Cultura de segurança: percepção dos profissionais de saúde em um hospital mental

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a cultura de segurança do paciente em um serviço de saúde mental.

Método:

Estudo transversal realizado com profissionais da saúde em um hospital mental, aplicando-se o Safety Attitudes Questionnaire (SAQ). Foram realizadas análises descritivas e inferenciais.

Resultados:

Participaram do estudo 103 profissionais, com predominância do sexo feminino (64,1%) e tempo de atuação igual ou superior a 21 anos (32,4%). Os profissionais de enfermagem de nível técnico e com regime de trabalho estatutário foram os mais participativos, 54,4% e 52% respectivamente. O escore total foi 69 pontos. O domínio que atingiu maior escore foi Satisfação no trabalho (80 pontos) e o menor foi Condições de trabalho (57 pontos). Os profissionais estatutários e com maior tempo de experiência profissional obtiveram melhores escores na percepção de cultura de segurança.

Conclusão:

O resultado de cultura de segurança foi abaixo do recomendado, apontando a necessidade de fortalecimento desse construto nos hospitais de saúde mental.

Descritores:
Segurança do Paciente; Cultura Organizacional; Saúde Mental; Assistência ao Paciente; Hospitais Psiquiátricos

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the culture of patient safety in a mental health service.

Method:

Cross-sectional study conducted with health professionals in a mental hospital, by applying the Safety Attitudes Questionnaire (SAQ). Descriptive and inferential analyses were performed.

Results:

One-hundred and three professionals participated in the study, with female predominance (64.1%) and time of performance equal to or greater than 21 years (32.4%). The nursing professionals of technical level and with statutory work regime were the most participative, 54.4% and 52% respectively. The total score was 69 points. The domain that reached the highest score was Job satisfaction (80 points) and the lowest was Working conditions (57 points). The statutory professionals and those with longer professional experience obtained better scores in the perception of safety culture.

Conclusion:

The result of safety culture was below the recommended, indicating the need for strengthening this construct in mental health hospitals.

Descriptors:
Patient Safety; Organizational Culture; Mental Health; Patient Care; Psychiatric Hospitals

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la cultura de seguridad del paciente en un servicio de salud mental.

Método:

Estudio transversal realizado con los profesionales de la salud en un hospital mental, aplicándose el Safety Attitudes Questionnaire (SAQ). Fueron realizados análisis descriptivos e inferenciales.

Resultados:

Participaron del estudio 103 profesionales, con predominancia del sexo femenino (el 64,1%) y el tiempo de actuación igual o superior a 21 años (el 32,4%). Los profesionales de enfermería de nivel técnico y con régimen de trabajo estatutario fueron los más participativos, el 54,4% y el 52% respectivamente. El resultado total fue 69 puntos. El dominio que alcanzó el resultado más grande fue el de Satisfacción en el trabajo (80 puntos) y el más pequeño fue el de Condiciones de trabajo (57 puntos). Los profesionales estatutarios y con tiempo más grande de experiencia profesional obtuvieron mejores resultados en la percepción de cultura de seguridad.

Conclusión:

El resultado de cultura de seguridad fue debajo de lo recomendado, indicando la necesidad de fortalecimiento de ese constructo en los hospitales de salud mental.

Descriptores:
Seguridad del Paciente; Cultura Organizacional; Salud Mental; Asistencia al Paciente; Hospitales Psiquiátricos

INTRODUÇÃO

Entende-se por saúde mental um campo de conhecimento e atuação complexo, plural e intersetorial, que exige a transversalidade de saberes e práticas. Nesse contexto do cuidado em saúde, os trabalhadores representam importantes atores sociais, cujo cotidiano de assistência é marcado por desafios, contradições e luta por políticas de saúde mental. Um dos desafios crescentes nesse campo é a discussão sobre a cultura de segurança do paciente, devido à sua relevância e à prioridade de atenção recebida globalmente⁽¹⁾.

A segurança do paciente foi definida como sendo a redução do risco de danos, além do necessário, durante a prestação de cuidados de saúde ao mínimo possível⁽²⁾. Diante disso, vem se trabalhando a cultura de segurança nas instituições, a qual é necessária para que se tenha uma organização segura. Assim, ela é estabelecida como o conjunto de valores, atitudes, competências e comportamentos que determinam o comprometimento com a gestão da saúde e segurança, substituindo a culpa e a punição pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenção à saúde⁽³⁾.

A cultura de segurança se configura a partir de cinco características operacionalizadas pela gestão de segurança da instituição, são elas: reconhecimento por todos os trabalhadores da responsabilidade pela sua própria segurança, de seus colegas, pacientes e familiares; priorização da segurança acima de metas financeiras e operacionais; encorajamento e recompensa da identificação, notificação e resolução dos problemas relacionados à segurança; aprendizado organizacional a partir de incidentes; disponibilização de recursos, estrutura e responsabilização para a manutenção efetiva da segurança⁽³⁾. Dentre as instituições em saúde, destaca-se nesse trabalho a cultura de segurança do paciente nos hospitais de saúde mental.

Embora o movimento de reforma psiquiátrica aponte o processo de desinstitucionalização, enfatizando a necessidade de (re)socialização das pessoas em sofrimento mental junto a outros dispositivos da rede psicossocial, ainda (re)existem hospitais psiquiátricos em atuação no país que precisam ser estudados. Esses hospitais enfrentam muitos desafios no contexto de atenção à saúde brasileira, envolvendo dificuldades na gestão dos serviços, alta demanda de usuários e escassez de recursos humanos qualificados, ressaltando cenários críticos e complexos⁽⁴⁾.

Além disso, pode-se citar desafios referentes à qualidade das relações humanas entre a equipe multiprofissional e os próprios pacientes, visto que os pacientes psiquiátricos podem, a depender do seu quadro clínico, apresentar agitação psicomotora, praticar violência física, agressões verbais, suicídio, destruição de material, fugas, crises de choro, homicídios, entre outras intercorrências psiquiátricas⁽⁵⁾.

As questões organizacionais repercutem na cultura de segurança, que é essencial para a qualificação do cuidado prestado⁽⁶⁾. Ratifica-se a esse fato os erros de medicação tão comuns em psiquiatria, todavia ainda recebam pouca atenção, e devido à magnitude dos resultados advindos de tal evento, deveriam ser prioridades de investigações⁽⁷⁾.

Desse modo, percebe-se a importância de pesquisas que avaliem a cultura de segurança nas instituições de saúde, em destaque os hospitais de saúde mental, pois alguns autores evidenciam a escassez de estudos que abordem temas relacionados à segurança nesses ambientes^(6-7).

Corroborando com esse pensamento, salienta-se o uso do Questionário de Atitudes de Segurança, do inglês Safety Attitudes Questionnaire (SAQ), que se caracteriza como um dos instrumentos mais utilizados para avaliar a cultura de segurança e é capaz de fornecer informações sobre a necessidade de implementação de mudanças na instituição⁽⁸⁾. Nesse sentido, objetivou-se avaliar a percepção da cultura de segurança dos profissionais que atuam em um hospital de saúde mental.

OBJETIVO

Avaliar a percepção da cultura de segurança dos profissionais da saúde que atuam em hospitais de saúde mental.

MÉTODO

Aspectos éticos

Seguiram-se os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, de modo que o estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC-UFC). A pesquisa fez parte de um projeto amplo desenvolvido com recursos do Programa Pesquisa Para o SUS (PPSUS), denominado Cultura de segurança: percepção dos profissionais de saúde de três hospitais públicos do estado do Ceará.

Para a realização da coleta de dados foram explanados os objetivos e a metodologia do estudo aos sujeitos que aceitaram participar da pesquisa, sendo solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Ressalta-se que foi garantida aos sujeitos a participação livre e espontânea na pesquisa e seu anonimato foi preservado.

Desenho, local do estudo e período

Estudo descritivo-exploratório transversal, com abordagem quantitativa, desenvolvido em todos os setores de um hospital de saúde mental, referência para o atendimento em psiquiatria no estado do Ceará, situado em Fortaleza, região Nordeste do Brasil. A coleta de dados ocorreu entre os meses de janeiro e julho de 2016.

População, critérios de inclusão e exclusão

Foram entregues 250 questionários para todos os profissionais de saúde da instituição. A amostra do estudo foi por conveniência, sendo composta por 103 profissionais de saúde que devolveram o instrumento preenchido e atenderam aos seguintes critérios de inclusão: possuir carga horária igual ou superior a 20 horas semanais e exercer suas atividades há pelo menos um mês nos respectivos setores da coleta de dados. Foram excluídos os profissionais afastados de suas atividades laborais por motivo de férias ou licença durante o período da coleta de dados, e aqueles que não devolveram o questionário preenchido após tentativas de contato. A amostra incluiu médicos residentes, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e farmacêuticos.

Instrumento de coleta

Os dados foram coletados por meio do questionário Safety Attitudes Questionnaire (SAQ), traduzido e validado para a realidade dos hospitais brasileiros⁽⁸⁾.

O SAQ é dividido em duas etapas: a primeira contém 41 questões que contemplam os seis domínios e a segunda etapa possui dados de caracterização dos profissionais, como cargo exercido, gênero, atuação principal e tempo de atuação. Os seis domínios são divididos da seguinte forma: Clima de trabalho em equipe, Clima de segurança, Satisfação no trabalho, Percepção do estresse, Percepção da gerência e Condições de trabalho. A resposta de cada questão segue a escala de cinco pontos de Likert. O escore final varia de 0 a 100 pontos, no qual zero corresponde à pior percepção de cultura de segurança e 100, à melhor percepção. São considerados valores positivos quando o total do escore é ≥ 75⁽⁹⁾.

Análise dos resultados e estatística

Após a coleta, os dados foram inseridos em um banco de dados no Excel^® e, posteriormente, processados no Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 18.0. As variáveis categóricas foram descritas em números absolutos e percentuais e as quantitativas expressas por média e desvio-padrão. Para comparar as médias, aplicou-se o teste de Kruskal-Wallis para as variáveis categóricas e o teste t ou Mann-Whitney para as quantitativas ordinais. O nível de significância considerado para o estudo foi de 0,05.

RESULTADOS

O estudo incluiu 103 profissionais de saúde, sendo a maioria do sexo feminino (n = 66; 64,1%) e com regime de trabalho estatutário (n = 54; 52%). Em relação ao tempo de atuação profissional, houve predominância do período igual ou superior a 21 anos (n = 33; 32,4%), seguido pelo intervalo de 5 a 10 anos (n = 23; 22,5%) e, por fim, atuação de 11 a 20 anos (n = 9; 8,8%). Quanto à categoria profissional, os técnicos e auxiliares de enfermagem foram os que mais preencheram o instrumento (n = 56; 54,4%).

No tocante à análise descritiva dos domínios do SAQ, a média variou de 57 a 80 pontos, com um escore total de 69 pontos. Apenas três domínios, Clima de trabalho em equipe, Satisfação no trabalho e Percepção do estresse, atingiram valores ≥ 75 pontos, considerado como o adequado para uma boa cultura de segurança (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição por domínio do Questionário de Atitudes de Segurança (SAQ) das médias do hospital de saúde mental, Fortaleza, Ceará, 2016

Domínios do SAQ	Média	DP
Clima de trabalho em equipe	75	17
Clima de segurança	65	19
Satisfação no trabalho	80	17
Percepção do estresse	76	25
Percepção da gerência:
Unidade	60	23
Hospital	61	25
Condições de trabalho	57	25
SAQ total	69	13

• Nota: SAQ – Questionário de Atitudes de Segurança; DP = desvio-padrão.

A cultura de segurança do hospital estudado variou de acordo com o regime de trabalho (estatutário ou terceirizado) e com o tempo de atuação. Quanto ao regime de trabalho, os profissionais estatutários apresentaram uma média de escore total maior do que os profissionais terceirizados, 71 e 68 pontos, respectivamente. Quando analisados separadamente, os profissionais estatutários apresentaram diferença superior entre as médias dos profissionais terceirizados nos domínios Clima de segurança, Satisfação no trabalho, Percepção da gerência e Condições de trabalho. A Percepção da gerência e as Condições de trabalho foram os domínios que apresentaram os menores valores para os profissionais com regime de trabalho terceirizado, com diferença estatisticamente significativa para Condições de trabalho (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição da média de regime de trabalho por domínio do Questionário de Atitudes de Segurança (SAQ), Fortaleza, Ceará, 2016

	Regime de trabalho
	Terceirizado		Estatutário
	Média	DP	Média	DP	p
Clima de trabalho em equipe	77	17	75	16	0,262
Clima de segurança	64	18	67	20	0,865
Satisfação no trabalho	77	18	79	15	0,941
Percepção do estresse	76	24	75	27	0,784
Percepção da gerência total (unidade e hospital)	61	22	66	19	0,865
Percepção da gerência (unidade)	60	22	65	21	0,926
Percepção da gerência (hospital)	59	27	70	21	0,248
Condições de trabalho	54	26	65	21	0,008*
SAQ total	68	13	71	11	0,783

• Nota: (*) p < 0,05 teste t; SAQ – Questionário de Atitudes de Segurança; DP = desvio-padrão.

Quanto ao tempo de atuação, os profissionais com menos de seis meses de trabalho obtiveram o melhor escore nos domínios Satisfação no trabalho (89 pontos) e Condições de trabalho (72 pontos) e o pior escore no domínio Clima de segurança (37 pontos), quando comparados aos demais profissionais com tempo de atuação superior a seis meses. Destaca-se que os profissionais com 1 a 2 anos de atuação apresentaram o melhor escore total (71 pontos), seguido por profissionais com um intervalo de 11 a 20 anos de atuação (70 pontos). Os domínios de Percepção da gerência foram os que apresentaram menor média para todos os profissionais (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição da média dos escores do tempo de atuação por domínio do Questionário de Atitudes de Segurança (SAQ), Fortaleza, Ceará, 2016

	Tempo de atuação
	Média
	< 6 meses	6 a 11 meses	1 a 2 anos	3 a 4 anos	5 a 10 anos	11 a 20 anos	≥ 21 anos
Clima de trabalho em equipe	75	77	73	71	76	77	74
Clima de segurança	37	64	69	68	61	69	65
Satisfação no trabalho	89	68	73	73	75	79	81
Percepção do estresse	81	85	83	75	75	66	73
Percepção da gerência total (unidade e hospital)	55	56	63	57	62	63	61
Percepção da gerência (unidade)	53	55	62	55	63	68	58
Percepção da gerência (hospital)	56	57	61	68	61	59	62
Condições de trabalho	72*	61	65	52	55	67	54
SAQ total	68	67	71	67	67	70	69

• Nota: (*) p < 0,05 teste de Kruskal-Wallis; SAQ – Questionário de Atitudes de Segurança.

DISCUSSÃO

De acordo com os resultados encontrados, observou-se predominância do sexo feminino e maior participação dos profissionais de enfermagem como respondentes da pesquisa. Esse achado corrobora com estudos nacionais^(10-11) e internacionais^(12-13) realizados nos últimos anos.

A presença feminina nos cuidados de saúde, em especial na equipe de enfermagem, ainda é uma realidade na profissão. No entanto, a desigual proporção entre enfermeiros do sexo masculino e feminino vem sendo modificada, característica confirmada pelo último censo nacional realizado com profissionais de enfermagem^(14-15).

Verificou-se que o tempo de atuação profissional igual ou superior a 21 anos e o regime de trabalho estatutário foram mais prevalentes. Os dados demonstram que profissionais com esse tipo de vínculo empregatício permanecem mais tempo nas instituições, refletindo na menor rotatividade dos profissionais. Instituições com menores taxas de rotatividade tendem a ter um número mais baixo de quedas de pacientes e menor ocorrência de eventos adversos com medicamentos⁽¹⁶⁾.

O Clima de segurança variou de acordo com cada domínio, tempo de atuação e regime de trabalho. A análise descritiva dos domínios do SAQ mostrou que a média variou de 57 a 76 pontos, com um escore total de 69 pontos, resultado abaixo do satisfatório. Estudo destaca que quanto menor a pontuação atingida na escala, mais frágil está a cultura de segurança da unidade⁽⁸⁾.

Uma pesquisa realizada em hospitais do oeste da Lituânia destacou que profissionais que trabalhavam em unidades psiquiátricas apresentavam uma cultura de segurança inferior quando comparados a profissionais atuantes em outras unidades. Os autores sugerem que tal achado pode estar relacionado às particularidades do ambiente, uma vez que os profissionais dessa área podem ser submetidos à violência física ou psicológica pelos pacientes. A necessidade de controlar o sofrimento de outra pessoa pode levar ao aumento do nível de estresse interpessoal e impactar na capacidade de atender às necessidades dos pacientes, caso a equipe não esteja preparada efetivamente para lidar com esse público⁽¹⁷⁾.

Nesse seguimento, um estudo conduzido nos Estados Unidos destacou a importância de promover a cultura de segurança nesses cenários, algo que só pode ocorrer com o envolvimento do paciente, da família e da gestão, dado que o ambiente de saúde mental possui necessidades específicas que precisam ser reconhecidas pela gerência⁽¹⁸⁾.

Ao fazer a análise por domínios, apenas três atingiram valores positivos (≥ 75 pontos). Resultado que vai ao encontro de outras pesquisas realizadas em contextos diferentes, que também evidenciaram escores positivos para os domínios Satisfação no trabalho, Percepção do estresse e Clima de trabalho em equipe^(11,19-21).

O domínio Satisfação no trabalho obteve o melhor resultado quando comparado aos demais domínios. Essa percepção positiva dos profissionais é um fator favorável, uma vez que a qualidade da assistência prestada e, consequentemente, a segurança do paciente estão diretamente relacionadas à satisfação.

O trabalho em saúde mental possui várias especificidades, as quais demandam dos profissionais habilidades necessárias para lidar com o ser humano, tendo em vista seu trabalho diário com o sofrimento psíquico dos pacientes. Para atuar no campo da saúde mental é necessário o olhar ampliado para além da doença – o cuidado deve ser integral e extensivo à família. Novos saberes precisam ser construídos de modo a serem utilizados na prática. A inclusão social deve ocorrer, reinserindo a pessoa com transtorno mental na sociedade e na família. Essa especificidade do trabalho tem exigido mais habilidades e competências dos trabalhadores de saúde mental⁽²²⁾.

Dessa forma, os profissionais estão mais expostos a situações que podem influenciar na satisfação do seu trabalho. Fatores intrínsecos (como a motivação pessoal, bem-estar) ou extrínsecos (relacionamento interpessoal, remuneração) ao ambiente de trabalho estão relacionados à satisfação e têm consequência direta na vida do trabalhador, refletindo na postura que assume ao realizar seu trabalho^(11,19-20).

Apesar das dificuldades encontradas nos serviços de saúde mental, os profissionais estão satisfeitos com o trabalho que desempenham, mesmo sendo considerado um cenário ainda repleto de pensamentos preconceituosos. Esse resultado contraria o estigma que o hospital mental ainda possui e contribui para garantir a segurança do paciente⁽²³⁾.

Nessa discussão, apreende-se que a satisfação que os profissionais afirmaram ter em relação ao seu trabalho possui influência direta na qualidade da assistência ofertada, pois profissionais satisfeitos tendem a permanecer na instituição por mais tempo, aumentando as oportunidades de criação de vínculo com a organização, conhecendo seus protocolos e aproximando-se da gestão⁽²⁴⁾.

A Percepção de estresse foi o segundo domínio que alcançou escore positivo, ou seja, os profissionais reconhecem que os fatores estressores, sejam eles carga de trabalho excessiva, cansaço, situações tensas ou hostis, influenciam diretamente a execução do trabalho.

Contrariando os resultados encontrados, uma pesquisa realizada em cinco Unidades de Terapia Intensiva, em hospitais públicos regionais de uma cidade da Grécia, destacou a Percepção de estresse como o domínio que teve a pontuação mais baixa, ou seja, o resultado geral indicou que os profissionais gregos não concordavam que são menos efetivos quando estão cansados⁽²⁵⁾. Entretanto, a literatura aponta a sobrecarga de trabalho como uma das principais fontes de estresse, bem como o intenso contato interpessoal, próprio do trabalho em saúde, e mais específico no campo da saúde mental, pois os profissionais se encontram diariamente em contato com usuários com dificuldades emocionais, tendo que disponibilizar atenção e cuidado às suas necessidades⁽²⁶⁾.

Dessa forma, trabalhadores expostos a essas situações nos hospitais psiquiátricos devem estar atentos para que toda essa carga de emoções e sentimentos não afete a manutenção da sua integridade física e psicossocial, podendo contribuir para a ocorrência de acidentes de trabalho e déficit de segurança nas decisões e ações, o que reflete diretamente na qualidade do serviço oferecido⁽²⁶⁾.

Outro domínio que obteve destaque positivo foi o Clima de trabalho em equipe, que se refere à qualidade do relacionamento e colaboração entre os membros da equipe. Esse resultado é uma peça fundamental para alcançar uma assistência segura e de qualidade, visto que o trabalho em equipe e a comunicação, seu ponto-chave, quando ocorrem de maneira ineficaz, podem repercutir negativamente na cultura organizacional⁽²⁷⁾.

Uma pesquisa realizada na Jordânia reforça os achados deste estudo ao evidenciar que enfermeiros de quatro hospitais do país apresentaram escores positivos no Clima de trabalho em equipe. Os profissionais elencaram respeito, apoio mútuo e trabalho em conjunto como fatores indispensáveis ao cuidado eficiente e seguro, contribuindo para a cultura de segurança⁽²⁸⁾.

Destaca-se que os domínios Clima de segurança, Condições de trabalho e Percepção da gerência obtiveram valores negativos na avaliação dos domínios gerais. Resultado semelhante foi encontrado em um estudo realizado em unidades cirúrgicas de um hospital universitário em Florianópolis, Santa Catarina⁽²⁹⁾.

O Clima de segurança trata do comprometimento da instituição com a segurança do paciente do ponto de vista dos profissionais. Desse modo, escores negativos sugerem a necessidade de articulação a ações de segurança do paciente, relacionando-se ao trabalho desenvolvido pela gerência e à promoção da participação dos pacientes e familiares.

Pesquisa conduzida no Irã ratifica esse achado, demonstrando que o domínio Clima de segurança apresentou os escores mais baixos do estudo⁽³⁰⁾. Na Eslovênia, pesquisadores elucidaram que a percepção acerca do Clima de segurança pode oscilar de acordo com a categoria profissional ou com o tempo dos profissionais na instituição⁽³¹⁾.

Nesse sentido, constata-se a importância de investir em estratégias que melhorem a segurança do paciente no cenário da saúde mental, pois se trata de um ambiente muitas vezes esquecido. Para isso, é importante considerar os diferentes pontos de vista dos profissionais que compõem a instituição, elencando ações prioritárias.

Em relação ao domínio Condições de trabalho, referente à percepção da qualidade do ambiente de trabalho, estudos nacionais^(11,19) apontam que esse domínio foi também negativamente avaliado, quando comparado aos resultados obtidos em uma pesquisa realizada no Irã, na qual a média foi de 72 pontos⁽³⁰⁾. Ressalta-se a relevância de investir em um ambiente favorável para o desenvolvimento das atividades profissionais, pois esse fator interfere fortemente na assistência prestada⁽³²⁾.

A Percepção da gerência, que compreende a aprovação das ações da gerência quanto às questões de segurança, foi o domínio com a segunda menor média quando comparado aos demais, corroborando com estudos nacionais^(19,21,33) e internacionais⁽³⁴⁾. A percepção negativa dos profissionais pode ser um indicativo real de problemas gerenciais, evidenciando a distância entre a equipe de saúde e seus gestores. Para que haja um cuidado seguro é necessária a construção de um elo forte entre profissionais e gestores, que repercutirá no desenvolvimento de um clima de trabalho motivador para os profissionais e na qualidade dos serviços prestados aos pacientes⁽³⁵⁾.

A identificação de uma percepção negativa quanto à gestão hospitalar chama a atenção para a necessidade de apoio da direção no que se refere à segurança do paciente, exigindo ações que favoreçam a cultura de segurança e a qualidade do cuidado. Além disso, para que a assistência seja centrada na pessoa em sofrimento psíquico, são necessários novos modos de gestão/gerenciamento do cuidado em saúde mental. Isso requer pensar a gestão como uma ação política, cuja metodologia contemple a pluralidade e a interdisciplinaridade, as inter-relações entre subjetividade, gestão dos processos de trabalho e clínica⁽²²⁾.

Nesse contexto, é fundamental que os gestores dos serviços de saúde mental vislumbrem a cultura de segurança como uma prioridade, pois são capazes de propor e implementar estratégias que favoreçam um ambiente seguro, garantindo respeito e dignidade à vida humana.

Ao analisar a Tabela 2, com os escores dos domínios em relação ao regime de trabalho, observa-se que os estatutários apresentaram melhores valores, mesmo que ainda abaixo da média ideal, se comparados com os profissionais terceirizados. Tal resultado corrobora um estudo realizado em três hospitais do Nordeste do Brasil⁽¹¹⁾.

Na Tabela 3, analisando os valores separadamente, percebe-se que o domínio Percepção do estresse variou de 81 pontos para os profissionais com até 6 meses para 73 pontos para os profissionais com 21 anos ou mais de trabalho. Assim, depreende-se que a Percepção do estresse foi mais significativa nos profissionais com mais tempo de atuação no serviço. Do mesmo modo, o domínio Condições de trabalho foi de 72 para 54 pontos quando analisados os profissionais com até 6 meses e os profissionais com 21 anos ou mais de atuação.

Ao correlacionar o domínio Satisfação no trabalho com o tempo de serviço, destaca-se que os profissionais com menos de seis meses estão mais satisfeitos. Isso demonstra que quando o profissional inicia seu trabalho em um novo serviço, por motivações internas e expectativas, ele percebe a instituição de maneira positiva⁽¹¹⁾.

Em oposição, o Clima de segurança, que foi de 37 pontos para os profissionais com até 6 meses, subiu para 65 pontos para os profissionais com 21 anos ou mais de atuação. Tais resultados enfatizam que o Clima de segurança está ligado ao relacionamento dos profissionais com a instituição. Assim, profissionais que estão há mais tempo na organização conseguem perceber melhor esse domínio.

Tais achados vão ao encontro de estudos conduzidos em hospitais da China⁽³⁶⁾ e da Lituânia⁽¹⁷⁾, os quais mostraram a relação da percepção mais positiva do Clima de segurança entre profissionais mais experientes, por lhes oferecer uma visão mais ampla acerca das questões de segurança do paciente.

Limitações do estudo

As limitações deste estudo estiveram relacionadas a dois fatores: escassez de estudos que tratem a transversalidade das temáticas de saúde mental e segurança do paciente, em especial a avaliação da cultura de segurança, limitando assim uma discussão mais abrangente e que proporcionasse um comparativo entre os resultados; e o fato de este estudo ser unicêntrico, portanto, em outras instituições poderão ser encontrados resultados destoantes ou convergentes aos desfechos alcançados nesta pesquisa.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou políticas públicas

Como contribuição deste estudo destaca-se a possibilidade de promover reflexões na área de saúde mental a respeito da segurança do paciente, caracterizando-se como uma pesquisa que traz informações inovadoras ao apontar as fragilidades na cultura de segurança dessas instituições que precisam ser trabalhadas. Tais resultados podem subsidiar futuras intervenções a fim de tornar os hospitais de saúde mental cada vez mais seguros.

CONCLUSÃO

O resultado de cultura de segurança dos profissionais de saúde foi abaixo do recomendado, apontando a necessidade de fortalecimento desse construto nos hospitais de saúde mental. Embora os domínios Satisfação no trabalho, Percepção do estresse e Trabalho em equipe tenham se destacado de maneira positiva, a avaliação dos profissionais quanto à Percepção da gerência e às Condições de trabalho foi desfavorável. Tais resultados refletem a fragilidade da gestão, expondo a necessidade de suporte quanto à segurança do paciente e exigindo ações que favoreçam a qualidade do cuidado.

Ressalta-se a importância da realização de novos estudos sobre a avaliação da cultura de segurança do paciente, visto a escassez de pesquisas que contemplem o tema em hospitais de saúde mental. O escore abaixo do satisfatório no hospital estudado reflete a necessidade de trabalhar com os profissionais assim como com a gestão, através da educação permanente em saúde, as principais questões de segurança do paciente na instituição, discutindo os domínios que apresentaram escores negativos e, dessa forma, aperfeiçoar o serviço de saúde prestado.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2018

Histórico

• Recebido
  08 Mar 2018
• Aceito
  25 Maio 2018