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Estratégias de ensino do cuidado em enfermagem: um olhar sobre as tendências pedagógicas

Estrategias de enseñanza del cuidado en enfermería: una mirada sobre las tendencias pedagógicas

Teaching strategies of nursing care: a look on pedagogical trends

Resumos

Determinar estratégias de ensino para os conteúdos e conceitos imbricados no cuidado, configura-se em um desafio para educadores na área da enfermagem. Este estudo é de caráter qualitativo, descritivo-exploratório, cujo objetivo foi conhecer as estratégias empregadas para ensinar o cuidado em enfermagem, utilizadas por dez enfermeiros professores do curso de Enfermagem de uma universidade na região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. As informações foram coletadas pela técnica de Grupo Focal, no período de junho de 2004 a março de 2005. Da análise temática dos dados resultou a categoria Estratégias de Ensino do Cuidado, com as subcategorias demonstração, exposição, observação e discussão. As evidências apontam para tentativas de substituir a proposta tradicional de transmissão de conteúdos, sem, apresentarem, efetivamente, outra tendência pedagógica que não a tradicional. Conclui-se que a competência técnica ainda é privilegiada, desconsiderando o aprendizado voltado para o desenvolvimento de postura crítica e reflexiva.

Ensino; Aprendizagem; Estratégias; Educação em enfermagem; Cuidados de enfermagem


Determinar estrategias de enseñanza para los contenidos y conceptos imbricados en el cuidado, se configura en un desafío para educadores en el área de la enfermería. Estudio cualitativo se caracteriza por ser descriptivo-exploratorio cuyo objetivo fue conocer las estrategias empleadas para enseñar el cuidado en enfermería, utilizadas por diez enfermeros maestros del curso de enfermería de una universidad en la región metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande del Sur, Brasil. Las informaciones fueron colectadas por la técnica del Grupo Focal, en el periodo de Junio de 2004 a Marzo de 2005. Del análisis temático de los datos resultó la categoría Estrategias de Enseñanza del Cuidado, con las sub categorías demostración, exposición, observación y discusión. Las evidencias apuntan hacia intentos por sustituir la propuesta tradicional de transmisión de contenidos, sin presentar otra tendencia pedagógica que la tradicional. Se concluye que la competencia técnica aún es privilegiada, desconsiderando el aprendizaje volcado para el desarrollo de postura crítica y reflexiva.

Enseñanza; Aprendizaje; Estrategias; Atención de enfermería; Cuidados de enfermería


To determine the teaching strategies adequate for the contents and concepts imbricated in care is a challenge for nursing educators. This qualitative, descriptive and exploratory study aimed to know the strategies applied to teach nursing care used by ten nurses, professors of the Nursing Department in a University in the metropolitan area of the city of Porto Alegre, state of Rio Grande do Sul, Brazil. The information was collected through the Focal Group technique, from June 2004 to March 2005. The thematic analysis of the data resulted in the category Strategies to Teach Care, with the sub-categories demonstration, exhibition, observation, and discussion. The evidences point to attempts of replacing the traditional content transmission notion, without, however, effectively showing another pedagogical tendency. We can conclude that the technical competence is still privileged, which leads to a disregard of the learning that aims at the development of a reflexive and critic stance.

Teaching; Learning; Strategies; Education, nursing; Nursing care


ARTIGO ORIGINAL

Estratégias de ensino do cuidado em enfermagem: um olhar sobre as tendências pedagógicas

Teaching strategies of nursing care: a look on pedagogical trends

Estrategias de enseñanza del cuidado en enfermería: una mirada sobre las tendencias pedagógicas

Daniele Delacanal LazzariI; Eva Neri Rubim PedroII; Márcia Otero SanchesIII; Walnice JungIV

IMestre em Educação nas Ciências, Docente do Curso de Enfermagem da Faculdade Nossa Senhora de Fátima, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil

IIDoutora em Educação, Professora Associada da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIMestre em Enfermagem, Diretora do Curso Técnico de Enfermagem do Colégio Romano Santa Marta, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IVEspecialista em Educação, Professora do Curso Técnico de Enfermagem do Colégio Romano Santa Marta, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Daniele Delacanal Lazzari Av. Loureiro da Silva, 1688, ap. 801, Cidade Baixa 98050-240, Porto Alegre, RS E-mail: danielelazza@gmail.com

RESUMO

Determinar estratégias de ensino para os conteúdos e conceitos imbricados no cuidado, configura-se em um desafio para educadores na área da enfermagem. Este estudo é de caráter qualitativo, descritivo-exploratório, cujo objetivo foi conhecer as estratégias empregadas para ensinar o cuidado em enfermagem, utilizadas por dez enfermeiros professores do curso de Enfermagem de uma universidade na região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. As informações foram coletadas pela técnica de Grupo Focal, no período de junho de 2004 a março de 2005. Da análise temática dos dados resultou a categoria Estratégias de Ensino do Cuidado, com as subcategorias demonstração, exposição, observação e discussão. As evidências apontam para tentativas de substituir a proposta tradicional de transmissão de conteúdos, sem, apresentarem, efetivamente, outra tendência pedagógica que não a tradicional. Conclui-se que a competência técnica ainda é privilegiada, desconsiderando o aprendizado voltado para o desenvolvimento de postura crítica e reflexiva.

Descritores: Ensino. Aprendizagem. Estratégias. Educação em enfermagem. Cuidados de enfermagem.

ABSTRACT

To determine the teaching strategies adequate for the contents and concepts imbricated in care is a challenge for nursing educators. This qualitative, descriptive and exploratory study aimed to know the strategies applied to teach nursing care used by ten nurses, professors of the Nursing Department in a University in the metropolitan area of the city of Porto Alegre, state of Rio Grande do Sul, Brazil. The information was collected through the Focal Group technique, from June 2004 to March 2005. The thematic analysis of the data resulted in the category Strategies to Teach Care, with the sub-categories demonstration, exhibition, observation, and discussion. The evidences point to attempts of replacing the traditional content transmission notion, without, however, effectively showing another pedagogical tendency. We can conclude that the technical competence is still privileged, which leads to a disregard of the learning that aims at the development of a reflexive and critic stance.

Descriptors: Teaching. Learning. Strategies. Education, nursing. Nursing care.

RESUMEN

Determinar estrategias de enseñanza para los contenidos y conceptos imbricados en el cuidado, se configura en un desafío para educadores en el área de la enfermería. Estudio cualitativo se caracteriza por ser descriptivo-exploratorio cuyo objetivo fue conocer las estrategias empleadas para enseñar el cuidado en enfermería, utilizadas por diez enfermeros maestros del curso de enfermería de una universidad en la región metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande del Sur, Brasil. Las informaciones fueron colectadas por la técnica del Grupo Focal, en el periodo de Junio de 2004 a Marzo de 2005. Del análisis temático de los datos resultó la categoría Estrategias de Enseñanza del Cuidado, con las sub categorías demostración, exposición, observación y discusión. Las evidencias apuntan hacia intentos por sustituir la propuesta tradicional de transmisión de contenidos, sin presentar otra tendencia pedagógica que la tradicional. Se concluye que la competencia técnica aún es privilegiada, desconsiderando el aprendizaje volcado para el desarrollo de postura crítica y reflexiva.

Descriptores: Enseñanza. Aprendizaje. Estrategias. Atención de enfermería. Cuidados de enfermería.

INTRODUÇÃO

A enfermagem brasileira nasceu no Rio de Janeiro na década de 1920, sob influência das escolas americanas, caracterizando-se inicialmente por práticas primitivas e empíricas. Posteriormente, foi assumindo características de cientificismo, afastando-se do empirismo e do misticismo inicial e ensejando mudanças consistentes(1).

Durante muito tempo, as práticas profissionais e educativas do enfermeiro se voltaram para um caráter absolutamente técnico, devido ao fato de que os procedimentos de enfermagem constituíram-se na primeira demonstração de saber vinculados à profissão(2).

Estratégias de ensino inovadoras, tais como, simulações em computador, rounds, métodos de educação à distância e manequins interativos, estimulam professores e alunos a buscarem evidências na prática do cuidar e favorecem as ações em um ambiente clínico, seguro e controlado, sem riscos ou comprometimento do cuidado a ser ofertado. Estes cenários são desenvolvidos para permitir que o estudante utilize o conhecimento apreendido em sala de aula e incorpore habilidades de avaliação e criação, através das respostas do paciente sem expô-lo a risco real(3).

Em 1949, com a reforma do ensino de enfermagem no Brasil, ocorreu a publicação da Lei nº 775 e do Decreto nº 27.426 que visaram à uniformidade das práticas de ensino e estabeleceram a criação do currículo mínimo para formação de enfermeiro, respectivamente(4). A partir disso, percebeu-se um movimento que pretendia a mudança do enfoque dado anteriormente à aquisição de habilidades manuais, na tentativa de substituí-lo por uma atuação mais voltada ao humano e ao atendimento das necessidades do paciente.

A formação de professores no Brasil tem suscitado discussões, com o objetivo de entender os pressupostos teóricos e filosóficos que a permeiam. Acredita-se que as opções pedagógicas assumidas em determinados locais ou situações demonstram os objetivos e a ideologia daquele contexto. "Os processos educativos desenvolvem-se tendo como base uma determinada pedagogia, fundamentada, por sua vez, em uma teoria do conhecimento"(5). Assim, entende-se que ao escolher uma prática educativa possivelmente se está assumindo uma tendência pedagógica de ensino (ainda que de forma inconsciente).

Para entender a prática docente e o ensino do cuidado, faz-se necessário conhecer as diferentes tendências pedagógicas presentes no ensino no Brasil e que acabam influenciando a forma de ensinar enfermagem. A Pedagogia Liberal inclui as pedagogias Tradicional, Renovada Progressista, Renovada não-diretiva e Tecnicista e a Pedagogia Progressista, inclui as pedagogias Libertadora, Libertária e Crítico-social. Para melhor compreensão das mesmas, cada uma será explanada a seguir:

A Tendência Liberal Tradicional possui a função de preparar os indivíduos intelectual e moralmente para o desempenho de papéis sociais(6). Nessa pedagogia, o conhecimento é uma verdade absoluta repassada aos alunos. Utiliza-se o método de exposição verbal da matéria exigindo do aluno atitude receptiva e mecânica, independente de sua idade. Há o predomínio do saber, da autoridade do professor e da imposição de regras, face à passividade do aluno(6).

Na Tendência Liberal Renovada Progressista a escola assume a função de adequar-se às necessidades individuais, sendo o conhecimento concebido como resultado da ação e das vivências do indivíduo. Caracteriza-se pelo método de ensino baseado em motivação, experiências, solução de problemas e no aprender fazendo, e vê o professor como alguém que auxilia o desenvolvimento do aluno.

A Tendência Liberal Renovada Não Diretiva baseia-se na busca de conhecimentos pelos próprios alunos e na formação de atitudes. O professor assume o papel de facilitador da aprendizagem e parte do pressuposto que a modificação da percepção em relação à realidade garantirá a aprendizagem do aluno(6). Denominada de Pedagogia Não Diretiva baseada no pressuposto epistemológico do apriorismo(7), ou seja, sem prioridades, legitimando um regime de laissez-faire.

Na Tendência Liberal Tecnicista a escola assume o papel de modeladora do comportamento humano, tendo como principal objetivo a "produção" de indivíduos preparados para o mercado do trabalho, baseada no repasse de informações precisas, rápidas e objetivas, privilegiando a transmissão e recepção de informações e sua fixação pelo aluno. Esse é o modelo de Pedagogia Diretiva baseada no pressuposto epistemológico de sujeito e objeto, em que o sujeito (professor) é o detentor do saber, elemento central do conhecimento e, por sua vez, o objeto (aluno), "é tudo o que o sujeito não é"(7).

Por volta da década de 1970, começou-se a observar uma mudança no modelo de ensino para a Pedagogia Progressista que pretende analisar criticamente as realidades sociais e políticas do nosso país. Observa-se o surgimento das tendências: Libertadora, que tem como foco a atuação na Educação não formal, e busca levar professores e alunos a um nível de consciência da realidade em que vivem, com vistas à transformação social(6-8). A metodologia de ensino baseia-se no diálogo, na relação de igual para igual e na resolução das situações problemáticas. Esta tendência tem em Paulo Freire sua figura de maior expressão.

Outra tendência oriunda da Pedagogia Progressista foi a Libertária, na qual a escola influencia na transformação da personalidade do indivíduo, libertando-o e tornando-o capaz de autogerenciar sua vida. Os conteúdos são apresentados, mas não exigidos, a aprendizagem se dá informalmente. Na Tendência Progressista Crítico-Social ocorre a "compreensão de que a educação tem como tarefa primordial a difusão dos conteúdos vivos, concretos, indissociáveis das realidades sociais, e a escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática"(6).

A metodologia de ensino privilegia a aquisição de conhecimentos vinculados à realidade social, o professor colabora, mediando a busca da verdade pelo aluno, incentivando o interesse e o envolvimento deste com o seu aprendizado. Essa pedagogia também recebe o nome de Relacional baseada no pressuposto epistemológico de que o professor utiliza-se do seu conhecimento e saber para incentivar a construção do conhecimento com base nos aspectos culturais(7).

Em relação às práticas pedagógicas presentes no ensino de enfermagem no Brasil e que por sua vez, determinam as práticas educativas vinculadas à docência nessa área, cabe salientar que historicamente a formação acadêmica do enfermeiro no Brasil está direcionada a aspectos técnicos necessários à profissão baseada no repasse e transmissão de conteúdos ao aluno(5). Embora muitos enfermeiros desempenham a função docente, ao observarem-se os currículos de cursos de enfermagem no Brasil, percebe-se a ausência de disciplinas que se destinam a subsidiar a formação para a atuação na área acadêmica, bem como não se observam elementos pedagógicos como conteúdos curriculares obrigatórios. Até a década de 1980, no Brasil, alguns cursos de enfermagem contavam com disciplinas denominadas "Didática aplicada à Enfermagem", que embora se responsabilizassem por ministrar conteúdos voltados à questão de método e planejamento de aula, representaram a maior aproximação com conteúdos pedagógicos. Além disso, cursos de Licenciatura encarregavamse da formação de professores para educação básica, ou no caso da enfermagem, da formação técnica.

Quanto à prática pedagógica, embora a disposição atual volte-se para uma tendência libertadora e emancipatória, percebe-se certa dificuldade dos docentes de enfermagem na execução prática desse pressuposto e observa-se, ainda hoje, uma aproximação com a tendência liberal tecnicista pautada pelo espírito de moldar o aluno aos padrões de conhecimento e comportamento, objetivando a produção de indivíduos para atender às demandas do mercado, com base na transmissão de conteúdos, de forma rápida e objetiva(1-5).

Ao analisar criticamente as práticas pedagógicas e educativas presentes no ensino no Brasil e conseqüentemente na Enfermagem, salienta-se a predominância do modelo tradicional que dificilmente permite ao aluno e ao professor uma construção crítica e reflexiva(1-5). Porém, observa-se uma crescente tendência progressista que busca caminhos de superação da Pedagogia tradicional e conservadora, a partir da aproximação com outras ciências como a Sociologia, Filosofia, Psicologia e História. Este estudo justifica-se a partir do momento em que se percebe a necessidade de discutir as estratégias de ensino utilizadas na enfermagem, visando sua qualidade e constante aperfeiçoamento. Refletindo sobre as tendências atuais voltadas para a formação do enfermeiro, este estudo objetivou conhecer as estratégias empregadas para ensinar o cuidado em enfermagem, utilizadas por dez enfermeiros professores do curso de Enfermagem de uma universidade na região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

METODOLOGIA

Estudo qualitativo, descritivo-exploratório, realizado no período de junho de 2004 a março de 2005 em uma instituição de ensino superior na região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Foram sujeitos desta pesquisa, dez enfermeiros professores de um curso de enfermagem, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro docente em cursos de graduação com tempo superior a dois anos e aceitar participar voluntariamente da pesquisa.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Feevale (Protocolo nº 4.04.02.05.055) de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa em seres humanos(9).

Antecedendo o primeiro encontro, os sujeitos foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e sua participação. Aqueles que concordaram, receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), expressando sua concordância com a pesquisa. Preservou-se a identidade e o anonimato dos sujeitos pela adoção da nomenclatura "sujeito" (S1, S2, S3...).

A coleta de dados foi realizada apenas por uma moderadora, sem a presença do coordenador, previamente orientada sobre os objetivos do trabalho. Através de uma agenda de cinco encontros, com sessões de 45 a 90 minutos de duração, as discussões do grupo foram gravadas e norteadas por um roteiro, descrito no parágrafo as seguir, aplicando a técnica de Grupo Focal (GF), que preconiza a existência de um traço comum entre os sujeitos. O GF trabalha com a reflexão das "falas em debate" dos participantes, que discutem seus conceitos sobre determinado tema. Estes pontos de vista são abordados e refinados pelos participantes do grupo. Os encontros ocorreram em salas na própria instituição de ensino, onde os participantes da pesquisa eram vinculados.

A moderadora conduziu o debate quanto ao aprofundamento dos assuntos, norteando a discussão com questionamentos sobre as concepções e representações de cuidado no ensino da enfermagem, abordando as estratégias utilizadas pelos docentes. Mantiveram-se os mesmos participantes a cada reunião de grupo, sendo possível o resgate do tema a cada novo encontro. Para a interpretação e discussão dos dados utilizou-se a análise temática(10).

Após leitura minuciosa dos relatos dos sujeitos do estudo, as informações foram agrupadas em categorias e subcategorias. Para fins desse artigo selecionou-se a categoria denominada Estratégias de ensino do cuidado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na categoria Estratégias de Ensino do Cuidado, emergiram as subcategorias Exposição Dialogada, Demonstração, Observação e Discussão, como as utilizadas pelos docentes para ensinar o cuidado aos alunos. Relataram os participantes:

Utilizando a nós mesmos como ferramenta, eles [os alunos] observam e a partir daí, tomam suas posições (S1).

Eu penso que é mais ou menos isso: a maneira com que tu te posicionas frente ao paciente e ao aluno. Precisamos ser o exemplo. É atuar, ser, ver e refletir junto com eles (S2).

[...] Eu sempre digo para observar o que eu faço. O que eu faço é o que a enfermeira assistencial faz, logo é o que eles devem fazer (S3).

Os docentes utilizam a si próprios como exemplos para o ensino do cuidado, demonstrando que ensinam os alunos a cuidarem com base nas suas atitudes como enfermeiros, embora não tenham relatado a possibilidade disto configurar-se numa estratégia de ensino efetiva e nem reconheceram suas vivências como parte do processo de ensinoaprendizagem. Não houve menção a materiais didáticos estruturados, previsão de atividades ou leituras de materiais.

Ao utilizar-se como ferramenta, "instrumento" de ensino, os sujeitos deste estudo evidenciam uma estreita relação do cuidado com a técnica, remetendo-o à questão objetiva e vinculada à execução de procedimentos.

Resultado similar encontrou-se em um estudo realizado com docentes de uma instituição pública de ensino superior em São Paulo, que investigou as estratégias de ensino adotadas por professores em diferentes níveis de formação superior, evidenciando que os docentes utilizam suas próprias vivências, além da exposição de experiências pessoais aos alunos, como oportunidade de aproximação da vida real(11).

No entanto, os docentes parecem não reconhecer que esse "fazer" relaciona-se ao processo de ensino de maneira formal. Como o desempenho pessoal e a experiência profissional destes enfermeiros estão associados ao uso da intuição, questiona-se se a intuição seria possível de ser ensinada, aprendida ou mesmo medida(12). Da mesma forma a questão técnica de execução de tarefas parece permear os discursos. Evidencia-se isto nas seguintes falas:

Tu és uma ferramenta de trabalho mesmo porque tu executas uma série de atividades. Eles começam naquela idéia tarefeira: técnica, técnica, técnica (S1).

Técnica! E quando eles vêm pro estágio, o medo deles é fazer... [algum procedimento] e eu digo, [...] isto é o que de mais fácil vocês vão fazer nesse estágio, é o que há de mais simples na assistência (S2).

Peço que observem o que eu faço. Num primeiro momento, observamos a maneira como eles [os alunos] cuidam e depois discutimos sobre isto dizendo 'tu não observastes isso, a maneira como tu te colocastes com o paciente não é a correta'. Então, tu, professor, começa a reorientar (S3).

Ao relatarem a sua observação da forma como o aluno cuida, relacionam novamente o cuidado à execução de técnicas e a disciplinas práticas utilizando os verbos "fazer" e "executar". Considera-se importante o fato de que, durante a sua construção de conhecimento, é possível ao aluno desenvolver competências que lhe permitam observar a vida e os fatos de forma mais madura e consciente. Confirma-se com o depoimento a seguir:

Quando os alunos entram em estágio, só querem ver a parte técnica, mas durante o período, eles vão desenvolvendo habilidades e começando a enxergar os outros lados. Não somente a tarefa em si (S1).

Eu não sei a metodologia que utilizo, mas noto um diferencial de comportamento do início para o fim [do estágio] e os alunos também notam (S3).

No discurso dos docentes há uma ausência da referência ao seu papel como educadores-professores ou à metodologia utilizada para a prática de ensino demonstrando que o ensino está pautado somente na prática ou na exposição de suas vivências. Porém, evidencia-se a preocupação dos docentes em demover do aluno a ideia de que o cuidado seja essencialmente realização de tarefas, demonstrando a preocupação em fazer com que o discente compreenda o ser humano integralmente, como percebe-se a seguir:

Sempre damos um feedback [...] falamos sobre como ele está se saindo, até para que ele perceba que a assistência vai para além da técnica em si (S1).

Eu normalmente faço um trabalho diferenciado. Depois que fazemos as consultas de Enfermagem, por exemplo, entre o grupo eles colocam as dificuldades na condução daquela situação e todos opinam como teriam conduzido. Eu percebo uma diferença muito grande entre o início do estágio e o final. Eles detalham mais, conseguem ler mais as entrelinhas. Tudo através das suas próprias percepções (S2).

Observo que meus alunos importam-se muito mais com o olhar clínico, visando a realização das técnicas ou revisão dos procedimentos, que necessariamente com a prevenção ou promoção da saúde, por vezes, inclusive, nem mesmo trabalhando estes aspecto (S5).

O professor se preocupa em possibilitar a construção do aluno a partir do que foi experimentado concretamente por ele, como se as vivências fossem um modelo da realidade. Estes modelos dão a impressão de obter mais credibilidade e de legitimar um poder não reconhecido(12). Os depoimentos permitem a observação da importância relacionada à discussão e construção coletiva do cuidado, considerando as opiniões dos alunos, seus valores pessoais, princípios morais e éticos, bem como da sua história de vida. A idéia de feedback permite pensar que compartilhar experiências possibilita a construção contínua de conhecimento, caracterizando um permanente ir e vir, onde o aprendizado se consolida tanto para o aluno como para o professor. Assim se conhece as diferenças, as necessidades e características de cada aluno.

Achado similar é apontado em um estudo realizado com docentes enfermeiros e de outras áreas da saúde em um curso de graduação em enfermagem, demonstrando que este grupo prefere estratégias que valorizam e respeitam a diversidade e as vivências heterogêneas de seus alunos(13).

A abordagem supracitada permite a aproximação da educação em enfermagem com a tendência pedagógica progressista crítico-social em que a educação provém do imaginado até constituir-se de fato, em algo concreto e vivido pelo aluno e professor, contribuindo sobremaneira, para uma prática social efetiva(6,7-14). Nessa tendência educativa, o professor colabora principalmente mediando a busca da verdade pelo aluno, bem como o incentivando a construir e solidificar o seu aprendizado a partir do que foi vivido por ele (aluno)(6,7-9).

Percebe-se nesta realidade, uma tênue iniciativa por parte de professores quanto a motivar os alunos a desenvolverem o pensamento crítico e atitudes questionadoras, ou em promover a capacidade de questionar, analisar, refletir, levantar novas hipóteses e oferecer soluções. Isso foi evidenciado em falas como:

Procuramos trazer a nossa própria vivência, inclusive, as dificuldades pelas quais passei, e os questiono: o que vocês fariam no meu lugar?

(S1).

Deveria haver uma preocupação maior por parte dos professores em incluir atividades de reflexão e exercícios que planejem o cuidado de enfermagem de formas variadas(12-15,16), conforme se percebe a seguir:

O professor tem que se preocupar em buscar novidades sempre, materiais novos para ilustrar ou provocar a curiosidade do aluno. Podem ser com os modelos, manequins, revistas, artigos científicos, fotos, tudo o que incentive o processo de investigação do aluno (S1).

É um diferencial quando se tem vivência na disciplina em que se atua. Quando tu tens uma vivência maior tu podes trazer infinitas situações práticas, da tua realidade (S2).

Isso enriquece a aula e a torna bem dinâmica. Eles perguntam e querem saber, então existe uma troca porque eles também trabalham muito. Em sala de aula teórica eu também gosto muito de fazer assim, porque é enriquecedor, eles te questionam muito e se tu tens vivência sobre aquilo, então tu colocas essa vivência, exemplifica e tudo se torna mais claro! (S3).

A combinação de estratégias variadas proporciona ao estudante o desenvolvimento de competências pessoais, instiga o pensamento crítico e promove a discussão de questões que incorporem habilidades de avaliação, tornando o aluno mais confiante e participativo em sua própria trajetória acadêmica(17). A utilização de simulações, avaliações de plano terapêutico frente à resposta de paciente ao tratamento ou uso de estratégias de educação à distância, fazem com que o aluno não se resuma a apenas um olhar mudo, espectador de seu processo de formação.

Observa-se a importância conferida pelos professores à experiência prática e vivência na área do conhecimento relacionada à disciplina que ministram, uma vez que acreditam que essas experiências corporificam e consolidam seu conhecimento e, que, quando associadas à construção teórica e científica, garantem maior dinamismo e versatilidade ao ensino(14-18).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo evidenciam que o discurso do professor enfermeiro difere do seu ensino de cuidado e que as estratégias utilizadas pelos docentes pouco variam daquelas utilizadas há tempos, com enfoque no fazer técnico. As modalidades mais empregadas por estes sujeitos são a exposição e demonstração de técnicas e de procedimentos e o emprego de modelos, com uma tendência de ensinar nos moldes em que aprendeu e com base em uma observação consciente dos componentes situacionais.

As concepções de cuidado da realidade aqui pesquisada estão alicerçadas não somente em conteúdos formais, mas também em interações com os alunos através de comportamentos construídos ao longo de sua atividade profissional que carecem de fundamentação teórica, filosófica, humanística e política. Através desta abordagem os alunos identificam o comportamento de cuidar e se espelham neles, o que não caracteriza uma aprendizagem emancipatória, pois pouco oportuniza o desenvolvimento de postura reflexiva, problematizadora ou o estímulo à criatividade e à autonomia do discente.

Identificou-se fortemente presente no discurso dos participantes o modelo educacional convencional, dirigido à formação de mão de obra para o mercado de trabalho, com ênfase ainda nas habilidades técnicas. Este modelo favorece a acomodação, a aceitação e a adaptação às situações postas. Identificamos ainda a falta de envolvimento dos conteúdos de outras disciplinas tais como anatomia, fisiologia ou física, promovendo assim, a interdisciplinaridade.

Para os participantes deste estudo, o processo de cuidar relaciona-se intrinsecamente à dimensão temporal, ou seja, precisa-se de um tempo cronológico maior para aperfeiçoar a qualidade do tempo dispensado ao cuidado.

Evidenciou-se ainda com este estudo, uma lacuna no que tange à área pedagógica, pois as abordagens de ensino ainda são tradicionais, centradas no professor como detentor do saber, prevalecendo metodologias expositivas, que enfatizam a memorização de procedimentos e técnicas em geral, estruturados numa sequência de passos para que os alunos demonstrem as habilidades programadas.

Questiona-se sobre como o enfermeiro se prepara para ser professor, na intuição de que talvez a carreira acadêmica, de certa forma, represente algum status ao enfermeiro, uma vez que o fato de ensinar está vinculado ao saber científico e intelectual.

Recomenda-se a capacitação docente na área de ensino e que as instituições de ensino superior implantem centros de formação de seus professores, que promovam atualizações frequentes, incentivando assim o aprimoramento e a inovação de seus docentes, propondo novas formas de atuação que favoreçam o aprendizado e motivando-os a desenvolver conhecimento pessoal que auxilie no processo de ensino.

Recebido em: 17/10/2010

Aprovado em: 29/06/2011

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  • Endereço da autora:

    Daniele Delacanal Lazzari
    Av. Loureiro da Silva, 1688, ap. 801, Cidade Baixa
    98050-240, Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      17 Out 2010
    • Aceito
      29 Jun 2011
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