Cuidado paterno ao filho com câncer sob influência das masculinidades: metassíntese qualitativa

RESUMO

Objetivo:

Sintetizar e interpretar resultados e conclusões de pesquisas qualitativas sobre a experiência do pai no cuidado do filho com câncer.

Método:

Metassíntese de 16 estudos qualitativos capturados em seis bases de dados e analisados por meio da análise taxonômica.

Resultados:

O câncer infantojuvenil impõe inúmeras repercussões ao cotidiano do pai, sobretudo relacionadas ao estigma da doença, ao medo do desconhecido e ao papel social e familiar. Diante da doença e da necessidade de cuidado do filho, o pai busca resgatar a normalidade na família e transita entre comportamentos hegemonicamente masculinizantes e práticas reconhecidas culturalmente como femininas.

Considerações finais:

Evidenciou-se a complexa experiência paterna influenciada pelas masculinidades. As limitações referem-se à restrita compreensão das especificidades contextuais das experiências, pelas escassas características dos pais e filhos descritas nos estudos. O conhecimento produzido revela-se útil para promover o engajamento paterno no cuidado do filho, bem como fortalecê-lo e auxiliá-lo nesta tarefa.

Descritores:
Pai; Enfermagem Pediátrica; Pesquisa Qualitativa; Neoplasia; Enfermagem Familiar

ABSTRACT

Objective:

To synthesize and interpret findings and conclusions of qualitative research addressing the experience of the father in the care of the child with cancer.

Method:

Meta-synthesis of 16 qualitative studies from six databases, analyzed through taxonomic analysis.

Results:

Child and adolescent cancer have several repercussions on the daily life of the father, especially related to the stigma around the disease, the fear of the unknown and the social and family role. Faced with the illness and the need to care for the child, the father seeks to recover normality in the family and transitions between hegemonic masculine behaviors and practices culturally recognized as female.

Final Considerations:

The complex experience of the father, influenced by masculinities, was evidenced. The limitations regard the restricted understanding of the contextual specificities of the experiences, due to the limited characteristics of the parents and children described in the studies. The knowledge produced is useful to promote involvement of fathers in the care of the child, as well as to strengthen and assist him in this task.

Descriptors:
Fathers; Pediatric Nursing; Qualitative Research; Cancer; Family Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Sintetizar e interpretar resultados y conclusiones de investigaciones cualitativas sobre la experiencia del padre en el cuidado del hijo con cáncer.

Método:

Metasíntesis de 16 estudios cualitativos recogidos en seis bases de datos y examinados mediante análisis taxonómica.

Resultados:

El cáncer infantojuvenil repercute considerablemente en la vida cotidiana del padre, sobre todo con relación al estigma de la enfermedad, al miedo a lo desconocido y al papel social y familiar. Ante la enfermedad y la necesidad de cuidar del hijo, el padre busca rescatar la normalidad en la familia y transita entre comportamientos hegemónicamente masculinos y prácticas reconocidas culturalmente como femeninas.

Consideraciones finales:

Se puso en evidencia la compleja experiencia paterna influenciada por las masculinidades. Las limitaciones se refieren a la estricta comprensión de las especificidades contextuales de las experiencias por las escasas características de los padres e hijos descritos en los estudios. El conocimiento producido puede llegar a ser útil para promover el compromiso paterno en el cuidado del hijo, así como fortalecerlo y ayudarlo en esta tarea.

Descriptores:
Padre; Enfermería Pediátrica; Investigación Cualitativa; Neoplasia; Enfermería Familiar

INTRODUÇÃO

Desde o século XX, mudanças nas configurações familiares têm contribuído para o surgimento de novas concepções acerca das funções exercidas pelos membros na família. Maior envolvimento nos trabalhos domésticos, interação e participação no cuidado e na educação dos filhos passaram a ser atribuições também dos pais^(1-2). Assim, a paternidade tem sido exercida sob novos valores e preocupações^(3-4). Quando há na família uma criança com doença crônica, o pai é crucial para a reorganização da rotina familiar, por meio da inclusão da doença e manutenção do equilíbrio⁽⁵⁾.

Apesar de reconhecerem a importância do pai no cuidado do filho, os profissionais de saúde encontram dificuldades de inseri-lo nesta tarefa, pois, em geral, a mãe ocupa o protagonismo, e ele uma posição secundária de espectador^(3,6). Dessa forma, para ajudá-lo no desenvolvimento de habilidades necessárias a este cuidado, é importante haver uma assistência que compreenda suas necessidades e preocupações e considere tanto suas características pessoais como o contexto sociocultural em que está inserido^(3,7).

Entre as características predominantemente paternas, destaca-se a defesa da masculinidade, visto que ser pai e cuidador é um desafio vivenciado por muitos homens em contextos globais, regionais e locais. Sob o enfoque antropológico, as masculinidades são múltiplas, assim como as culturas onde estão inseridas, de modo que, entre pais, coexistem comportamentos hegemônicos, cúmplices, subordinados e marginalizados que os norteiam em suas ações diárias de cuidado ao filho⁽⁸⁾.

No contexto específico do câncer infantojuvenil, estudos mostram como a família lida com as mudanças e como estas impactam a organização e relação entre os seus membros, os quais experienciam com angústia, dúvida e medo a perda da criança saudável^(9-10). Sobrecarga física, repercussões sociais e emocionais fazem parte da experiência de familiares que vivenciam o câncer pediátrico, sobretudo do pai que lida com seus papéis masculinos na família e sociedade⁽¹¹⁾. Estudos qualitativos têm sido realizados para investigar a experiência do pai e de outros membros da família diante do diagnóstico de câncer da criança ou adolescente^(9,12-14).

Diante do exposto e da importância de melhor investigar esta experiência paterna de cuidado, propõe-se o presente estudo, cujo propósito é sintetizar e interpretar resultados e conclusões de pesquisas qualitativas existentes sobre a experiência do pai no cuidado do filho com câncer. Pretende-se, por meio desta metassíntese, fornecer sugestões baseadas em evidências empíricas, qualitativas, para o cuidado individualizado ao pai e à unidade familiar, bem como identificar lacunas na literatura e prática clínica.

MÉTODO

Trata-se de uma metassíntese qualitativa, caracterizada por sintetizar e interpretar resultados de estudos qualitativos de uma determinada área, a fim de obter ampla compreensão conceitual, que transcenda os estudos existentes e permita a formulação de um conjunto de novas descobertas⁽¹⁵⁾. Para tanto, adotou-se a abordagem proposta por Sandelowski e Barroso⁽¹⁵⁾, a qual envolve as seguintes etapas: elaboração da questão de pesquisa, identificação sistemática e seleção dos artigos a serem analisados, avaliação dos artigos selecionados, extração dos dados e elaboração da síntese. Recomendações descritas no ENTREQ (Enhancing Transparency in Reporting the Synthesis of Qualitative Research) foram utilizadas para relatar esta síntese qualitativa⁽¹⁶⁾.

Por meio da questão de pesquisa "Qual a experiência do pai no cuidado do (da) filho (a), criança ou adolescente com câncer?", fez-se uma busca da literatura para identificar estudos qualitativos originais que abordassem esta experiência, de modo a melhor compreendê-la. A busca foi realizada por dois revisores, independentemente, no período de março a maio de 2016, em seis bases de dados: PubMed, Scopus, Web of Science, CINAHL, CUIDEN e LILACS. Optou-se por utilizar como limites os idiomas português, espanhol e inglês, bem como o período de publicação dos estudos de 1995 a 2015. Os diferentes descritores e as palavras-chaves 'pai/father', 'criança/child', 'adolescente/adolescente' e 'câncer/cancer', selecionados com base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e do Medical Subject Headings (MeSH), foram combinados com o uso dos operadores Booleanos (AND, OR).

Foram incluídos artigos originais conduzidos segundo metodologias qualitativas e estudos descritivos/exploratórios com análise qualitativa dos dados que tivessem sido realizados com pais e abordassem suas experiências no cuidado do(da) filho(a), criança ou adolescente, com câncer (práticas, comportamentos, crenças, valores e sentimentos). Artigos que tivessem o pai e outros membros da família como participantes seriam incluídos se os resultados referentes ao pai fossem apresentados e analisados separadamente dos demais. Estudos de métodos mistos, em que os resultados qualitativos estivessem apresentados e analisados separadamente dos dados quantitativos, também seriam incluídos. Foram excluídos ainda os estudos que, nos resultados, apresentaram conjuntamente a experiência de pais de crianças e adolescentes com câncer e a vivência daqueles com filhos nesta idade, porém em outras condições.

Identificou-se um total de 3732 estudos nas referidas bases de dados, conforme ilustrado na figura 1, a qual seguiu as recomendações PRISMA⁽¹⁷⁾ para descrever o processo de busca na literatura. Destes, foram excluídos 762 artigos duplicados, restando 2970 artigos únicos. Em seguida, realizou-se a leitura dos títulos e resumos por dois revisores, de forma independente, observando-se os critérios de inclusão e exclusão. Procedeu-se à realização do cálculo do índice Kappa⁽¹⁸⁾ para avaliar a concordância entre os dois revisores e obteve-se o valor de 0,97, o que demonstra concordância substancial entre ambos. Como resultado desse processo, 62 artigos se adequaram aos critérios de elegibilidade. Iniciou-se, então, a leitura na íntegra desses artigos, dos quais se excluíram 46, por não serem estudos primários (n=16); basearem-se em abordagem quantitativa (n=5); incluírem como participantes outros membros da família, sem apresentação individual dos resultados para cada um deles (n=24); e por abordarem a experiência paterna com o câncer infantojuvenil em conjunto com anemia falciforme (n=1). Assim, a amostra final desta metassíntese foi constituída de 16 artigos.

Figura 1
Fluxograma PRISMA⁽¹⁷⁾ do processo de busca na literatura

A qualidade dos artigos foi analisada por dois revisores, independentemente, e ambos utilizaram o CASP (Critical Appraisal Skills Programme)⁽¹⁹⁾ - instrumento que consiste em um checklist para avaliação de estudos qualitativos. Ele possui 10 questões que avaliam a descrição e relevância do objetivo, a adequação da metodologia qualitativa, o delineamento do estudo, a estratégia de recrutamento, a coleta de dados, a adequação da relação entre pesquisador e participante, as considerações éticas, o rigor da análise dos dados, a apresentação dos resultados e as contribuições do estudo. As divergências entre os avaliadores foram trabalhadas e resolvidas em discussões presenciais até obtenção de consenso. Optou-se pela não exclusão de estudos por motivos referentes à qualidade metodológica, pelas limitações de avaliar este quesito e devido às contribuições de seus resultados para a temática, a qual se encontra em desenvolvimento no cenário brasileiro⁽²⁰⁾.

Os artigos incluídos foram relidos por dois autores, sendo que o processo de extração dos dados ocorreu por meio de um formulário elaborado com base na pergunta adotada nesta metassíntese e nas características gerais dos estudos: ano de publicação; autores; país de origem; área do estudo; objetivos e aspectos metodológicos (delineamento do estudo, participantes e procedimentos para coleta de dados); e os resultados apresentados sobre a experiência dos pais com o câncer do(a) filho(a). Para a análise dos dados e elaboração da síntese, utilizou-se a análise taxonômica com comparação constante e translação recíproca de conceitos importados e in vivo, proposta por Sandelowski e Barroso⁽¹⁵⁾. Já para o desenvolvimento das categorias e da síntese interpretativa dos dados, consideraram-se as propriedades e variações sugeridas pelos resultados, os conceitos subjacentes, as relações conceituais de significado explícitas ou implícitas nos resultados, bem como a importação de conceitos da literatura para integrar os achados e expressar a descoberta em um conceito central⁽¹⁵⁾. Os códigos elaborados com base nos dados foram comparados e organizados em taxonomias de acordo com as suas semelhanças, as quais foram analisadas com a utilização de conceitos in vivo, provenientes dos próprios resultados e conceitos importados da antropologia médica e da antropologia das masculinidades. Em seguida, os códigos foram comparados entre si e agrupados em categorias.

O processo de codificação e categorização foi feito individualmente por duas autoras e, posteriormente, em conjunto para discutir divergências. Para completar a síntese e maximizar sua validade, outras duas autoras, com experiência em pesquisa qualitativa e antropologia, revisaram cuidadosamente o ajuste dos códigos e taxonomias, bem como os conceitos relacionados às categorias.

RESULTADOS

Compuseram a amostra final 16 estudos^(21-36). Conforme apresentado na tabela 1, os artigos foram publicados entre 2001 e 2013 em seis diferentes países: Austrália (N=4), Estados Unidos (N=4), Canadá (N=4), Brasil (N=2), China (N=1) e Irlanda (N=1). Os estudos utilizaram a fenomenologia (N=6), a teoria fundamentada nos dados (N=3), o método misto (N=2) e a descrição qualitativa (N=5). Quatro deles^{(21,29,31,36)} não especificaram o referencial teórico adotado e foram nomeados como qualitativos genéricos⁽³⁷⁾. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista (N=13), grupo focal (N=1) ou combinação de ambos (N=2).

Tabela 1
Resultado da avaliação da qualidade dos artigos, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2016

Questão	Sim*	Parcialmente reportado*	Não*
1. Os objetivos da pesquisa estavam reportados claramente?	16(21-36)	0	0
2. A metodologia qualitativa foi adequada?	16(21-36)	0	0
3. O desenho da pesquisa estava adequado para alcance dos objetivos propostos?	12(23-26,28-31,33-35)	4(22,27,32,36)	0
4. A estratégia de recrutamento foi adequada aos objetivos da pesquisa?	2(27-32)	10(21,23,25-26,29-34)	4(24,27-28,36)
5. Os dados foram coletados de modo que abordassem a questão de pesquisa?	10(22,25-26,29,31-36)	6(21,24-27,34,)	0
6. A relação entre o pesquisador e os participantes foi devidamente considerada?	0	2(32-34)	14(21-31,33,35-36)
7. As questões éticas foram consideradas?	10(21,26,28,30-36)	2(22-23)	4(24-25,27,29)
8. A análise dos dados foi suficientemente rigorosa?	10(21,23,25-26,28,30-32,34-35)	5(22,24,29,33,36)	1(27)
9. Os resultados foram reportados claramente?	16(21-36)	0	0
10. A pesquisa traz contribuições?	16(21-36)	0	0

• Nota:
• ^(*)
  Número de estudos.

Os 16 estudos incluíram um total de 171 pais de filhos com câncer, de recém-nascidos àqueles com até 18 anos, em diferentes fases da doença e diagnósticos oncológicos. Na maioria dos estudos não houve suficiência na descrição paterna, pois apenas cinco deles reportaram a figura do pai como representada pelo pai biológico, adotivo, padrasto ou avô. Somente sete estudos focaram um único tipo de câncer, sendo a leucemia linfoide aguda o mais estudado. A maioria incluiu na amostra pais de crianças em fase de tratamento não especificada, com diagnóstico de cânceres diversos.

A qualidade global dos estudos incluídos na metassíntese foi satisfatória (Tabela 1). Todos apresentavam congruência entre objetivo e metodologia. Quatro não informaram a estratégia de recrutamento dos participantes; quatro não descreveram os aspectos éticos da pesquisa, e a maioria não mencionou aspectos da reflexividade, ou seja, a análise crítica do pesquisador sobre sua relação com os participantes e a possibilidade de viés (N=14). Apenas um estudo não informou suficientemente as etapas percorridas na análise dos dados.

Quadro 1
Características dos estudos originais incluídos na metassíntese qualitativa, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2016

Primeiro autor, ano e país	Delineamento	Coleta dos dados	Caracterização dos pais
Chesler, 2001Estados Unidos(21)	Descritivo/Qualitativo genérico	Entrevista semiestruturada em profundidade e grupo focal	N=167; idade não especificada. Pais vivenciando luto, pais de crianças em diferentes fases do tratamento ou sobreviventes/curadas. Crianças com diversos diagnósticos oncológicos.
Liaschenko, 2001Estados Unidos(22)	Descritivo/ Qualitativo genérico	Entrevistas semiestruturadas	N=12; idade=36-59; pais biológicos. Pais de crianças de oito a 20 anos, realizando protocolos terapêuticos e não terapêuticos para tratamento oncológico.
McGrath, 2001Austrália(23)	Fenomenologia	Entrevista aberta	N= 4; idade não especificada. Pais de crianças em tratamento de leucemia linfoide aguda (LLA), com idade entre recém-nascidos e 16 anos.
Neil-Urban, 2002Estados Unidos(24)	Fenomenologia	Grupo focal e entrevistas semiestruturadas	N=10; idade não especificada. Sete pais biológicos, dois padrastos e um avô de crianças em tratamento oncológico.
Jones, 2003Canadá(25)	Teoria fundamentada nos dados	Grupo focal	N=10; idade= 35-56. Sete pais biológicos, dois padrastos e um avô de crianças em tratamento oncológico com idades entre três e 16 anos.
McGrath, 2003aAustrália(26)	Fenomenologia	Entrevista aberta	N=6; idade= 24-54. Pais com crianças em tratamento de LLA com idades entre 17 meses e 18 anos.
McGrath, 2003bAustrália(27)	Fenomenologia	Entrevista aberta	N=6; idade=24-54. Pais com crianças em tratamento de LLA com idades entre 17 meses e 18 anos.
McGrath, 2004Austrália(28)	Fenomenologia	Entrevista aberta	N=6; idade=24-54. Pais com crianças em tratamento de LLA com idades entre 17 meses a 18 anos.
Clarke, 2005Canadá(29)	Descritivo/Qualitativo genérico	Entrevistanãoespecificada	N=16; idade média= 44. Pais de crianças em diversas fases tratamento do câncer, com 10 anos de idade.
Hill, 2009Irlanda(30)	Fenomenologia	Entrevista semiestruturada em profundidade	N=5; Idade=31-42. Pais biológicos de crianças em remissão da LLA com idades entre 18 meses e sete anos, àépoca do diagnóstico.
Nicholas, 2009Canadá(31)	Teoria fundamentada nos dados	Entrevista semiestruturada	N=16; idade média=43. 14 pais biológicos, um padrasto e um pai adotivo de crianças em tratamento oncológico, com idades entre um e 17 anos.
Wills, 2009China(32)	Descritivo/Qualitativo genérico	Entrevista semiestruturada em profundidade	N=9; idade média=38. Pais de crianças recém-diagnosticadas com LLA, com idades entre nove meses e 14 anos.
Dupas, 2012Brasil(33)	Teoria fundamentada nos dados	Entrevista semiestruturada	N=5; idade não especificada. Pais de crianças em tratamento oncológico.
Nicholas, 2012Canadá(34)	Método misto	Entrevistasnãoespecificadas	N=21; idade não especificada. Pais de crianças com tumor cerebral em diferentes modalidades de tratamento.
Hensler, 2013Estados Unidos(35)	Método misto	Questionário e entrevista aberta	N= 25; idade não especificada. Pais de crianças sobreviventes com idade média de 11 anos.
Silva, 2013Brasil(36)	Descritivo/ Qualitativo genérico	Entrevista semiestruturada	N=11; idade= 27-53 anos. Pais de crianças em tratamento oncológico.

• Nota: LLA = Leucemia linfoide aguda

Síntese do conhecimento

A análise dos estudos conduziu à elaboração de três categorias que qualificam a experiência paterna no cuidado do filho com câncer: 'Repercussões do diagnóstico e da terapêutica do câncer do filho', 'Cuidado paterno ao filho com câncer'; e 'Resgate da normalidade na vivência do câncer do filho'. Dos 16 artigos analisados, 13^(21,23-34) foram representados em todas as categorias.

A figura 2 ilustra as categorias apresentadas e expressa que as repercussões do câncer infantojuvenil para o pai, a sua busca pela normalidade e o cuidado por ele prestado ao filho não ocorrem isoladamente. Apreende-se que as masculinidades estão incorporadas em todos os aspectos desta experiência paterna. A influência das masculinidades constitui o conceito central que abrange as três categorias e as interações entre elas, contribuindo para o modo como o diagnóstico é recebido, para a seleção das ações do pai para lidar com a criança e com a nova situação e para a construção do cuidado.

Figura 2
Categorias representativas da experiência paterna de cuidado do filho com câncer e suas relações, sob a influência das masculinidades

Repercussões do diagnóstico e da terapêutica do câncer do filho

Os resultados mostraram que o câncer infantojuvenil gera inúmeras repercussões emocionais e sociais para o pai^{(21-25,27-34,36)}. Sentimentos como tristeza^(21,25,34), revolta⁽³¹⁾, culpa^(21,23,32), impotência e despreparo^(28,31) estiveram presentes no período do diagnóstico e durante a terapêutica. A notícia do câncer do filho, inesperada para o pai, e a forma como foi descrita, como dolorosa, imprevisível, indiscriminada, impactante e devastadora^{(25,31,33,36)}, refletem as significações atribuídas ao câncer e apontam para o estigma social construído em torno da doença. As crenças acerca da doença, em conjunto com seu diagnóstico, contribuíram para que esta notícia fosse recebida como um choque^{(28,32-33,36)} que originou tristeza^(21,25,34), revolta⁽³¹⁾, sensação de perda do controle da situação^(28,31) e questionamentos sobre o real sentido da vida⁽²⁴⁾. Alguns pais sentiram-se culpados^(21,25,32) e impotentes^(28,31) por não conseguirem evitar que o câncer atingisse suas famílias.

Surgiram incertezas em relação à doença, ao tratamento e ao futuro da criança^{(22,24-25,30-32)}, contribuindo para a angústia e o medo da morte precoce do filho^{(21,25,28,31-33)}. Alguns pais apresentaram sintomas físicos de estresse e ansiedade, como garganta seca e diminuição do sono e apetite⁽³¹⁾. Demonstraram ainda preocupações com as atividades laborais e as finanças, mantendo a distância entre pai e filho, o que, em conjunto com o forte desejo de estarem próximos dos filhos durante o tratamento, ocasionou tensão^(23,26,31).

Alguns descreveram desconforto ao primeiro contato com o ambiente hospitalar, por assistirem ao sofrimento e esgotamento de crianças e pais, e por lembrarem-se da possibilidade de morte de seus filhos⁽²⁷⁾. Referiram a ausência de privacidade em um ambiente cuja população é predominantemente feminina⁽²⁷⁾. Demonstraram dificuldades em vivenciar os tratamentos difíceis, invasivos e dolorosos, além de estresse emocional para conter fisicamente seus filhos durante os procedimentos⁽²⁷⁾. Apresentaram empatia com a dor do filho, compreensão da recusa da criança ao tratamento e dificuldade em estabelecer limites aos filhos⁽²⁷⁾.

As interações sociais intra e extrafamiliares também sofreram repercussões da terapêutica do câncer infantojuvenil. O aumento das responsabilidades de pais e mães, decorrente do diagnóstico de câncer e seu tratamento, causou mudanças abruptas na dinâmica familiar e, consequentemente, no relacionamento entre cônjuges, ocasionando fragilidade na intimidade⁽²⁵⁾ e desentendimento conjugal⁽²³⁾. Alguns referiram não ter apoio suficiente do cônjuge, mas, ao longo da experiência, o casal tornou-se mais unido e capaz de oferecer apoio mútuo. Porém, devido ao foco na criança, a intimidade do casal permaneceu prejudicada⁽²⁴⁾.

Perceberam o apoio social dos colegas de trabalho somente no início da experiência⁽²¹⁾, mas houve satisfação com o apoio de familiares e equipes de saúde^(21,25,28). Valorizaram os enfermeiros e assistentes sociais⁽²⁵⁾. Neste aspecto, destacam-se os grupos formados por pais que lidam com o câncer infantojuvenil, por possibilitarem novas amizades e o compartilhamento de ideias e experiências⁽³¹⁾. Essa troca gerou conforto, alívio e esperança^(25,32) e, sobretudo, contribuiu para reduzir o afastamento, isolamento e desespero por eles vivenciados⁽³¹⁾.

Cuidado paterno ao filho com câncer

O cuidado paterno ao filho com câncer recebeu influência das masculinidades relacionadas aos papéis do homem na sociedade atual^{(21,23,25,27-34,36)}. Assim, o pai buscou assumir identidades e estereótipos condizentes com a imagem de um homem forte, que não demonstra fraqueza, responsável pela proteção e sustento do lar e da família. A preocupação com o provento e a necessidade de oferecer proteção à família permearam esta experiência e nortearam suas ações^{(21,25,28,31-34,36)}.

A maioria dos estudos^{(21,23-25,28-29,31-34,36)} mostrou que o pai teve dificuldades em expressar e compartilhar suas emoções com a esposa, os filhos e amigos. Aliado ao estereótipo de masculinidade que dita que o "homem não chora", ele omitiu seus sentimentos e conteve o choro para se mostrar forte, ser fonte de apoio e proteção para a esposa e o filho^{(21,23,25,28-29,31)}. Alguns buscaram lidar com a situação de forma independente e em espaços individuais para conforto⁽²⁸⁾, o que gerou dificuldades de encontrar apoio emocional. Outros perceberam que essa estratégia de omissão das emoções, em longo prazo, foi ineficaz e prejudicial à saúde⁽²⁵⁾. Em geral, após o câncer do filho, o senso de responsabilidade sobre a família e o esforço paterno para a manutenção da harmonia dos laços familiares foram intensificados⁽³³⁾.

Com o instinto protetor, engajaram-se como defensores dos seus filhos e desenvolveram hipervigilância das crianças^{(24-25,27,36)}. Dessa forma, ficaram mais atentos às alterações clínicas e aos cuidados prestados durante a hospitalização, com medo de possíveis erros da equipe de saúde. Alguns assumiram o cuidado dos filhos saudáveis colaborando com a esposa durante as internações e adaptando-se às novas rotinas⁽²⁶⁾. Outros participaram ativamente dos cuidados hospitalares e domiciliares dos filhos adoecidos^{(24-25,27,29,36)}, assumindo a identidade de cuidadores. Dois estudos^(29-30) destacaram que os pais ocuparam um lugar coadjuvante, situação que atribuíram a uma decisão conjunta das mães e da equipe médica, pois perceberam que a atenção e as informações eram fornecidas primeiramente às esposas, o que gerou insatisfações e prejudicou as relações por eles mantidas com os profissionais de saúde^(29-30).

Resgate da normalidade na vivência do câncer do filho

Os estudos mostraram que, apesar do sofrimento imposto pela doença, o pai buscou ressignificar o adoecimento do filho com câncer. Nesse sentido, destacaram-se as experiências positivas deste processo e o desenvolvimento de estratégias para resgate da normalidade no seio familiar^{(21-22,24-25,27-30,33,35-36)}.

O diagnóstico de câncer infantojuvenil modificou a perspectiva do pai, que passou a valorizar seu relacionamento com a esposa. Consequentemente, isso favoreceu a flexibilidade de papéis entre ambos e, em longo prazo, contribuiu para maior vínculo físico e afetivo com os familiares^(32-33,35).

Foram destacadas ainda mudanças em relação à visão de mundo e ao comportamento do pai, que assumiu cumplicidade com a mãe; apresentou otimismo, confiança e maior participação no cuidado do filho com câncer⁽³³⁾, contribuindo para o fortalecimento e estreitamento dos laços afetivos entre pai e filho^(21,27,33). Mesmo com as incertezas e o temor da morte da criança ou adolescente^{(21-22,24-25,28,30-33)}, os pais projetaram esperança na cura⁽²⁸⁾, o que, em conjunto com a necessidade de controle da situação^{(24-25,27-28,31,36)}, motivou que mobilizassem recursos próprios^{(23,25-26,28-31,36)} e apoio social^{(23-24,29-32,36)}.

Outro fator relevante para o pai foi o conforto encontrado na religião e na espiritualidade, com busca de significados, consolo para dor e alívio do medo⁽³¹⁾. Nesse sentido, a experiência dolorosa fortaleceu fé e crenças, intensificou sua relação com um ser superior e levou a uma maior participação em rituais religiosos, a fim de compreender e lidar com a doença^(31-35). Os pais reavaliaram seus valores pessoais ao longo desta vivência, importando-se mais com o tempo de qualidade em família⁽³⁵⁾ e tornando-se mais sensíveis, conscientes e empenhados diante das más notícias^{(21,23,31,35)}.

Apesar do sofrimento e choque causados inicialmente pela terapêutica e pelo ambiente hospitalar, eles se adaptaram às rotinas hospitalares^(27,29), informaram-se sobre a doença do filho^(23,27,30) e, com o tempo, mostraram-se fortalecidos para acompanhá-lo no hospital⁽²⁷⁾. Também apontaram a necessidade de buscar recursos para o tratamento em outras localidades, devido à escassez de atendimento especializado na região domiciliar⁽²⁵⁾, além de preocupação com a manutenção da rotina familiar^(28,30) e adoção de hábitos de vida e atitudes saudáveis⁽³¹⁾ para apoio no cuidado do filho.

DISCUSSÃO

Esta revisão permitiu uma síntese da experiência do pai no cuidado prestado ao filho com câncer, o que possibilitou uma descrição compreensiva desta vivência. Três categorias foram elaboradas, as quais destacam de que forma o diagnóstico de um filho com câncer e o processo terapêutico impactam sobre o pai, afetando seus relacionamentos e sua saúde física e emocional. Esta metassíntese mostrou também como os pais cuidam do filho adoecido, sob proteção e postura firme, e as suas estratégias para restituição da normalidade, bem como para lidar com a situação. Todos esses fatores estão interligados e são influenciados pelas masculinidades, igualmente afetadas neste processo.

Os resultados desta metassíntese são confirmados por outras revisões em relação às dificuldades psicossociais e demandas advindas do câncer infantojuvenil e seu tratamento⁽¹⁰⁾ e aos sintomas físicos de tensão e estresse potencialmente relacionados às crenças negativas sobre este tipo de câncer⁽¹²⁾. No senso comum, o câncer é compreendido como uma doença "maldita", grave e ameaçadora da vida⁽⁹⁾, o que, aliado ao desconhecimento, contribui para que o diagnóstico seja recebido como um choque, desencadeador de angústia, revolta, culpa, medo da morte precoce do filho, impotência e despreparo, relacionados à sensação de perda de controle da situação. Além disso, a forma como o pai lida com o adoecimento do filho está estreitamente relacionada às suas masculinidades, aspecto central desta metassíntese. A necessidade de controle sobre o corpo e as especificidades do gênero masculino constituem características dos comportamentos masculinos valorizada hegemonicamente; assim, controlar as adversidades da vida, a saúde e os seus dependentes é algo esperado que os homens defendam para que possam ser reconhecidos como dominadores, fortes e viris⁽³⁸⁾.

Revisão narrativa da literatura⁽⁵⁾ que buscou identificar as contribuições do pai para o manejo de condições crônicas de saúde na infância reafirma os achados referentes à influência da masculinidade na habilidade de lidar com o diagnóstico do filho e, consequentemente, no cuidado oferecido à criança. Para alguns pais cujos filhos apresentavam doenças crônicas, o estresse esteve associado às responsabilidades e à necessidade de manter uma postura forte, socialmente valorizada nos comportamentos masculinos⁽⁵⁾. Nesta revisão⁽⁵⁾, a maioria dos pais falhou em não expressar sentimentos de tristeza e vulnerabilidade a amigos, familiares, profissionais e esposa, postura que ocasionou o recebimento de suporte insuficiente para as suas necessidades.

Entretanto, esta metassíntese evidenciou que, apesar da dificuldade em expor emoções, a maior parte deles recebeu apoio suficiente dos familiares e profissionais de saúde e pouco suporte dos colegas de trabalho. Essa divergência dos resultados pode estar relacionada às crenças negativas e ao impacto emocional e social do câncer, os quais contribuem para maior mobilização da família e da sociedade.

Importante destacar que a desmistificação do câncer, embora necessária, requer cautela e comunicação adequada entre os profissionais de saúde, pais, famílias e sociedades. É possível mudar ideias e práticas mediante o encontro e respeito de duas visões de mundo: a dos profissionais de saúde e a do grupo de pais⁽³⁹⁾. No entanto, não se deve tentar incutir a cultura do outro em nossa concepção, mas dela devemos nos desprender para que a visão do outro sobre sua própria compreensão possa encontrar espaço⁽³⁹⁾. Nesse aspecto, a equipe de saúde desempenha importante papel no acolhimento e na promoção de apoio social, ao informar e auxiliar o pai na obtenção dos recursos necessários para lidar com a enfermidade. Em geral, nesta metassíntese, o pai mostrou satisfação com o apoio recebido por enfermeiros, assistentes sociais e demais membros da equipe multiprofissional de saúde.

Estudo qualitativo⁽¹⁴⁾ com noves casais, pais biológicos de crianças com câncer, apoiam os achados desta metassíntese quanto à repercussão do câncer do filho nas interações sociais do pai, com destaque para a relação conjugal. As autoras evidenciaram que as relações entre o casal são afetadas desde o início dos sintomas da doença e da procura pelo serviço de saúde, pois, nesse momento, a atenção e as preocupações voltam-se ao filho doente, o que afeta a intimidade e sexualidade do casal⁽¹⁴⁾. O estudo destacou o distanciamento geográfico, físico e afetivo entre os parceiros causado pela necessidade de separação do casal durante o tratamento do filho e o estresse relacionado às novas responsabilidades, às alternâncias de papéis na família e à necessidade de estarem sempre em alerta e vigiarem a criança. Salienta-se que, apesar do prejuízo para a intimidade do casal após o início da doença, alguns cônjuges relataram maior união e comprometimento mútuo⁽¹⁴⁾.

Com base nos achados desta metassíntese é possível inferir que a maneira como o pai lida com o câncer de seu filho é influenciada também pelos padrões sociais da defesa do seu estereótipo de gênero como as ações masculinizantes. Importante assinalar que os atributos e valores compartilhados por homens e mulheres sofrem modificações ao longo da história e contribuem para a construção de cuidados prestados à criança, principalmente durante seu adoecimento, pois constituem um conjunto de símbolos interpretáveis que influenciam as atitudes e os comportamentos⁽³⁹⁾. Os resultados demonstraram a preocupação do pai com seu papel de provedor e protetor da família, característico de um estereótipo de masculinidade hegemônica, o qual, por consequência, os caracteriza como pessoas com dificuldade de expressarem suas emoções.

Observou-se, nos estudos analisados, que os pais ocupam posição coadjuvante no cuidado dos filhos e recebem informações e atenção distintas dos profissionais de saúde, que privilegiaram as mães, reafirmando seu papel de cuidadoras principais. Outra revisão⁽⁵⁾ corroborou esses achados, pois os participantes, pais de crianças com condições crônicas de saúde, receberam informações de "segunda mão" e não obtiveram a devida atenção dos profissionais de saúde. Mesmo que tal resultado não tenha sido expressivo nesta metassíntese, ele é importante, pois a falta de informações contribui para a sensação de perda do controle da situação, medo da morte e do insucesso da terapêutica, não adesão ao tratamento e dificuldades no cuidado ao filho. Apesar dessa concepção social de gênero, o papel do pai nas sociedades ocidentais vem mudando nos últimos anos, sobretudo após a inserção da mulher no mercado de trabalho, quando novos arranjos familiares surgiram^(1-2). Acredita-se que essas modificações contribuíram para o maior envolvimento do pai no cuidado da criança e do adolescente enfermo, o qual foi evidenciado nesta metassíntese.

A metassíntese mostrou que, inicialmente, o pai sofre com as repercussões negativas da enfermidade do filho, porém ao longo da trajetória constrói sua experiência buscando restabelecer a normalidade da família. Resultados semelhantes foram encontrados na pesquisa de Cox⁽¹³⁾, a qual mostrou que ambos os genitores são impactados pelo diagnóstico de câncer dos filhos e vivenciam sensação de perda do controle da situação e impotência diante da doença, o que os impulsiona a buscar a normalidade e contribui para que desenvolvam novas maneiras de cuidar da criança.

O conceito de normalidade varia em termos culturais e baseia-se nas crenças compartilhadas por um determinado grupo sobre o que considera o modo adequado de um indivíduo conduzir sua vida em relação aos demais⁽⁴⁰⁾. Ao tentar resgatar a normalidade da família, o pai busca uma reestruturação das "normas" hegemonicamente valorizadas pela sociedade e, para tanto, desenvolve estratégias como a manutenção do cotidiano familiar, adaptação às rotinas hospitalares, adoção de hábitos alimentares e atitudes saudáveis, busca do suporte do cônjuge, profissionais de saúde, amigos e grupo de pais e conforto na religião. Essas atitudes ressignificam sua vida e possibilitam apreender o cuidado necessário ao filho adoecido. À medida que o pai se insere no contexto cultural vivenciado pelos profissionais de saúde e por outros pais que lidam com situações semelhantes, apropria-se de novos saberes e práticas desse grupo, contribuindo para a construção do cuidado.

Nesse sentido, esta metassíntese mostrou a importância e a eficácia dos grupos de pais em contextos semelhantes como estratégia de suporte. Destaca-se que o enfermeiro pode promover estes grupos e desenvolver outras ações que favoreçam a socialização e troca de experiências, para ampliar e fortalecer a rede social destes indivíduos.

De modo geral, apesar do sofrimento, o pai vivencia experiências positivas, que contribuem para o seu fortalecimento. O adoecimento da criança e as mudanças resultantes desse processo promovem transformações em sua visão de mundo, comportamento e, sobretudo, em paradigmas masculinos e na reavaliação dos valores simbólicos, de modo que ele passa a valorizar as relações com a esposa e o filho e a vivência do tempo presente. Esses resultados estão de acordo com outra revisão⁽¹¹⁾, em que pais e mães relataram fatos positivos relacionados a esta experiência, como o fortalecimento das relações familiares, maior aproximação com o filho, desenvolvimento das habilidades maternas e paternas e mudanças de valores sobre a vida.

Nesta metassíntese, interpretou-se como o adoecimento do filho pelo câncer leva os homens a transformações de práticas atribuídas ao seu gênero. Por um lado, tem-se a dimensão representativa da identidade masculina ligada a aspectos dos códigos de honra culturalmente alimentados pelos homens que valorizam comportamentos hegemônicos (o pai como provedor do lar, trabalhador, viril e dominante) e, por outro, há uma reestruturação de papéis que transcendem estes valores e inserem os homens em papéis hierarquicamente reconhecidos pela cultura ocidental como femininos. Dessa forma, o pai, opondo-se a uma imagem de masculinidade mais tradicionalista, passa a integrar um contexto de cumplicidade, não antagônico aos comportamentos femininos, mas incorporador de algumas ações historicamente destinadas à mãe, como a de cuidar dos filhos e do lar.

Outra modificação evidenciada por esta metassíntese foi o fortalecimento da fé e das crenças do pai em busca de significados na religião e espiritualidade, bem como de consolo, alívio da dor e por medo da morte. A religião é um sistema simbólico capaz de estabelecer fortes disposições e motivações por meio da formulação de conceitos gerais acerca do mundo, de si próprio e das relações entre eles⁽³⁹⁾. Assim, além do pai encontrar consolo, atribuir significados e buscar explicações para a doença do filho na religião e espiritualidade, estas o impulsionam para a superação das adversidades. Neste contexto, salienta-se a importância do cuidado espiritual ao pai, no intuito de facilitar sua compreensão e aceitação da doença e incentivar que supere medos e situações adversas.

Limitações do estudo

Para fornecer uma base para a investigação sobre o cuidado do pai ao filho com câncer, adotou-se uma perspectiva ampla desta experiência, por meio da inclusão de estudos desenvolvidos com pais de filhos diagnosticados com câncer, em distintas fases do tratamento, de diferentes nacionalidades, idade e figura parental. Entretanto, a análise das influências de diferentes características dos pais e câncer do filho sobre a experiência de cuidado paterna não foi realizada, embora pudesse ter ampliado a compreensão das especificidades contextuais das experiências, em virtude das poucas características de pais e filhos descritas nos estudos, como tipo de neoplasias e fases da doença que apresentam tratamentos, prognósticos e repercussões distintos. Buscou-se rigor na condução desta metassíntese, e fez-se uma avaliação objetiva da qualidade dos estudos incluídos por meio do instrumento CASP. Apesar da inclusão de pesquisas com alguma deficiência de detalhamento metodológico, seus resultados conferiram riqueza de informação e complexidade à síntese. Avaliar o impacto de excluir estudos inadequadamente relatados na metassíntese final reflete a robustez da síntese resultante⁽¹⁷⁾.

Contribuições para a área da enfermagem

Os resultados desta metassíntese abrem perspectivas para estudos futuros e apontam lacunas como a necessidade de que outras investigações focalizem a figura da parentalidade que representa o pai, assim como busquem apreender a experiência de outras figuras que assumem o papel paterno, como padrasto, tio e avô, em famílias com configuração não tradicional. Outras fases da doença, além do diagnóstico e do tratamento, também merecem ser investigadas, assim como se faz necessária a análise dos dados baseada em perspectivas antropológicas, que estudam a cultura e as masculinidades.

Esta metassíntese contribui para orientar o oferecimento de um cuidado qualificado ao pai da criança ou do adolescente com câncer, no intuito de fortalecê-lo e auxiliá-lo neste cuidado, e também para maior eficácia da terapêutica e acomodação das demandas da família com a inclusão da doença. Profissionais de saúde, sobretudo da enfermagem, podem desempenhar um importante papel na desmitificação do câncer e no auxílio para obtenção dos recursos necessários ao engajamento ativo do pai no cuidado do filho na interface das suas identidades masculinas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa permitiu a síntese e a interpretação do conhecimento publicado nos últimos 20 anos acerca da experiência do pai no cuidado do filho, da criança ou do adolescente com câncer. Conclui-se que esta é uma experiência complexa, influenciada principalmente pelas masculinidades oriundas da cultura, que definem identidades e papéis para o homem. O câncer infantojuvenil foi representado como uma doença grave e inesperada pelo pai, com fortes repercussões para o seu cotidiano e geradora de mudanças nas suas relações e forma de viver. As atitudes e posturas assumidas diante da doença e da necessidade de prestar cuidado ao filho foram mediadas pela cultura e pelo papel social atribuído ao pai. Para lidar com a nova situação, ele buscou estratégias, apoiando-se na necessidade de resgatar a normalidade, e transitou entre comportamentos hegemonicamente masculinizantes e práticas reconhecidas pela cultura ocidental como femininas, assim construindo uma identidade de cumplicidade.

• FOMENTO
  A pesquisa recebeu financiamento por meio de bolsa de doutorado concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ, processo 141620/2016-1.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Jan-Feb 2018

Histórico

• Recebido
  19 Dez 2016
• Aceito
  18 Mar 2017