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PARTICIPAÇÃO DA(O) ENFERMEIRA(O) NUM PROGRAMA DE REABILITAÇÃO - RELATO DE EXPERIÊNCIA

I - INTRODUÇÃO

Fala-se muito em Reabilitação. Todos estamos informados de que a Reabilitação é a última etapa da Medicina - a prevenção terciária. No Brasil, há cerca de 13 (treze) Centros de Reabilitações Profissionais do INPS, que se propõem a ajudar o indivíduo com deficiência física a desenvolver condições para o retorno imediato ao trabalho. E outros novos Centros de Reabilitações estão sendo planejados e construídos, com a preocupação de eliminar barreiras arquitetônicas que dificultam o acesso daqueles que necessitam de seus serviços.

Fala-se muito em Reabilitação nas Escolas de Enfermagem. nas Instituições de Saúde, nos cursos de Pós-Graduação. E o que é Reabilitação? Quais os profissionais que devem integrar o grupo de trabalho de Reabilitação? Qual a participação da(o) Enfermeira(o) dentro deste contexto? Estas, foram algumas poucas das numerosas perguntas que nós, um pequeno grupo de enfermeiras procuramos responder, ao participar do planejamento de um Centro de Reabilitação em um Hospital Governamental.

II - CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE REABILITAÇÃO

Entendemos a Reabilitação como um processo educativo, criativo, dinâmico e progressivo, voltado para a identificação e exploração do potencial do indivíduo portador de limitação física. Através de recursos específicos procura-se ajudá-lo a desenvolver-se ao máximo, visando obter a segurança necessária para assumir ou reassumir o seu lugar na familia; na sociedade e no trabalho.

Os profissionais que se empenham no desenvolvimento do Processo de Reabilitação devem reconhecer as barreiras decorrentes da limitação funcional para o atendimento das necessidades básicas do indivíduo e aceitar o desafio de vencer ou reduzir ao máximo tais limitações; desta forma, espera-se oferecer a esta clientela, melhores condições de vida. Por outro lado, para que o processo se desenvolva e se consiga atingir objetivos a curto, médio e longo prazo, é imprescindível que se detecte e se mantenha a motivação de binômio paciente-família.

Na verdade, acreditamos que a confiança, a disposição e o querer dos profissionais, aliados à disposição e ao querer do indivíduo e família são os instrumentos básicos do Processo de Reabilitação.

A quem se destina

É conveniente esclarecer que a Reabilitação como nós a vivenciamos, se destina ao atendimento de pessoas adultas, portadoras de sequelas graves que limitam a sua participação como ser social. Tais sequelas podem decorrer de doenças crônicas progressivas, tipo reumatismo, diabete, moléstias cárdio pulmonares, metabólicas, neurológicas e outras. A Reabilitação também é indicada para aqueles indivíduos com sequelas de traumatismos graves que levam a paraplegia, tetraplegia, amputação, bem como, aqueles pacientes que, por terem ficado longo tempo imobilzado no leito ou em aparelhos de gesso, apresentam graves limitações articulares.

Igualmente se beneficiam do processo de reabiitação aqueles indivíduos com problemas sensoriais de causa genética, infecciosa ou traumática.

III - PROPÓSITO DA REABILITAÇÃO

Quando nos defrontamos com indivíduos deficientes físicos ou sensoriais a reação mais freqüente é de constrangimento, que se confunde com sentimentos de pena, rejeição, superproteção e outros que, de resto, nada constroem de positivo, seja para os indivíduos afetados, seja para seus familiares.

O Processo de Reabilitação, em um contexto amplo e global, procura descobrir o potencial latente e inexplorado, que existe em cada um dos reabilitandos. É um investimento feito no ser humano, procurando desenvolver, hipertrofiar os positivos de forma a superar os negativos. A proposição é fazer o indivíduo deficiente acreditar em si mesmo; no seu próprio desenvolvimento, valorizar-se como cidadão, sentir-se parte integrante da sociedade e, portanto, com direitos e deveres. E, dentre estes direitos e deveres se insere o trabalho, fator de crescimento pessoal e social. Desta forma a Reabilitação deve levar o indivíduo a se preparar funcional e emocionalmente para uma alternativa de trabalho condizente com sua capacidade.

Por outro lado, é necessário que a comunidade se conscientize de que todos têm o direito e a obrigação de colaborar dentro de suas possibiidades para o desenvolvimento comum. A comunidade cabe, portanto, acreditar na pessoa que existe dentro de cada um dos reabilitandos e abrir oportunidades de trabalho para reduzir a dependência e a marginalização do deficiente físico ou sensorial.

IV - O GRUPO DE TRABALHO

Considerando o indivíduo no seu contexto global bio-psico-sócio-espiritual é de se prever que na ocorrência da instalação de limitações funcionais, os prejuízos também sejam globais. Dada a natureza e extensão de tais prejuízos, preconiza-se que um grupo de profissionaís de áreas específicas trabalhem direta e sistematicamente com indivíduo e família.

Não raro, a instalação de uma deficiência física ou sensorial em um indivíduo, concorre para uma desestruturação da dinâmica familiar, com interferência no desempenho de papéis. Concomitantemente e como conseqüência, alterações outras ocorrem na área emocional, desencadeando ansiedade, tensão, insegurança, conflito de papéis e outros. Assim sendo, é indicado o concurso de Assistentes sociais, Enfermeiras, Fisioterapeutas, Fonoaudiólogos, Médico clínico e Médico fisiatra, Psicólogos e Terapeutas ocupacionais. Além desses, outros profissionais podem prestar sua contribuição no processo de Reabilitação: professora de educação de base, professora especializada em educação de deficientes visuais e deficientes auditivos, nutricionista, técnico de próteses e órteses. Pode-se prever que não se trata de um trabalho fácil, dada a sua própria natureza, exigindo de cada profissional, dentre outras, a habilidade no trabalho em grupo. É indispensável portanto, que se definam os objetivos e as competências de cada serviço, e as funções de cada profissional dentro do contexto da Reabilitação.

V - PARTICIPAÇÃO DA ENFERMEIRA

Inicialmente, norteamos nosso trabalho a partir da experiência vivida em Hospital de Ortopedia e Traumatologia. Naquela oportunidade, trabalhamos vários anos com pacientes hemiplégicos, paraplégicos, tetraplégicos, amputados, artríticos, portadores de raquitismo e de outras lesões graves do sistema locomotor. Concomitantemente, numerosos pacientes apresentavam problemática associada, com alterações nos sistemas cárdio-vascular, respiratório, urmario, gastro-intestinal, além de comprometimentos sensoriais - surdez e cegueira. Tivemos portanto experiências a nível de prevenção primária e secundária, e alguns princípios de prevenção terciária. Uma vez engajados em um Centro de Reabilitação necessitamos nos aprofundar na prevenção terciária, dentro de um contexto de grupo multidisciplinar. Dia a dia buscamos um aprofundamento, e melhor compreensão do nosso trabalho junto ao indivíduo com limitação física ou sensorial. A consulta bibliográfica foi constante; procuramos desenvolver a nossa observação, colhendo dados e aprendendo a partir da experiência grupal.

Sentimos, estar realmente no rumo certo, a partir da compreensão analítica do conceito de Enfermagem segundo Horta - "Enfermagem é a ciência e a arte de assistir o ser humano (indivíduo, família e comunidade) no atendimento de suas necessidades básicas; de torná-lo independente desta assistência quando possível pelo ensino do autocuidado; de recuperar, manter e promover sua saúde em colaboração com outros profissionais. Assistir em Enfermagem é: fazer pelo ser humano aquilo que ele não pode fazer por si mesmo, ajudar ou auxiliar quando parcialmente impossibilitado de se autocuidar; orientar ou ensinar, supervisionar e encaminhar a outros profissionais".

Ocorre que grande parte de nossa insegurança vinha da inexperiência para o ensino e treinamento de clientes-reabilitandos que apresentavam limitações mais graves, impedidos portando, de realizar o auto-cuidado. Tradicionalmente, numerosos aspectcs deste auto-cuidado eram e são ensinados em outros Cursos da Área da Saúde.

E nos perguntaram: "por que a enfermeira realiza tais atividades neste Centro de Reabilitação"?. A nossa resposta envolvia outras perguntas "Não é a enfermeira que no hospital recebe o paciente, numerosas vezes em situação de dependência total e o auxilia até que assuma a sua independência no auto-cuidado? Por que, quando esta mesma enfermeira trabalha em um Centro de Reabilitação onde são identificadas as mesmas necessidades dos indivíduos, não complementaria o trabalho iniciado no Hospital? Por que deverão ser criadas situações artificiais para treino do autocuidado por outros profissionais se a Enfermeira por definição pode assumir? Evidentemente que é necessário desenvolver uma série de habilidades para a(o) Enfermeira (o) assumir estn responsabilidade, mas urge que o façamos, para que não persista "o problema de interferência de outras profissões nas decisões que nos cabem por direito, pois que de fato não exercemos o poder".

Isto posto, o grupo sentiu-se encorajado, motivado e porque não dizer, responsável pela defesa dos direito da profissão numa forma de trabalho singular - a Reabilitação. Já nos sentíamos mais seguras em falar e de exercer a Enfermagem em Rebilitação.

Delimitados os campos de atuação multidisciplinar coube-nos trabalhar diretamente nas áreas de treinamento para o cuidado corporal, adequação social, higienização e ordem do lar e Educação em Saúde.

Na execução destas atividades junto aos clientes-reabilitandos - aplicamos o Processo de Enfermagem preconizado por Horta "dinâmica das ações sistematizadas e interrelacionadas que visam a assistência ao ser humano". Desta forma, numa 1.ª Avaliação do Cliente fazemos a coleta de dados, em seguida o Diagnóstico de Enfermagem e o plano assistencial. Este é desmembrado por prioridades com objetivos a curto, médio e longo prazo.

A execução do plano é feita através de atendimentos programados e progressivos onde tentamos reduzir ou vencer os níveis de dependência para o auto-cuidado e suprir as deficiências detectadas na área da saúde. A consecução destes objetivos se faz através do trabalho em duas áreas: treinamento de habilidades e programa de Educação para a Saúde:

Área de treinamento

  1. 1. Mecânica corporal; correção de vícios posturais e prevenção de deformidades.

  2. Mobilidade: no leito, em macas e cadeira de rodas, incluindo transferências para cadeira comum, vaso sanitário e carro.

  3. Cuidado corporal englogando: higiene da pele e anexos, vestir, despir, calçar, descalçar; nesta subárea de cuidado corporal, enfoca-se a prevenção de escaras. conforme a necessidade.

  4. Alimentação: englobando, identificação e localização dos alimentos no prato - no caso de deficiências visuais; utilização adequada dos talheres para auto-alimentação e identificação, seleção e preparo dos alimentos.

  5. Cuidado com vestuário: lavar, passar e guardar.

  6. Cuidados com pertences em geral. sapatos, pentes, escovas e outros.

  7. Cuidados com a aparência pessoal: escolha do vestuário, cuidados com os cabelos, pintura, depilação, barba e outros.

  8. Eliminações: implantação le métodos peculiares a fim de desenvolver o automatismo vesical e intestinal.

  9. Desempenho das atividades do lar: higienização e ordem.

  10. formação e/ou desenvolvimento de conceitos: formas, texturas, tamanhos.

  11. Desenvolvimento de funções específicas: orientação espacial, vestibular, comunicação, coordenação motora e outros.

Educação para a Saúde

A partir do conceito de Educação de Mann, "Todo homem que nasce neste mundo tem direito natural à Educação" Aliado este conceito à necessidade de levar o indivíduo a "conhecer e interpretar os efeitos de sua enfermidade" e de suas limitações, desenvolvemos um programa de Educação para Saúde. Esta programação abrange noções de:

  1. conhecimento do corpo humano.

  2. saneamento básico.

  3. prevenção de doenças (imunizações) e complicações.

  4. orientação da adequação dos tipos de lazer frente às incapacidades.

  5. prevenção de acidentes no lar e no trabalho.

  6. orientação e encaminhamento para os recursos da comunidade, Centros de Saúde, dentista, conforme as necessidades de cada cliente e com a participação do Serviço Médico e do Serviço Social.

Através destas noções, procura-se levar o cliente a compreender e assumir a utilização dos medicamentos que lhe são indicados, assim como a importância dos exames médicos periódicos.

Neste programa, estão inseridos aspectos de educação sexual, face à deficiência apresentada pelo cliente. Em se tratando de casal, o outro cônjuge também é convocado e orientado.

Durante a fase de avaliação - coleta de dados - podem ser identificadas necessidades de conhecer "in loco" as condições do domicílio e/ou interação do cliente e família neste ambiente. A programação da visita domiciliária consta, portanto, do plano assistencial; por ocasião desta, procura-se identificar barreiras físicas que dificultam ou impeçam a independência do cliente para o atendimento das necessidades de cuidados corporais e de desempenho de atividades no lar. A medida que se façam necessárias, dependendo das possibilidades, são indicadas alterações ou adaptações na planta física tais como: rampas, suportes nos sanitários e boxes de banho. Alterações na disposição do mobiliário, altura de camas e cadeiras, adaptações de rodinhas em cadeiras comuns e outros.

Os atendimentos são feitos de forma individual e/ou em grupo conforme requisitos pré-estabelecidos: tipo de treinamento para desenvolver habilidades de higiene corporal, cuidados e manipulação de sonda vesical e outros. Leva-se em consideração condições globais do cliente, tipo de limitação, idade, sexo, grau de compreensão.

A fase seguinte do Processo de Enfermagem, a avaliação do plano, é realizada através da verificação direta do progresso do cliente, de observação indireta no próprio Centro de Reabilitação, de informes obtidos de familiares durante entrevistas, das informações de outros profissionais e da verbalização do próprio cliente.

Conforme o progresso alcançado pelo cliente, por vezes é necessário rever o plano inicialmente traçado e estabelecer novos objetivos; como por ex.: paraplégicos com locomoção em cadeira de rodas que evoluem para a locomoção com auxílio de órteses e bengalas.

Neste Centro de Reabilitação, a função da Enfermeira é trabalhar diretamente com o cliente e família, em todas as etapas do processo de Enfermagem. Por se tratar de uma atuação fundamentalmente educativa, não pode ser delegada a outros membros da Equipe de Enfermagem. Estes, participam indiretamente do processo desempenhando atividades de suporte.

VI - CONCLUSÕES

Por se tratar de experiência singular, foram inúmeras as dificulades por nós enfrentadas. No entanto, graças ao sentimento de união do grupo, à perseverança e à determinação, conseguimos colocar os recursos da Enfermagem a serviço do individuo deficiente. Constatamos também que é possível e gratificante aplicar o Processo de Enfermagem no campo da Reabilitação.

VII - CONSIDERAÇÕES

  • - Considerando que a Reabilitação é a complementação do atendimento iniciado no ambiente hospitalar;

  • - Considerando que a/o Enfermeira/o deve estar capacitada/o para integrar o grupo multidisciplinar nos Programas de Reabilitação;

  • - Considerando que numerosas atividades de Enfermagem, estão sendo realizadas por outros profissionais.

VIII - RECOMENDAMOS

  • - Aos diretores de Escolas de Enfermagem a revisão de currículos para que sejam introduzidos os aspectos específicos de Reabilitação quando estes não integrarem seus programas, a fim de preparar profissionais para assumir seu papel no grupo de Reabilitação.

  • - Aos profissionais que trabalham no campo da Reabilitação a análise dc suas funções, para um melhor aproveitamento dos seus recursos técnicos.

  • CAMARÚ M. N., e Colaboradoras - Participação da(o) enfermeira(o) num programa de reabilitação - Relatório de experiência. Rev. Bras. Enf.; DF, 31 : 237-242, 1978.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1978
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