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Humanização na Terapia Intensiva: percepção do familiar e do profissional de saúde

RESUMO

Objetivo:

Compreender as percepções de familiares e profissionais de saúde sobre humanização na Unidade Terapia Intensiva (UTI) para direcionar a uma ação educativa.

Método:

Estudo exploratório-descritivo qualitativo, realizado em uma UTI nível III de um hospital público de Porto Alegre/RS com 14 sujeitos, sendo oito familiares e seis profissionais de saúde. Coleta de dados realizada por meio de: entrevistas semiestruturadas e grupo focal. Utilizou-se Análise de Conteúdo.

Resultados:

As categorias emergidas foram: acolhida; comunicação; profissionalismo ético e sensível; aspectos desfavoráveis; percepção sobre humanização; e religiosidade/espiritualidade.

Considerações finais:

Apesar dos sujeitos expressarem de maneiras distintas suas percepções sobre humanização, os dois grupos comparados elencaram iguais necessidades e prioridades para o aprimoramento da humanização na Terapia Intensiva. A partir dos resultados, criou-se um Manual Reflexivo de práticas assistenciais humanizadoras para os profissionais, um tabuleiro para facilitar a comunicação destes profissionais com os usuários e um guia de orientações aos familiares.

Descritores:
Humanização da Assistência; Cuidados Críticos; Educação em Saúde; Relações Profissional-Família; Pessoal de Saúde

ABSTRACT

Objective:

Understanding perceptions of family members and healthcare professionals about humanization at the Intensive Care Unit (ICU) to direct it to an educational action.

Method:

Exploratory descriptive and qualitative study conducted in an ICU level 3 of a public hospital in Porto Alegre, RS, Brazil, with fourteen subjects, eight family members and six healthcare professionals. Data collection carried out through semi-structured interviews and focus group. Content Analysis was used.

Results:

Emerged categories were: welcoming; communication; ethical and sensible professionalism; unfavorable aspects; perception on humanization; and religiosity/spirituality.

Final considerations:

Although the subjects have expressed their perceptions about humanization in different ways, both groups pointed out the same needs and priorities to improve humanization in Intensive Care. From the results, we created a reflective manual of humanizing assistance practices for professionals, a board to facilitate communication of these professionals with patients and a guideline book for family members.

Descriptores:
Assistance Humanization; Critical Care; Health Education; Professional-Family Relationship; Health Personnel

RESUMEN

Objetivo:

Comprender las percepciones de familiares y de los profesionales de salud acerca de la humanización en la unidad de cuidados intensivos (UCI) a fin de determinar una acción educativa.

Método:

Estudio exploratorio-descriptivo cualitativo, llevado a cabo en la UCI nivel III de un hospital público de Porto Alegre, Brasil, con catorce personas: ocho familiares y seis profesionales de salud. Para la recolección de datos se empleó entrevistas semiestructuradas y grupo focal, además del análisis de contenido.

Resultados:

Aparecieron las siguientes categorías: acogida; comunicación; profesionalismo ético y sensible; aspectos desfavorables; percepción acerca de la humanización; y religiosidad/espiritualidad.

Conclusión:

Aunque los participantes expresaron diferentes percepciones acerca de la humanización, los dos grupos estudiados manifestaron necesidades y prioridades iguales para mejorar la humanización en cuidados intensivos. Desde los resultados se estableció un Manual Reflexivo de prácticas asistenciales de humanización a los profesionales, un tablero para facilitarles la comunicación con los usuarios y un guía con orientaciones dirigido a los familiares.

Descriptores:
Humanización de la Atención; Cuidados Críticos; Educación en Salud; Relaciones Profesional-Familia; Personal de Salud

INTRODUÇÃO

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é um ambiente de internação hospitalar diferenciado, pois visa à manutenção da vida e à recuperação da saúde de pessoas que necessitam de um acompanhamento intensivo. Esta unidade demanda um alto custo devido à diversidade de recursos tecnológicos, com espaço físico distinto e avaliação clínica multiprofissional constante(11 Nogueira LS, Sousa RMC, Padilha KG, Koike KM. Clinical characteristics and severity of patients admitted to public and private ICUS. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [cited 2016 Jul 7];21(1):59-67. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n1/en_a07v21n1.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n1/en_a0...
).

No cenário da UTI, são comuns discussões acerca da assistência e da forma de trabalho dos profissionais de saúde. Frequentementesão questionados o modo de atuação desses profissionais, os quais são, inúmeras vezes, criticados por tomarem posturas tecnicistas e reducionistas do ser humano decorrentes das tecnologias e necessidades de ações imediatas características deste setor(22 Silva RC, Ferreira MA. The practice of intensive care nursing: alliance among technique, technology and humanization. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 7];47(6):1324-31. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n6/en_0080-6234-reeusp-47-6-01325.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n6/en...
). Além das competências específicas a cada profissional de saúde, é indispensável desenvolver competências unindo o saber técnico-científico e o domínio das tecnologias com a humanização e a individualização do cuidado para uma assistência de melhor qualidade(33 Camelo SHH. Professional competences of nurse to work in Intensive Care Units: an integrative review. Rev Latino-Am Enferm [Internet]. 2012 [cited 2016 Jul 7];20(1):192-200. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n1/25.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n1/25.p...
).

Pensar em uma prática assistencial que considere os usuários de saúde e seus familiares seres humanos com sentimentos e opiniões, não apenas como um objeto de trabalho dos profissionais de saúdeé uma necessidade urgente e desafiadora. Por isso, iniciaram-se estratégias governamentais a partir da publicação do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, em 2001, sendo essa estratégia modificada em 2003 para Política Nacional de Humanização (PNH)(44 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Série B. Textos Básicos de Saúde, cadernos Humaniza SUS. 2010.).

A PNH tem por objetivo difundir a prática da humanização em todos os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), caracterizada em ações como sensibilidade dos trabalhadores frente ao sofrimento das pessoas, fim dos tratamentos desrespeitosos, do isolamento das pessoas de suas redes sociofamiliares nos procedimentos, melhoria nos ambientes de trabalho, dentre outras, contudo as estratégias planejadas não progrediram por todos os campos da saúde(44 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Série B. Textos Básicos de Saúde, cadernos Humaniza SUS. 2010.).

Existe ainda escassez de discussões acerca das dimensões organizacionais, político-institucionais e sociais que envolvem projetos de humanização pelos profissionais da saúde(55 Silva AM, Sá MC, Miranda L. [Concepts of subject and autonomy in humanization of healthcare: a literature review of experiences in hospital service]. Saúde Soc [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 7]; 22(3): 840-52. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v22n3/17.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v22n3/17...
). Percebendo a necessidade de ampliar discussões e reflexões sobre a temática frente à observação de situações de despreparo dos profissionais para atender os usuários de saúde de maneira mais humanizada e seguindo os preceitos da PNH, surgiram provocações significativas para a compreensão dos problemas de pesquisa projetados para este estudo: Qual a percepção dos familiares sobre a humanização na UTI? Como os profissionais de saúde percebem a humanização na UTI e de que forma a implementam em suas práticas? Para responder a esses problemas, traçou-se como objetivo deste trabalho compreender as percepções de familiares e profissionais de saúde sobre humanização em UTI a fim de direcionar uma ação educativa neste setor.

MÉTODO

Aspectos éticos

Durante todo o processo desta pesquisa, foram respeitadas as exigências éticas e científicas fundamentais, na qual estão descritas as diretrizes e normas que regulamentam os processos investigativos que envolvem seres humanos(1010 Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília (DF) [Internet]. 2016 [cited 2016 May 24];(1): 44-6. Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf Portuguese.
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
). Os sujeitos pesquisados foram igualmente convidados, respeitados e informados sobre todos os direitos como informantes por meio da assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) os quais foram distintos entre os grupos de sujeitos pesquisados, devido às técnicas diferenciadas de coleta dos dados. A pesquisa somente teve início após aprovação no Comitê de Ética do hospital onde se localiza a UTI deste estudo.

Para garantir o anonimato dos entrevistados, os discursos foram nomeados pela letra “F” para o grupo dos familiares, numerados de acordo com a ordem em que foram entrevistados, sendo identificados por F1 a F8; e pela letra “P” para o grupo dos profissionais de saúde, numerados de forma aleatória, sendo identificados por P1 a P6.

Tipo de estudo

Caracterizou-se como um estudo de campo do tipo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa.

Cenário do estudo

A pesquisa foi desenvolvida em uma UTI de nível III localizada em um hospital de grande porte da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS). Para a escolha do cenário, levou-se em consideração a aprovação e o interesse dos coordenadores dessa UTI para o desenvolvimento desta pesquisa e o interesse em colaborar com o setor, direcionando os objetivos para o favorecimento e aprimoramento de ações mais humanizadoras a partir da percepção dos familiares e profissionais de saúde sobre a temática.

Fonte de dados

Os participantes foram formados por dois grupos de sujeitos, sendo o primeiro composto por oito familiares de usuários internados na UTI referida, utilizando a metodologia de entrevista semiestruturada e escolhidos de forma aleatória. Como requisito fundamental para esse grupo, padronizou-se: a idade igual ou superior a 18 (dezoito) anos; e que visitassem constantemente seus entes (pelo menos cinco dias de visita). Essa frequência de visitas foi confirmada pelo boletim de visitantes, disponível na recepção deste setor, acreditando ser este o tempo essencial para formulação de opinião sobre a temática proposta.

O segundo grupo constitui-se por seis profissionais, um de cada categoria da área de saúde que atuassem direta ou indiretamente com pacientes internados na mesma UTI do grupo dos familiares, utilizando a metodologia de grupo focal. Esses foram selecionados por amostragem intencional, a partir de observação prévia, constatando-se que demonstravam afinidade com a temática da humanização pelas ações executadas durante os processos de trabalho. Os métodos mistos combinam as formas múltiplas de coletas de dados que sejam compatíveis, dentro de um paradigma de pesquisa, supondo que haverá um entendimento melhor do problema pesquisado(66 Dal-Farra RA, Lopes PTC. [Mixed methods in education: theoretical assumptions]. Rev Nuances [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 7];24(3):67-80. Available from: http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/viewFile/2698/2362 Portuguese.
http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nu...
).

Coleta dos dados

A coleta de dados ocorreu nos meses de julho a agosto de 2015, em momentos diferentes para os dois grupos de sujeitos pesquisados. Para os sujeitos do grupo dos familiares, as entrevistas semiestruturadas aconteceram no mês de julho e foram norteadas por roteiro elaborado com base nos objetivos do estudo. O instrumento com perguntas fechadas e abertas foi organizado em duas partes. A primeira, com os dados sociodemográficos dos sujeitos, enquanto a segunda incluía questões relativas ao objeto do estudo, isto é, a humanização da assistência ao paciente, no contexto da UTI. As entrevistas foram realizadas individualmente, todas em horários próximos (antes ou após) a visitação dos pacientes no setor pesquisado, pois eram os melhores momentos para encontrar os familiares. As durações das entrevistas foram em torno de oito minutos cada, ocorrendo em sala reservada, garantindo assim o sigilo e o anonimato.

Com os sujeitos do grupo dos profissionais da saúde foram realizadas entrevistas em grupos focais. Ocorreram três encontros, em dias diferentes do mês de agosto, todos das 14 às 16h, portanto, com exatamente 2 horas de discussões e reflexões, também em sala reservada e liderados pela mesma pesquisadora a qual exerceu papel também de moderadora do grupo. Os seis sujeitos dessa categoria que aceitaram fazer parte desta amostra demonstraram igual representação e importância no grupo formado e participaram dos três encontros preestabelecidos, pensados e preparados com etapas bem definidas para atingir os objetivos das questões focais elaboradas.

A saturação dos dados foi o que determinou o número de sujeitos participantes do primeiro grupo. Ao segundo grupo, foram necessários seis sujeitos para atingir os objetivos propostos a partir das sessões grupais, em consonância com o número ideal de seis a oito pessoas, segundo a literatura, para esta metodologia(77 Boccato VRC, Ferreira EM. [Comparative study between focus group and verbal protocol in group in the improvement of controlled vocabulary in Physical Therapy: a qualitative - cognitive methodological proposal]. Rev Ciência Info Doc[Internet]. 2014 [cited 2016 Jul 7];5(1):47-68. Available from: http://www.revistas.usp.br/incid/article/view/63986/82232 Portuguese.
http://www.revistas.usp.br/incid/article...
-88 Gatti BA. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Liber livro; 2012.).

Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada com base na Análise de Conteúdo de Bardin, definida como um conjunto de técnicas de apreciação das comunicações, realizada por meio de procedimentos objetivos e sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens. Essa técnica pressupõe algumas etapas cronológicas, com vistas a garantir o rigor da análise, a saber: pré-análise (retomada dos objetivos da pesquisa e leitura flutuante do material para constituição do conjunto de documentos analisados e formulação de hipóteses); exploração do material (classificação e agregação dos dados e elaboração de possíveis categorias); tratamento dos resultados (com interpretações e discussões aliadas às reflexões embasadas na revisão bibliográfica do estudo)(99 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.). Com a análise dos dados, a pretensão foi conhecer a percepção dos sujeitos sobre a humanização, mediante as mensagens de conteúdo expressas pelos pesquisados, por entender que estas refletem os sentimentos e sensações vivenciados.

Todas as entrevistas individuais e em grupo focal foram gravadas em arquivos de áudio no formato mp4 e transcritas de modo literal. Posteriormente, foi confeccionado um mapa esquemático, desenhado em papel cartão, com as narrativas, o que proporcionou uma melhor organização e visualização destes dados.

RESULTADOS

Embora homens e mulheres tenham sido igualmente convidados a participarem da pesquisa, todos os sujeitos do estudo, nos dois grupos comparados, foram coincidentemente do sexo feminino.

A idade dos familiares oscilou entre 20 e 62 anos. Em relação ao tempo de hospitalização do paciente familiar, este variou entre seis a 150 dias, períodos semelhantes ao tempo de internação na UTI pesquisada, a qual foi de cinco até 141 dias. Apenas uma pesquisada relatou a experiência de ter este mesmo familiar internado previamente na mesma UTI em questão, por outras duas vezes, em períodos bem diferenciados.

O perfil sociodemográfico do grupo dos profissionais de saúde não foi pesquisado, pois se avaliou que a idade e o tempo de profissão não seriam significativos em relação à percepção sobre humanização. Considerou-se que entrevistas grupais com profissionais de diferentes formações acadêmicas e que trabalhassem na mesma UTI, seriam condições necessárias para o enriquecimento da temática. Assim, o universo pesquisado deu-se pelas profissionais: enfermeira, técnica de enfermagem, fisioterapeuta, nutricionista, médica e auxiliar administrativa, independentemente do tempo de serviço e de possuir ou não especialização na área da Terapia Intensiva.

A partir da análise temática dos conteúdos das entrevistas com os sujeitos do grupo dos familiares, emergiram seis categorias, decorrentes das falas mais significativas conforme o número de unidades de registros surgidas e que tratassem da humanização na Terapia Intensiva de acordo com objetivos do estudo. No entanto, ao comparar este grupo com o dos profissionais de saúde, identificou-se semelhança nas falas, permitindo e gerando as mesmas categorias e subcategorias para os dois grupos pesquisados, demonstrados a seguir.

Categoria 1: Acolhida

Esta categoria surgiu a partir das várias falas dos entrevistados sobre o valor da apresentação pessoal, de ser tratado pelo nome, ou seja, a importância de saber com quem e para quem se conversa ou simplesmente se expressa. Sentir-se acolhido, para os entrevistados, também envolve momentos afetuosos ou simplesmente ações decorrentes da comunicação não verbal como: o toque, um sorriso ou estar disponível para ouvir e aberto para entender as demandas.

Aqui não tenho reclamação e nunca tive em outras vezes que vim visitar outras pessoas, é tudo bem tranquilo. Sempre trataram bem, sempre se identificaram, não teve aquilo de, como se tu fosse assim porque aqui é um hospital, mas por trás disso tem o sentimento. Tá teu familiar ali, dói. Mas, às vezes, tu não queres vir, ninguém quer vir aqui, mas a gente é obrigada a vir, então se a gente é recebida com um sorriso já muda muita coisa [...]. (F7)

Acredito ser importante saber como o paciente está se sentindo. Como passou a noite, o que comeu. Promover palavras de autoestima como: “As coisas vão passar”, “São apenas períodos ruins”, “O senhor já melhorou bastante”. (P2)

As falas dos sujeitos pesquisados enfatizam a diferença do acolhimento pelos recepcionistas da UTI e pelos diversos profissionais da área da saúde. Por isso, na primeira categoria, denominada “Acolhida”, emergiram duas subcategorias que distinguem a acolhida: por parte da recepção e por parte dos profissionais de saúde.

Subcategoria 1: Acolhida por parte da recepção

O acolhimento por parte da recepção refere-se diretamente ao serviço destes profissionais que atendem na porta da UTI - muitas vezes, os profissionais de saúde não os conhecem, não sabem ao menos seus nomes, apenas que existem e que recepcionam os visitantes. Porém, pode-se evidenciar nas falas dos familiares que os recepcionistas são não figurantes, e sim profissionais lembrados, pela maioria dos entrevistados, como importantes acolhedores, mesmo não sabendo nem seus nomes.

Eu tava chorando muito, a recepcionista veio de lá e trouxe um pano pra mim, então ela foi muito querida e ela disse que eu podia ligar, porque eu não queria ir embora, mas ela fez eu ir. Às 10 da noite e ela disse que eu podia ligar que ela ia ver ela pra mim [...]. (F5)

Em geral, quando eu chego aqui, eu falo direto com a moça, não sei o nome dela da recepção que tá ali agora, ela me trata super bem, não tenho do que me queixar não, tanto que quando eu chego eu sempre procuro por ela. Ela trabalha muito bem, ela sabe atender as pessoas, é o que eu acho. (F1)

No entanto, existem familiares entrevistados que se lembram da recepção de modo não tão acolhedor. Apesar de tais ações não serem preconizadas pelo SUS, precisa-se retratar como é a visão desses usuários frente à postura do profissional que está na entrada da UTI, o qual pode influenciar toda a percepção de acolhimento na Terapia Intensiva.

[...] eu me programei para vir visitar, quando cheguei a recepcionista me informou que já tinha alguém lá no quarto, fiquei esperando. Esperei, esperei e nada, a pessoa saiu a recepcionista nem viu, largou o crachá e foi embora. Ela não sabia me dizer nada, não sabe quem entra e quem sai. Eu fiquei só esperando e isso é uma coisa muito ruim. (F8)

A percepção que os profissionais entrevistados têm sobre as recepcionistas é que a maioria atende mal, com descaso aos usuários e sem interesse em acolher os visitantes. Tal percepção pode ocorrer pela falta de contato entre essas categorias profissionais e por sugerirem que não há formação em serviço para essas recepcionistas.

[...]já trabalhei em todos os turnos, eu vejo que pode ser difícil, mas eu ainda acho que tutem que ter o perfil e o dom. O dom para falar com as pessoas. A recepção é a porta de entrada. Elas não se dão conta. Tão falando com o familiar, tão comendo bolacha, tão no celular, no computador. (P6)

A recepção é muito, muito ruim [...] elas ficam perdidas. É uma montoeira de gente, elas ficam, às vezes, uma só, para os 59 leitos, uma pessoa só, não tem como. É por isso, porque falta profissional habilitado para essa atribuição, falta orientação, treinamento, não tem como. (P1)

Subcategoria 2: Acolhida por parte dos profissionais de saúde

Esta subcategoria surgiu pela diferenciação relatada no acolhimento pelos profissionais de saúde. Os familiares identificam o cuidado de forma acolhedora pela equipe multiprofissional que atende na Terapia Intensiva. Tudo isso podemos perceber nas falas abaixo descritas:

E as enfermeiras lá, não tenho queixa de nenhuma. A enfermeira-chefe chega a vir e dizer assim: “Querida!” (F5)

Eu acho até que aqui é bem acolhedor. Eu acho que eles tratam bem. Já aconteceu de eu chegar lá no quarto no horário de visita e eles [referindo-se aos técnicos de enfermagem] estão dando a comidinha para ela. (F8)

O atendimento aqui é ótimo. Já começou com o doutor [fulano de tal], super atencioso, adorei o doutor! Eles mesmos [referência a toda equipe multiprofissional], na hora que ela chegou muito mal, todo mundo lá falou comigo. (F5)

Isso remete à visão dos familiares para a importância de gestos simples como ofertar uma refeição, utilizar expressões dóceis ou, até mesmo, dar atenção e informação; são situações que proporcionam acolhimento a quem precisa dos serviços de saúde.

Para mim, a compreensão em relação à humanização faz parte do escutar e querer entender, fazer um esforço para isso. Porque nas condições que a gente encontra os pacientes ou com um tubo na boca, ou com uma traqueostomia, ou que estão acordando, e aí tu tens que ouvir: “Ah! Tá agitado”. E deu. Não querem entender ele. Quantas pessoas dizem que preferem atender dois pacientes intubados do que um acordado. (P2)

Os profissionais de saúde também entendem que o acolhimento visa à escuta qualificada e deve promover a resolução efetiva das demandas dos usuários com certo envolvimento nas relações.

Categoria 2: Comunicação

A comunicação é tratada como fator diferencial para o atendimento humanizado tanto por parte dos profissionais de saúde quanto pelos familiares, ficando evidente nesta pesquisa quando se percebe nas declarações dos sujeitos. Segundo esses, não há como existir um bom acolhimento se não houver comunicação com o mínimo de efetividade e clareza.

Todas as vezes que eu venho, não tive problemas no aten ­ dimento aqui, a não ser esse probleminha de comunicação. Comunicação realmente eu acho que é o maior problema , porque tu não sabe quem é que está lá dentro, eles [referindo-se a recepção] não sabem informar, porque não tem nome, não tem nada ali, aqui não se dá nome nem quando entra[...] aqui só dizem que tem uma pessoa, tu não sabe quem é. (F8)

Acredito que a gente deve melhorar a comunicação com os pacientes, fornecendo a campainha para aqueles que conseguem chamar e se expressar, se apresentar diariamente aos pacientes e familiares e também melhorar a comunicação entre os profissionais, mesmo que não se gostem, a relação interpessoal é primordial e deve ser respeitada. (P5)

Quando eu vou atender os pacientes, eu sempre me apresento, boto a mão no peito dele e me apresento, porque eu estou invadindo o território dele, é o corpo dele, é ele. As pessoas que não fazem isso perdem tudo aquilo que a gente recebe de retorno, tu é que mais ganha quando és assim. (P4)

A comunicação não verbal se refere aos gestos, expressões, toque e à postura perante o outro. E também é tratada pelos sujeitos desta pesquisa como relevante à prática assistencial e ao atendimento mais humanizador.

Categoria 3: Profissionalismo ético e sensível

Esta categoria teve bastante impacto neste estudo pelo número significativo de unidades de registro que apareceram nos dois grupos de sujeitos comparados, pois é vista como pilar fundamental para a humanização.

A existência de um profissionalismo ético e sensível, que transcenda o conhecimento teórico permitindo aplicar ações e condutas que não ferem princípios científicos e morais, que resultem em desfechos mais “humanos”, é vista como uma diretriz para a humanização na Terapia Intensiva. Isso pode ser mais bem compreendido pelas falas:

Aí, eles arrumaram uma TV para ela, uma enfermeira que quis arrumar para ela, não é exigência minha nem dela, até me admirei, então eu fiquei feliz que pelo menos ela tá se entretendo com a TV [...] até teve também a outra chefe da noite, ela chegou e me perguntou se eu era a mãe dela, eu disse: “Sou”. Então ela disse: “Fica aí então e dá o mingauzinho para ela, pode ficar”. Então eu acho, assim, isso maravilhoso [...]. (F5)

Na realidade essa coisa de se importar, eu me lembro quando eu entrei aqui: “Ah! Você não pode ir visitar os pacientes no andar. Ah! Você não pode se importar tanto, te envolver tanto com os pacientes, você não pode se envolver”. Mas é por isso que eu trabalho com gente, se eu não quisesse me envolver eu trabalhava com papel [...]. (P4)

As falas permitem perceber que ações consideradas simples, de fácil realização, podem ser ridicularizadas, mal vistas, ou mesmo improcedentes, pois não foram pensadas para o contexto da saúde, muito menos para um setor de acesso restrito como a UTI.

Eu não vou me esquecer nunca, nunca, na UTI velha, um dia, a gente tinha um paciente agitado, agitado. Eu disse para ele: o que o senhor quer? Ele: eu quero um cigarro. Mas o senhor não pode fumar! Eu não quero fumar. Foi dado o cigarro e ele ficou a tarde inteira com o cigarro pendurado na boca e não incomodou mais [...] eu me lembro também de um menino que era uma paralisia, ele era um toquinho, queria um pirulito de uva, era uma coisinha de nada que deixou a criança [...] é um bem que tu fazes que, às vezes, deixa tranquilo. (P3)

Verificam-se como gestos considerados “estranhos” podem prover uma assistência mais fraterna, deixando recordações tanto para quem pratica quanto para quem recebe essas ações.

Categoria 4: Aspectos desfavoráveis

Esta categoria aponta os aspectos que dificultam a humanização dentro da Terapia Intensiva, porque são tratados como ações, gestos e condutas que criam barreiras dificultadoras para a humanização no atendimento à saúde. Como pode ser percebido nas declarações de familiares:

[...] porque assim, a minha filha tentou o suicídio e aí todo dia vinha comida normal com garfo e faca [...] ontem veio carne de panela e com o garfo e a faca quebrando tudo, de plástico, aí sinceramente eu acho que é discriminação [...] se ela tivesse dando perigo, aí sim, ela está pra ir para a psiquiatria [...] preconceito, vou te dizer sabe, porque dizem que ela é bipolar, mas é preconceito e preconceito dói. Aí, ontem na hora do almoço [...] alguém pediu outra sobremesa no nome dela, pegaram e levaram para outro doente, para outro, ou alguém comeu, e aí a noite não veio a sobremesa para ela, hoje de meio-dia não veio a sobremesa para ela também, aí de noite não veio também [...]. Mas aí eu acho que isso é uma judiaria, isso é ruim, a discriminação. (F5)

[...] a médica chegou, e deu um chocolate para a menina, aí ela ficou com o chocolatinho lá, daí daqui um pouco veio a enfermeira, simplesmente puxou o chocolate e botou no lixo, rispidamente, mais que uma vez. Outro dia, a mesma médica deu outro chocolate para ela, quis agradar ela, se ela deu, foi a médica que deu, não sei porquê. Daía enfermeira chega, xinga eles tudo e jogou no lixo. Ela poderia ter um pouquinho mais de educação. Só isso que eu ouvi eles falarem, no mais eles falam bem. (F8)

Alguns profissionais percebem que muitos aspectos no manejo com os usuários (internados e seus familiares) podem ser desumanizantes e, assim, serem considerados dificultadores do processo que leva à execução das diretrizes sugeridas pelo SUS ao tratamento e envolvimento com os usuários.

Há muita desumanização de todos os lugares do hospital, porque muitas vezes eles são despejados aqui e eles vêm com um preconceito de que aqui na UTI é o fim. (P6)

Outra coisa é a personalização. Tu às vezes fala: “tu estás com o paciente do 58?” A pessoa tem nome, está na porta, é fácil de olhar. (P4)

Aspectos considerados desfavoráveis à humanização são lembrados pelos entrevistados como situações que distanciam os sujeitos dificultando a formação do vínculo e da corresponsabilização.

Categoria 5: Percepção sobre a humanização

A formação desta categoria foi construída a partir de conceitos elaborados, reformulados ou simplesmente citados pelos pesquisados. Todos os profissionais entrevistados apresentaram sua própria definição e explicitaram maneiras de agir que consideram humanizadoras no exercício de suas atividades assistenciais e gerenciais.

No entanto, para a categoria dos familiares entrevistados, a maioria não conseguiu formular um conceito de humanização quando questionados, inclusive desconheciam tal palavra. Ao ser formulado um conceito ou introduzido uma explicação, todos conseguiram expressar suas percepções a partir da maneira como vivenciavam os processos assistenciais e principalmente de como eram acolhidos pelos profissionais.

Eu acho que humanização é a pessoa, ser humana com os outros né, ser legal né. Para mim humanização é ser humano, caridoso, ser querido, não é isso? (F5)

Para mim é humanidade, é pensar no próximo, não ser só o profissional [...]. (F7)

É o cuidado com afeto, com sensibilidade, escutando o outro. (P1, P2, P3, P4, P6)

A percepção da humanização para os sujeitos desta pesquisa apareceu primeiramente a partir de questionamentos somente sobre o que seria a humanização, surgindo alguns conceitos como evidenciado nas declarações.

Essa se tornou uma categoria ímpar por revelar diretamente a maneira perceptiva que os familiares dos usuários internados na UTI, bem como os profissionais desse setor, têm sobre a humanização nesse ambiente considerado de alta complexidade.

Categoria 6: Religiosidade/Espiritualidade

Apesar de ser uma categoria com menor unidade de registros entre os dois grupos de sujeitos comparados nesta pesquisa, ela não deixa de ser importante pelo destaque, percebido pela entrevistadora, nas entonações e variações das falas dos depoentes ao tratar do tema.

Ao abordar a fé, a realização de orações ou até mesmo a utilização de objetos santificados e/ou bentos como válvula de escape ou, único meio de esperança para um tratamento ou recuperação do quadro saúde-doença, fica evidente a relevância desta categoria como um requisito à humanização na UTI. Tudo isso pode ser percebido nas falas:

[...] porque dizem que quando a pessoa está em coma e se tu fala, fala, fala com ela e eu orei muito, pra mim eu achei maravilhoso porque eles deixarem eu, porque dali ela acordou, no outro dia já foi melhorando e graças a Deus ela já tá para ter alta. (F5)

[...] tem uns que falam, tem uns que oram, fazem orações e eu também digo que é uma coisa boa, que muda desfecho, não tem nada científico com relação a isso, mas a gente sabe que acontece, então eu digo pra eles (familiar/acompanhante) que façam suas orações, essa é a minha parte também. (P1)

Saber compreender as diferenças culturais, religiosas e de credos faz parte dos preceitos estabelecidos pela PNH quando parte do princípio de que as pessoas são únicas, possuem conhecimentos prévios, tem distintos entendimentos sobre o mundo, com valores diferentes à matéria, aos seres e ao sobrenatural.

DISCUSSÃO

Em relação ao acolhimento, este é tratado como recepção do usuário pelos profissionais de saúde, desde sua chegada aos serviços, responsabilizando-se integralmente por ele, permitindo que ele expresse suas preocupações e angústias, garantindo atenção resolutiva e a articulação com os outros serviços de saúde para a continuidade da assistência quando necessário(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2 ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.), da mesma forma que foi percebida pelos sujeitos da pesquisa.

A PNH do MS, na cartilha do “Acolhimento nas práticas de produção de saúde” de 2010, elucida o acolhimento como uma diretriz que não tem local, horário ou profissional específico para acontecer, pois trata de uma postura ética de atenção e gestão que implica escuta do usuário e reconhecimento de suas necessidades de modo a favorecer para a ocorrência de uma relação de compromisso e solidariedade entre todos os atores envolvidos.

A proposta do acolhimento, articulada a outras propostas de mudanças no processo de trabalho, como a ambiência, a formação do trabalhador e a clínica ampliada são recursos importantes para a humanização nos serviços de saúde(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2 ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.). Portanto, espera-se ser acolhido ao adentrar em um serviço tão complexo como a UTI, pois é a partir do tratamento respeitoso e saudoso que se iniciam e estreitam laços importantes em situações estressoras da vida nas quais mesmo um simples local de espera pode tornar-se acolhedor.

O acolhimento também deve ser compreendido como processo de abordagem do usuário englobando o espaço físico em que este é recebido, o qual deve estar preparado adequadamente para proporcionar o conforto, bem-estar e a privacidade do mesmo(1212 Merenda Júnior J, Sylla MCDT. [Chromotherapy, environment and reception in the ESFs SUS user]. Rev Colloquium Vitae [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 7];5(esp):16-22. Available from: http://www.unoeste.br/site/enepe/2013/suplementos/area/Vitae/Medicina/Cromoterapia,%20ambi%C3%AAncia%20e%20acolhimento%20ao%20usu%C3%A1rio%20do%20SUS%20nas%20ESFs.pdf Portuguese.
http://www.unoeste.br/site/enepe/2013/su...
); por isso, é importante que os profissionais mostrem-se empáticos, apresentando-se e colocando-se à disposição. Entender o acolhimento como um dos caminhos para a humanização implica garantia de acesso a todos a partir do respeito, escuta qualificada dos usuários, visando fornecer sempre uma resposta positiva aos seus problemas de saúde e responsabilizando-se pela resolução das suas demandas(1313 Guedes MVC, Henriques ACPT, Lima MMN. [Embracement in an emergency service: users' perception]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 7];66(1):31-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n1/v66n1a05.pdf Portuguese.
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), da mesma forma que foi percebida tanto pelos familiares quanto pelos profissionais pesquisados.

Um estudo que revisou 21 artigos tratando do conceito de acolhimento para as práticas de saúde apresenta o acolhimento como um arranjo tecnológico que almeja assegurar acesso aos usuários, objetivando a escuta, a resolubilidade com responsabilização e aproximação entre os atores envolvidos, com vistas a possibilitar o estabelecimento de vínculo(1414 Garuzi M, Achitti MCO, Sato CA, Rocha SA, Spagnuolo RS. [User embracement in the Family Health Strategy in Brazil: an integrative review]. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2014 [cited 2016 Jul 7];35(2):144-9. Available from: http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v35n2/a09v35n2.pdf Portuguese.
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), vindo ao encontro dos resultados encontrados nesta pesquisa.

Conforme explicitada nas falas dos profissionais pesquisados, entende-se que existem sujeitos que praticam o acolhimento e têm a clareza de que este faz parte do seu papel enquanto atuantes no cuidado à saúde e assumindo as diretrizes preconizadas na PNH ao tratar do acolhimento como tecnologia para todos os níveis de atenção à saúde, como resolutividade e responsabilização aos usuários.

Fica claro, neste estudo, que os profissionais de saúde sabem da importância do atendimento acolhedor conforme o preconizado na PNH do SUS e, sobretudo, executam constantemente tal diretriz no exercício de suas atividades. Além disso, os familiares identificam o acolhimento como ferramenta fundamental para o atendimento às suas necessidades e sentem-se mais bem tratados, compreendidos e amparados quando são acolhidos por toda a equipe.

No que se refere à comunicação, ela envolve formas verbais e não verbais. Para que haja uma boa interação entre profissionais e usuários de saúde é fundamental desenvolver habilidades de modo a aplicar bem o processo de comunicação em todas as práticas assistenciais e gerenciais(1515 Broca PV, Ferreira MA. Communication process in the nursing team based on the dialogue between Berlo and King. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2015 [cited 2016 Jul 7];19(3):467-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n3/1414-8145-ean-19-03-0467.pdf
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); nesta pesquisa, isso se evidencia quando familiares e profissionais de saúde apontam a relevância da boa comunicação na Terapia Intensiva, bem como as interações não verbais como o toque corporal ou um sorriso.

A comunicação deve ir além das palavras e das informações, porque aquele que está internado perde sua privacidade, expõe seu corpo, restrito e suscetível no leito, e, neste momento, a comunicação se dá pelo seu corpo. Inclusive, conhecer os elementos que compõem o processo de comunicação entre os interlocutores, bem como o que interfere negativa e positivamente para que haja uma relação concreta e firme, é requisito-chave para a prestação de uma assistência humanizada(1515 Broca PV, Ferreira MA. Communication process in the nursing team based on the dialogue between Berlo and King. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2015 [cited 2016 Jul 7];19(3):467-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n3/1414-8145-ean-19-03-0467.pdf
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).

É indiscutível a importância de uma consistente comunicação capaz de promover o bem-estar entre todas as partes envolvidas. Isso pode ser percebido quando os depoentes tratam dos benefícios e malefícios que a comunicação pode proporcionar se não for adequada, efetiva, respeitosa e sincera.

Sobre o profissionalismo ético e sensível, os serviços de saúde devem estar preparados para enfrentar situações específicas de cada indivíduo provendo recursos para as diversas experiências, as quais, mesmo que pareçam inusitadas, são peculiares e importantes para quemas vivencia. Assim, as boas práticas na saúde incluem, na sua formulação e desenvolvimento, os fundamentos teóricos (evidências científicas), a compreensão do ambiente, de todo o contexto dos pacientes, das crenças, valores e princípios éticos daqueles que constroem e dos que são alvo das ações e serviços(1616 Guerrero P, Mello ALSF, Andrade SR, Erdmann AL. User embracement as a good practice in primary health care. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 7];22(1):132-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n1/16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n1/16.pd...
).

A ideia do profissionalismo ético e sensível na humanização da assistência remete à necessidade, iminente, dos profissionais que atuam com os usuários do sistema de saúde em se colocar no lugar destes, pensando como gostariam de ser atendidos, quais ações considerariam importantes para seu tratamento e de que maneira gostariam de ser ouvidos e tratados. Assim, muitas atitudes poderiam ser revistas, reformuladas ou mesmo abolidas por não serem compatíveis com uma assistência holística e humanizadora.

No que diz respeito aos aspectos desfavoráveis, as situações ditas desumanizantes, como comentários inoportunos, barulhos constantes, falta de privacidade do usuário e a utilização de rótulos e apelidos para se referir a ele, ocorrem em muitos setores assistenciais de saúde, não sendo exclusiva de locais de alta complexidade ou com grandes recursos tecnológicos(1717 Silva FD, Chernicharo IM, Silva RC, Ferreira MA. Speeches of nurses about humanization in the Intensive Care Unit. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2012 [cited 2016 Jul 7];16(4):719-27. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n4/11.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n4/11.pd...
), o que também foi apontado pelos participantes deste estudo.

A PNH foi pensada devido às dificuldades para prover um tratamento mais humanizado, especialmente no que se refere à gestão participativa e ao trabalho em equipe, gerando um comprometimento das práticas de saúde e da responsabilização com os usuários em suas diferentes necessidades, com forte desrespeito aos seus direitos. Fenômenos genericamente apontados como desumanos denotam mais que falhas éticas de trabalhadores ou gestores, correspondem a fatos cuja origem revela e expressa determinadas concepções de trabalho e de suas formas de organização(44 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. Série B. Textos Básicos de Saúde, cadernos Humaniza SUS. 2010.).

Entende-se a percepção em relação à humanização como ideias do subjetivo, originadas por sensações e estímulos externos direcionados ao sistema nervoso central dando capacidade para os seres humanos de associar as informações à memória formando conceitos e determinando comportamentos(1818 Oliveira AO, Mourão-Júnior CA. [Theoretical study on perception in philosophy and neuroscience]. Rev Neuropsicologia Latinoamer [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 7];5(1):41-53. Available from: http://www.neuropsicolatina.org/index.php/Neuropsicologia_Latinoamericana/article/view/83/97 Portuguese.
http://www.neuropsicolatina.org/index.ph...
).

O que se evidencia é que todos os entrevistados, uns com maior ou menor clareza, têm seus próprios conceitos de humanização, os quais devem ser respeitados e considerados, pois não há uma definição única nem tampouco simples que permita assegurar exatamente como agir para ser “humanizador”.

Mesmo que a utilização dos termos fé, crença, religião e espiritualidade sejam frequentemente considerados sinônimos, cabe ressaltar que, neste momento, o importante não é saber conceituar cada um deles, e sim a dimensão que cada termo possa dar às pessoas(1919 Souza VM, Frizzo HCF, Paiva MHP, Bousso RS, Santos AS. Spirituality, religion and personal beliefs of adolescents with cancer. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015 [cited 2016 Jul 7];68(5):509-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n5/en_0034-7167-reben-68-05-0791.pdf
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-2020 Borges MS, Santos MBC, Pinheiro TG. [Social representations about religion and spirituality]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015 [cited 2016 Jul 7];68(4):609-16. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n4/0034-7167-reben-68-04-0609.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n4/003...
), incluindo sentido à vida ou um meio de esperança diante de certas dificuldades para alguns entrevistados.

O que se pode afirmar é que a PNH do MS existe para tentar assegurar que os profissionais de saúde tratem os usuários e sejam também tratados da melhor maneira possível, com recursos “humanizados” a partir de uma série de recomendações, preceitos e sugestões para a concretização da humanização. Saber respeitar a pluralidade cultural, religiosa e de credo também é uma atitude humanizada que deve diariamente estar presente no processo do cuidar em saúde.

Limitações do estudo

Situações como as relatadas pelos entrevistados, consideradas neste estudo como aspectos desfavoráveis a um atendimento acolhedor, levam algumas vezes ao distanciamento profissional-usuário. Esse distanciamento resulta na negação de voz e de identificação da pessoa como coparticipante do seu processo de cuidado, isto é, ela deveria ter autonomia para decidir, opinar ou se integrar ao sistema de saúde. Faz parte de muitos profissionais de saúde a ideia de que são detentores do saber o qual praticam e de que o usuário é meramente o “paciente” que sofre a ação. Como este estudo tinha por objetivo a percepção sobre humanização e sua prática na saúde, não se previa ressaltar os aspectos ditos não humanizantes na UTI e, por isso, não foram explorados melhor.

Contribuições para a saúde

A partir dos resultados desta pesquisa, criou-se um Manual Reflexivo de práticas assistenciais humanizadoras para os profissionais, um tabuleiro para facilitar a comunicação desses profissionais com os usuários e um guia de orientações aos familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sujeitos participantes desta pesquisa demonstraram diferentes percepções em relação à humanização, mas convergentes ao mesmo ponto: o tratamento com valorização das singularidades, com respeito às diferenças de opiniões e de maneira acolhedora.

Apesar de aparecerem dificuldades por parte dos familiares em conceituar humanização, os mesmos trazem em seus modos de expressão e vivências suas opiniões a respeito do tratamento humanizado ou não. Já os profissionais de saúde compreendem os preceitos da PNH e asseguram executar em suas práticas assistenciais tais orientações, apesar de relatarem que ainda existem muitas falhas no caminho ideal para uma efetiva humanização nos serviços de saúde.

Pode-se inferir que os termos “acolhimento”, “comunicação” e “sensibilidade” aparecem como determinantes para a humanização na UTI, e a maioria dos atores envolvidos neste processo percebe que existe tratamento humanizador com valorização e responsabilização em grande parte da assistência por parte de muitos profissionais de saúde. Entretanto, aspectos desfavoráveis representados por ações que não valorizam os usuários, não os inserem como protagonistas do seu próprio cuidado, são considerados desumanizadores à assistência nos serviços de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2016
  • Aceito
    14 Mar 2017
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