontro os atletas foram conduzidos para aferição das variáveis antropométricas. A entrada dos atletas na sala de avaliação foi individualizada, permitindo-se outro sujeito adentrar no ambiente somente após seu colega de equipe retirar-se do recinto.

ANÁLISE DOS DADOS

Para avaliar a influência de variáveis antropométricas sobre a insatisfação com o corpo e o comportamento alimentar, adotou-se como parâmetro o passo a passo da análise de regressão linear múltipla (stepwise). Antes da realização desta análise, aplicou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov nas variáveis critério (insatisfação corporal e comportamento alimentar inadequado). Como não foi identificada violação na distribuição dos dados destas variáveis, procedeu-se a regressão linear múltipla. Para esta análise, o IMC e o percentual de gordura foram utilizados com variáveis explicativas. Além disso, foi realizada regressão logística binária para avaliar riscos do estado nutricional e da adiposidade corporal na predisposição sobre a insatisfação corporal e o comportamento alimentar inadequado. Para este teste, as classificações do BSQ "leve insatisfação", "moderada insatisfação" e "grave insatisfação" foram agrupadas em "insatisfeitos". As classificações de adiposidade corporal "muito baixo", baixo", foram designadas como "baixo" e as classificações "moderadamente alto", "alto" e "muito alto", foram agrupados em "alto". Os testes estatísticos foram realizados no software SPSS versão 17.0, incutindo nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Foram excluídos da pesquisa 40 atletas, por diversos motivos, dentre eles: falta da apresentação do consentimento assinado pelo responsável e aqueles que não responderam os questionários em sua íntegra ou não participaram da avaliação antropométrica. Sendo assim, participaram do estudo 580 atletas de 14 modalidades, sendo 116 do sexo feminino e 464 do masculino. As modalidades com maior quantidade de dados coletados no sexo feminino foram natação (22) e handebol (20). No sexo masculino, futebol (271) e basquetebol (56) foram os esportes que obtiveram maior número de participantes.

As tabelas 1 e 2 apresentam, respectivamente, a influência de indicadores antropométricos sobre a insatisfação corporal e o comportamento alimentar inadequado. A insatisfação corporal no sexo feminino pareceu ser modulada apenas pelo percentual de gordura, ao contrário do sexo masculino, em que IMC e percentual de gordura, juntos, explicaram parte da variância da insatisfação corporal. O comportamento alimentar inadequado no sexo masculino foi pouco influenciado pelo percentual de gordura. No sexo feminino, tanto o percentual de gordura quanto o IMC não explicaram a variância do comportamento alimentar inadequado.

O modelo de regressão logística simples mostrou que a insatisfação corporal esteve associada ao estado nutricional e adiposidade corporal em ambos os sexos (tabela 3). Quando ajustou-se o modelo para todas as variáveis, o estado nutricional manteve-se associado com a insatisfação corporal nos dois sexos. Salienta-se que meninas com baixo peso e meninos com obesidade apresentaram mais chances de serem insatisfeitos do que atletas eutróficos. Entretanto, a adiposidade corporal manteve-se relacionada com a insatisfação corporal somente no sexo feminino. Ressalta-se que atletas com alta percentagem de gordura apresentaram mais chances de serem insatisfeitas do que meninas com adiposidade corporal normal.

A tabela 4 apresenta os resultados da análise de regressão logística para o comportamento alimentar inadequado em relação ao estado nutricional e adiposidade corporal dos atletas. No sexo feminino, os modelos de regressão não indicaram associação com o comportamento alimentar inadequado. No sexo masculino, somente o estado nutricional apresentou associação com o comportamento alimentar nos dois modelos. Atletas obesos apresentaram mais chances de inadequação alimentar do que adolescentes eutróficos.

DISCUSSÃO

O estudo buscou compreender a influência de indicadores antropométricos sobre a insatisfação corporal e o comportamento alimentar inadequado de atletas adolescentes competitivos segundo sexo. Alguns resultados serão destacados no decorrer desta sessão.

Os achados do presente estudo mostraram que o IMC modulou a insatisfação corporal somente no sexo masculino, porém o estado nutricional apresentou associação com a insatisfação corporal no modelo de regressão logística ajustada em ambos os sexos. Meninas com baixo peso e sobrepeso foram apontadas com maior tendência (7,39 e 1,37, respectivamente) de serem insatisfeitas com aparência física, comparadas às atletas classificadas em peso normal. Os achados do sexo feminino corroboram tendências expostas pela literatura de que adolescentes com sobrepeso/obesidade são mais insatisfeitas com o peso e a aparência corporal1,5. Entretanto, encontrar uma razão de 7,39 vezes mais chances de insatisfação corporal em atletas com estado nutricional baixo peso não era esperado, visto que geralmente meninas almejam perder peso e apresentar a magreza como ideal estético4,17. Estes resultados corroboram o estudo de De Bruin et al.18, que identificaram que atletas femininas, mesmo com baixo peso corporal, estavam insatisfeitas com o corpo e ainda desejavam perder peso. Portanto, os resultados no sexo feminino podem ser reflexo das características de parte da amostra que provinha de modalidades de cunho estético (ginástica artística, nado sincronizado e saltos ornamentais), pois pesquisas mostram que nestes esportes, independente das características morfológicas, as atletas costumam apresentar insatisfação com o corpo18-20. De qualquer forma, parece que meninas são insatisfeitas com o corpo e aparência física, independente de seu estado nutricional1,5. Já no sexo masculino, sobrepeso e obesidade foram preditores de insatisfação com o corpo, o que já era esperado. Apesar da escassez de estudos de associação, os achados desta pesquisa parecem ser semelhantes a resultados de estudos com escolares da mesma faixa etária4. Talvez o estado nutricional manifeste sentimentos afetivos semelhantes nos dois sexos na população de jovens atletas, já que o excesso de peso é considerado aspecto depreciativo na cultura ocidental5.

A presente pesquisa evidenciou que o percentual de gordura influenciou significativamente a variância da insatisfação corporal em ambos os sexos, sendo esta modulada em 19% nas meninas e 13% nos meninos. A adiposidade corporal esteve associada apenas no sexo feminino no modelo de regressão logística. Meninas com alto percentual lipídico apresentaram 3,44 vezes mais chances de insatisfação corporal comparadas a atletas com adiposidade corporal normal. Em atletas, a adiposidade corporal, além de influenciar a insatisfação corporal, parece ser preditora da mesma no sexo feminino, pois a quantidade de gordura é inversamente proporcional ao rendimento esportivo em diversas modalidades17. Por isso, algumas atletas, juntamente com seus treinadores, acreditam que um baixo percentual lipídico é característica fundamental para otimização da performance. No entanto, percentual de gordura muito baixo pode predispor estas atletas a problemas fisiológicos como a amenorreia e psicológicos como a AN21. Por outro lado, a gordura corporal não foi preditora de insatisfação corporal no sexo masculino. Meninos parecem se incomodar menos com aspectos morfológicos quando comparados às meninas22, independente de serem atletas ou não1. Atletas do sexo masculino provavelmente estão mais preocupados com os resultados esportivos do que com sua composição corporal17.

Os resultados do presente estudo mostraram que o IMC e o percentual de gordura não influenciaram na variância do EAT-26 no sexo feminino. Além disso, estado nutricional e adiposidade corporal não foram preditores significativos de hábitos alimentares não saudáveis neste sexo. Os achados da pesquisa de Haase23 vão ao encontro aos do presente estudo, já que esta autora, avaliando atletas de diversas modalidades, encontrou pontuações significativamente superiores no EAT-26 em indivíduos com sobrepeso. De Bruin et al.24 mostraram resultados semelhantes aos de Haase23, já que identificaram que o IMC influenciou a frequência de comportamentos patológicos para controle/perda de peso em atletas holandesas. Parece que meninas preocupam-se com hábitos alimentares mesmo apresentando peso e gordura corporal dentro dos padrões de normalidade5,19, o que pode explicar, de certo modo, os achados do presente estudo. Ademais, as características das modalidades avaliadas na presente pesquisa são diferentes dos estudos supracitados, devendo-se, então, ter cautela nas comparações e interpretações. Nos meninos, os resultados apontaram que apenas o percentual de gordura influenciou o comportamento alimentar inadequado (3%) e somente a adiposidade corporal manteve-se associada ao fator positivo do EAT-26 no modelo de regressão logística. Esta última análise evidenciou que atletas com sobrepeso e obesidade, respectivamente, apresentaram 5,85 e 7,67 vezes mais chances de alimentação desordenada do que atletas eutróficos. Neste público, as pesquisas realizadas geralmente associaram o comportamento alimentar inadequado a aspectos psicológicos como perfeccionismo25, ansiedade competitiva10, dependência de substâncias11 autoestima e depressão25. Não foram encontrados estudos associando ou averiguando a influência de indicadores antropométricos sobre o comportamento alimentar inadequado em atletas do sexo masculino. Entretanto, diferentemente dos resultados no sexo feminino, parece que o excesso de peso e a elevada adiposidade corporal podem ser considerados fatores de risco para o comportamento alimentar anormal nos atletas masculinos.

Apesar de a presente pesquisa identificar achados inéditos e relevantes, a mesma apresentou limitações. Uma delas foi utilizar questionários como instrumentos de avaliação. Pesquisadores afirmam que participantes podem não responder com fidedignidade a instrumentos autoaplicáveis17,19,26. Portanto, os resultados podem não refletir a realidade do contexto avaliado, visto que o resultado final é fruto de respostas subjetivas. Outra limitação foi utilizar um método duplamente indireto para estimar a gordura corporal dos atletas. Entretanto, ressalta-se a dificuldade de acesso a equipamentos sofisticados, além do alto dispêndio financeiro na utilização destes aparelhos. Portanto, em estudos com grandes amostras, autores recomendam utilizar métodos com baixo custo e de fácil aplicação, como é o caso das dobras cutâneas15.

Acredita-se que os resultados desta pesquisa possam auxiliar treinadores de atletas brasileiros na forma de tratamento e abordagem a estes jovens. Cuidados ao expor situações e características a respeito do corpo do adolescente podem repercutir em comportamentos e atitudes não saudáveis, influenciando negativamente na saúde do atleta. Portanto, mesmo o indivíduo apresentando morfologia corporal inapropriada para o rendimento esportivo de sua respectiva modalidade, recomenda-se não cobrá-lo excessivamente para que altere suas características corporais.

CONCLUSÃO

Pode-se dizer que as classificações de estado nutricional baixo peso no sexo feminino e sobrepeso e obeso em atletas masculinos predisseram, com melhor exatidão, riscos para a insatisfação corporal em atletas adolescentes. Por outro lado, pode-se afirmar que apenas a classificação de adiposidade corporal "alto" apresentou riscos para a insatisfação corporal no sexo feminino. Além disso, o percentual de gordura foi a única variável que influenciou a insatisfação corporal em ambos os sexos.

Em relação ao comportamento alimentar inadequado, pode-se concluir que somente a classificação "obeso" do estado nutricional demonstrou riscos para alimentação desordenada no sexo masculino. Entre as meninas, não identificou-se um bom indicador antropométrico para predizer hábitos alimentares inadequados.

São recomendados estudos que avaliem a influência de outras variáveis corporais sobre a insatisfação corporal e comportamento alimentar inadequado em atletas, assim como pesquisas que comparem estas variáveis em diferentes estágios do processo maturacional na adolescência.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013
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