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Ressecção de schwannoma mediastinal por cirurgia torácica videoassistida

Resumos

Os schwannomas são tumores em sua maioria benignos, derivados das células de Schwann (células da glia pertencentes ao sistema nervoso periférico que ajudam a separar e isolar neurônios de estruturas adjacentes), normalmente localizados em nervos intracranianos, principalmente no VIII par (neuroma acústico). Quando extradurais, sua apresentação mais comum é através de massas tumorais que podem comprimir estruturas adjacentes, tornando-se sintomático, como é o caso dos schwannomas intratorácicos (presentes mais comumente no mediastino posterior). Este trabalho apresenta o relato de caso de um schwannoma tratado por videotoracoscopia e uma revisão literária sobre o assunto.

Neoplasias do mediastino; Neurilemoma; Cirurgia torárica video-assistida; Relatos de casos


Schwannomas are tumors that are typically benign. They are derived from Schwann cells (glial cells of the peripheral nervous system that serve to separate and isolate nerve cells from adjacent structures). The most common type of schwannoma is a benign tumor of cranial nerve VIII and is referred to as an acoustic neuroma. When extradural, such tumors usually present as masses that can invade adjacent structures, thereby becoming symptomatic, as in the case of intrathoracic schwannomas (typically found in the posterior mediastinum). Herein, we present a case of a schwannoma treated through video-assisted thoracoscopy, and we review the literature on the subject.

Mediastinal neoplasms; Neurilemmoma; Thoracic surgery; video-assisted; Case reports


RELATO DE CASO

Ressecção de schwannoma mediastinal por cirurgia torácica videoassistida* * Trabalho realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição - Grupo Hospitalar Conceição Serviço de Cirurgia Torácica - Residência de Cirurgia Torácica Porto Alegre (RS) Brasil.

Leonardo OrtigaraI; Nelson RosembergII; Rafael SiqueiraIII; Francisco NetoIII

IResidente do Serviço de Urologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição - HNSC - Porto Alegre (RS) Brasil

IIChefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Nossa Senhora da Conceição - HNSC - Porto Alegre (RS) Brasil

IIIResidente de Cirurgia Torácica do Hospital Nossa Senhora da Conceição - HNSC - Porto Alegre (RS) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leonardo Ortigara Rua Cel. Aurélio Bitencourt, 150/601 CEP 90430-080, Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: leo.ortigara@brturbo.com.br

RESUMO

Os schwannomas são tumores em sua maioria benignos, derivados das células de Schwann (células da glia pertencentes ao sistema nervoso periférico que ajudam a separar e isolar neurônios de estruturas adjacentes), normalmente localizados em nervos intracranianos, principalmente no VIII par (neuroma acústico). Quando extradurais, sua apresentação mais comum é através de massas tumorais que podem comprimir estruturas adjacentes, tornando-se sintomático, como é o caso dos schwannomas intratorácicos (presentes mais comumente no mediastino posterior). Este trabalho apresenta o relato de caso de um schwannoma tratado por videotoracoscopia e uma revisão literária sobre o assunto.

Descritores: Neoplasias do mediastino/cirurgia; Neurilemoma; Cirurgia torárica video-assistida; Relatos de casos [tipo de publicação]

INTRODUÇÃO

As células de Schwann (células das quais derivam os tumores benignos denominados schwannomas ou neurilemomas) são células especializadas presentes no axônio. Elas têm como função produzir mielina para os axônios. Os schwannomas ocorrem mais comumente como tumores do VIII par craniano (neuroma acústico). Quando presentes em regiões extradurais (neste caso, relacionado ao mediastino posterior), apresentam características semelhantes, como caráter benigno e crescimento lento, com sintoma tologia devida à compressão de estruturas vizinhas. O diagnóstico é geralmente realizado por acaso ou devido a sintomas compressivos intratorácicos, como dor, tosse e dispnéia. A maioria dos tumores é esporádica, e quase todos apresentam uma mutação do gene supressor tumoral NF2. O tratamento indicado é a ressecção, sendo a videocirurgia uma possibilidade. Na literatura médica, poucos casos de schwannomas mediastinais tratados exclusivamente por videotoracoscopia foram relatados.

RELATO DO CASO

Uma paciente de 32 anos foi encaminhada ao serviço de cirurgia torácica por apresentar dor em flanco direito, principalmente em gradil costal, em caráter de pontada, intermitente, de início gradual, com irradiação para a região lombar ipsilateral, associada a dispnéia, com evolução de aproximadamente dois anos. Referia piora da dor após inspirações profundas. Negava fatores de alívio ou posições antálgicas e emagrecimento. Relatou exacerbação dos sintomas havia um ano, tendo procurado assistência médica e sido tratada com analgésicos intravenosos, sem maiores investigações. Houve piora progressiva dos sintomas, principalmente nos últimos três meses, com início de tosse, escarro, hemoptise e pirose. A história médica pregressa apresentava-se sem particularidades e ela negava tabagismo. O exame físico era normal.

A radiografia de tórax demonstrava uma lesão expansiva com limites nítidos no segmento superior do lobo inferior direito justa-costal, com traquéia e brônquios principais preservados. Foi solicitada tomografia computadorizada, que evidenciou presença de lesão expansiva no mediastino posterior à direita com densidade heterogênea, medindo cerca de 6,6 x 6,4 x 4,9 cm, em continuidade com a pleura parietal e vértebra torácica, sem adenomegalias ou demais alterações (Figura 1). Após estadiamento completo (exames laboratoriais, endoscopia digestiva alta, fibrobroncoscopia e espirometria dentro da normalidade), foi indicada a cirurgia.


Com a paciente lateralizada à esquerda, foram colocados quatro portais, sendo a câmera introduzida no quinto espaço intercostal, anteriormente, facilitando a visão da lesão tumoral (Figura 2). Após a dissecção, a massa foi completamente isolada (a mesma não invadia tecidos adjacentes), sem complicações transoperatórias. A peça foi retirada após ampliação de um dos portais (Figura 3).



A paciente apresentou boa evolução pós-operatória, recebendo alta hospitalar, assintomática, dois dias após a realização do procedimento. O exame anatomopatológico mostrou que a lesão, de tecido encapsulado elástico, pesando 70 g, aos cortes mostrando-se cinzenta e brilhante, era um schwannoma.

DISCUSSÃO

Os tumores derivados das células de Schwann apresentam-se como massas encapsuladas, firmes, acinzentadas, delimitadas, em íntima relação com o nervo de origem. Pode haver áreas císticas associadas à massa tumoral. Apresentam dois padrões de crescimento (Antoni A e Antoni B), podendo haver várias alterações degenerativas, como pleomorfismo nuclear, alteração xantomatosa e hialinização vascular, sem diferenciação prognóstica. Raramente são malignos. A recidiva local pode ocorrer após ressecção incompleta da lesão.

Sua apresentação mais comum é com o envolvimento do VIII par craniano (neuroma acústico), seguido pelos pares V e X.(1-13) Raramente envolvem nervos extradurais; quando isto ocorre, costumam se localizar em grandes troncos nervosos. No tórax encontram-se no mediastino posterior (sulco posterior paravertebral), no plexo braquial e em menor freqüência nos nervos intercostais. (1,14) Usualmente únicos, são diagnosticados em radiografias simples do tórax por acaso.(14) Quando de maiores proporções, apresentam sintomas compressivos, como dor e parestesias. São encontrados em diferentes idades e ocorrem mais comumente em pessoas acima de 40 anos, sem preferência por sexo.

O diagnóstico, como dito previamente, pode se dar por acaso (como através de radiografia simples durante avaliações clínicas) ou pelo surgimento de sintomas relacionados à compressão tumoral, geralmente após anos de evolução. A investigação começa com radiografias simples do tórax e com incidência oblíqua do forame central da medula espinhal, a fim de se limitar a lesão. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética eliminam dúvidas anteriores: apresentam superioridade diagnóstica, com melhor delimitação da lesão tumoral. Em nosso serviço não utilizamos comumente a ressonância magnética nesses casos, por não apresentar grandes vantagens em relação à tomografia, mais acessível, com melhor relação entre custo e benefício.

O manejo cirúrgico dos schwannomas localizados no mediastino dá-se conforme os achados presentes na tomografia computadorizada ou na ressonância magnética. Estes achados referem-se aos tumores apenas intratorácicos ou com extensão para o canal intervertebral.(14)

A videocirurgia torácica foi completamente difundida nos anos 1980 após o aprimoramento tecnológico e a consolidação da videolaparoscopia.(14) Ela foi facilmente adaptada para a realização de biópsias localizadas no mediastino e posteriormente para ressecção de massas. O paciente é posicionado como na toracotomia lateral, com a câmera introduzida no quinto espaço intercostal (preferencialmente), posteriormente para massas em mediastino anterior e anteriormente para massas mediastinais posteriores. Os demais acessos são posicionados conforme o local da massa. Em massas mediastinais anteriores, os portais são colocados no segundo ou terceiro espaço intercostal, na linha axilar média e no quinto ou sexto espaço intercostal, na linha axilar anterior. Um quarto portal é introduzido no sétimo espaço, entre a linha axilar anterior e a média. Este acesso permite o uso de tesouras ou pinças de apreensão, e a tração do pulmão para facilitar a ressecção. Em massas mediastinais posteriores, os demais acessos são entre a linha axilar média e a anterior no terceiro e quarto espaços intercostais. A tração pulmonar é realizada com pinças localizadas entre o quarto e o sexto espaços, na linha axilar anterior.(14)

Poucos casos relatados na literatura referentes à ressecção de schwannomas por videotoracoscopia foram encontrados. Os de origem intercostal são os de melhor acesso.(10) As indicações cirúrgicas para realização de ressecção via videotoracoscopia incluem: biópsia para afastar malignidade, ressecção no intuito de prevenir malignização (rara), alívio de sintomas compressivos, e para evitar a extensão do tumor para dentro do forame da medula. A técnica é relativamente simples, sendo necessário, no entanto, cuidado ao se movimentar o tumor em relação às estruturas vasculares e mediastinais adjacentes.(10)

Entre a maioria dos casos relatados que utilizaram a videotoracoscopia como técnica exclusiva para a ressecção de massas mediastinais, um grau elevado de sucesso foi obtido,(1-8) o que demonstra a segurança do procedimento em mãos de cirurgiões devidamente treinados. Quando comparado com a toracotomia, o uso da videotoracoscopia requer incisões menores, proporcionando diminuição da dor, menores complicações pulmonares, hospitalização mais curta, retorno precoce às atividades e ganho estético.(2-3,6-7,9-10,15)

Recebido para publicação em 26/12/04. Aprovado, após revisão, em 16/5/05.

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  • Endereço para correspondência:
    Leonardo Ortigara
    Rua Cel. Aurélio Bitencourt, 150/601
    CEP 90430-080, Porto Alegre, RS, Brasil
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    Trabalho realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição - Grupo Hospitalar Conceição Serviço de Cirurgia Torácica - Residência de Cirurgia Torácica Porto Alegre (RS) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jun 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      16 Maio 2005
    • Recebido
      26 Dez 2004
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