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O corpo marcado pela fístula arteriovenosa: um olhar fenomenológico

RESUMO

Objetivo:

Compreender a vivência de pessoas com doença renal crônica em uso de fístula arteriovenosa.

Método:

Estudo qualitativo e exploratório, fundamentado na fenomenologia social, realizado com 30 adultos em tratamento hemodialítico por meio de fístula, entrevistados em 2017. Os depoimentos foram analisados segundo o modelo empírico-compreensivo proposto por Amedeo Giorgi.

Resultados:

Foram desveladas as categorias: A estética corporal alterada; O olhar do outro sobre o meu corpo; e A fístula como condição indissociável à manutenção da vida.

Considerações finais:

A vivência de pessoas em uso de fístula revelou que esse acesso venoso deixa marcas no corpo que alteram a estética corporal, tornando o corpo imperfeito. Essas alterações provocam baixa autoestima, e atraem o olhar do outro, causando constrangimento naquele que tem o corpo marcado. Esse, por sua vez, reage camuflando a fístula, sem a qual não há vida. Dessa percepção surge o medo, que atua como catalisador para o autocuidado.

Descritores:
Insuficiência Renal Crônica; Fístula; Diálise Renal; Enfermagem; Imagem Corporal

ABSTRACT

Objective:

To understand the experience of people with chronic kidney disease using arteriovenous fistula.

Method:

Qualitative and exploratory study based on Social Phenomenology, conducted on 30 adults undergoing hemodialysis by using the fistula, interviewed in 2017. The interviews were analyzed according to the empirical-comprehensive model proposed by Amedeo Giorgi.

Results:

We found the categories “The changed body aesthetics”; “The perception of the other about my body”; and “The fistula as an inseparable condition for life maintenance.”

Final considerations:

The experience of people using fistula showed that this venous access leaves marks that change the body aesthetics, making the body imperfect. Such changes cause low self-esteem and attract the look of the other, causing embarrassment in those who have the body changed. Thus, they react by camouflaging the fistula, without which there is no life. This perception arises from the fear that works as a catalyst for self-care.

Descriptors:
Chronic Kidney Disease; Fistula; Kidney Dialysis; Nursing; Body Image

RESUMEN

Objetivo:

Comprender la vivencia de personas con enfermedad renal crónica en uso de fístula arteriovenosa.

Método:

Estudio cualitativo y exploratorio fundamentado en la fenomenología social, realizado con treinta adultos en tratamiento hemodialítico por medio de fístula, entrevistados en 2017. Los testimonios fueron analizados según el modelo empírico-comprensivo propuesto por Amedeo Giorgi.

Resultados:

Se desvelaron las categorías “La estética corporal alterada”; “La mirada del otro sobre mi cuerpo”; y “La fístula como condición indisociable al mantenimiento de la vida”.

Consideraciones finales:

La vivencia de personas en uso de fístula reveló que ese acceso venoso deja marcas que alteran la estética corporal, haciendo el cuerpo imperfecto. Esos cambios provocan baja autoestima y atraen la mirada del otro, causando constreñimiento en el que tiene el cuerpo marcado. Este, a su vez, reacciona camuflando la fístula, sin la cual no hay vida. De esa percepción surge el miedo, que actúa como catalizador para el autocuidado.

Descriptores:
Insuficiencia Renal Crónica; Fístula; Diálisis Renal; Enfermería; Imagen Corporal

INTRODUÇÃO

No contexto de cada país, a doença renal crônica (DRC) constitui-se um grave problema de saúde pública, tendo em vista sua elevada incidência na população, sendo, atualmente, considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde(11 Guimarães GL, Gouveia VR, Mendonza IYQ, Corrêa AR, Matos SS, Guimarães JO. Profile of the patient using a central venous catheter during hemodialysis. Rev Enferm UFPE[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 10];10(12):4434-42. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11507/13382
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). No Brasil, estimou-se, em 2013, que houvesse mais de 100 mil pacientes realizando alguma terapia renal substitutiva, dos quais, 90% na modalidade de hemodiálise(22 Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Santos DR. Brazilian Chronic Dialysis Survey 2013: trend analysis between 2011 and 2013. J Bras Nefrol[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 10];36(4):476-81. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jbn/v36n4/en_0101-2800-jbn-36-04-0476.pdf
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).

A hemodiálise corresponde à extração das substâncias nitrogenadas tóxicas do sangue e do excesso de água por meio de acesso vascular, que pode ser obtido pela cateterização de veia central com cateter de dupla luz ou por meio de intervenção cirúrgica para confecção de fístula arteriovenosa (FAV)(33 Frazão CMFQ, Bezerra CMB, Paiva MGMN, Lira ALBC. Changes in the self-concept mode of women undergoing hemodialysis: a descriptive study. O Braz J Nurs[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 10];13(2):219-26. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/4209/pdf_137
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). No Brasil, a canulação de FAV é tradicionalmente efetivada pela técnica de ropeladder, caracterizada pelo uso de agulhas cortantes para punção de sítios, os quais são constantemente alternados na tentativa de se evitar traumas vasculares(44 Silva DM, Gurgel JL, Escudeiro CL. Cannulation of arteriovenous fistulas by the buttonhole technique: a case study. O Braz J Nurs[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];32(3):257-62. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/5099/pdf_835
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).

Não obstante, decorrido um determinado tempo de uso dessa técnica, são percebidos hematomas, aneurismas, cicatrizes e áreas de trombos que alteram a percepção corporal, isto é a autoimagem, do sujeito em tratamento dialítico(55 Wong B, Munner M, Wiebe N, Storie D, Shurraw S, Pannu N, et al. Buttonhole versus rope-ladder cannulation of arteriovenous fistulas for hemodialysis: a systematic review. Am J Kidney Dis[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 10];64(6):918-36. Available from: http://www.ajkd.org/article/S0272-6386(14)00984-6/pdf
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), acarretando, para além dos danos físicos, sensações e processos psicossociais que podem incorrer em dificuldades de aceitação da doença e de seus processos terapêuticos(66 Silva DM, Silva RMCRA, Pereira ER. [Aesthetic changes in the context of chronic kidney disease and complications associated to self-image]. Enferm Atual[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 14];79:50-8. Available from: https://revistaenfermagematual.com.br/uploads/revistas/17/revista.pdf Portuguese.
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).

No contexto da DRC, a FAV, entendida como a melhor via de acesso para a hemodiálise, desponta como a primeira marca física de que a doença se estabeleceu no corpo, e o sujeito passa a se ver como corpo diferente daquele que não experimenta a doença(77 Cabral LCC, Trindade FR, Branco FMFC, Baldoino LS, Silva MLR, Lago EC. [The perception of patients in hemodyalisis face to arteriovenous fistula]. Rev Interdisc[Internet]. 2013[cited 2018 Aug 10];6(2):15-25. Available from: https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/view/43/pdf_44 Portuguese.
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).

Para a fenomenologia da percepção, o corpo é elemento de reflexão, no entendimento de que ele é receptáculo da existência e da experiência de se perceber no mundo. Não é, portanto, apenas matéria biológica: é constructo social, cujas relações existenciais são assimiladas pelo contato com o outro e com o mundo, e é também elemento constitutivo da individualidade(88 Csordas T. [Cultural phenomenology embodiment: agency, sexual difference, and illness]. Educação[Internet]. 2013[cited 2018 Aug 10];36(3):292-305. Available from: http://revistaseletronicas.pucrs.br/fo/ojs/index.php/faced/article/view/15523/10187 Portuguese.
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). Assim, experimentar o adoecimento provoca um processo singular de ruptura entre o indivíduo e o seu corpo, já que a subjetividade e a percepção de ser no mundo emanam de um envolvimento prático com a realidade experimentada que se dá através do corpo(99 Matthews E. Compreender Merleau-Ponty. 2nd ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2011.).

Nessa compreensão, a complexidade da DRC e de sua terapêutica extrapola a objetividade fisiológica, exigindo um olhar para as condições psicossocioculturais que valorize a experiência e a percepção individual enquanto ser doente, com vistas ao cuidado holístico e à melhoria da qualidade de vida.

Para tanto, é imprescindível que os profissionais de saúde, em especial, o enfermeiro nefrologista, atuem de modo mais próximo a estes pacientes, exercendo a escuta terapêutica num processo de cuidar dialógico, que acolha as percepções frente às limitações impostas pela doença e pelo tratamento dialítico(1010 Silva AS, Silveira RS, Fernandes GFM, Lunardi VL, Backes VMS. [Perceptions and changes in the quality of life of patients submitted to hemodyalisis]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Aug 10];64(5):839-44. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n5/a06v64n5.pdf Portuguese.
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).

Pretende-se, com este estudo, contribuir com a prática profissional a partir da exploração de elementos subjetivos, fundamentando novos modos de cuidar que valorizem a integralidade e, por conseguinte, promovam o bem-estar e a qualidade de vida dos pacientes que vivem a DRC e a fístula em seu corpo.

OBJETIVO

Este estudo tem por objetivo compreender a vivência de pessoas com DRC em uso de FAV.

MÉTODO

Aspectos éticos

Por se tratar de pesquisas envolvendo seres humanos, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, com aprovação em junho de 2016. Foram seguidas todas as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como foram informados sobre os riscos existentes na pesquisa.

Tipo de estudo

Trata-se de estudo qualitativo e exploratório, fundamentado na fenomenologia social, que busca a compreensão dos fenômenos humanos na perspectiva da vivência do sujeito.

Procedimentos metodológicos

Foi utilizado um questionário semiestruturado contemplando dados relacionados à caracterização dos participantes relativa ao gênero, idade, tempo de diagnóstico, tempo com acesso vascular para diálise e doença de base que desencadeou a doença renal; e um roteiro contendo uma pergunta disparadora da entrevista fenomenológica.

Cenário do estudo

A pesquisa teve como cenário uma clínica de diálise privada, conveniada ao Sistema Único de Saúde, especializada no atendimento a pacientes com DRC em nível de alta complexidade, localizada na Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro.

Fonte de dados

Constituiu-se população do estudo os 163 usuários em tratamento hemodialítico na clínica em março de 2017. Para determinação da amostra foram considerados aqueles em hemodiálise com uso da técnica tradicional de punção de FAV (ropeladder) há pelo menos dois anos, e com idade igual ou superior a 18 anos. Foram delimitados como critérios de exclusão: apresentar déficit cognitivo que impossibilitasse a participação no estudo, os não aderentes ao tratamento, isto é, faltosos recorrentes e/ou que não contemplam 12h de diálise semanal, e os encaminhados para outro serviço de hemodiálise durante o período de coleta dos dados.

A escolha dos sujeitos se deu por conveniência, qualificada, neste estudo, pela presença do sujeito na clínica durante o período da coleta de dados, momento em que o pesquisador empreendia consulta ao prontuário para verificação dos critérios de elegibilidade, e, uma vez atendidos, o usuário era convidado a integrar do estudo.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram apreendidos em março de 2017 por entrevista fenomenológica operacionalizada pela seguinte questão disparadora: “Qual é a sensação em viver com uma fistula em seu corpo?”, com a qual buscou-se compreender os significados que os sujeitos conferem a sua experiência vivida enquanto corpo marcado pela FAV.

A coleta de depoimentos foi encerrada por saturação teórica, isto é, a inclusão de novos sujeitos foi suspensa quando o pesquisador assumiu que novos dados não alterariam a compreensão do fenômeno em evidência. Assim, constituíram amostra 30 depoentes, os quais foram identificados, neste estudo, pela sigla COL (de colaborador) seguido de um numeral.

Por opção dos sujeitos, as entrevistas individuais ocorreram durante o momento em que eles realizavam a diálise; foram gravadas em equipamento digital e transcritas integralmente.

Análise dos dados

Os dados de caracterização dos participantes foram analisados por estatística descritiva por meio de Microsoft Excel® 2010. Os depoimentos, por sua vez, foram tratados e analisados segundo o modelo empírico-compreensivo proposto por Amedeo Giorgi, mediante o emprego dos seguintes passos: (1) leitura aprofundada das descrições expressas pelos sujeitos da pesquisa, com o propósito de apreender o sentido do todo do fenômeno; (2) identificação das unidades de significado (UI); (3) transformação da linguagem do depoente (UI) em linguagem científica (asserções articuladas), mantendo o foco no fenômeno em evidência; (4) síntese e integração das asserções articuladas em categorias analíticas, quais sejam: A estética corporal alterada; O olhar do outro sobre o meu corpo; e A fístula como condição indissociável à manutenção da vida.

RESULTADOS

Foram sujeitos do estudo 30 depoentes com DRC em uso de FAV para terapia hemodialítica, sendo 15 homens e 15 mulheres, com média de idade de 48,2 anos. O tempo de vida com o diagnóstico de DRC variou entre 2,1 e 26 anos e o tempo em hemodiálise com uso de FAV variou entre 2,1 e seis anos. A doença de base mais prevalente foi a hipertensão arterial sistêmica (HAS), diagnosticada em 26 (86,7%) pacientes.

A estética corporal alterada

Nos depoimentos, a recorrência de unidades de significado conexas às repercussões estéticas da fístula foi correlatada às seguintes asserções articuladas: a fístula deixa marcas no corpo (19 UI); a fístula altera a estética corporal (11 UI); a fístula torna o corpo imperfeito (6 UI); e as alterações físicas decorrentes da fístula provocam baixa autoestima (4 UI).

Compreende-se que a DRC marca a estética corporal de forma contundente, quer sejam pelos sinais da doença, quer sejam pelos acessos invasivos, como a fístula, promotores de terapias mantenedoras da vida. Sob esse aspecto, a corporeidade do ser pessoa e o modo como o sujeito percebe o seu corpo ficam comprometidas, podendo gerar implicações psicossociais, como baixa autoestima e sensação de imperfeição.

Me sinto a mulher biônica. É como naquele filme em que você tem algo estranho no seu corpo, e incomoda. Incomoda a aparência [...] A aparência do meu lado como mulher [...] a aparência do braço, aquilo feio, aquelas alterações nas artérias. (Col. 1)

Realmente meu braço ficou horroroso. É horrível! E eu não gosto muito de me olhar no espelho. (Col. 20)

Me marca; uma cicatriz. Olho para ela e penso que falta alguma coisa em mim. A fístula me traz a memória da falta de alguma coisa. (Col. 21)

É muito ruim porque a gente fica com as veias dilatadas, o braço fica mais grosso que o outro, e isso me traz muito incômodo devido a esses caroços que ficam no braço. (Col. 22)

É desagradável por que cria essas bolonas no braço da gente . (Col. 26)

O olhar do outro sobre o meu corpo

Esta categoria de análise compreensiva derivou de unidades de significado que culminaram nas seguintes asserções: o outro reage sobre o corpo modificado pela fístula (57 UI); o constrangimento pelo corpo marcado e percebido pelo outro (28 UI); o corpo marcado pela fístula é camuflado (9 UI).

As repercussões estéticas estão intimamente relacionadas ao modo como o sujeito se percebe e é percebido no mundo. Em face das alterações físicas decorrentes do uso da fístula, o olhar do outro sobre o corpo marcado, que tem base na curiosidade pelo ser que é diferente, é significativo e provoca incômodo naquele que sofre, fazendo emergir sentimento de rejeição e discriminação. Nesse cenário, o sujeito se esconde ou esconde o objeto de indiscrição do outro, neste caso, a fístula, que é ocultada por vestimentas.

Quando você chega em qualquer lugar, os olhos das pessoas invadem seu corpo [...] A expressão facial das pessoas quando te olham incomoda! [...] as pessoas crescem essa reação adversa a nossa aparência. [...] Quase 100% reagem contra a imperfeição e você percebe que acham nojento, feio. (Col. 1)

O problema é o da observação das pessoas. Mas como eu uso a blusa cumprida, parou. (Col. 2)

A fístula no braço é uma coisa que chama atenção, principalmente os meus aneurismas que são muito grandes. Daí todo mundo pergunta: “isso pega?”. (Col. 6)

Incomoda, esteticamente falando, porque o pessoal repara muito. É a primeira coisa que as pessoas percebem. [...] já teve um dia de eu estar fazendo um churrasco e a mulher exigir que eu tapasse[...] . (Col. 7)

Eu sinto um pouquinho de vergonha, porque às vezes fica aquele caroção e as pessoas ficam olhando e perguntando. [...] você senta no ônibus e a pessoa chega um pouco para o canto, achando que você tem alguma coisa grave. (Col. 10)

Todo mundo olha para o meu braço. É o meu ponto de referência! Todo mundo olha: “é a menina que tem um negócio no braço”. Às vezes falam: “ah, eu vi aquela menina que tem o negócio no braço!”. É assim que o povo se refere a mim. Antigamente era a gordinha, agora é menina que tem o negócio no braço. (Col. 12)

A sensação é horrível. É para onde as pessoas olham e você vê que ficam com medo! [...] Eu não saio com o braço destampado. Eu sinto vergonha. [...] olham para você com estado de pena. [...] Eu acho que isso é falta de conhecimento e discriminação também. (Col. 16)

Me incomoda porque os outros reparam, acham isso esquisito. [...] tem gente que olha com discriminação, acha que é uma doença grave, ficam até com medo de chegar perto de mim. [...] Já perdi um relacionamento por causa disso. (Col. 18)

A fístula como condição indissociável à manutenção da vida

A despeito das implicações físicas e psicossociais de se conviver com a fístula, ela é compreendida pelos depoentes como o mecanismo que possibilita a manutenção da vida, isto é, não há vida sem fístula. E, nesse sentido, o mundo, para eles, passa a ter um novo significado, no qual coexistem sentimentos de gratidão por se manter vivo, mas também de extrema cautela pelo medo de perder a fistula, que é a fonte da existência. Tais sentimentos foram desvelados nos depoimentos a partir da recorrência de unidades de significado associadas às seguintes asserções conectivas: a fístula representa vida (24 UI); o cuidado com a fístula que emana do medo (18 UI).

É como se em algum momento a fístula vai parar e você não vai viver mais. [...] medo daquilo não funcionar mais. (Col. 1)

É ela que me mantém viva. Se não fosse ela, eu não estaria aqui. [...] meu maior medo é de eu perder a minha fístula. [...] eu tomo muito cuidado. Cuidado para dormir [...] limpo, faço tudo que eu tenho que fazer direitinho. (Col. 3)

Tenho muito cuidado para não perdê-la, para ninguém bater no meu braço, evito varrer a casa, mas para mim ela é um amor! Ela é minha vida. (Col. 5)

Eu cuido disso aqui [fístula] como se fosse um filho. (Col. 7)

A minha maior preocupação com a fístula é com ela parar de funcionar. (Col. 17)

Eu tenho a consciência de que eu tenho que mantê-la funcionando, ter um cuidado com ela. (Col. 21)

DISCUSSÃO

A DRC é uma morbidade com repercussões no comportamento individual, em que muitas vezes a existência do sujeito é posta em causa no contexto das interações familiares e sociais. A realidade situada na percepção do sujeito em terapia hemodialítica em uso de FAV traz a possibilidade de re-significar essa nova condição de saúde/doença, porém, muitas vezes, esse sujeito situa-se num mundo de impossibilidades que, ao confrontar-se com as marcas impostas pela doença em seu corpo, se percebe e é percebido como um ser diferente no mundo da vida.

Nesse sentido e considerando os pressupostos da integralidade da atenção à saúde, o cuidado destinado aos sujeitos que experienciam a DRC deve considerar não apenas os elementos biológicos, mas também os psicossociais. Para tanto, é preciso estabelecer um diálogo entre as evidências científicas práticas relativas à doença, seus sintomas e suas técnicas terapêuticas com as experiências vivenciadas pelos sujeitos, conectando o raciocínio clínico à subjetividade(1111 Santos RP, Neves ET, Carnevale F. Qualitative methodologies in health research: interpretive referential of Patricia Benner. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 10];69(1):192-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/en_0034-7167-reben-69-01-0192.pdf
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).

A compreensão da vivência de pessoas em hemodiálise com uso de FAV remete o sentido da fenomenologia social de que toda ação é construída socialmente e tem origem no contexto existencial, em que estão imbricadas a compreensão da vivência que é mediada pela corporeidade, temporalidade, preocupações e significados atribuídos à experiência(1111 Santos RP, Neves ET, Carnevale F. Qualitative methodologies in health research: interpretive referential of Patricia Benner. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 10];69(1):192-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n1/en_0034-7167-reben-69-01-0192.pdf
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).

Neste estudo, a ação em foco – o uso de FAV – revelou que as pessoas que possuem esse acesso vascular partem de um contexto marcado pela iminência da morte. Nessa compreensão, a fístula constitui-se como possibilidade de manutenção da vida, não obstante o contexto de significados que revela um corpo que se percebe e é percebido como imperfeito, marcado por alterações estéticas.

As marcas que se instauram no corpo dos pacientes não incidem apenas nos braços, elas perpassam toda a estrutura corporal através da percepção. Elas tomam formas, tamanhos e sentimento de frustração e baixa autoestima ao se confrontar com o mundo vivido. A percepção do sujeito que vivencia a FAV é uma realidade que está impressa em seu corpo, visto e falado, sentido e percebido. Isto porque o sujeito não se constitui como presença absoluta a si, sem corpo e sem história interpostos, ele é construção contínua visível(1212 Merleau-Ponty M. Fenomenologia da percepção. 4th ed. São Paulo: Martins Fontes; 2011.).

O repensar o corpo separado do braço que vivencia a FAV não é fenômeno desencadeado meramente pela marca instaurada no corpo como consequência do tratamento; de tal modo, o ato de esconder o membro por meio de vestimentas, para além de instaurar um processo de não reconhecimento de si, representa uma tensão entre este corpo compreendido como danificado e o ideário socialmente construído de que o corpo precisa ser sadio, perfeito, semelhante entre os outros. Há, então, um corpo-doente que exprime dor para além do corpo biológico, que é percebido pelo outro, e que produz e incorpora novos significados(1313 Gomes DRG, Próchmo CCSC. [The ill person-body, the hospital and psychoanalysis: contemporary unfoldings?] Saúde Soc[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];24(30):780-91. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v24n3/0104-1290-sausoc-24-03-00780.pdf Portuguese.
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).

As marcas derivadas da FAV são causas de curiosidade e, muitas vezes, de discriminação. Frente ao olhar do outro, o sujeito produz representações sobre o corpo alterado que o fazem se sentir esquisito e, nesse movimento, emergem sensações de constrangimento e de angústia que, por sua vez, intensificam o sofrimento e tem grande impacto na autoimagem(66 Silva DM, Silva RMCRA, Pereira ER. [Aesthetic changes in the context of chronic kidney disease and complications associated to self-image]. Enferm Atual[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 14];79:50-8. Available from: https://revistaenfermagematual.com.br/uploads/revistas/17/revista.pdf Portuguese.
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,1414 Tjaden L, Tong A, Henning P, Groothoff J, Craig JC. Children's experiences of dialysis: a systematic review of qualitative studies. Arch Dis Child[Internet]. 2012[cited 2018 Aug 10];97(5):395-402. Available from: http://adc.bmj.com/content/97/5/395
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-1515 Pennafort VPS, Queiroz MVO, Jorge MSB. Children and adolescents with chronic kidney disease in an educational-therapeutic environment: support for cultural nursing care. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2012[cited 2018 Aug 10];46(5):1057-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n5/en_04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n5/en...
).

Estudos sobre o tema têm apontado que a mudança na percepção de autoimagem prejudica a identidade do sujeito enquanto ser social, provoca desequilíbrio emocional e sentimento de inferioridade, fragiliza o sentido de viver(1616 Silva AL, Teixeira RA, Cristina M, Goulart V, Barreto M. Perdas físicas e emocionais de pacientes renais crônicos durante o tratamento hemodialítico. Rev Bras Saúde Func[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 10];2(2):52-65. Available from: http://www.seer-adventista.com.br/ojs/index.php/RBSF/article/view/470/454
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17 Frota MA, Martins MC, Vasconcelos VM, Machado JC, Landin FLP. [Life quality of children with chronic renal failure]. Esc Anna Nery[Internet]. 2010[cited 2018 Aug 10];14(3);527-33. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v14n3/v14n3a14.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v14n3/v14n3...
-1818 Abreu IS, Kourrouski MFC, Santos DMSS, Bullinger M, Nascimento LC, Lima RAG, et al. Children and adolescents on hemodialysis: attributes associated with quality of life. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 10];48(4):602-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n4/0080-6234-reeusp-48-04-601.pdf
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), e está associada à sintomatologia depressiva em pacientes com DRC(1919 Costa FG, Coutinho MPL, Melo JRF, Oliveira MX. [Depression tracking in the context of chronic renal failure]. Temas Psicol[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 10];22(2):445-55. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v22n2/v22n2a15.pdf Portuguese.
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).

Essa perspectiva ganha notoriedade na fala de um dos depoentes que afirma sentir-se como a mulher biônica. Trata-se de uma personagem criada na década de 1970 que, após um acidente que lesiona seriamente os seus membros, recebe implantes biônicos, entre eles um novo braço com força extraordinária. No entanto, há rejeição dos implantes e a personagem passa a ter dores extremas e problemas psíquicos, que determinam a cirurgia de retirada dos implantes, procedimento durante o qual a personagem morre. Em seguida, é reavivada por procedimentos experimentais, mas tem sua memória e identidades perdidas(2020 Pilato HJ. The Bionic Book: the Six Million Dollar Man and the Bionic Woman Reconstructed. Albany: BearManor Media; 2015.).

Traçando um paralelo desse enredo com o sujeito em perspectiva neste estudo, pode-se assumir o acidente como a instalação da DRC, isto é a perda de funcionalidade do rim; o braço biônico como o braço que recebeu a FAV no entendimento de que ela é um implante, algo que foi introduzido no corpo e que, embora o mantenha vivo, trata-se de um aparato externo ao corpo original; e a cirurgia de retirada de implante seguida da morte representa a possibilidade da perda da FAV e, consequentemente, da vida. Todo esse contexto abriga novas representações do corpo e do sentido de ser, que suscita uma desorganização no senso de identidade.

Significa dizer que, antes de ser corpo com essa doença, as marcas infligidas pelo tratamento não guardavam qualquer significado em sua existência. Mas o novo modo de se apresentar ao mundo re-significa a percepção que se tem da estrutura corporal e, em alguns casos, a sua fala tenta negar tais efeitos através do “conformismo”, não raro, pelos corredores das clínicas de diálise e no mundo da vida, como já evidenciado por outros estudos(2121 Cavalcante MCV, Lamy ZC, Santos EC, Costa JM. [Chronic kidney disease patients in the productive phase: perception of limitations resulting from illness]. Rev Med Minas Gerais[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];25(4):484-92. Available from: http://www.rmmg.org/exportar-pdf/1861/v25n4a04.pdf Portuguese.
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-2222 Terra FS, Costa AMDD, Ribeiro CCS, Nogueira CS, Prado JP, Costa MD, et al. [The holder of chronic kidney failure and its dependence on hemodialysis treatment: phenomenological understanding]. Rev Bras Clin Med[Internet]. 2010[cited 2018 Aug 10];8(4):306-10. Available from: http://files.bvs.br/upload/S/1679-1010/2010/v8n4/a003.pdf Portuguese.
http://files.bvs.br/upload/S/1679-1010/2...
).

O conformismo geralmente se caracteriza pela passividade e resignação frente ao evento da doença e do tratamento. De tal modo, aparenta-se uma falsa adaptação à situação vivenciada que acoberta o medo, resultando ou agravando o sofrimento. O que se precisa promover é a resiliência que, diferente do conformismo, indica adaptação positiva e aceitação ativa da condição de doença, permitindo o desenvolvimento de capacidades internas de enfrentamento(2323 Böell JEW, Silva DMGV, Hegadoren KM. Sociodemographic factors and health conditions associated with the resilience of people with chronic diseases: a cross sectional study. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 10];24:e2786. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v24/0104-1169-rlae-24-02786.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v24/0104-1...
-2424 Paiva ACPC, Salimena AMO, Souza ÍEO, Melo MCSC. [Meaning of diagnosis of breast neoplasms phenomenological undertanding of women]. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];29(1):59-67. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/12239/9543 Portuguese.
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...
).

A aceitação ativa da própria doença e dos aspectos inerentes ao tratamento é fator positivo que pode estimular o sujeito a adaptar-se ao novo modo de vida. O sujeito estimulado com atitudes positivas está mais inclinado a aderir ao tratamento e a se autocuidar(2525 Pessoa NRC, Linhares FMP. Hemodialysis patients with arteriovenous fistula: knowledge, attitude and practice. Esc Anna Nery[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];19(1):73-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n1/en_1414-8145-ean-19-01-0073.pdf
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). Nesse sentido, o enfermeiro, enquanto profissional especializado no cuidado direto à FAV, deve suscitar o desenvolvimento da resiliência e do autocuidado. Não um autocuidado que emana do medo de perder a fístula e, por consequência a vida, pois este limita o sujeito em diferentes aspectos; mas um autocuidado reflexivo, pautado em conhecimentos dialogados e no reconhecimento de si como ser ativo e em permanente construção.

O enfermeiro, ao perceber o medo em se perder a FAV, que é considerada pelo sujeito como órgão vital, deve empoderar-se da educação em saúde como ferramenta do cuidado em enfermagem, eliminando as dúvidas acerca dos cuidados que se deve ter com o acesso vascular, e estimulando o sujeito a compreender esse sentimento, destituindo-o enquanto fator de limitação.

A sensibilidade do enfermeiro faz a diferença no cuidado ao sujeito em sua nova condição de vida, assim, a compreensão técnica da DRC não deve neutralizar a compreensão humana por trás da hemodiálise; o acolhimento faz parte do cuidado sensível. Agir sensivelmente é uma construção necessária do enfermeiro; perceber o outro, em sua complexidade, é um passo essencial para a efetividade da prática-cuidado, isto porque é sabido que a consciência de si na doença é uma aliada para a manutenção do tratamento, e a equipe de enfermagem pode agir como catalisadora deste processo.

O cuidado holístico do enfermeiro através da escuta sensível precisa ser resgatado e perceber que este se revela no paciente com toda sua força para lutar, e também com suas queixas. O passado outrora vivido sem a necessidade de hemodiálise, volta no discurso, volta na alternância de humor; assim, necessária é a compreensão do enfermeiro que atua na realidade nefrológica, cujos desafios não são apenas relacionados a conhecimentos específicos, eles transcendem: o corpo que se transforma está diante dele, de tal modo será necessária a vinculação dialética do sujeito-enfermeiro.

O pensa/fazer do enfermeiro ao acolher o sujeito em uso de FAV precisa ser terapêutico, valorizando não apenas o cuidado biológico, mas também o vínculo pulsante, que promova o desenvolvimento de habilidades profissionais para o cuidado estético como viabilizador de re-siginificação da existência desse sujeito no contexto biopsicossocial.

As constantes punções de FAV para a hemodiálise realizadas pelos enfermeiros nefrologistas apresenta-se para o paciente como a certeza que lhes traz a vida, mas também o sofrimento. Em termos fisiológicos, a complicação da FAV que mais tem sido geradora de sentimentos negativos nos sujeitos em hemodiálise, inclusive nos sujeitos desta pesquisa, é a formação de pseudoaneurismas, que são resultantes da hemostasia inadequada e extravasamento de sangue após a remoção de agulhas de diálise(2626 Daugirdas JT, Blake PG, Ing TS. Manual de diálise. 5th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016.). Esta complicação tem se mostrado como a maior alteração estética provocada por procedimentos de enfermagem no uso da técnica tradicional em punção de FAV (ropeladder), dificultando a reinserção do sujeito na sua vida laboral e social em razão do estigma.

Frente à cronicidade da DRC e às complicações provocadas pela técnica de ropeladder(2525 Pessoa NRC, Linhares FMP. Hemodialysis patients with arteriovenous fistula: knowledge, attitude and practice. Esc Anna Nery[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];19(1):73-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n1/en_1414-8145-ean-19-01-0073.pdf
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), outra técnica para punção de FAV tem ganhado notoriedade no Brasil: buttonhole ou botoeira. Embora pouco utilizada no País, a técnica de botoeira já tem sido preferência entre àqueles submetidos à hemodiálise por meio de FAV(2727 Silva DM, Gurgel JL, Escudeiro CL, Ferreira HC. Patient satisfaction with the buttonhole technique. Cogitare Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];20(3):482-6. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/41576/26300
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). Estudos indicam que essa técnica, em comparação com a tradicional, está relacionada a menores taxas de complicações, como hematomas, infiltrações e aneurismas, e, por consequência, à menor probabilidade de alterações na imagem corporal(2727 Silva DM, Gurgel JL, Escudeiro CL, Ferreira HC. Patient satisfaction with the buttonhole technique. Cogitare Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];20(3):482-6. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/41576/26300
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28 Castro MCM, Silva CF, Souza JMR, Assis MCSB, Aoki MVS, Xagoraris M, et al. Arteriovenous fistula cannulation by buttonhole technique using dull needle. J Bras Nefrol[Internet]. 2010[cited 2018 Aug 10];32(3):281-5. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jbn/v32n3/en_v32n3a10.pdf
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-2929 Muir CA, Kotwal SS, Hawley CM, Polkinghorne K, Gallagher P, Snelling P, et al. Buttonhole cannulation and clinical outcomes in a home hemodialysis cohort and systematic review. Clin J Am Soc Nephrol[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 10];9(1):110-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3878698/?report=reader
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).

Assim, uma forma de minimizar o sofrimento do paciente no cuidado direto à FAV é utilização de outras técnicas de punção, como a botoeira, que já tem se mostrado útil e eficiente, além de possibilitar a autocanulação durante a terapia, dando ainda mais protagonismo e autonomia do sujeito no seu processo de autocuidado(2727 Silva DM, Gurgel JL, Escudeiro CL, Ferreira HC. Patient satisfaction with the buttonhole technique. Cogitare Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 10];20(3):482-6. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/41576/26300
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).

No contexto do adoecimento, vale destacar que a percepção do sujeito é colocada em questão, e que o enfermeiro precisa perceber que ele se apresenta com suas necessidades humanas básicas em desequilíbrio e que criar habilidades para o desenvolvimento de ações de cuidado para o sujeito compreende todas os aspectos fisiológicos e terapêuticos, as emoções, limitações, dores e frustrações vivenciadas no contexto de saúde/doença provocadas pelas alterações na FAV.

Limitações do estudo

Este estudo encontra limitação no desenho adotado, representado pela entrevista fenomenológica, uma vez que ela depende da interpretação compreensiva dos pesquisadores com base dos depoimentos fornecidos. As análises produzidas sobre as declarações podem ter sofrido influência das percepções dos próprios investigadores, o que se tentou coibir mediante interlocução com inferências de outros estudos e com o debruçar sobre o referencial teórico. A escassez de literatura que considere a percepção de pacientes quanto ao uso de FAV para tratamento por hemodiálise pode, também, ter prejudicado a profundidade da discussão.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados deste estudo contribuem para uma perspectiva de intervenção clínica, com pessoas que vivenciam a hemodiálise por meio de FAV, que não se limita aos aspectos biofisiológicos, instigando novas possibilidades de cuidar que considerem a percepção do adoecido sobre o seu corpo e a estética corporal como produtora de representações que podem desencadear complicações de ordem psicossociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise compreensiva dos depoimentos dos sujeitos com DCR e em uso de FAV desvelou que esse acesso venoso deixa marcas no corpo que alteram a estética corporal, tornando o corpo imperfeito. Essas alterações físicas provocam baixa autoestima, e atraem o olhar do outro, causando constrangimento naquele que tem o corpo marcado. Esse, por sua vez, reage camuflando a fístula, sem a qual não há vida. Dessa percepção surge o medo, que atua como catalisador para o autocuidado.

Muito embora o avanço tecnológico acerca do tratamento aos portadores de DRC, no campo da saúde, tenha evoluído satisfatoriamente com materiais e produtos inovadores, ainda precisa refinar cuidados de enfermagem a partir das percepções daquele que vivencia a experiência de adoecimento e de tratamentos que impõem alterações estéticas e, por conseguinte, complicações psicossociais.

Isso implica no preparo e formação de enfermeiros com um olhar que ultrapasse a ideia de assistência baseada apenas em procedimentos que melhorem o estado biológico: é preciso desenvolver o cuidado dialógico, que considere, também, a percepção do sujeito sobre o seu corpo enquanto ser-no-mundo em terapia hemodialítica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2017
  • Aceito
    07 Fev 2018
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