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Resolutividade da assistência e satisfação de usuários da Estratégia Saúde da Família

Resolutividad de la asistencia y satisfacción de usuarios de la Estrategia Salud de la Familia

Problem-solving capacity of assistance and users' satisfaction of the Family Health Strategy

Resumos

Estudo quanti-qualitativo com objetivo de analisar a visão dos usuários sobre resolutividade da assistência de uma Unidade de Saúde da Família e a relação com sua satisfação. Os dados quantitativos foram coletados por meio de formulário estruturado. Obtiveram-se dados qualitativos mediante entrevista semi-estruturada. Os resultados demonstraram que sempre ou na maioria das vezes o serviço resolvia problemas de 61,3% dos usuários. A visão dos usuários sobre resolutividade está relacionada com sua percepção sobre solução de seus problemas de saúde e, para alguns, está associada à obtenção de encaminhamentos para atendimentos especializados. Há relação entre encontrar resolutividade sempre ou na maioria das vezes e estar muito satisfeito. Conclui-se que a satisfação dos usuários e sua visão sobre resolutividade da assistência contribuem para organização e aperfeiçoamento dos serviços de saúde.

Atenção primária à saúde; Qualidade da assistência à saúde; Satisfação dos consumidores; Saúde da família


Estudio cuanticualitativo con el objetivo de analizar la visión de los usuarios sobre resolutividad de la asistencia de una Unidad de Salud de la Familia y la relación con su satisfacción. Se recolectaron los datos cuantitativos por medio de un formulario estructurado. Se obtuvieron datos cualitativos mediante una entrevista semiestructurada. Los resultados revelaron que siempre o en la mayoría de las veces el servicio solucionaba problemas del 61,3% de los usuarios. La visión de los usuarios sobre resolutividad se relaciona con su percepción acerca de una solución a sus problemas de salud y se asocia con algunos a la obtención de encaminamientos a atención especializada. Hay relación entre encontrar resolutividad siempre o en la mayoría de las veces y estar muy satisfecho. Se concluye que la satisfacción de los usuarios y su visión sobre resolutividad de la asistencia contribuyen a la organización y al perfeccionamiento de los servicios de salud.

Atención primaria de salud; Calidad de la atención de salud; Satisfacción de los consumidores; Salud de la familia


The following research is a quantitative-qualitative study that aimed to analyze the view of users on problem-solving capacity of assistance in a Family Health Unit and the relation with satisfaction. The quantitative data have been collected through a semi-structured survey. The results showed the fact that always or most of times the service solved the problems of 61.3% of users. The view of users on problem-solving capacity is related with their perception on the solution for their health problems, associated to obtaining forward to specialized service. There is a relationship between always finding resoluteness or most of times and being very satisfied. It is concluded that users' satisfaction and their view on assistance problem-solving capacity contribute to the organization and improvement of health services.

Primary health care; Quality of health care; Consumer satisfaction; Family health


ARTIGO ORIGINAL

Resolutividade da assistência e satisfação de usuários da Estratégia Saúde da Família1 1 Recorte da dissertação de Mestrado apresentada em 2006 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGENF/UFRGS).

Resolutividad de la asistencia y satisfacción de usuarios de la Estrategia Salud de la Familia

Problem-solving capacity of assistance and users' satisfaction of the Family Health Strategy

Raquel Borba RosaI; Alisia Helena Weis PelegriniII; Maria Alice Dias da Silva LimaIII

IMestre em Enfermagem, Enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIMestre em Enfermagem, Doutoranda pelo PPGENF/UFRGS, Bolsista do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem, Professora do PPGENF/UFRGS, Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Endereço da autora Dirección del autor / Author's address Endereço da autora / : Raquel Borba Rosa Rua Coronel Tenente Ary Tarrago, 1720, casa 58, Jardim Itu Sabará 91225-002, Porto Alegre, RS E-mail: enfquel@hotmail.com

RESUMO

Estudo quanti-qualitativo com objetivo de analisar a visão dos usuários sobre resolutividade da assistência de uma Unidade de Saúde da Família e a relação com sua satisfação. Os dados quantitativos foram coletados por meio de formulário estruturado. Obtiveram-se dados qualitativos mediante entrevista semi-estruturada. Os resultados demonstraram que sempre ou na maioria das vezes o serviço resolvia problemas de 61,3% dos usuários. A visão dos usuários sobre resolutividade está relacionada com sua percepção sobre solução de seus problemas de saúde e, para alguns, está associada à obtenção de encaminhamentos para atendimentos especializados. Há relação entre encontrar resolutividade sempre ou na maioria das vezes e estar muito satisfeito. Conclui-se que a satisfação dos usuários e sua visão sobre resolutividade da assistência contribuem para organização e aperfeiçoamento dos serviços de saúde.

Descritores: Atenção primária à saúde. Qualidade da assistência à saúde. Satisfação dos consumidores. Saúde da família.

RESUMEN

Estudio cuanticualitativo con el objetivo de analizar la visión de los usuarios sobre resolutividad de la asistencia de una Unidad de Salud de la Familia y la relación con su satisfacción. Se recolectaron los datos cuantitativos por medio de un formulario estructurado. Se obtuvieron datos cualitativos mediante una entrevista semiestructurada. Los resultados revelaron que siempre o en la mayoría de las veces el servicio solucionaba problemas del 61,3% de los usuarios. La visión de los usuarios sobre resolutividad se relaciona con su percepción acerca de una solución a sus problemas de salud y se asocia con algunos a la obtención de encaminamientos a atención especializada. Hay relación entre encontrar resolutividad siempre o en la mayoría de las veces y estar muy satisfecho. Se concluye que la satisfacción de los usuarios y su visión sobre resolutividad de la asistencia contribuyen a la organización y al perfeccionamiento de los servicios de salud.

Descriptores: Atención primaria de salud. Calidad de la atención de salud. Satisfacción de los consumidores. Salud de la familia.

ABSTRACT

The following research is a quantitative-qualitative study that aimed to analyze the view of users on problem-solving capacity of assistance in a Family Health Unit and the relation with satisfaction. The quantitative data have been collected through a semi-structured survey. The results showed the fact that always or most of times the service solved the problems of 61.3% of users. The view of users on problem-solving capacity is related with their perception on the solution for their health problems, associated to obtaining forward to specialized service. There is a relationship between always finding resoluteness or most of times and being very satisfied. It is concluded that users' satisfaction and their view on assistance problem-solving capacity contribute to the organization and improvement of health services.

Descriptors: Primary health care. Quality of health care. Consumer satisfaction. Family health.

INTRODUÇÃO

A análise da resolutividade depende de quem avalia e do que é avaliado nos serviços de saúde. Envolve aspectos relativos à demanda, à satisfação do usuário, às tecnologias dos serviços de saúde, à existência de um sistema de referência e contra-referência articulado, à acessibilidade dos serviços, à formação dos recursos humanos, às necessidades de saúde da população, à adesão ao tratamento, aos aspectos culturais e socioeconômicos, entre outros(1).

A resolutividade dos serviços de saúde é uma maneira de se avaliar os serviços de saúde a partir dos resultados obtidos do atendimento ao usuário. Pode ser avaliada por dois aspectos: o primeiro, dentro do próprio serviço, quanto à capacidade de atender à sua demanda e de encaminhar os casos que necessitam de atendimento mais especializado; o segundo, dentro do sistema de saúde, que se estende desde a consulta inicial do usuário no serviço de atenção primária à saúde até a solução de seu problema em outros níveis de atenção à saúde(1).

A relação entre resolutividade e satisfação do usuário é uma importante ferramenta para avaliar a qualidade e o desempenho da atenção à saúde, pois possibilita analisar os resultados do trabalho desenvolvido, contribuindo para reorganização dos serviços de saúde.

A necessidade de se incluir o usuário em estudos sobre a avaliação e a qualidade da atenção primária à saúde tem sido apontada por alguns autores(2,3). Estudos desse tipo oferecem indícios sobre os benefícios ou dificuldades dos serviços de saúde em atingir as expectativas e necessidades dos usuários, constituindo-se como um importante instrumento para investigar, administrar e planejar o trabalho nos serviços de saúde, contribuindo para a organização da assistência mais adequada às demandas dos usuários(3).

A visão do usuário sobre determinado serviço é particular, pois se desconhecem os critérios que ele utiliza para definir a qualidade do serviço. Também é difícil identificar o que significa para ele um serviço ser capaz de resolver seu problema de saúde(1).

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é um marco na incorporação da atenção primária à saúde na política de saúde brasileira. Propõe-se a reorganizar a prática da atenção à saúde e a reverter à forma de prestação da assistência centrada na doença, a partir da reordenação da atenção básica como eixo de reorientação do modelo assistencial. A ESF pretende melhorar a qualidade de vida da população, com foco na família e na comunidade e na vigilância em saúde, assumindo o compromisso de prestar assistência universal, integral, equânime, contínua e resolutiva, buscando a satisfação do usuário(4).

A satisfação de usuários com os serviços da Estratégia Saúde da Família, especialmente devido à acessibilidade e à interação equipe/usuário, conformando atitudes cuidadoras por parte da equipe, tem sido apontada em alguns estudos(3,5). Por outro lado, foram relatados problemas na resolutividade da assistência oferecida aos usuários nas unidades de saúde da família, como baixa resolutividade clínica e grande demanda reprimida(6).

Estudo avaliativo sobre acesso e acolhimento realizado em três capitais brasileiras mostrou que em unidades de saúde da família os usuários destacam dificuldades de acesso a exames, demora por atendimento na unidade e na consulta com especialistas, falta de medicamentos na farmácia, descontentamento com a forma de agendamento na unidade, insatisfação com a acolhida na recepção(7).

A resolutividade na atenção primária à saúde está associada ao recurso instrumental e ao conhecimento técnico dos profissionais, como também à ação acolhedora, ao vínculo que se estabelece com o usuário, ao significado que se dá na relação profissional/usuário, que sugere o encontro de sujeitos com o sentido de atuar sobre o campo da saúde e proporcionar satisfação ao usuário(8).

Ainda é escassa a produção científica voltada à satisfação dos usuários em relação aos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), em especial aqueles relacionados à Saúde da Família. Assim, este estudo pode contribuir com a visão do usuário sobre resolutividade da assistência à saúde ofertada pela Estratégia Saúde da Família, os critérios que os usuários utilizam para definir a qualidade do serviço de saúde e identificar o que significa para eles um serviço resolutivo.

Com base no exposto, este artigo tem como objetivo analisar a visão de usuários sobre a resolutividade da assistência de uma equipe de Saúde da Família e a relação com sua satisfação.

METODOLOGIA

Trata-se de um recorte de uma dissertação de mestrado(9) que utilizou abordagem quanti-qualitativa, de forma complementar. A avaliação qualitativa trabalha com a subjetividade da qualidade, complementando e incorporando a avaliação da qualidade dos serviços feita por meio de indicadores numéricos e objetivos(10).

Os dados foram coletados simultaneamente, em um mesmo encontro, no domicílio dos participantes, sendo os quantitativos obtidos a partir de formulário estruturado e os qualitativos por meio de entrevista semi-estruturada.

O formulário para coleta de dados quantitativos continha questões estruturadas que possibilitaram medir as impressões subjetivas do usuário e avaliar aspectos referentes ao acolhimento e à resolutividade da assistência. Nas perguntas que se referiam a diversas situações da assistência, os usuários puderam escolher entre as opções sempre, na maioria das vezes, às vezes ou nunca; para as perguntas que buscavam conhecer a qualidade de determinado aspecto ou procedimento, as opções de resposta foram ótimo, bom, regular ou ruim.

Na entrevista, a primeira questão solicitava que o respondente descrevesse a sequencia do atendimento na última vez que utilizou o serviço, desde sua chegada até o término do atendimento, incluindo os locais para onde foi encaminhado. As demais perguntas foram: O que você espera do serviço de saúde? O serviço resolve seus problemas? O serviço trouxe alguma mudança na sua saúde? Essa mudança foi positiva ou negativa? Como é o atendimento quando você não tem consulta agendada? Como é o atendimento quando a consulta já está agendada? Do que você mais gosta no serviço? O que você mudaria ou melhoraria no serviço?

A população se constituiu de usuários pertencentes à área de abrangência de uma Equipe de Saúde da Família do município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A amostra foi composta por 93 usuários. A seleção dos sujeitos foi feita a partir dos prontuários de família cadastrados na unidade, mediante amostra aleatória simples. Após, foi selecionado um usuário de cada família, utilizando-se os seguintes critérios de inclusão: possuir acima de 20 anos de idade e já vir utilizando o serviço por no mínimo um ano.

Dentre os 93 sujeitos, previamente selecionados, 22 participaram, também, da etapa qualitativa. O número de usuários entrevistados foi definido levando-se em consideração a saturação dos dados(11).

Os dados quantitativos foram tratados por meio de estatística descritiva, com freqüências absoluta e relativa percentual. Para avaliar a significância estatística entre as associações estabelecidas entre duas variáveis, utilizou-se o Teste Qui Quadrado(12). Considerando que tal teste só deve ser aplicado quando menos que 20% das observações forem inferiores a cinco, alguns testes de associações entre variáveis foram interpretados a partir da análise do Resíduo Ajustado (RA) desse Teste (RA > 1,96 implica associação estatisticamente significativa)(13). Utilizou-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) na versão 10.0 for Windows para dinamizar a organização dos dados e realizar os testes estatísticos necessários.

A análise qualitativa seguiu a técnica de análise de conteúdo, na modalidade de análise temática(14). Neste artigo são apresentados os resultados referentes à categoria temática Resolutividade na Visão dos Usuários.

Quanto aos aspectos éticos, obteve-se aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde a pesquisa foi realizada (Parecer 38/05). Foram respeitadas as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, buscando oferecer o máximo de benefícios e o mínimo de riscos e danos aos participantes, usuários do serviço. Foi garantido o anonimato, de forma que na apresentação dos resultados são utilizados códigos ao se referir aos participantes (E, de entrevistado, seguido do número da entrevista). Para cada participante exclusivamente da etapa quantitativa, forneceu-se uma folha explicativa e para os sujeitos selecionados também para a etapa qualitativa, que responderam à entrevista semi-estruturada, forneceu-se um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Em relação à obtenção de resolutividade, evidenciou-se que 34,4% dos usuários consideravam que o serviço sempre resolvia seus problemas, 26,9% disseram obter resolutividade na maioria das vezes, 32,3%, às vezes e 6,5% nunca encontravam resolutividade para seus problemas de saúde. A soma de percentuais de usuários que consideraram que o serviço sempre ou na maioria das vezes resolvia seus problemas atingiu 61,3%.

A visão dos usuários sobre resolutividade da assistência está relacionada com aquilo que eles identificam como sendo a solução para os seus problemas de saúde. Desse modo, a resolutividade da assistência está associada à realização de encaminhamentos para atendimentos especializados. Outro aspecto mencionado foi a resolução de problemas que se enquadram em programas desenvolvidos pelo serviço, a exemplo da Puericultura ou o controle e a prevenção de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes.

Por outro lado, foram encontrados obstáculos na obtenção de resolutividade, como a demora para conseguir encaminhamentos especializados, pois nesses casos o usuário era obrigado a esperar até mesmo pelo diagnóstico do seu problema e, consequentemente, pelo tratamento. Apesar de haver demora nas consultas com especialistas, 81,7% dos usuários responderam que a Unidade Básica de Saúde (UBS) os encaminhava a outro serviço nos casos de não ser plenamente resolutiva. Nesse sentido, evidenciou-se que para 50,5% dos participantes o serviço referendado sempre resolvia o problema de saúde em questão.

Entretanto, evidenciou-se em alguns casos que as dificuldades na obtenção de resolutividade se estenderam aos serviços aos quais o usuário era encaminhado. Entre essas dificuldades estão os longos caminhos percorridos pelos usuários, que foram encaminhados para diversos serviços, seguindo a hierarquia do sistema de saúde, até que encontrassem (ou não) a resolução de seu problema. Em alguns desses casos, o usuário mesmo desenhou a sua trajetória na busca de resolutividade, percorrendo, sem encaminhamentos, outros serviços que fossem mais responsivos ao seu problema.

A resolutividade obtida no próprio serviço foi associada aos programas desenvolvidos na UBS, muito ligados à prevenção (puericultura, verificação de pressão arterial, peso, glicemia), sendo essa uma das ênfases da Saúde da Família, também no sentido de controlar casos antes que necessitem de uma intervenção tecnológica de mais alta densidade.

Outra dimensão da resolutividade foi analisada a partir da concepção dos usuários quanto às mudanças que o serviço tem proporcionado em sua situação de saúde. Para alguns usuários o serviço de saúde não tem contribuído com melhorias no seu estado de saúde. Somente uma usuária considerou que sua saúde, de maneira geral, mudou positivamente, relacionando tal mudança ao trabalho desenvolvido pela ESF. Para outros, as mudanças proporcionadas pelo serviço no estado de saúde estavam relacionadas basicamente à proximidade geográfica da UBS em relação ao domicílio, pois facilitava o acesso geográfico e a obtenção de consultas.

A análise da satisfação geral com a UBS mostrou o índice de 86%, sendo que 50% dos satisfeitos ou 43% do total da amostra se disseram muito satisfeitos. Dos satisfeitos, 38,7% mencionaram regular satisfação e 11,2%, pouca. Existe associação estatisticamente significativa entre ter resolutividade às vezes e estar com pouca ou regular satisfação (Resíduo Ajustado: 2,1 e 3,1, respectivamente). Ter resolutividade na maioria das vezes ou sempre está estatisticamente associado com estar muito satisfeito (Resíduo Ajustado: 2,0 e 3,0).

Ao serem questionados se indicariam a UBS para terceiros, 74,2% responderam que sim. A partir desse dado, foi realizada associação entre resolutividade e indicação do serviço, obtendo-se o resultado de que existe relação estatisticamente significativa entre ter resolutividade e indicar o serviço para alguém (p < 0,001). Das seis pessoas que disseram nunca ter resolutividade, cinco não indicariam a UBS para outras pessoas. Já dos 32 que referiram sempre ter resolutividade, 29 indicariam o serviço a terceiros.

Os motivos de indicação ou não da UBS foram obtidos por meio de pergunta aberta, sendo que o motivo mais citado de indicação foi que o serviço é bom (n=31) e o menos citado, que o serviço resolve os problemas (n=5). Para não indicação da UBS a terceiros, o motivo predominante (n=13) foi a categoria de "outros", que inclui: ter que ir para a fila de madrugada, serviço é precário, às vezes está fechado, atendimento é frio e demorado, há outros serviços melhores. Outros dois motivos de não indicação do serviço e que apresentaram a mesma freqüência (n=7) são que o mesmo não resolve os problemas e que não adianta indicar porque trabalha com área geográfica fechada, não atendendo quem não residir nela.

Foram identificadas longas trajetórias percorridas pelos usuários, que nem sempre terminavam com o problema resolvido. Ao se considerar as trajetórias em busca de atendimento e compará-las aos altos índices de satisfação e de resolutividade referidos, foram evidenciadas contradições, pois em poucos momentos houve resolução no primeiro nível de atendimento. Ou seja, para os usuários mesmo que o problema não tenha sido resolvido no serviço de saúde, eles demonstravam satisfação com a atenção recebida, o que algumas vezes correspondia à resolutividade.

DISCUSSÃO

A soma dos percentuais de obtenção de resolutividade sempre ou na maioria das vezes, encontrada nesta pesquisa (61,3%), se aproxima dos achados de estudo acerca da opinião de usuários sobre a assistência prestada por uma equipe de Saúde da Família de um município do estado de São Paulo, no qual foi evidenciado o índice de 68,8% de resolutividade(5). Entretanto, a análise dos percentuais de resolutividade evidencia que há pouca diferença entre os usuários que consideraram que o serviço de saúde sempre resolvia seus problemas e os que mencionaram que às vezes resolvia.

Apesar do alto percentual de usuários que consideraram que havia resolutividade no serviço de saúde, a análise dos resultados qualitativos permitiu observar que, para alguns usuários, a resolutividade ou a falta de resolutividade está relacionada à obtenção de atendimento especializado. Essa concepção torna a resolutividade quase um sinônimo do encaminhamento para especialistas, o que dá indícios de que essa Equipe de Saúde da Família esteja funcionando como uma porta de entrada para o restante do sistema.

O caráter biomédico e centralizador das práticas de saúde na figura do especialista fazem parte do imaginário do usuário. Esse imaginário é uma construção social resultante de experiências e vivências dos próprios usuários, familiares, amigos nos serviços de saúde e expectativas criadas em torno das práticas de saúde. O usuário coloca no procedimento e no especialista toda a expectativa de ser cuidado e protegido, quando se evidencia que eles de fato não podem produzir o cuidado(15). São partes de um conjunto de ações que dependem de outros profissionais de saúde e de outras tecnologias. A oferta de ações de saúde e a prática desenvolvida pelos profissionais de saúde são alguns dos fatores que têm contribuído para a construção desse imaginário, visto que o usuário possui uma certa idéia do que o serviço pode oferecer baseado em experiências anteriores. Em conseqüência, os usuários passam a entender que só conseguirão resolução se encaminhados para especialidades médicas(15).

Em relação à demora e a outras dificuldades referidas pelos participantes sobre os encaminhamentos, outros estudos em Unidades de Saúde da Família também encontraram dificuldades em assegurar o acesso dos usuários aos serviços de mais alta complexidade(16,17). Supõe-se que quanto maior a resolutividade de um serviço, mais voltado e preparado está para atender as necessidades de saúde da população, mesmo que isto signifique encaminhá-lo para outro serviço para continuidade do atendimento(1).

Resultados de outros estudos também apontam dificuldades no referenciamento para a atenção secundária e terciária, comprometendo a integralidade no atendimento(16,17). A integralidade tem visibilidade a partir da resolubilidade da equipe e dos serviços, tendo significativo papel na busca de respostas para os problemas(18).

Ao se analisar o pouco impacto que a UBS teve sobre a saúde de seus usuários, segundo eles, essa situação se contrapõe a um dos sentidos da resolutividade: ser capaz de melhorar a situação de saúde dos indivíduos(5).

Apesar da evidência de que o serviço não tem proporcionado melhoria na saúde dos usuários, foi encontrado um percentual bastante elevado de satisfação, corroborando estudos semelhantes(5,18). Isso pode ser explicado pela baixa expectativa das pessoas em relação aos serviços públicos de saúde, como conseqüência da dificuldade de acesso, pois o simples fato de ser atendido já pode produzir satisfação(19).

Outro aspecto que tem sido considerado como responsável pela alta satisfação dos usuários, especialmente dos serviços públicos de saúde, é o viés de gratidão, que estaria relacionado com a relutância em expressar opiniões negativas, tanto pelo medo de perder o acesso ao atendimento, quanto pela relação de dependência aos profissionais(20).

Ficou clara a importância que a resolutividade tem para a satisfação dos usuários, pois é possível inferir que ter resolutividade na maioria das vezes ou sempre está associado com estar muito satisfeito, corroborando resultados de estudo que evidenciou que a promoção de resolutividade gera satisfação na clientela(21).

Reforçando o papel da resolutividade na concepção que os usuários constroem acerca do serviço de saúde, verifica-se que há relação entre obter resolutividade no serviço e indicá-lo para alguém. Entretanto, a obtenção de resolutividade foi o motivo menos citado de indicação. Já entre os motivos de não indicação, o fato de a UBS não resolver os problemas obteve o índice de aproximadamente 30% entre os 24 que não indicariam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aponta-se como limitação deste estudo o fato de não ter acompanhado os usuários nas trajetórias percorridas em busca da resolução de seus problemas. Dessa forma, estudos futuros poderão contemplar essas questões, acompanhando os sujeitos em suas trajetórias na busca pela resolutividade, a fim de realizar uma análise mais aprofundada do que vivenciam.

Ao se considerar que os usuários nem sempre tiveram o problema resolvido, e os altos índices de satisfação e de resolutividade referidos, foram evidenciadas contradições, pois em poucos momentos houve resolução no primeiro nível de atendimento. Tal constatação faz sugerir que sejam desenvolvidos estudos mais aprofundados sobre o impacto da atenção da Estratégia Saúde da Família na comunidade estudada, preferencialmente acompanhando os itinerários terapêuticos.

A visão dos usuários sobre resolutividade da assistência pauta-se no enfoque biologicista e fragmentado. Essa percepção se constrói, em parte, pelo o que é ofertado pelos serviços e pelos profissionais de saúde. Essa visão dos usuários sobre resolutividade da assistência é fundamental para a reorganização e aperfeiçoamento dos serviços de saúde, utilizando-se a análise de satisfação do usuário como medida de qualidade de atenção.

A reorganização do processo de trabalho em cada micro-espaço, considerando as diferentes realidades sanitárias, sociais e geográficas de cada comunidade pode tomar a resolutividade dos problemas de saúde e a satisfação de seus usuários como eixos norteadores, aliado ao financiamento público para a realização de ações que atendam às necessidades da população, bem como a inclusão dos usuários no planejamento das ações. Assim, profissionais de saúde e gestores podem construir intervenções mais adequadas, em função das necessidades e expectativas dos usuários.

A resolutividade pode ser alcançada por meio de um atendimento acolhedor, mediante responsabilização das equipes, com atitudes criativas e flexíveis, a partir das tecnologias disponíveis em cada nível de atenção. Considera-se resolutividade a resposta satisfatória que o serviço de saúde fornece ao usuário quando busca atendimento a alguma necessidade de saúde. Essa resposta não compreende exclusivamente a cura de doenças, mas também o alívio ou minimização do sofrimento e a promoção e manutenção da saúde.

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    Recorte da dissertação de Mestrado apresentada em 2006 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGENF/UFRGS).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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