Teoria da Maré: análise pautada na perspectiva de Meleis

RESUMO

Objetivo:

refletir criticamente acerca dos componentes conceituais da Teoria da Maré na aplicação do processo de cuidar em saúde mental.

Método:

análise crítica fundamentada no Modelo de Avaliação de Teorias, focada na clareza e consistência dos componentes teóricos da Teoria da Maré.

Resultados:

constatou-se a clareza da teoria por meio da demonstração dos componentes funcionais, pressupostos, conceitos e proposições. A consistência ocorre pela possibilidade de aplicação comprovada em diversos países com diferentes populações.

Conclusão:

há um vasto campo de possibilidades de pesquisa e aplicação na consulta de enfermagem brasileira, em busca de utilidade e respaldo no cuidado de enfermagem.

Descritores:
Enfermagem; Teoria de Enfermagem; Saúde Mental; Modelos de Enfermagem; Avaliação

ABSTRACT

Objective:

To critically reflect on the conceptual components of the Tidal Model in the application of the mental healthcare process.

Method:

Critical analysis based on the Models of Theory Analysis, focused on the clarity and consistency of the theoretical components of the Tidal Model.

Results:

The clarity of the theory was verified through the demonstration of the following components: functional, presuppositions, concepts and propositions. The consistency is due to the possibility of proven application in several countries with different populations.

Conclusion:

There is a vast field of research and possibilities of application in the Brazilian nursing consultation, in search of usefulness and support in nursing care.

Descriptors:
Nursing; Nursing Theory; Mental health; Models of Nursing; Evaluation

RESUMEN

Objetivo:

reflexionar críticamente acerca de los componentes conceptuales de la Teoría de la Marea en aplicación del proceso de cuidados en salud mental.

Método:

análisis crítico fundamentado en el Modelo de Evaluación de Teorías, enfocado en la claridad y consistencia de los componentes teóricos de la Teoría de la Marea.

Resultados:

se constató la claridad de la teoría por medio de la demostración de componentes funcionales, presupuestos, conceptos y proposiciones. La consistencia ocurre por la posibilidad de aplicación comprobada en diversos países con diferentes poblaciones.

Conclusión:

hay un amplio campo de posibilidades de investigación y aplicación en la consulta de enfermería brasileña, en búsqueda de utilidad y respaldo en el cuidado de enfermería.

Descriptores:
Enfermería; Teoría de Enfermería; Salud Mental; Modelos de Enfermería; Evaluación

INTRODUÇÃO

O processo de enfermagem é executado por meio de ações sistematizadas, com vistas a obter resultados positivos, e transcorre mediante a efetivação de um plano terapêutico, respaldado cientificamente com ações embasadas nas teorias de enfermagem.

As teorias de enfermagem articulam o trabalho das enfermeiras e suas funções no cuidado, oferecendo visão acerca dos fundamentos filosóficos de enfermagem. Ademais, apresentam descrições de como ajudar os pacientes a obter conforto, como concluir o tratamento com o mínimo de dano possível e como alcançar o mais alto nível de saúde. De modo geral, os indivíduos têm necessidades, e a assistência de enfermagem deve percebê-las e intervir em conjunto com eles⁽¹⁾.

Como observado, a avaliação de uma teoria constitui componente essencial tanto para a prática de enfermagem quanto para o desenvolvimento de conhecimento, pois elege a teoria mais apropriada para ser usada como ferramenta de pesquisa, ensino, administração e consulta. Além disso, identifica teorias efetivas para explorar aspectos específicos da prática, ou guiar a pesquisa; compara e contrasta diferentes explicações do mesmo fenômeno; melhora o potencial de construção de mudanças e desenvolve ainda mais a teoria. Também identifica, epistemologicamente, abordagens de uma disciplina por meio da atenção ao contexto sociocultural da teoria e do teorista⁽¹⁾.

Assim, a pertinência ou não de uma teoria de enfermagem na prática assistencial deve ser analisada. Existem diversos modelos de análise de teorias e, neste ensaio, destaca-se o Modelo de Avaliação de Teorias de Meleis.

OBJETIVO

Refletir criticamente acerca dos componentes teóricos da Tidal Model (ou Teoria da Maré), de Phil Barker, na aplicação do processo de cuidar em saúde mental.

MÉTODO

Trata-se de uma análise crítica acerca da Teoria da Maré, com base no Modelo de Avaliação de Teorias proposto por Meleis, o qual pode ser utilizado no todo ou em parte, sendo constituído por cinco segmentos: descrição, análise, crítica, teste e apoio da teoria⁽¹⁾.

Como este estudo se propôs a tecer uma análise crítica da Teoria da Maré, enfatizou-se a terceira etapa do método de avaliação, nos critérios de relação entre estrutura e função, sendo debatidas as unidades de análise clareza e consistência. Tais componentes devem estar claros e objetivos para que a proposta seja considerada uma teoria de enfermagem.

Este estudo elegeu os critérios de relação entre estrutura e função. Esta relação está comprometida com o desenvolvimento de uma avaliação crítica, julgando a relação entre diferentes componentes de uma teoria, tais como componentes funcionais, pressupostos, conceitos e proposições. Abordaram-se os critérios de análise crítica da clareza, consistência e utilidade da teoria⁽¹⁾.

Escolheu-se a Teoria da Maré para ser analisada por possuir a base conceitual em saúde mental, linha de pesquisa com a qual as pesquisadoras têm proximidade. Trata-se de uma teoria trabalhada eficazmente no âmbito internacional, com diversos projetos executados com sucesso, mas ainda sem tradução para o português⁽¹⁾. Deste modo, a análise crítica da Teoria da Maré fundamenta a possibilidade de pesquisas, ensino e práticas baseadas nessa teoria no Brasil.

Realizado no período de agosto a dezembro de 2015, o estudo foi construído no Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, nível doutorado, durante a disciplina de Análise Crítica do Cuidado Clínico em Enfermagem e Saúde como método de avaliação dos conhecimentos nela adquiridos.

Análise crítica da Teoria da Maré

Para a análise crítica de uma teoria, devem-se considerar a relação entre a estrutura e a função, o diagrama da teoria, o círculo de contágio, a utilidade e os componentes externos⁽¹⁾.

Como mencionado, a relação entre estrutura e função está comprometida com o desenvolvimento de uma avaliação crítica: cabe-lhe julgar a relação entre diferentes componentes de uma teoria, como componentes funcionais, pressupostos, conceitos e proposições. Critérios severos devem ser levados em conta, como clareza, consistência, simplicidade/complexidade e tautologia/teologia⁽¹⁾.

Clareza é a demonstração de pressupostos, conceitos e proposições, além dos componentes funcionais. Para se ter clareza sobre os conceitos, são necessárias definições teóricas e operacionais, as quais dão consistência a toda a teoria, estando presentes de forma parcimoniosa e coerente com os pressupostos e as proposições da teoria⁽¹⁾.

Com vistas ao melhor entendimento da clareza, foram descritos em quadros os componentes funcionais, os pressupostos, os conceitos e as proposições da Teoria da Maré, que embasam a análise funcional do Modelo de Avaliação de Teorias de Meleis.

O foco são os componentes funcionais, que estão assim definidos: cliente, enfermagem, saúde, interação enfermeiro-paciente, ambiente, problemas de enfermagem e cuidados de enfermagem.

Quadro 1
Componentes funcionais da Teoria da Maré (Tidal Model)

Foco	Identificar o que precisa ser feito para ajudar a pessoa a endereçar, resolver, superar ou se adaptar aos problemas da vida associados com o que poderia ser chamado de sua "doença mental" ou "perturbação psiquiátrica"(2).
Cliente	O ser humano é representado pelo plano físico, emocional, intelectual, social e espiritual. A recuperação é possível, sendo a mudança inevitável, pois nada é duradouro na perspectiva de que o indivíduo sempre estará mudando. O indivíduo sempre sabe o que é melhor para ele. Tem os recursos necessários para sua recuperação, sendo quem guia o cuidado. Ele é representado em três dimensões: o mundo, o eu e os outros. Os desejos da pessoa humana permanecem no centro do processo de cuidar(2).
Enfermagem	A enfermagem tem como objetivo ajudar o acesso de pessoas e avaliar suas experiências particulares, em um esforço para torná-los novamente escritores da história de sua vida, e para começar a cura da aflição do passado e presente como forma de abrir caminhos para promover o desenvolvimento humano(2).
Saúde	Éo resultado da autonomia da pessoa, ocorrido por meio de sua capacidade de se adaptar a cada mudança promovida pelo ambiente de cura, mesmo quando existem danos. Também é quando as pessoas mantêm suas atividades diárias regulares, estando conscientes de si e de como lidam com isso, compreendendo que dor, doença e morte são partes fundamentais da vida. Assim, o enfermeiro deve conhecer os aspectos pessoais e sociais do indivíduo, além de saber como este define saúde e doença(2).
Interação enfermeiro-paciente	O Tidal Model presume que o processo de cuidar é melhor caracterizado como "cuidar com", que incorpora tanto a necessidade de "cuidado sobre" quanto a de "cuidado para" a pessoa. A natureza colaborativa do "cuidar com" produz mudanças quer para o profissional, quer para a pessoa(2).
Ambiente	Éo contexto no qual as pessoas vivem o seu oceano de experiências e os enfermeiros criam um espaço para o crescimento e desenvolvimento. Deve-se considerar a relação pessoa-ambiente, que deve ser entendida como um todo e não apenas como cada uma de suas partes. É o lugar em que a enfermeira motiva o sujeito a ver que o ambiente é seguro, mediante uma relação dinâmica(2).
Problemas de enfermagem	Os acontecimentos da vida que motivam a pessoa a entrar em contato com os serviços, os quaissãovistos como oportunidades. Estes eventos sãoos sinais naturais de que "algo precisa ser feito ". Se responder apropriadamente, isso pode ser visto como oportunidade para mudança , a chance de tomar um novo rumo na vida. Esses eventos críticos sãosemelhantes a conferir o mapa ou redefinir a bússola: respostas necessárias para os altos e baixos da jornada da vida(2).
Cuidados de enfermagem	O objetivo inicial é identificar "o que precisa ser feito" e todos os cuidados seguem concentrados em formas de envolver a pessoa (e, eventualmente, outros) no encontro desta necessidade. Centrando-se sobre o que é absolutamente necessário, o plano de cuidados torna-se mais simples e mais elegante(2).

Quadro 2
Pressupostos

Enfermagem	Éinterativa, desenvolvida, uma atividade humana mais preocupada com o futuro desenvolvimento da pessoa do que com as origens ou causas do seu sofrimento presente(3).
Comportamento humano	A experiência de sofrimento mental, associada com doença mental ou transtorno psiquiátrico, é representada por distúrbios de comportamento em público, ou relatos de eventos privados conhecidos apenas para o indivíduo em discussão(3).
Vida	Conforme sugere a metáfora das marés, a jornada percorrida pelas pessoas perdura por toda sua vida. Isso é semelhante a uma viagem ao mar. Quando os indivíduos falam sobre suas fases de desenvolvimento pessoal, ou os estágios pelos quais têm de passar na vida, isso ésemelhante a velejar de um porto para outro, ou de um continente para outro. A natureza da jornada da vida - grande ou pequena - determina as mudanças verificadas na experiência humana(3).
Morte	A exploração cuidadosa da história de suicídio está dentro do aspecto "desenvolvimento de cuidado" do Tidal Model. A responsabilidade é possibilitar um diálogo com o suicida; aquele que pode começar a abordar as inseguranças emocionais profundas que o tornam um provável suicida. Esse diálogo é o meio para o resgate emocional que forma a base interpessoal para a implementação do plano de segurança. Em caso de desejo de morte, a responsabilidade do profissional é ajudar a pessoa a sentir-se emocionalmente mais segura, oferecendo-se para falar sobre o que é importante na sua vida(3).
Saúde	O foco principal é sobre se envolver com o mundo real da experiência. Esta abordagem é característica do foco da enfermagem na experiência e relacionamento com a saúde e a doença, ao invés de saúde e doença per se(3).
Doença	A experiência de transtorno psiquiátrico é traduzida em uma variedade de distúrbios vividos a cada dia; a prática de enfermagem terapêutica está localizada exclusivamente dentro do contexto da vida cotidiana(3).

Outro componente de uma teoria são os pressupostos, os quais não estão sujeitos a teste pela própria teoria. Em vez disso, motivam um conjunto de proposições que são testadas e formam a base que determina a visão do teorista. Em teorias de enfermagem, pressupostos são constituídos a partir da enfermagem, do comportamento humano, da vida, morte, saúde e doença⁽¹⁾.

Mais um componente de uma teoria são os conceitos, os quais são avaliados ao longo da dimensão abstrato-concreta. O grau de generalização do conceito determina seu nível abstrato-concreto. Quanto maior a generalização do conceito, mais se transcende o tempo e a geografia, e maior é o nível de abstração. Conceitos também podem ser classificados ao longo da dimensão variável/não variável. Conceitos não variáveis em enfermagem são: sexo, origem étnica, religião e status matrimonial. Exemplos de conceitos variáveis (variáveis gerais) são: orientação sexual, nível de bem-estar, grau de identificação cultural, nível de estado de doença⁽¹⁾.

Existem inúmeras vantagens em se ter variáveis gerais. Variáveis gerais propiciam classificação mais precisa e permitem serem as variações mais congruentes com o que ocorre na realidade. Classificar um paciente em homem ou mulher traz alguma significância de dados e um certo grau de previsibilidade na estrutura e função dos sistemas biológicos. Entretanto, a orientação sexual - uma variável geral - pode nos ajudar a ser mais precisos na descrição dos clientes e prever seus padrões de reabilitação⁽¹⁾. Como conceitos da Teoria da Maré, constam os expostos a seguir.

Quadro 3
Conceitos da Teoria da Maré

Enfermeiro	O profissional, muitas vezes, age mais como um salva-vidas, que, ao perceber que a pessoa está se afogando, organiza um resgate. No entanto, o salva-vidas não a restringe ou domina. Invariavelmente, o salva-vidas, "junto com" os movimentos de contorção da pessoa que se afoga, os diminui gradualmente para baixo até ajudá-la a nadar ou flutuar ao lado do salvador na viagem para a praia. Éele quem a auxilia a construir um plano de segurança pessoal. É necessário avaliar e, se preciso, rever esse plano com frequência(3).
Paciente/pessoa	As pessoas são definidas, sobretudo, pela sua experiência. Consequentemente, o foco principal envolve o desenvolvimento de condições necessárias para identificar e analisar em profundidade a experiência do paciente. Por meio desse processo, obtém-se a apreciação das necessidades humanas do indivíduo e o que precisa ser feito para identificá -las(3).
Relação enfermeiro-paciente	O cuidador e o paciente em cuidado estão envolvidos na criação de uma versão altamente específica da narrativa de vida. Isso incluirá a identificação que a pessoa acredita ser necessária, nesse momento, em termos de apoio; e mantém a promessa do que "precisa acontecer" para atender a essa necessidade. Conforme se acredita que, como resultado, o simples ato de falar sobre a experiência pode mudar "quem" e "o que" nós somos(3).
Vida	Éuma jornada realizada em um oceano de experiência. Todo o desenvolvimento humano, incluindo a experiência da doençae da saúde, envolve descobertas feitas em uma viagem atravésdesse oceano de experiência(3).
Doença mental	Em pontos críticos na jornada de vida da pessoa, podem-se experimentar tempestades ou mesmo pirataria (crise). Em outras ocasiões, o navio pode começar a submergir e ela pode enfrentar a perspectiva de afogamento ou naufrágio (desagregação). Pessoas que sofrem de crises de vida estão (metaforicamente) em água e risco de profundo afogamento, ou podem se sentir como se tivessem sido jogadas para as rochas(3).
Problemas de enfermagem	O paciente afetado por uma forma grave e incapacitante de doença mental experimenta o que o leigo denomina de "colapso mental". Na metáfora, tais pessoas experimentam um naufrágio psíquico e, se o tipo apropriado de resgate e recuperação não chegar em breve, começará a se sentir como um náufrago psiquiátrico(3).
História de vida	Em um nível pessoal, a história é o teatro de experiência dentro do qual a reflexão e a discussão evoluem para uma forma permanente de edição do texto. O processo de cuidar começa e termina aqui, porquanto todas as pessoas expressam a necessidade de desenvolver (criar) um relato coerente do que aconteceu, e atualmente está lhes acontecendo, à luz da sua experiência individual. Essa história é mais significativa quando enquadrada no vernáculo do paciente, ilustrada pela linguagem metafórica extraída de sua história e do ambiente social e cultural de sua vida cotidiana(3).
Cuidados de enfermagem	Usam a experiência de viagem da pessoa e seus significados associados para traçar o "próximo passo" a ser tomado na jornada de vida. O material de avaliação do núcleo é inteiramente escrito em sua própria voz. O objetivo do cuidador é ajudar as pessoas a fazer escolhas que irão orientá-las com base em seus problemas atuais de vida, para poderem começar a traçar um curso para "casa" em seu oceano de experiência. Enfatizam mais as virtudes de dar "as condições que serão necessárias para a promoção do crescimento e desenvolvimento, do que instituir cuidado"(3).
Inclusão social	Ressalta o efeito de autorização da família e amigos em capacitar o indivíduo para tomar conta de sua vida, agarrando (metaforicamente) o leme de sua experiência e começando a traçar o rumo para casa. Nesse sentido, esses achados emergentes sugerem que a reverência para o contador de histórias é a mais antiga e mais duradoura forma de empoderamento(3).
Reabilitação/recuperação	A pessoa pode precisar ser guiada a um refúgio seguro para realizar reparos, ou para se recuperar do trauma (reabilitação). O navio somente énovo uma vez, mas, se a pessoa recuperou as peças necessárias do seu navio, ele pode zarpar de novo, com objetivo de colocá-la de volta no curso da vida (recuperação)(3).

Quadro 4
Proposições da Teoria da Maré

Valorizar a voz	A história do sujeito é o começo e final de todo o encontro de ajuda. Essa história abrange não apenas a cota de sofrimento, mas também a esperança para a sua resolução. Esta é a voz da experiência. Deve-se guardá-la bem; é a voz que começa a ajudar a pessoa a se refazer(4).
Respeitar a língua	A pessoa desenvolve uma forma única de expressar a história de vida, de representar para outros aquilo que apenas ela sabe. A linguagem da história, com sua gramática incomum e metáforas pessoais, é a forma ideal para iluminar o caminho(4).
Desenvolver a curiosidade genuína	A pessoa é o escritor da sua história de vida, mas isso não significa que essa história seja um "livro aberto". Épreciso desenvolver formas de expressar interesse genuíno na história como está escrita, porquanto continua a ser escrita. Desse modo, será possível entender melhor o contador das histórias(4).
Tornar-se o aprendiz	Cada indivíduo é o especialista primordial da sua história de vida. Pode-se começar a aprender alguma coisa da força dessa história, porém, isso só acontecerá ao se aplicar de modo diligente e respeitoso para a tarefa ao se tornar o aprendiz(4).
Revelar sabedoria pessoal	A pessoa desenvolveu um armazém poderoso de sabedoria na escrita da história de vida. Uma das tarefas-chave para o profissional é ajudar a revelar essa sabedoria, a qual será usada para sustentar o indivíduo e guiar a jornada de valorização e recuperação(4).
Ser transparente	Tanto o paciente quanto o profissional encaram a oportunidade de se tornar uma equipe. Se essa relação prosperar, ambos devem estar dispostos a confiar mutuamente. O profissional está em uma posição privilegiada e deve modelar este reforço de confiança. Cabe a ele ser transparente em todos os momentos, ajudando a pessoa a entender o que está sendo feito e o porquê(4).
Utilizar o kit de ferramentas disponíveis	Ahistória pessoal contém inúmeros exemplos de "o que funcionou" ou "o que pode funcionar" para essa pessoa. Estes representam as principais ferramentas a serem usadas para desbloquear ou construir a história de recuperação(4).
Capacidade de dar um passo além	O profissional e a pessoa trabalham em conjunto para construir uma apreciação do que precisa ser feito "agora". O primeiro passo é crucial e revela o poder da mudança que aponta para o objetivo final da recuperação(4).
Dar o presente do tempo	Não há nada mais valioso do que o tempo que o profissional e o paciente passam juntos. O tempo é a parteira da mudança. Não há nenhum mérito em perguntar "quanto tempo nós temos?".Nóstemos todo o tempo necessário. A questão é, certamente, "como podemos usar esse tempo?"(4).
Experimentar mudança constante	A mudança é inevitável, pois é constante. Essa é a história comum a todos. A tarefa profissional é desenvolver a consciência de como essa mudança está acontecendo e como esse conhecimento pode ser usado para orientar a pessoa a se manter fora de perigo ou angústia, voltando para o curso de valorização e recuperação(4).

Outro componente de uma teoria são as proposições, isto é, declarações descritivas das propriedades e dimensões do conceito ou a descrição da união de dois ou mais conceitos juntos. As proposições promovem a teoria com o poder da descrição, explicação ou previsão. Se a teoria tem mais pressupostos que proposições é uma teoria com poder limitado. Isso indica a existência certo grau de condições para algumas descrições ou previsões. Ao considerar o relacionamento entre pressupostos e proposições na forma de relação, ao invés de relacionamento (com o número de proposições sendo maior que o número de pressupostos), isso permitirá um poder maior de explanação⁽¹⁾. A seguir detalham-se as proposições da Teoria da Maré.

Alguns questionamentos devem ser observados para ajudar a determinar o conceito de clareza, tais como: os conceitos são operacionalmente definidos? Eles aparentam ter conteúdo e validade de construção? A clareza proposicional é manifestada em uma coerente e lógica presença de proposições e sistemáticas ligações entre os conceitos da teoria. Ademais, os critérios de clareza variam com uma gama de altas e baixas clarezas⁽¹⁾.

A perspectiva psiquiátrica predominante por um longo período é pautada no poder de resolução, reparação ou outra forma de corrigir os problemas da vida, denominados de "doença mental". De modo geral, a crença nos medicamentos psiquiátricos - muitas vezes usados apenas para aplacar em vez de curar - permanece. Da mesma forma, a expectativa segundo a qual alguma magia existe nas várias curas "faladas" parece mais forte do que nunca. No entanto, embora possa existir "mágica", não se pode negar que tradicionalmente as pessoas têm sido incentivadas a acreditar nessa cura⁽³⁾.

Como evidenciamos, a Teoria da Maré incorporou conceitos sobre o uso terapêutico do "auto", no desenvolvimento de vários papéis e nas funções requeridas na prática de enfermagem de Peplau (1952), Travelbee (1969) e Forchuk et al. (1998). Também incorporou o valor potencial da interpretação dos problemas de saúde mental, como problemas de viver de Sullivan (1953) e Szasz (1961)⁽⁵⁾.

A teoria começou a articular os valores humanos no processo de cuidado, ao reconhecer a natureza racional e a complexidade da experiência humana. Esse reconhecimento ultrapassa a quantificação, o que é observável e cognoscível, e tais valores são posteriormente considerados pela enfermeira por meio dos elementos inexprimíveis no relacionamento enfermeira-pessoa.

A complexidade estrutural da enfermagem está na natureza social, humana, no diálogo, na interação mútua entre o enfermeiro e o paciente, que tem lugar em uma mudança nos processos de vida e desenvolvimento humano, como modo de entendimento e definição particular da vida, saúde, doença e morte.

Como um processo recíproco, a relação enfermeiro-paciente acontece na comunicação verbal e não verbal, na afetividade, na empatia com o outro, na interação que envolve os contextos dos participantes. Esse processo é percebido e interpretado em um encontro, estando "com" o paciente para desenvolver o cuidado e não "para" a prática de enfermagem⁽⁶⁾.

A Teoria da Maré fundamenta-se no valor inerente de cada indivíduo e no seu potencial de mudar, além da capacidade de autonomia na produção de saúde, com o entendimento de que as pessoas são capazes de suprir suas próprias necessidades físicas básicas⁽⁶⁾.

Frequentemente o enfermeiro usa seu suporte teórico e de suas experiências de jornada de vida para aumentar a capacidade de intervenção na resolução dos problemas da pessoa, com a sensibilidade na compreensão segundo a qual as pessoas diferem em sua capacidade de lidar com as situações vividas. Ele deve permitir que o desenvolvimento de habilidades interpessoais propicie atenção integral e holística, enfrentando os problemas mediante a intimidade como modo de propiciar alívio imediato, garantindo a escuta ativa e a presença autêntica do profissional⁽³⁾.

A Teoria da Maré é estruturada com conceitos bem estabelecidos e adequados logicamente, com ideias amplas das situações vividas pela pessoa e com processo de aplicação prática baseadas em dados científicos e teorias de saúde mental e psiquiatria⁽⁶⁾.

Essa teoria prioriza a clareza dos conceitos por meio da operacionalização prática da linguagem da pessoa, portanto, essa linguagem não é modificada para uma linguagem profissional, incompreensível. Desse modo, pode contribuir na orientação dos objetivos do enfermeiro, no atendimento das necessidades humanas, conhecendo-as e sabendo que são da pessoa, e não do profissional.

A metáfora da maré interliga e facilita a compreensão das ideias, das premissas, dos conceitos e relacionamentos como forma de ajudar a todos por meio de uma linguagem cotidiana, no oceano metafórico das experiências. Pode ser aplicada e adaptada a diversas culturas e populações, pois não requer definição de faixa etária ou gênero, além de poder ser instalada em vários tipos de serviço de atenção ao paciente, desde serviços de atenção primária até centros especializados e unidades hospitalares.

Além disso, a prática de enfermagem ocorre por via dos dez compromissos que representam a existência ou não do embasamento filosófico da Teoria da Maré. Esses compromissos promoveram coerência no cuidado e permitem ligações sistemáticas dos conceitos e pressupostos da teoria.

Não é fácil determinar os limites entre a clareza e a consistência. Tanto o grau da congruência quanto o ajuste entre os diferentes componentes da teoria são descritos na consistência. Assim, o ajuste entre pressupostos e definições conceituais, entre conceitos definidos e o uso das proposições, e mediante conceitos e exemplos clínicos, pode ser determinante da consistência⁽¹⁾.

Os problemas vitais da pessoa e de enfermagem são baseados em uma investigação sistêmica que gerou a teoria. Nesse âmbito, a Teoria da Maré vai desde uma perspectiva filosófica até uma visão de mundo e de crenças pessoais na produção de cuidados. Portanto, a teoria não é apenas centrada em assistir, mas também em conhecer, pela observação clínica, prática, pesquisa e filosofia.

Como observado, as histórias de vida elaboradas com base nos encontros entre enfermeiro e paciente são obtidos mediante descrição deste, sendo aquele orientado a manter o espírito de estimulação da pessoa na busca de recursos de fortalecimento e cura. Esses recursos são obtidos por meio de estratégias de mudanças construídas no planejamento da assistência conjuntamente, ressaltando os recursos de cada pessoa e enfatizando que a mudança é a única constante⁽⁷⁾.

Introduzida na assistência de enfermagem em cuidados agudos, a Teoria da Maré possibilitou a implementação de um conceito de cuidado contínuo, com ênfase nas necessidades da pessoa em três formas distintas de cuidado: crítico, de transição e desenvolvimento. O conceito de cuidado contínuo abrange desde o hospital até a comunidade; o foco principal para o cuidado é a necessidade da pessoa, ao invés do modo como essa necessidade surge⁽⁵⁾.

Reconhecida como importante teoria de enfermagem intermediária, esta teoria é praticada por uma gama de disciplinas em todo o espectro de cuidados em saúde mental, sendo adotada por mais de 100 projetos em países como Austrália, Canadá, Inglaterra, Irlanda, Japão, Nova Zelândia, Escócia e País de Gales. Inclui pessoas jovens com problemas psiquiátricos agudos, em reabilitação, autistas, com dificuldade de aprendizagem, além de serviços de atendimento aos idosos, por meio da divisão de cuidados hospitalares na comunidade⁽⁵⁾.

Um bem-sucedido exemplo da diversidade de cenários de utilização da teoria é a do programa de saúde mental da Nova Zelândia, o qual a aplicou nos índios Maori. Desse modo, evita a impressão de que os pressupostos são característicos da cultura ocidental psiquiátrica⁽⁵⁾.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se a clareza da teoria por meio da demonstração dos componentes funcionais, pressupostos, conceitos e proposições. A operacionalização prática da linguagem do indivíduo, mediante o reconhecimento de sua linguagem, surge como contribuição na orientação dos objetivos de enfermeiros e favorece o atendimento das necessidades humanas ao identificá-las, sabendo que são da pessoa, e não do profissional.

A consistência ocorre pela possibilidade de aplicação em diversos contextos, sobretudo pela comprovação em vários países com diferentes populações, destacando a teoria como um embasamento teórico marcante em todo o campo da saúde mental.

Como a teoria ainda não tem tradução para o português, apenas dois artigos neste idioma abordam seus conceitos. Ambos demonstram vasto campo de possibilidades de pesquisa e aplicação na prática clínica da enfermagem brasileira no intuito de respaldar o cuidado.

REFERENCES

• ¹
  Meleis AI. Theoretical nursing: development and progress. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2012.
• ²
  Barker P. The Tidal Model: developing a person-centered approach to psychiatric and mental health nursing. Perspect Psychiatr Care. 2001;37(3):79-87.
• ³
  Barker P, Buchanan-Barker P. The Tidal Model: a guide for mental health professionals. New York: Routledge; 2009.
• ⁴
  Young BB. Using the Tidal Model of mental health recovery to plan primary health care for women in residential substance abuse recovery. Issues Ment Health Nurs [Internet]. 2010 [cited 2016 Apr 4];31(9):569-75. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.3109/01612840.2010.487969?journalCode=imhn20
  » http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.3109/01612840.2010.487969?journalCode=imhn20
• ⁵
  Barker PJ. The Tidal Model: the lived-experience in person-centered in mental health nursing care. Nurs Philos. 2001;2(3):213-23.
• ⁶
  Brookes N. The Tidal Model in the mental health recuperation. 8th ed. In: Tomey AM, Alligood MR. Nursing theorists and their works. New York: Elsevier; 2014.
• ⁷
  Tomey AM, Alligood MR. Modelos y teorías de enfermería. 7ª ed. Madrid: Elsevier; 2011.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Mar-Apr 2018

Histórico

• Recebido
  20 Jun 2016
• Aceito
  10 Abr 2017