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Consciência sintática: prováveis correlações com a coerência central e a inteligência não-verbal no autismo

Resumos

OBJETIVO: Avaliar consciência sintática, coerência central, inteligência não-verbal, desenvolvimento social e da comunicação, comportamentos e interesses de crianças no espectro autístico e verificar suas prováveis correlações. MÉTODOS: Participaram dez sujeitos diagnosticados dentro do espectro autístico, que utilizavam linguagem oral para a comunicação, sendo oito do gênero masculino e dois do gênero feminino, com idades entre 4 anos e 9 meses e 13 anos e 4 meses (média de idade de 9 anos). Foram utilizadas as provas de: Consciência Sintática (Adaptada); Quebra-cabeça computadorizados com figura e fundo e somente com fundo; e Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial. Os pais dos sujeitos responderam ao protocolo Autism Diagnostic Interview - Revised (ADI-R). RESULTADOS: As crianças com autismo apresentaram desempenho em consciência sintática similar ao de crianças de desenvolvimento típico com 6 anos de idade. Do total, 60% das crianças apresentaram nível de inteligência não-verbal médio ou superior. Não houve correlações entre os desempenhos em consciência sintática e as outras variáveis testadas. CONCLUSÃO: Não houve relação entre o desempenho em consciência sintática e os resultados referentes a coerência central, inteligência não-verbal, falhas na interação social, dificuldades de comunicação e padrões restritos de interesses dos sujeitos com autismo. Os resultados fornecem indicações de que essas crianças parecem acompanhar o padrão de desenvolvimento em consciência sintática das crianças de desenvolvimento típico de 6 anos de idade, porém com atraso.

Transtorno autístico; Criança; Desenvolvimento da linguagem; Cognição; Avaliação


PURPOSE: To evaluate syntactic awareness, central coherence, non-verbal intelligence, social and communication development, interests and behavior of children with autistic spectrum disorders and to examine their probable correlations. METHODS: Participants were ten subjects diagnosed with autistic spectrum disorder, eight male and two female, with ages between 4 years e 9 months and 13 years and 4 months (mean age 9 years), who used oral language for communication. The following tests were used: Syntactic Awareness Test - Adapted (Prova de Consciência Sintática - Adaptada), Computerized jigsaw puzzles with picture and background and only with background; and Raven's Coloured Progressive Matrices - Special Scale. Subjects' parents answered the protocol Autism Diagnostic Interview - Revised (ADI-R). RESULTS: The children with autism presented syntactic awareness performance similar to that of 6-year-old children with typical development. Sixty percent of the subjects showed non-verbal intelligence at a superior or average level. There were no correlations between the performances in syntactic awareness and the other tested variables. CONCLUSION: There was no relationship between the performance in syntactic awareness and the results related to central coherence, non-verbal intelligence and social interaction deficits, difficulties in communication and restrict patterns interests of subjects with autism. The results suggest that these children seem to follow the development pattern of typically developing 6-year-old children in syntactic awareness abilities, only delayed.

Autistic disorder; Child; Language development; Cognition; Evaluation


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Consciência sintática: prováveis correlações com a coerência central e a inteligência não-verbal no autismo

Syntactic awareness: probable correlations with central coherence and non-verbal intelligence in autism

Cristina de Andrade VarandaI; Fernanda Dreux Miranda FernandesII

IPrograma de Pós-graduação (Doutorado) em Ciências da Reabilitação Humana da Faculdade de Medicina,Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cristina de Andrade Varanda Av. Mal. Floriano Peixoto, 277/801 Santos (SP), Brasil, CEP: 11060-303 E-mail: cristinavaranda@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar consciência sintática, coerência central, inteligência não-verbal, desenvolvimento social e da comunicação, comportamentos e interesses de crianças no espectro autístico e verificar suas prováveis correlações.

MÉTODOS: Participaram dez sujeitos diagnosticados dentro do espectro autístico, que utilizavam linguagem oral para a comunicação, sendo oito do gênero masculino e dois do gênero feminino, com idades entre 4 anos e 9 meses e 13 anos e 4 meses (média de idade de 9 anos). Foram utilizadas as provas de: Consciência Sintática (Adaptada); Quebra-cabeça computadorizados com figura e fundo e somente com fundo; e Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial. Os pais dos sujeitos responderam ao protocolo Autism Diagnostic Interview - Revised (ADI-R).

RESULTADOS: As crianças com autismo apresentaram desempenho em consciência sintática similar ao de crianças de desenvolvimento típico com 6 anos de idade. Do total, 60% das crianças apresentaram nível de inteligência não-verbal médio ou superior. Não houve correlações entre os desempenhos em consciência sintática e as outras variáveis testadas.

CONCLUSÃO: Não houve relação entre o desempenho em consciência sintática e os resultados referentes a coerência central, inteligência não-verbal, falhas na interação social, dificuldades de comunicação e padrões restritos de interesses dos sujeitos com autismo. Os resultados fornecem indicações de que essas crianças parecem acompanhar o padrão de desenvolvimento em consciência sintática das crianças de desenvolvimento típico de 6 anos de idade, porém com atraso.

Descritores: Transtorno autístico, Criança, Desenvolvimento da linguagem, Cognição, Avaliação

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate syntactic awareness, central coherence, non-verbal intelligence, social and communication development, interests and behavior of children with autistic spectrum disorders and to examine their probable correlations.

METHODS: Participants were ten subjects diagnosed with autistic spectrum disorder, eight male and two female, with ages between 4 years e 9 months and 13 years and 4 months (mean age 9 years), who used oral language for communication. The following tests were used: Syntactic Awareness Test - Adapted (Prova de Consciência Sintática - Adaptada), Computerized jigsaw puzzles with picture and background and only with background; and Raven's Coloured Progressive Matrices - Special Scale. Subjects' parents answered the protocol Autism Diagnostic Interview - Revised (ADI-R).

RESULTS: The children with autism presented syntactic awareness performance similar to that of 6-year-old children with typical development. Sixty percent of the subjects showed non-verbal intelligence at a superior or average level. There were no correlations between the performances in syntactic awareness and the other tested variables.

CONCLUSION: There was no relationship between the performance in syntactic awareness and the results related to central coherence, non-verbal intelligence and social interaction deficits, difficulties in communication and restrict patterns interests of subjects with autism. The results suggest that these children seem to follow the development pattern of typically developing 6-year-old children in syntactic awareness abilities, only delayed.

Keywords: Autistic disorder, Child, Language development, Cognition, Evaluation

INTRODUÇÃO

O autismo é um distúrbio de desenvolvimento que é definido a partir de critérios comportamentais, uma vez que marcadores biológicos não são conhecidos(1). É um transtorno vitalício caracterizado por falhas na interação social, na comunicação e a presença de repertório restrito de atividades e interesses.

A linguagem nos quadros autísticos tem sido alvo de várias pesquisas e o foco da maior parte delas é a pragmática. Resultados contraditórios de pesquisas feitas sobre o desenvolvimento gramatical entre sujeitos no espectro autístico têm sido comuns. Há pesquisadores que acreditam que o desenvolvimento gramatical no espectro autístico é relativamente preservado, enquanto outros já documentaram déficits gramaticais em suas investigações(2-4).

De maneira geral, esses estudos foram feitos sob a perspectiva linguística, que é uma das formas de se avaliar a metalinguagem. Dentro desta perspectiva, a metalinguagem é secundária à linguagem propriamente dita, e a avaliação metalinguística tem seu foco na produção verbal de forma a encontrar indicadores no uso da linguagem para referir-se a ela mesma. Há, porém, a forma psicolinguística de avaliação da metalinguagem, em que se avalia a linguagem como um objeto cujas características podem ser investigadas por meio de monitoramento explícito e consciente(5).

No discurso espontâneo, as crianças avaliadas muitas vezes não corrigem erros sintáticos por não estarem suficientemente motivadas a fazê-lo. Assim, os estudos que envolvem fala espontânea devem ser complementados pelo exame da habilidade em correção sintática, em uma situação mais controlada(6). A situação controlada de correção de erros sintáticos é feita por meio da abordagem psicolinguística, na qual o automonitoramento permeia o processo de correção e/ou julgamento de frases agramaticais.

Na presente pesquisa, a consciência sintática, atividade de natureza metalinguística que envolve processos cognitivos de gestões conscientes dos aspectos linguísticos(7), foi a habilidade escolhida para investigação. A consciência sintática pode ser definida como a capacidade de refletir sobre a estrutura sintática da língua. Assim, avaliá-la envolve não somente detectar o nível de desenvolvimento sintático, mas principalmente verificar as habilidades de pensar e analisar sobre os aspectos estruturais da língua de forma consciente.

Uma das teorias que explicam o autismo é a da existência de falhas na coerência central entre os sujeitos no espectro autístico. A coerência central refere-se ao estilo de processamento, focado em detalhes, proposto para caracterizar os transtornos do espectro autístico(8). Em geral, essa habilidade é avaliada por meio de testes que requerem o desempenho em tarefas que exigem o estilo cognitivo de processamento focado em detalhes (característico dos sujeitos no espectro autístico) em detrimento do estilo de processamento global (esperado entre sujeitos de desenvolvimento típico). As crianças com autismo tendem a ter melhor desempenho em tarefas que necessitem processar partes de informações, sem terem de levar em consideração o todo, quando comparadas às crianças de desenvolvimento típico(9-11).

Crianças do espectro autístico apresentam habilidade em perceber características individuais de uma entidade maior e montam quebra-cabeça com facilidade, mais orientadas pelas formas de cada peça do que pelas pistas contextuais da figura a ser montada(9-13). Nesta pesquisa, jogos de quebra-cabeça com figura e fundo e apenas com fundo foram criados para a verificação do desempenho em coerência central, uma vez que as crianças do espectro autístico parecem ser capazes de montar facilmente o quebra-cabeça com apenas o fundo e sem a figura, tão bem quanto o quebra-cabeça com figura e fundo. As crianças com autismo não teriam dificuldade de se orientar pelas formas particulares de cada uma das peças (só com o fundo e sem a figura), sem necessitar de pistas globais do contexto (com figura e fundo).

Os jogos de quebra-cabeça com fundo e figura e somente com fundo, criados para esta pesquisa, foram elaborados em uma versão computadorizada. Algumas das vantagens de se utilizar o computador tanto para testar quanto para tarefas de aprendizagem entre os sujeitos do espectro autístico foram mencionadas em pesquisas anteriores(14,15). A provável relação significativa de falhas na consciência sintática com déficits em coerência central, que é uma das teorias que explicam o autismo, poderá endossar a sintaxe como uma área descritiva do transtorno autista.

Além da verificação da relação entre o desempenho na consciência sintática e na coerência central, é importante que se estabeleçam parâmetros de desenvolvimento cognitivo que permitam entender os desempenhos destas crianças à luz do que é esperado em uma população de desenvolvimento típico. Para isso, a inteligência não-verbal foi escolhida como variável a ser testada, por meio das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial(16). Trata-se de um instrumento que mostrou ser eficaz na avaliação de crianças do espectro autístico(17-20), que mede a inteligência não-verbal, uma vez que com a escolha de padrões geométricos a influência cultural e linguística são anuladas(21).

Da mesma forma, as tarefas de consciência sintática são de natureza metacognitiva, o que implica no acionamento de alguns esquemas de ação que precisam ser planejados e autorregulados e que dependemda disponibilidade dos recursosdo executivo central. Desta forma, é esperado que as crianças do espectro autístico apresentem desempenhos em consciência sintática correlacionados positivamente aos desempenhos em inteligência não-verbal.

Para que possam caracterizar os quadros autísticos, as falhas na consciência sintática deverão apresentar uma relação significativa com os critérios que definem o autismo: prejuízos em desenvolvimento social, comunicação geral e interesses restritos, e comportamentos estereotipados. No caso específico dessa pesquisa, foi utilizada a Entrevista Diagnóstica de Autismo Revisada - ADI-R. Trata-se de um instrumento elaborado para eliciar uma gama completa de informações necessárias para produzir o diagnóstico de autismo, como também para avaliar qualitativamente o comportamento atual e auxiliar na avaliação de transtornos correlatos referenciados como transtornos do espectro autístico(22,23).

A entrevista é administrada aos cuidadores. A aplicação da entrevista requer uma grande quantidade de tempo, mas os cuidadores consideram a experiência confortável, porque têm a oportunidade de descrever aspectos importantes do comportamento de seus filhos, em suas próprias palavras(22).

As respostas obtidas na ADI-R(22,23) podem ser avaliadas a partir de dois parâmetros: o algoritmo de comportamento atual e o algoritmo diagnóstico. Para fins desta pesquisa, foi utilizado o algoritmo atual, que permite a descrição dos comportamentos atuais do sujeito e possibilita a interpretação qualitativa e quantitativa desses dados comparados aos desempenhos obtidos em outros testes, como a consciência sintática e coerência central. As informações obtidas por meio da ADI-R são agrupadas em três domínios: A) anormalidades qualitativas na interação social recíproca; B) anormalidades qualitativas na comunicação e C) padrões de comportamento estereotipados, repetitivos e restritos. O manual oferece parâmetros de codificação para obtenção de uma pontuação para cada uma das questões. A pontuação pode variar de zero a três, de acordo com o comprometimento e a severidade do comportamento avaliado. A existência de uma pontuação maior em determinada área avaliada significa que esta apresenta déficits mais significativos.

A pesquisa teve o objetivo de avaliar a consciência sintática, coerência central, inteligência não-verbal e desenvolvimentos social, da comunicação e dos comportamentos e interesses, de forma a verificar as prováveis correlações entre os resultados dos desempenhos nessas áreas.

MÉTODOS

A pesquisa foi realizada com a autorização da Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) sob número 0380/08. Os responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Sujeitos

Participaram dez sujeitos do espectro autístico, diagnosticados por psiquiatras, de acordo com os critérios propostos pelo DSM-IV e pela CID-10. Para ser incluído na pesquisa, o sujeito deveria fazer uso da linguagem oral para comunicação, ter disponibilidade em colaborar e responder aos testes e frequentar terapia fonoaudiológica semanal no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Distúrbios Psiquiátricos da Infância da Faculdade de Medicina da USP.

A coleta de dados com as mães demandou de três a seis sessões de 45 minutos cada; a aplicação de cada teste com a criança durou de uma a duas sessões de 45 minutos. Entre os dez sujeitos autistas, oito eram do gênero masculino e dois eram do gênero feminino, com idades entre 4 anos e 9 meses e 13 anos e 4 meses. A escolaridade e as características sócio-demográficas não foram fatores considerados relevantes para a caracterização da amostra. A idade cronológica não foi um fator considerado na seleção dos sujeitos. A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra.

Material e procedimento

Provas utilizadas com as crianças

Foram utilizadas provas para a avaliação dos sujeitos, de acordo com os objetivos específicos da pesquisa (Quadro 1).


- PCS (Adaptada): baseada na Prova de Consciência Sintática (PCS)

(24,25)

. Permite avaliar a habilidade metalinguística em um nível metafonológico. É dividida em quatro subtestes: julgamento gramatical, correção gramatical de frases agramaticais, correção gramatical de frases agramaticais e assemânticas e categorização de palavras.

O subteste de julgamento gramatical prevê que a criança julgue a gramaticalidade de vinte frases faladas pelo aplicador, que podem ter anomalias morfêmicas ou inversões de ordem. Na correção gramatical, a tarefa é corrigir as frases agramaticais faladas pelo aplicador. Quanto à correção gramatical de frases agramaticais e assemânticas, são apresentadas frases com incorreções tanto semânticas quanto gramaticais e o erro gramatical deve ser corrigido sem modificar o erro semântico. No que se refere à categorização de palavras, a criança deve ser capaz de agrupar diferentes palavras escritas, descritas por meio de figuras e faladas pelo avaliador, em três classes gramaticais diferentes: substantivo, adjetivo e verbo. Esse subteste foi adaptado com a inclusão de figuras que representam as palavras do teste original para possibilitar o entendimento das crianças não alfabetizadas ou em processo de alfabetização. Além disso, a conjugação dos verbos que passou a ser apresentada no infinitivo.

As figuras do subteste categorização de palavras foram desenhadas a lápis, em cartões de 10 X 10 cm de diâmetro, sobre fundo branco. Os cartões eram plastificados e continham um imã na parte de trás, que ficavam presos a um quadro de metal quando eram colocados nos espaços escolhidos pela criança.

O escore total na PCS (Adaptada) corresponde à soma dos acertos em cada subteste. Assim, a pontuação máxima é de 55 acertos.

- Quebra-cabeça com figura e fundo e Quebra-cabeça somente com fundo: Foram utilizados quebra-cabeça de 9, 12, 16 e 20 peças, elaborados como jogos informáticos, por meio do programa aplicativo Flash Jigsaw Producer. As figuras de menina, árvore, peixe e casa foram escolhidas por fazerem parte do repertório das crianças. A tarefa da criança era montar um quebra-cabeça com figura e fundo com determinado número de peças (9, 12, 16 ou 20) a depender de seu repertório cognitivo, estimado após observação clínica e análise dos dados fornecidos pela mãe ou responsável, por meio da Entrevista de Diagnóstico de Autismo Revisada - ADI-R (instrumento de avaliação utilizado com os pais). Em seguida, a criança deveria montar um quebra-cabeça com o mesmo número de peças, porém somente com um fundo liso e em uma cor, sem a figura. Ambas as tarefas foram cronometradas.

- Matrizes Progressivas Coloridas de Raven: para a avaliação da inteligência não-verbal dos sujeitos, foi utilizado o teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial. Neste teste, a examinadora mostra, em cada item, uma figura geométrica, reproduzida em papel, em que faltava uma das partes. A tarefa da criança era apontar qual parte da figura completaria o desenho principal, a partir de partes sugeridas e disponibilizadas abaixo da figura principal.

Material utilizado com os pais ou responsáveis

A Entrevista de Diagnóstico de Autismo Revisada (ADI-R - Autism Diagnostic Interview - Revised) foi utilizada para coletar informações que contribuíssem para a avaliação das habilidades de comunicação, de desenvolvimento social e de interesses e comportamentos relacionados aos transtornos do espectro autístico. A utilização desse protocolo buscou investigar de como se deu e como estava ocorrendo o desenvolvimento da comunicação, como eram as habilidades de interação social e quais os padrões de comportamento e interesses dos sujeitos. Por se tratar de instrumento ainda não validado para a língua portuguesa, à época de sua aplicação nesta pesquisa, a pesquisadora, que é tradutora juramentada, o utilizou em língua original, fazendo a tradução oralmente no momento das entrevistas.

Coleta de dados

Os responsáveis (nove mães e um pai) foram entrevistados, por meio do instrumento ADI-R, enquanto seus filhos participavam da sessão de terapia fonoaudiológica. O número de sessões variou de três a seis, a depender da objetividade da resposta dos entrevistados e da necessidade de esclarecimento de alguns fatos relatados que suscitaram dúvidas na pesquisadora.

Com a finalização das entrevistas, a pesquisadora aplicou os testes individuais, na sala de atendimento fonoaudiológico, no horário em que elas seriam atendidas pelas terapeutas usuais. As terapeutas, em geral, não participaram das sessões no início da coleta. No entanto, colaboraram com a aplicação dos quebra-cabeças, na versão eletrônica.

A aplicação da Prova de Consciência Sintática Adaptada - PCS (Adaptada), baseada na Prova de Consciência Sintática - PCS(24,25),foi feita oralmente, com exceção do subteste categorização de palavras. Neste subteste, o sujeito era orientado a olhar algumas figuras cujos nomes poderiam ser substantivos, adjetivos ou verbos. Depois de olhar a figura e escutar a palavra que correspondia à sua definição, deveria colocá-la em um tabuleiro de metal que estava dividido em três fileiras, cada uma destinada a uma categoria de palavras. O tempo de aplicação dessa prova foi de aproximadamente 30 minutos.

A montagem dos quebra-cabeças foi feita em um computador portátil. A tarefa era iniciada pela figura cuja montagem era a mais simples, neste caso, a figura da "menina", que tinha um total de nove peças. Em seguida, o sujeito deveria montar a figura de fundo que correspondia à figura da menina, sem a figura, somente com o fundo, e com o mesmo número de peças. Após as duas primeiras, as outras figuras a serem montadas foram: "árvore" com 12 peças e "fundo sem a árvore" com o mesmo número de peças, "peixe" com 16 peças e "fundo sem o peixe" com o mesmo número de peças e "casa" com 20 peças e "fundo sem a casa" com o mesmo número de peças. Os tempos de execução para cada figura foram anotados.

O teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial foi aplicado individualmente, segundo as orientações que constam de seu manual.

Registro e análise dos dados

As respostas dadas pelos responsáveis no ADI-R foram registradas pela pesquisadora em um caderno que continha as perguntas, bem como esclarecimentos sobre cada uma das questões e as áreas de investigação correspondentes. Esse caderno foi elaborado pelos autores do protocolo e traduzido, pela pesquisadora, para uso próprio.

As respostas dadas oralmente na PCS (Adaptada) foram registradas pela pesquisadora em um protocolo elaborado especificamente para essa finalidade por ela. O tempo utilizado para a montagem de cada figura do conjunto de figuras do quebra-cabeça foi anotado em formulário elaborado especificamente para essa finalidade.

As respostas do teste "Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial" foram anotadas em formulário elaborado pelos autores do teste. Após finalização das aplicações de todos os instrumentos, os dados foram analisados segundo os critérios propostos, tendo em vista os objetivos das análises desta pesquisa.

Análise estatística

Para examinar a covariância entre as variáveis (desempenho em consciência sintática, inteligência não-verbal, coerência central e dificuldades em comunicação, em interações sociais recíprocas e presença de comportamentos estereotipados e interesses repetitivos) utilizou-se o delineamento correlacional. Por se tratar de uma amostra pequena retirada de uma população que não se enquadra na distribuição normal, utilizou-se o teste não-paramétrico ρ de Spearman. Adotou-se nível de significância de 5% (0,05).

Em relação à intensidade da correlação, foram adotados os parâmetros do coeficiente ρ de Spearman que variam entre -1 e 1. Quanto mais próximo destes extremos, maior a associação entre as variáveis.

Especificamente em relação à classificação da intensidade das correlações entre as variáveis, foram adotados os valores recomendados pela BMJ - British Medical Journal: 0,00 - 0,19 ausente ou muito fraca; 0,20 - 0,39 fraca; 0,40 - 0,59 moderada; 0,60 - 0,79 forte; 0,80 - 1,00 muito forte(26).

RESULTADOS

Os resultados mostram as estatísticas descritivas de tendência central (média e mediana), dispersão (desvio-padrão) e tamanho de amostra (n) na PCS (Adaptada) e de seus quatro subtestes: Julgamento Gramatical (JG), Correção Gramatical (CG), Correção Gramatical de Frases Agramaticais e Assemânticas (FA) e Categorização de Palavras (CP). A pontuação bruta geral e de cada subteste corresponde à soma de acertos nos diferentes itens. São eles: 55 itens da PCS, 20 de JG, 10 de CG, 10 de FA e 15 de CP. A pontuação mínima obtida pelas crianças na PCS (Adaptada) foi de 16 pontos, a média de 24,4 e a máxima 46 pontos (Tabela 2).

Foram obtidos os tempos totais necessários para execução dos quebra-cabeças de 9, 12, 16 e 20 peças com figura e fundo e sem figura, em minutos e segundos, dos dez sujeitos avaliados (Tabela 3).

De todas as 36 situações de montagens dos quebra-cabeças com fundo e figura e somente com fundo, apenas em sete ocasiões o tempo gasto para a montagem do quebra-cabeça somente com o fundo foi menor do que a montagem do quebra-cabeça com figura e fundo (tempos gastos marcados em cinza). Isso representa apenas 19,4% das vezes. Em verdade, os sujeitos com autismo costumam não depender de pistas do contexto para a montagem dos jogos e assim, a montagem dos quebra-cabeças somente com o fundo (sem a pista contextual do desenho) demandaria tempo de execução similar nas duas modalidades de jogo. De maneira geral, os tempos gastos em ambas as situações (quebra-cabeça com figura e fundo e somente com fundo) foram próximos, com exceção do sujeito 3 no quebra-cabeça de 20 peças e o sujeito 4 nos quebra-cabeças de 16 e 20 peças. A diferença no tempo de montagem nas duas modalidades ficou em torno de cinco minutos (tempos gastos nas montagens em negrito). Esse resultado pode ter relação com a fadiga, já que foram justamente os quebra-cabeças montados na última parte da sessão.

Foi elaborado um gráfico com as médias dos tempos totais obtidas pelos dez sujeitos com autismo na montagem dos quebra-cabeças com figura e fundo e somente com fundo (Figura 1).


De acordo com a Figura 1, os sujeitos levaram mais tempo para a execução dos quebra-cabeças somente com o fundo. O sujeito 6 apresentou maior discrepância em relação às médias dos dois tempos de execução nas duas modalidades de quebra-cabeça.

Para a verificação das prováveis relações entre os desempenhos na PCS (Adaptada) e os tempos necessários para as montagens dos quebra-cabeças somente com o fundo e com a figura e fundo, foram feitas análises de correlação.

A partir da análise dos tempos totais gastos na montagem dos quebra-cabeças somente com o fundo e os resultados da PCS (Adaptada), por meio do Teste ρ de Spearman, foi possível verificar uma correlação negativa fraca (r=-0,333), porém sem significância (p=0,347).

Foi realizada a correlação entre o tempo total gasto na montagem dos quebra-cabeças somente com o fundo (Tempo Total Fundo - s) e os resultados brutos da PCS (Adaptada) (Figura 2).


A partir da análise dos tempos totais gastos na montagem dos quebra-cabeças com figura e fundo e os resultados obtidos na PCS (Adaptada), observou-se correlação negativa fraca (r=-0,261), também sem significância (p=0,467).

A correlação entre o tempo total necessário para a montagem dos quebra-cabeças com figura e fundo e os resultados brutos da PCS (Adaptada) pode ser observada por meio de gráfico (Figura 3).


Apesar de os gráficos contidos nas Figuras 2 e 3 apresentarem os pontos de dispersão em uma trajetória descendente, o que neste caso é esperado, o grau de relação entre as variáveis não tem diferença. Assim, os resultados na PCS (Adaptada)não apresentam correlação com os tempos gastos na execução dos quebra-cabeças. Assim, os melhores resultados na PCS (Adaptada) não têm relação com os menores tempos gastos na montagem dos quebra-cabeças.

Os resultados mostram, ainda, as estatísticas descritivas de tendência central (média e mediana), dispersão (desvio-padrão) e tamanho de amostra (n) da pontuação bruta no teste Matrizes Coloridas de Raven - Escala Especial e de suas três séries (A, AB e B) aplicadas a dez sujeitos com autismo. A pontuação bruta do teste é soma de acertos em todos os itens, em um total de 36 pontos. A pontuação geral e em cada série corresponde à soma de acertos nos itens que compõem o teste em cada série. São estes: 36 itens do Raven, 12 itens da série A, 12 da série AB e 12 da série B. A pontuação mínima obtida no teste Matrizes Coloridas foi de 10 pontos e a máxima de 30 pontos. A pontuação média obtida pelos sujeitos foi de 19,20.

A média de idade das crianças com autismo, no momento da aplicação do Raven, foi de nove anos de idade. Foram obtidos percentis a partir da pontuação obtida no teste Matrizes Coloridas de Raven - Escala Especial, com a classificação da inteligência não-verbal correspondente (Quadro 2).

Tabela 4


Dos dez sujeitos avaliados, 40% obtiveram classificação de inteligência não-verbal como "definidamente abaixo da media na capacidade intelectual". Outros 40% obtiveram classificação de inteligência não-verbal como "intelectualmente média". Apenas 20% dos sujeitos avaliados obtiveram classificação de inteligência não-verbal como "definidamente acima da media na capacidade intelectual". Assim, 60% dos sujeitos avaliados apresentaram inteligência não-verbal que não interferiria negativamente no desempenho de tarefas cognitivas.

A partir da análise da pontuação bruta no teste Matrizes Coloridas de Raven - Escala Especial e a idade cronológica dos sujeitos, foi possível verificar uma correlação positiva moderada (r=0,529), porém sem significância (p=0,116).

A partir da análise da pontuação bruta no teste Matrizes Coloridas de Raven - Escala Especial e os resultados na PCS (Adaptada), foi possível verificar uma correlação positiva fraca (r=0,359), no entanto também sem significância (p=0,309). A correlação entre a pontuação bruta obtida no teste Matrizes Coloridas de Raven - Escala Especial e os resultados na PCS (Adaptada) pode ser observada por meio de gráfico (Figura 4).


Apesar de o gráfico apresentar os pontos de dispersão em uma trajetória ascendente, o que, neste caso, seria esperado, o grau de relação entre as variáveis não tem diferença. Assim, os melhores resultados no teste Matrizes Coloridas de Raven - Escala Especial não apresentam correlação positiva significativa com os resultados na PCS (Adaptada). Desta forma, melhores resultados na PCS (Adaptada) não se relacionam com melhores resultados no Raven.

Foram feitas correlações entre pontuação bruta no teste Matrizes Coloridas de Raven - Escala Especial e os resultados obtidos nos subtestes Julgamento Gramatical (JG), Corrreção Gramatical (CG), Correção Gramatical de Frases Agramaticais e Assemânticas (FA) e Categorização de Palavras (CP) na PCS (Adaptada). Houve análises entre os escores totais no Raven, na PCS (Adaptada) e em seus quatro subtestes (Tabela 5).

Foi possível observar correlações de magnitude fraca a moderada em todos os subtestes, porém sem diferença em todas elas.

Da mesma forma, foi possível verificar, por meio do Teste ρ de Spearman, os coeficientes de correlação e as significâncias das respostas dadas pelos pais no ADI-R, divididas nas três áreas do protocolo: interação social (IN_SOC), comunicação (COM) e comportamentos estereotipados (COM_EST) e os resultados da PCS (Adaptada). Os resultados encontrados foram: ADI-R (r=0,244; p=0,497); IN_SOC (r=0,062; p=0,866); COM (r=0,297; p=0,405); COM_EST (r=-0,166; p=0,647).

DISCUSSÃO

Os resultados da avaliação da consciência sintática, por meio da PCS (Adaptada), indicaram um padrão de desempenho que acompanha o das crianças de seis anos de desenvolvimento típico.Parece haver apenas um atraso desse desenvolvimento em relação às crianças de desenvolvimento padrão.

A habilidade de categorizar palavras obteve pontuação maior do que a de crianças de desenvolvimento típico de seis anos. Levando-se em consideração que as crianças com autismo tinham média de idade cronológica de oito anos e nove meses, a habilidade de categorização de palavras mostrou-se bastante similar à das crianças de desenvolvimento típico. Na tarefa de categorização de palavras, os sujeitos tiveram apenas de classificá-las, segundo a classe gramatical. Esses resultados vão ao encontro dos dados obtidos em outro estudo, que verificou que a aquisição de morfemas gramaticais de crianças com autismo apresenta poucas diferenças em relação à aquisição de outras crianças pareadas em idade mental com síndrome de Down ou desenvolvimento típico(27).

A pontuação média obtida pelos sujeitos, 24,4, está praticamente dez pontos abaixo da pontuação média da Prova de Consciência Sintática - PCS(24) de sujeitos com seis anos de idade (cuja pontuação média é de 34,21) e de sujeitos da 1ª série do ensino fundamental (cuja pontuação média é de 32,31)(28). As crianças com autismo avaliadas, contavam, à época da aplicação da PCS (Adaptada), com uma média de idade de oito anos e nove meses e mediana de idade de oito anos e um mês. A disparidade aparece como um atraso de crianças com autismo nesse desenvolvimento em relação às crianças de 6 anos de desenvolvimento típico. Os resultados em toda a prova indicam que, apesar de o desenvolvimento sintático não divergir dos padrões normativos, esse desenvolvimento acontece mais lentamente ou começa a se desenvolver mais tarde(4).

Na avaliação da coerência central, por meio da montagem dos quebra-cabeças, pôde-se observar que as crianças com autismo tiveram desempenhos semelhantes nas duas provas (quebra-cabeça com figura e fundo e quebra-cabeça com fundo). Isso parece endossar a ideia de que falhas na coerência central favorecem a realização de tarefas que exijam processamento local, uma vez que a diferença entre os tempos gastos não foi expressiva. A expectativa era a de que essas crianças não apresentassem uma diferença significativa no uso do tempo para a montagem dos dois quebra-cabeças ou até utilizassem um tempo menor para a montagem do quebra-cabeça somente com o fundo. Uma criança de desenvolvimento típico leva mais tempo para a montagem do quebra-cabeça somente com o fundo, já que não dispõe de pistas da figura como um todo (bordas e pedaços da figura que somados formam uma figura concreta). Assim, já que os sujeitos não apresentaram diferenças no tempo gasto para a realização das duas tarefas, temos um forte indicador de que a coerência central pode estar comprometida. De maneira geral, o desempenho similar entre os dois tipos de quebra-cabeças corrobora a explicação de que falhas na coerência central ou estilo cognitivo focado em detalhes, entre sujeitos com autismo, facilitam a execução de tarefas que requeiram atenção direcionada às partes em detrimento do todo.

É importante lembrar que o conceito de falhas na coerência central para explicar a habilidade de sujeitos com autismo tem evoluído. Essa habilidade é chamada de estilo cognitivo focado em detalhes(8). Os indivíduos com autismo podem ter tendência a focalizar nos detalhes, mas por meio de esforço específico poderão extrair significado global de um evento ou situação(29). A teoria de falhas na coerência central não explica todos os aspectos do autismo, mas pode ser vista como uma parte da cognição no autismo. Além disso, qualquer teoria cognitiva que tente explicar o autismo deveria levar em consideração uma abordagem dinâmica e de desenvolvimento(29).

A consciência sintática não parece estar relacionada ao estilo cognitivo dos sujeitos a focar partes em detrimento do todo, uma vez que essas duas variáveis não apresentaram correlação negativa significativa. Em relação à inteligência não-verbal, pouco mais da metade dos sujeitos apresentaram níveis de inteligência não-verbal que favoreceriam um bom desempenho em tarefas cognitivas, uma vez que esse grupo foi classificado como "intelectualmente médio" e "definidamente acima da média na capacidade intelectual". Os melhores resultados no teste de inteligência não-verbal não se relacionaram com o avanço da idade dos sujeitos. Parece haver um desenvolvimento cognitivo idiossincrático, no que se refere à habilidade em inferir regras, gerenciar objetivos em uma hierarquia e elaborar abstrações de nível mais alto, que não se vincula ao avanço de idade cronológica entre esses sujeitos. O teste de inteligência não-verbal Raven indica uma medida de inteligência fluida(20). A realização de tarefas de inteligência fluidarequer função executiva coordenada, controle atencional e memória de trabalho. Nesta pesquisa, apenas 60% dos sujeitos teriam como realizar essas tarefas de inteligência fluida, sem prejuízo.

Os melhores resultados no teste de inteligência não-verbal não apresentaram relação com o aumento na pontuação em consciência sintática e em todos os seus subtestes: Julgamento Gramatical (JG), Correção Gramatical (CG), Correção Gramatical de Frases Agramaticais e Assemânticas (FA) e Categorização de Palavras (CP). Crianças de desenvolvimento típico, com média de idade de 9 anos, de escolas públicas do estado de São Paulo, obtiveram uma média de 20 pontos no RAVEN(30). Assim, comparando-se as crianças com autismo testadas nesta amostra com as crianças da amostra de São Paulo, não há uma grande discrepância entre os desempenhos de inteligência não-verbal nos dois grupos. O grupo de crianças com autismo teve uma média de desempenho de 19,20, com média de idade de 9 anos, contra as crianças de desenvolvimento típico, com a mesma média de idade, que obtiveram uma média de desempenho de 20 pontos.

Todas as áreas de desenvolvimento avaliadas (comunicação, interação social e gama de interesses restritos) não apresentaram relação com os resultados obtidos em consciência sintática. Apenas a área referente aos comportamentos estereotipados e interesses restritos apresentou correlação negativa com a consciência sintática, embora sem significância. Essa área abarca o levantamento de preocupações inusitadas, interesses restritos, rituais verbais, compulsões, maneirismos de mão e dedo ou do corpo, uso repetitivo de objetos, interesses sensoriais inusitados. A perseveração que permeia esses comportamentos pode estar relacionada à dificuldade do sujeito em responder a um teste como a Prova de Consciência Sintática que apresenta alguns itens parecidos distribuídos por subtestes diferentes. Durante a aplicação, alguns sujeitos perseveravam em algumas respostas, independentemente de terem ou não percebido a mudança de um subteste para outro.

CONCLUSÃO

Devido à variabilidade entre os sujeitos da amostra e à falta de dados estatísticos que corroborem a hipótese de que prováveis déficits na consciência sintática poderiam definir e caracterizar os quadros autísticos, os resultados deste estudo não são generalizáveis para a população de crianças com autismo. Os resultados das análises das correlações entre as variáveis indicaram não haver relação entre desempenho em consciência sintática e coerência central, inteligência não-verbal e falhas na interação social, na comunicação e padrão de interesses dos sujeitos com autismo.

No entanto, os resultados apresentados fornecem indicações de algumas diferenças entre o desempenho da consciência sintática das crianças com autismo e crianças de desenvolvimento típico. As crianças com autismo desta pesquisa parecem acompanhar o padrão de desenvolvimento em consciência sintática das crianças de desenvolvimento típico de 6 anos de idade, porém com atraso. A partir dos resultados do teste de inteligência não-verbal, pode-se inferir que 40% dessas crianças precisariam de apoio para o desenvolvimento e o refinamento da flexibilidade cognitiva que diz respeito às funções executivas e que requerem controle atencional adequado.

O desempenho em consciência sintática não apresentou relação com a inteligência não-verbal. Era esperado que quanto melhor o desempenho em inteligência não-verbal, melhores seriam os resultados em consciência sintática. A consciência sintática é uma atividade de natureza metalinguística e requer recursos do executivo central como o automonitoramento e a autorregulação para que possa ser realizada com sucesso.

As áreas de desenvolvimento afetadas pelo autismo (comunicação, interação social e presença de comportamentos estereotipados) não mostram relação com o desempenho em consciência sintática, ainda que na área de comportamentos restritos essa relação tenha aparecido (sem significância). Convém lembrar que esses resultados sobre o desenvolvimento das áreas afetadas pelo autismo foram atribuídos a partir de respostas fornecidas pelas mães das crianças. Isso implica em dizer que há a possibilidade de superestimação ou subestimação dessas dificuldades.

De maneira geral, os resultados apresentados indicam a necessidade da presença de algumas habilidades para o sucesso na execução dessas tarefas. Algumas delas são o automonitoramento, a autorregulação, a flexibilidade cognitiva e controle atencional.

O atraso no desenvolvimento sintático indica que as crianças com autismo, em princípio, possuiriam o aparato linguístico adequado para desenvolvimento e uso, como uma criança de desenvolvimento típico. As idiossincrasias aparecem na trajetória do desenvolvimento: mais lenta do que o esperado, não acompanhando o avanço de idade, não vinculada diretamente às dificuldades comuns ao autismo. Daí a necessidade do entendimento desses perfis a partir de uma perspectiva dinâmica e do desenvolvimento. Os perfis cognitivos dessas crianças podem ter interferência no desenvolvimento da sintaxe, na medida em que, por conta dessas peculiaridades cognitivas (funcionamento peculiar do executivo central, por exemplo), essas crianças não processam as informações linguísticas na mesma época ou na mesma velocidade que as crianças de desenvolvimento típico, nos momentos iniciais de exposição à linguagem.

Recebido em: 11/01/2011

Aceito em: 05/05/2011

Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica nos Distúrbios do Espectro Autístico do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Cristina de Andrade Varanda
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Aceito
      05 Maio 2011
    • Recebido
      11 Jan 2011
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