INTRODUÇÃO
A Enfermagem moderna vem ampliando o escopo de atuação na saúde em âmbito mundial. A presença do enfermeiro em espaços políticos e sociais, assim como nos três níveis de atenção à saúde (primária, secundária e terciária) demonstra a atitude multifacetada dessa atividade multiprofissional.
O amadurecimento da profissão e o caminho percorrido, na busca de consolidar a ciência de enfermagem, apresentam desenvolvimentos técnicos científicos da disciplina. Entre diversos avanços da categoria, o Processo de Enfermagem (PE) com suporte nas teorias de enfermagem, e a utilização de linguagem padronizada de enfermagem talvez sejam os maiores desafios contemporâneos.
A linguagem padronizada fomenta a autonomia no processo de cuidar, assim como propõe a compreensão do plano de cuidados pelos membros da equipe de enfermagem(1).
Tem-se discutido sobre a terminologia unificada, indispensável ao acesso das informações da Enfermagem nos sistemas de saúde, bem como ao desenvolvimento de sistemas de informação que subsidiarão o cuidado clínico de enfermagem à prática fundamentada em evidências(2).
Observação direcionada aos profissionais de enfermagem ao aplicar o processo de enfermagem refere-se à ausência de habilidades para realizar diagnósticos de enfermagem por meio de manejo com os sistemas de classificação, persistindo o cuidado tradicional baseado no modelo biomédico(3-4).
Ao reconhecer a educação em saúde como ferramenta de cuidado da Enfermagem, apresenta-se uma prática desafiadora, implicada em relações humanas de seres singulares, com demandas e enfrentamentos variados. Ao agregar educação que busque o resgate da cidadania dos sujeitos, nova aposta surge na prática educativa: uma clínica ampliada, com ênfase em novos conceitos e investimento no diálogo e nos saberes populares, promovendo encontro de conhecimentos, práticas e vivências dos grupos humanos para mudanças na saúde individual / coletiva(5). Propõe-se, assim, um cuidado clínico de enfermagem que potencializa encontros, respeita sujeitos e propõe ressignificação de vidas(6).
Dissociar saúde de práticas educativas não é plausível. Assim, justifica-se o planejamento de uma prática de enfermagem que seja testemunha de educação para emancipação do sujeito em coerência com o referencial teórico epistemológico. Diante do exposto, este estudo objetivou analisar a proposta de um plano educativo organizado por meio do Processo de Enfermagem (PE), utilizando a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®), fundamentado pela Teoria da Modelagem e Modelagem de Papel, a um grupo de mulheres.
A CIPE® versão 2011 é composta por sete eixos que orientam a composição dos enunciados: foco, julgamento, meios, ação, tempo, localização e cliente. Na composição de diagnósticos, deve-se incluir termo do eixo foco (área relevante para a enfermagem) e termo do eixo julgamento (opinião clínica) minimamente, podendo incluir na composição diagnóstica termos adicionais de outros eixos de acordo com a necessidade(7). Neste estudo, utilizaram-se os eixos foco e julgamento como componentes de criação dos diagnósticos, condensando as descrições do termo eleito de cada eixo para propor um conceito para o diagnóstico eleito.
As intervenções de enfermagem e os resultados de enfermagem utilizados foram os pré-coordenados (previamente enunciadas) pela CIPE® versão 2011, facilidade proposta por essa taxonomia que agiliza a sistematização, facilitando o elenco de intervenções e resultados(7).
A Teoria da Modelagem e Modelagem de Papel, proposta por Erickson, Tomlin e Swain, instiga enfermeiros a compor uma relação interpessoal e interativa com clientes, cuja investigação (modelo) determinará o planejamento (modelo de papel), pautado na visão de mundo do sujeito do cuidar, desencadeando, assim, intervenções de enfermagem(8).
A compreensão de mundo do outro, traduzida em necessidades, conhecimentos, desejos, dúvidas e motivações, ampara o processo de modelagem utilizado por enfermeiros na apreensão de sentidos e significados de mundo dos clientes. A modelagem de papel é a interação com o outro na facilitação e promoção da saúde, envolvendo a individualização do cuidado a partir do mundo do sujeito(9).
Reconhecem-se as singularidades dos seres, porém, apresentam-se cinco princípios similares entre os homens, direcionando a Enfermagem a intervenções subsidiadas pela unicidade das pessoas: construir confiança, o cuidado promove ou deve promover a empatia e o relacionamento de confiança necessários para o cuidar; promover a orientação positiva, o cuidado deve apontar para a autovalorização do outro, auxiliando, assim, na mudança de percepção de situação ameaçadoras; promover o controle percebido, o cliente deve saber que possui o controle sobre sua vida, devendo o profissional enfermeiro prover ou contribuir para tal percepção; promover pontos fortes, focando nas fortalezas, enfermeiros auxiliam na mobilização de recursos para enfrentamento das dificuldades; e estabelecer metas mútuas dirigidas para a saúde, as metas propostas devem objetivar o preenchimento das necessidades dos sujeitos e não as consideradas pela Enfermagem(8).
Nesse constructo teórico, a Enfermagem é compreendida como interação, relação. A facilitação, o nutrimento e a aceitação incondicional são três características propostas pela teoria ao definir a relação enfermeiro-cliente. A facilitação é o auxílio no reconhecimento e desenvolvimento dos pontos fortes do outro. O nutrimento é o complexo que agrega cognição, psicológico e afetivo em busca de um cuidar ampliado; enquanto a aceitação incondicional é compreender cada ser como único e importante. A Enfermagem apresenta-se como auxílio à adaptação do homem, na proposição do funcionamento psicossocial e espiritual ideal(8).
Neste estudo, utilizaram-se as bases conceituais propostas pelas teóricas na assistência de enfermagem a um grupo educativo, na interação inicial para coleta de dados, assim como no direcionamento do raciocínio clínico, ao elencar diagnósticos, resultados e intervenções que compuseram a proposta de sistematização do cuidado educativo.
MÉTODO
Estudo de caso realizado com grupo constituído por mulheres no período do climatério, que realizavam encontros semanais em Unidade Básica de Saúde da Família (UBASF) em Maracanaú-CE, coordenados por enfermeiras da Estratégia Saúde da Família (ESF) e profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Nesse grupo eram realizadas ações educativas com enfoque em temáticas variadas, como sexualidade, cidadania e autocuidado.
O encontro aconteceu em novembro de 2011, abrangendo o quantitativo de nove mulheres presentes no grupo. A abordagem qualitativa conduziu a produção e análise dos dados, guiados pelo Método Criativo e Sensível (MCS)(10), em que predomina a relação crítico reflexiva entre pesquisador e pesquisados, a estratégia da dinâmica grupal e observação participante, fomentando interação e diálogo.
Para a produção dos dados, realizou-se a dinâmica "Porta Retrato", em que se solicitou às mulheres a produção de um porta-retrato duplo a partir de duas questões norteadoras: o que me preocupa em relação a minha saúde? O que posso fazer para melhorar minha saúde?
As falas durante a dinâmica foram gravadas, originando o relatório de fonte primária dos dados após transcrição, subsidiados pelos registros em diário de campo realizados pela pesquisadora.
Mediante o corpus das transcrições, identificaram-se as principais preocupações em saúde e suas possibilidades de enfrentamento citadas pelas mulheres participantes. Utilizando o direcionamento teórico proposto por Erickson, Tomlin e Swain, realizou-se a modelagem da vivência e dos textos produzidos durante a dinâmica de criatividade e sensibilidade. Esse momento de modelagem associa-se à primeira fase do processo de enfermagem, coleta de dados, em que se investigou, conheceu e sentiram-se as necessidades do sujeito. O histórico de enfermagem utilizado para captação desse conhecimento apresentou-se nesse estudo pela dinâmica de criatividade e sensibilidade proposta.
A modelagem de papel foi direcionada pela CIPE®, versão 2011, na qual se descreveram diagnósticos, resultados e intervenções coerentes com as preocupações de saúde e possibilidades de enfrentamento propostos pelo grupo. O momento da modelagem de papel assemelha-se à fase de diagnóstico e planejamento da assistência. Nesse momento, a teoria em estudo respalda o processo que deve nortear as atividades para o alcance das metas desejadas. O planejamento da assistência é elaborado em consonância com os diagnósticos de enfermagem percebidos, em que foram propostas ações de cuidado e estabelecimento de metas, mantendo o caráter individual da assistência.
Em concordância aos preceitos éticos, o projeto ampliado da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, conforme protocolo nº11517349. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Os dados, obtidos por meio da dinâmica "Porta-Retrato", fruto da reflexão sobre a preocupação de um grupo de mulheres com a saúde, demonstraram a predominância de descontentamento com o aparecimento de doenças crônicas.
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e o Diabetes Mellitus (DM) foram os agravos mais citados, responsáveis por angústias no grupo. Os sinais e sintomas clínicos dessas patologias estiveram presentes nas formulações de preocupação com a saúde através das afirmações: aumento da pressão, perca de peso, dificuldade na visão, dormência dos dedos. A dor também se fez presente nos relatos: sinto muita dor nos pés, dor nos dedos, tenho dor de artrose, dor de cabeça.
Algumas mulheres relataram a preocupação com a família, o desemprego e a violência na sociedade como interferentes diretamente na saúde. A saúde, composta em sua instância biológica encontra-se em simbiose com o mundo social(8).
Conduzidos pelo movimento grupal e guiados pelos constructos apontados pela teoria da modelagem e modelagem de papel, optou-se pela proposição de diagnóstico central que representasse o âmago exposto pelo grupo.
Com base na CIPE® versão 2011(7), foi identificada nessa fase um diagnóstico, os resultados esperados e intervenções de enfermagem estão apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 Diagnósticos, resultados e intervenções propostos para a questão norteadora 1, com base na CIPE®. Fortaleza-CE, Brasil, 2012
Saúde prejudicada: processo dinâmico de adaptar-se, de lidar com o ambiente, satisfazendo as necessidades e alcançando o potencial máximo de bem-estar físico, mental, espiritual e social, não meramente a ausência de doença ou enfermidade; alterado, prejudicado ou ineficaz(7). | |
Resultados esperados | Intervenções de enfermagem |
Autocuidado eficaz(7). | Promover autocuidado: Auxiliar: Ajudar a começar ou a avançar alguma coisa para alguém(7). |
Apoio social(7). | |
Dor ausente(7). | Ensinar sobre manejo da dor: dar informação sistemática(7). |
Comportamento de busca da saúde(7). | Estimular comportamento de busca da saúde(7). |
Os relatos que emergiram a partir da questão norteadora sobre como essas mulheres poderiam melhorar a saúde, demonstraram conhecimento sobre possibilidades ampliadas de enfrentamento. Além da predominante ideia da realização de exercícios físicos, dieta balanceada e uso adequado de medicação, outros dispositivos foram divulgados: fé em Deus, participação em grupos, ir para festas, oração, dançar.
O Quadro 2 apresenta o diagnóstico central que emergiu como suporte para ações de educação em saúde com o grupo pesquisado.
Quadro 2 Diagnósticos, resultados e intervenções propostos para a questão norteadora 2, com base na CIPE®. Fortaleza-CE, Brasil, 2012
Conhecimento adequado: Conteúdo específico de pensamento, baseado em sabedoria adquirida, ou em informação ou habilidades aprendidas; cognição e reconhecimento da informação(7). | |
Resultados esperados | Intervenções de enfermagem |
Processo de tomada de decisão melhorado(7). | Reforçar capacidades: fortalecer alguma coisa ou alguém(7). |
Socialização eficaz(7). | Promover autoestima: Auxiliar: Ajudar a começar ou a avançar alguma coisa para alguém(7). |
Processo espiritual independente(7). | Proteger crenças religiosas: manter alguém ou alguma coisa a salvo, ou tomar precauções em face de alguma coisa(7). |
DISCUSSÃO
Optar por diagnóstico único para cada questão geradora parece coerente em momento inicial. Compreenderam-se relações educativas, assim como o processo de enfermagem como processos cíclicos. Portanto, iniciar um plano de cuidado a partir do cerne das preocupações e fortalezas constitui movimento de facilitação entre a enfermagem e os sujeitos, partindo de questões amplas que posteriormente conduza a minúcias. Esses pormenores surgiram no movimento de facilitação-nutrição-aceitação proposto pelas teóricas, construção que predispõe tempo e interação.
Identificar o diagnóstico "saúde prejudicada" como central reflete a ideia grupal da associação saúde-doença. A presença de doenças crônicas degenerativas, como HAS e DM, nesse grupo etário, apresenta desmistificação da predominância desses agravos no sexo masculino. Estudos apontam um desenho equalizador entre homens (53%) e mulheres (47%) no tangente a doenças crônicas, assim como apresentam adultos de meia idade mais vulneráveis a esses adoecimentos(11). Aceitar as preocupações de saúde e trabalhar junto a esse grupo, focando potencialidades, torna-se diretivo pela modelagem de papel, em que a Enfermagem interage, propõe e não impõe.
Diversos resultados e intervenções podem ser traçados em interlocução com o diagnóstico saúde prejudicada. Ao delinear-se um plano de cuidado pautado em promover, apoiar, ensinar e estimular, compromete-se com o proposto pela teoria que subsidia esse estudo em considerar o outro, em ajudar, facilitar e prover bem-estar, contanto com a participação, evitando intervenções verticalizadas e não participativas.
A mudança de comportamento faz-se necessário em qualquer processo de adoecimento. Em relação à HAS e DM, essa mudança de comportamentos proposta nos planos de controle dos agravos exigem continuidade e persistência, uma vez que as mudanças devem partir de valores e crenças(12).
Trabalhar com a dor em uma perspectiva de gestão, credita o sujeito como conhecedor de sua dor e de seu potencial adaptativo diante da realidade. Essa orientação pode e deve ir além de condutas farmacológicas, tendo em vista a origem de cada uma. Dores físicas podem advir de problemas biológicos ou somáticos, em que muitas vezes a intervenção medicamentosa não produz analgesia completa. Apresentar novas formas de enfrentamento da dor como a musicoterapia(13) instila a possibilidade de promover o controle percebido desse sujeito.
É cediço que a dor constitui-se o quinto sinal vital, e assim merece atuação da Enfermagem na valorização da queixa. Proporcionar a compreensão dos sujeitos sobre seu controle torna-se relevante ao cuidado humanizado(14).
Direcionar a proposta de intervenção com foco no autocuidado necessita desse sujeito apropriação do autocuidado, dos recursos e das ações necessárias à ação. A Enfermagem pode intervir elucidando intenções negativas e proporcionando ferramentas de cuidado pareadas aos recursos disponibilizados pelo indivíduo. Ao enveredar em ações educativas ativas, aproxima-se do referencial libertador e sociocultural, em uma perspectiva de prática transformada.
Essa ação de enfermagem estimula a busca pelo comportamento de saúde, o que favorece a promoção da condição de saúde do sujeito em processo de adoecimento.
O diagnóstico de enfermagem Conhecimento adequado surge do reconhecimento do saber do outro. O grupo não é vazio de conteúdo, e este necessita estar presente na sistematização do cuidar. Optar por esse diagnóstico exercita o uso da vivência dessas mulheres, provendo orientação positiva e explicitando pontos fortes em contextos que muitas vezes passam despercebidos.
Algumas mulheres apontaram as atividades físicas como enfrentamento aos problemas de saúde. Ao serem indagadas quantas realizavam exercícios, uma relatou realizar caminhada diariamente. Ao se propor a intervenção implementar terapia de atividade, foi identificado que momentos com dança e passeios à praia podem produzir nesse grupo algo mais que diversão e socialização, com a proposição de movimentar o corpo enquanto dança ou caminha.
O uso de mecanismos internos e externos de enfrentamento desvela a necessidade de interação, e o reconhecimento de si como seres relacionais. Os retratos confeccionados pelo grupo para simbolizar as condições de enfrentamento trouxeram gravuras da praia, encontro de mãos e corações simbolizando amor e paz como signos neutralizantes de problemas de saúde.
Nesse contexto, reforçar a capacidade dessas mulheres, trabalhar sobre bem-estar, autoestima e espiritualidade, apresentam-se interligados na promoção de autonomia, na apropriação dos processos decisórios e no desempenho individual e social dessas pessoas, proporcionando a promoção da autoestima positiva, bem como, a socialização eficaz.
Observou-se que as ações citadas nessa discussão apontam tecnologias de cuidado leves, que proporcionam conforto e bem-estar, assim como apresenta intervenções de interação, de escuta e reconhecimento. A utilização de instrumentais simples, como a promoção de diversão, sinaliza a possibilidade de repensar as intervenções educativas baseadas no modelo de mundo dos sujeitos, foco do cuidar, e não apenas pela ação em si, como também pelas possibilidades de encontros e desenvolvimento de afetos(15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível a utilização do processo de enfermagem na Atenção Básica em Saúde, primordialmente na área da educação em saúde. O modelo teórico da modelagem e modelagem de papel é consonante com a perspectiva educativa dialógica, direcionando para um cuidar educativo envolvido com o mundo do outro e por ele administrado. A Enfermagem assume papel de interação e facilitação.
Unificar a linguagem nessa proposta sistematizada, respaldada pela CIPE®, demonstra a fortaleza desta classificação. A CIPE® apresenta de forma clara e simples as possibilidades de diagnósticos, pensar em resultados e propor intervenções de enfermagem, considerando variabilidade cultural e os diversos perfis de clientes.