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Inclusão da saúde mental na atenção básica à saúde: estratégia de cuidado no território

RESUMO

Objetivo:

analisar as estratégias, desafios e possibilidades da articulação entre a saúde mental e a atenção básica à saúde a partir da perspectiva de gestores da saúde.

Método:

pesquisa exploratória, qualitativa, realizada com 28 gestores de saúde mental e atenção básica. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, entre julho e novembro de 2013, e submetidos à análise de conteúdo temática.

Resultados:

a inclusão das ações de saúde mental na atenção básica possibilitou, na visão dos gestores, a ampliação do acesso dos usuários aos cuidados de que necessitam. Esta estratégia de atenção possibilita extensão das práticas de cuidado no território, tendo o apoio matricial como a principal ferramenta para a implementação dessa estratégia de cuidado.

Considerações finais:

a articulação entre a atenção básica e a saúde mental é um dispositivo potente para a atenção psicossocial, porém, demanda uma nova conformação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e dos serviços da atenção básica.

Descritores:
Saúde Mental; Atenção Primária à Saúde; Integralidade em Saúde; Desinstitucionalização; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To analyze the strategies, challenges and possibilities of the articulation between mental health and primary health care from the perspective of health managers.

Method:

Exploratory, qualitative research carried out with 28 managers of mental health and primary care. The data were collected through semi-structured interviews between July and November 2013 and submitted to thematic content analysis.

Results:

The inclusion of mental health actions in primary care made it possible, in the view of managers, to increase users’ access to the care they need. This care strategy allows the extension of care practices in the territory, with matrix support as the main tool for the implementation of this care strategy.

Final considerations:

The articulation between primary care and mental health is a powerful device for psychosocial care, but it demands a new conformation of the Psychosocial Care Centers (Caps) and primary care services.

Descriptors:
Mental Health; Primary Health Care; comprehensive Health Care; Deinstitutionalization; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

analizar las estrategias, los desafíos y las posibilidades de articulación entre la salud mental y la atención primaria de salud desde la perspectiva de los gestores de la salud.

Método:

investigación exploratoria y cualitativa, realizada con 28 gestores de salud mental y de la atención primaria. En la recopilación de datos se utilizaron entrevistas semiestructuradas, realizadas en el período entre julio y noviembre de 2013, las cuales se sometieron al análisis de contenido temático.

Resultados:

desde la perspectiva de los gestores, la inclusión de las acciones de salud mental en la atención primaria permitió que los usuarios amplíen el acceso al cuidado que necesitan. Esta estrategia de atención permite difundir las prácticas de cuidado en el territorio, y cuenta con un apoyo central como la principal herramienta para implementar esta estrategia de cuidado.

Consideraciones finales:

la articulación entre la atención primaria y la salud mental es un mecanismo clave en la atención psicosocial, sin embargo, demanda una nueva conformación de los Centros de Atención Psicosocial (Caps) y de los servicios de la atención básica.

Descriptores:
Salud Mental; Atención Primaria de Salud; Integralidad en Salud; Desinstitucionalización; Enfermería

INTRODUÇÃO

No Brasil, a reorientação do modelo tradicional de atenção em saúde – que está relacionada à adoção de práticas que tenham como premissa o acolhimento dos usuários(11 Coutinho LRP, Barbieri AR, Santos MLM. Acolhimento na Atenção Primária à Saúde: revisão integrativa. Saúde Debate. 2015;39(105):514-24. doi: 10.1590/0103-110420151050002018
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) – se ancora na atenção básica como estratégia ordenadora dos serviços, sistemas e práticas em saúde(22 Fertonani HP, Pires DEP, Biff D, Scherer MDA. The health care model: concepts and challenges for primary health care in Brazil. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(6):1869-78. doi: 10.1590/1413-81232015206.13272014
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). Assim, esta passa a ser o ponto estratégico para a reestruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo-se uma das portas de entrada mais próximas das pessoas, capaz de integralizar os princípios que regem o sistema.

Na saúde mental, com o advento do processo de Reforma Psiquiátrica, as recomendações da política pública nacional para a reorientação do modelo de atenção enfatizam o território(33 Costa LA, Brasil FD. Cidade, territorialidade e redes na política de saúde mental. Cad Ter Ocup UFSCar. 2014;22(2):435-42. doi: 10.4322/cto.2014.065
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) como lócus privilegiado do cuidado. Ademais, advogam a implantação de serviços substitutivos ao modelo asilar, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), e maior interloculação com os dispositivos comunitários que, guiados pela direção do resgate da cidadania e pela valorização da autonomia dos sujeitos, visem o acesso universal, integral e qualificado aos usuários dos serviços de saúde mental(44 Pitta AMF. Um balanço da reforma psiquiátrica brasileira: instituições, atores e políticas. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(12):4579-89. doi: 10.1590/S1413-81232011001300002
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).

A inclusão das ações de saúde mental na atenção básica (AB) à saúde consiste num direcionamento da política pública que, além de se constituir numa estratégia para provocar rupturas no modelo tradicional de assistência e avanços no campo da saúde mental, almeja a ampliação da clínica da atenção psicossocial(55 Hirdes A, Scarparo HBK. The maze and the minotaur: mental health in primary care. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(2):383-93. doi: 10.1590/1413-81232015202.12642013
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6 Correia VR, Barros S, Colvero LA. Mental health in primary health care: practices of the family health team. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(6):1498-1503. doi: 10.1590/S0080-62342011000600032
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-77 Yasui S, Luzio CA, Amarante P. Atenção psicossocial e atenção básica: a vida como ela é no território. Rev Polis e Psique. 2018;8(1):173-90. doi: 10.22456/2238-152X.80426
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). Para tanto, é preciso qualificar as equipes da AB para a atenção psicossocial, e um dos dispositivos para a implementação dessa estratégia é o apoio matricial. Este objetiva oferecer suporte em áreas específicas e possibilitar trocas de conhecimentos para o compartilhamento de situações com a equipe de saúde local, favorecendo a corresponsabilização pelo cuidado.

Os problemas de saúde mental são uma das principais causas da carga global de doenças, e entre os principais causadores de incapacidade em todo o mundo estão a depressão, a ansiedade e o uso de drogas(88 Global Burden of Disease Study 2013 Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(9995):743-800. doi: 10.1016/S0140-6736(15)60692-4
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). A carga dos transtornos mentais continua crescendo, com impactos significativos sobre a saúde da população, sendo responsável por quase 13% da carga global de doenças(99 Vigo D, Thornicroft G, Atun R. Estimating the true burden of mental illness. Lancet Psychiatry. 2016;3(2):171-8. doi: 10.1016/S2215-0366(15)00505-2
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), com estimativas de incremento na próxima década. Esse cenário é, grande parte, consequência da falta de recursos, baixo orçamento para a saúde mental em países de renda baixa e média, subutilização de serviços e estigma associado a doenças mentais(1010 Thyloth M, Singh H, Subramanian V. Increasing burden of mental illnesses across the globe: current status. Indian J Soc Psychiatry. 2016;32(3):254-6. doi: 10.4103/0971-9962.193208
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).

Dado o contexto, a saúde mental passou a ser objeto de preocupação e pauta na agenda dos gestores de saúde, cujas questões precisam ser tratadas com a urgência que merecem, e demandam investimentos cada vez maiores nos serviços territoriais para o desenvolvimento de ações de cuidado. Esse fato é um sinal de alerta e requer que novas abordagens à saúde mental sejam desenhadas e a inclusão das ações de saúde mental na AB é uma possibilidade de cuidado mais acessível e que agrega características importantes da atenção psicossocial.

A expansão dos serviços comunitários em saúde mental tem sido objeto de constante debate entre gestores, profissionais e formuladores de políticas públicas da área, e é importante considerar que os serviços precisam refletir as prioridades dos usuários, constituírem-se em serviços móveis e estar próximos à casa das pessoas, além disso, o tratamento deve ser baseado em projetos terapêuticos singulares.

OBJETIVO

Analisar as estratégias, desafios e possibilidades da articulação entre a saúde mental e a atenção básica à saúde a partir da perspectiva de gestores de saúde.

MÉTODO

Aspectos éticos

Por se tratar de pesquisas envolvendo seres humanos, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ), tendo sido aprovado em maio de 2011. Foram seguidas todas as recomendações da Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os participantes tomaram ciência dos riscos existentes na pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Tipo de estudo

Trata-se de pesquisa exploratória, transversal, de abordagem qualitativa.

Procedimentos metodológicos

Foi utilizado um roteiro semiestruturado com perguntas disparadoras sobre o histórico da articulação entre a saúde mental e a atenção básica à saúde (ABS), seu funcionamento, as formas de se operar o trabalho no território, seus desafios e possibilidades.

Cenário do estudo

Constituíram cenários do estudo todos os 13 Caps da cidade do Rio de Janeiro, sendo 10 deles do tipo II e três do tipo III – estes se diferenciam basicamente quanto ao porte populacional da adscrita, sendo que o Caps II está previsto para municípios com 70.000 e 200.000 habitantes e o Caps III para municípios com população acima de 200.000 habitantes; uma outra diferença consiste nos dias e turnos de funcionamento. O Caps II pode funcionar em até três turnos nos dias úteis da semana e o Caps III funciona 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de semana –, distribuídos por quatro áreas de planejamento, além de 13 UBS indicadas pelos Caps. Para inclusão das UBS, considerou-se como critérios: fazer atendimento a usuários de saúde mental, localizar-se no mesmo território de atuação e desenvolver trabalho articulado com os Caps.

Amostra

Os participantes da pesquisa foram dois representantes da gestão municipal de saúde e 26 gestores vinculados aos Caps e às UBS estudadas.

A seleção dos participantes da pesquisa foi pensada com o objetivo de apreender a realidade da implantação das ações de saúde mental na atenção básica no município do Rio de Janeiro. Acreditava-se que esses participantes poderiam auxiliar no desenho da conformação das estratégias de implantação, bem como delinear os principais impasses e desafios e apresentar os resultados dessa modalidade de atenção tanto no nível da macropolítica quanto da micropolítica do cuidado.

Produção e organização dos dados

O levantamento de dados deu-se por meio da técnica de entrevista semiestruturada, realizada individualmente no local de trabalho dos participantes, com duração média de 45 minutos. Foram gravadas em aparelho de áudio e transcritas integralmente. A coleta de dados deu-se durante os meses de julho a novembro de 2013.

Os profissionais da atenção básica estão identificados pelas letras “AB” e os dos Caps pela sigla “Caps”, seguidas de um numeral que corresponde à ordem cronológica de realização das entrevistas e os gestores municipais foram identificadas pela letra “G”, também seguidas de um número, de acordo com a sua realização.

Os dados foram organizados em cinco categorias temáticas, denominadas eixos-ferramentas: Saúde mental na atenção básica: uma proposta para a integralidade; Saúde mental na atenção básica: uma possibilidade de equidade no cuidado; Práticas de saúde mental na atenção básica: dispositivo para acesso à saúde; O território como espaço privilegiado para a saúde mental na atenção básica; e Trabalho em rede: potencializador das práticas de saúde mental na atenção básica.

Análise dos dados

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temático(1111 Silva HA, Fossá MIT. Análise de conteúdo: exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualit@s. 2015;16(1):1-14. doi: 10.18391/qualitas.v16i1.2113
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), processo que permitiu a produção de inferências sobre a realidade dos serviços e uma melhor apreensão do processo de inclusão das ações de saúde mental na atenção básica em serviços do município do Rio de Janeiro.

O sistema categorial elaborado a partir do referencial teórico foi constituído de cinco unidades de análise, consideradas eixos-ferramentas para operar-se a inclusão das práticas de saúde mental na atenção básica à saúde, quais sejam: integralidade, equidade, acesso, território e rede.

RESULTADOS

O estudo contou com a participação de 28 gestores regionais de saúde no âmbito municipal do Rio de Janeiro com idades entre 25 e 66 anos, todos com ensino superior completo, sendo 8 enfermeiros, 8 psicólogos, 4 terapeutas ocupacionais, 3 médicos, 2 assistentes sociais, 2 fonoaudiólogos e 1 nutricionista.

Saúde mental na atenção básica: uma proposta para a integralidade

A integralidade materializa-se na medida em que o acolhimento, o vínculo e a responsabilização permitem uma aproximação entre os atores envolvidos, e estes dialogam e produzem novas possibilidades de vida, novos caminhos, novas capacidades, habilidades.

Com a chegada da Estratégia Saúde da Família, a gente está conseguindo chegar mais próximo da atenção básica. Quando tem algum caso que a gente acha que tem que ser discutido com a policlínica, com o Centro de Saúde, a gente chama direto o profissional daquela unidade para discutir e a gente não tem só essa parceria com a Saúde não, temos também com a Secretaria de Desenvolvimento Social, com a Educação, a gente procura está entrando em todas as áreas. (Caps 8)

A integralidade materializa-se no cotidiano dos serviços a medida que os vínculos entre usuários e profissionais são mantidos longitudinalmente.

Vários usuários que hoje são acompanhados na atenção básica mantém o vínculo de amizade com a equipe e com os outros usuários do Caps e, por isso, frequentam algumas oficinas, como a de futebol, participam das festas, dos passeios, etc. (Caps 1)

Saúde mental na atenção básica: uma possibilidade de equidade no cuidado

A loucura traz consigo um histórico de estigma e este faz com que os considerados loucos sejam tratados de forma que a equidade encontra dificuldade para se materializar.

A saúde mental não é um setor à parte da vida das pessoas, mesmo pacientes que têm problemas de saúde mental também têm problemas de hipertensão, de diabetes, têm problemas outros na vida, e não separar a saúde mental desse contexto de vida desses pacientes é um dos nossos principais objetivos, quando a gente direciona esse paciente para atenção primária. (G2)

Práticas de saúde mental na atenção básica: dispositivo para acesso à saúde

Um dos desafios hoje colocado para a implementação do atendimento integral em saúde mental na experiência estudada está diretamente relacionado à questão da acessibilidade do cuidado territorial. Para garantir o acesso à atenção em saúde mental os serviços precisam estar disponíveis para a população que dele necessita. Por isso há necessidade de os serviços estarem próximos aos locais de vida das pessoas.

A ampliação do acesso consiste primeiro em tirar os pacientes que estão nos serviços de saúde mental especializados que não deveriam estar, e aí eu abro vaga para quem realmente deveria estar sendo conduzido, em conjunto com a atenção primária pela saúde mental. (G2)

Para que os usuários tenham acesso aos serviços de saúde do qual necessitam, eles precisam contar com uma rede de serviços com diferentes níveis de complexidade, que possibilite sua inserção no ponto da rede que consigam acessar.

Na rede de saúde de uma forma geral, o acesso tem sido bem difícil para nossa clientela, a gente tem uma Unidade de pronto Atendimento [UPA] aqui do nosso lado, durante um bom tempo a gente não conseguiu acessar, a gente tinha que ir junto com os pacientes para eles poderem ser atendidos, a gente conversa sobre isso em reuniões e até com as outras instituições. E eles falam que a equipe não está preparada para receber paciente psiquiátrico, que não sabem como falar. (Caps 3)

Hoje a gente tem uma forte ampliação de acesso, tanto para saúde mental quanto para os outros componentes de atenção, com a ampliação da atenção primária, entretanto, ainda tem uma rede de Caps muito tímida e modesta, tem poucos Caps na cidade. (G2)

O território como espaço privilegiado para a saúde mental na atenção básica

As práticas de atenção em saúde mental estão cada vez mais focadas no eixo territorial e são potencializadas com a articulação com a atenção básica.

Os agentes comunitários e a ESF [Estratégia Saúde da Família] nos ajudam tanto na parte clínica, não necessariamente da saúde mental, mas também da outra parte com relação ao território, a moradia e outros aspectos que compõem a saúde do sujeito. Então, acho que esse trabalho multiprofissional é fundamental para cuidar da saúde desse território, porque é muito vulnerável. A gente conta com os parceiros o tempo inteiro, nos casos de violência, nos casos de infância e adolescência, nos casos que, às vezes, não encontram espaço de cuidado, então, nisso, a gente vai estabelecendo outros territórios. (Caps 6)

Esta experiência demonstra que atividades realizadas por dispositivos não especializados ampliam os espaços de cuidado e contribuem para a desmistificação da loucura.

Tem oficinas artesanais, fuxico, mosaico que acontecem na comunidade, elas são para toda a população, a gente vivencia casos de usuários que não conseguiam chegar no Caps, mas conseguem ficar nas oficinas na comunidade, o que é bastante interessante. (Caps 4)

A articulação do Caps com a ESF tem sido uma possibilidade de cuidado para os usuários que residem em áreas consideradas perigosas e violentas, pois a Saúde da Família tem presença marcante nesses territórios.

Existem áreas perigosas que não podemos entrar e existem alguns casos que nós pedimos mesmo para as equipes de saúde da família acompanhar, e aí eles entram em contato e o que o usuário precisar a gente tenta encontrar um caminho de chegar até ele. (Caps 1)

Trabalho em rede: potencializador das práticas de saúde mental na atenção básica

O trabalho em rede demanda ampliar a noção de saúde. A atenção psicossocial acontece na interface com a rede de recursos e a de suporte (escolas, creches, espaços de lazer, possibilidade de inserção em algum tipo de trabalho, melhores condições de moradia etc.). É fundamental a ampliação do conceito de saúde.

Nós estávamos muito voltados para o campo da saúde mental, e a gente precisa cada vez mais entrar em interlocução com outros campos como o da cultura, do trabalho, das relações de trabalho. (Caps 9)

O trabalho articulado em redes é primordial para a adoção das ações de saúde mental na atenção básica. e em razão de suas características, ela tem se configurado em um dispositivo importante para a adoção de novos modos de cuidado.

Acho que a atenção básica possui recursos potentes para ajudar o Caps a avançar no território, até mesmo pela própria estratégia da formação da equipe, compondo com o agente comunitário de saúde, que é uma pessoa que conhece bem o território. (Caps 5)

Para que a inclusão das ações de saúde mental na atenção básica possa se constituir em um dispositivo eficaz – mediante o estabelecimento de uma rede de recursos e de suporte – é mister o desenvolvimento de ações de educação permanente e qualificação dos profissionais da área de saúde para uma escuta atenta e cuidadosa do sofrimento do outro; caso contrário, será difícil imaginar a atenção básica sendo eficaz no campo da atenção psicossocial.

Precisa muito treinamento, tanto da equipe do Caps quanto da atenção básica. (Caps 6)

Foi evidenciado que a existência de fragilidades das ações territoriais propostas pelos Caps, desenvolvidas no âmbito da atenção básica, é acentuada.

Existe contato com outros serviços de saúde e outros setores do serviço público, porém, os contatos com a rede local são quase inexistentes. (Caps 10)

Encontrou-se como aspecto facilitador da inclusão das ações de saúde mental na atenção básica a possibilidade de construção de formas de cuidado pautadas na solidariedade, na autonomia e cidadania dos usuários. Essa estratégia tem possibilitado a ampliação da participação dos usuários nos processos de trocas sociais na cidade. Foram identificadas tecnologias de cuidado materializadas por visitas e acompanhamentos domiciliares compartilhados, atividades como jogos de futebol, participação em feiras de artesanato na comunidade, atividades culturais, não apenas para os usuários, sejam eles da atenção básica ou da saúde mental, mas para a população.

Outro ponto facilitador constitui-se no apoio matricial que, na experiência pesquisada, constitui-se uma diretriz-ferramenta para a implementação das ações de saúde mental na atenção básica. Diferentes configurações desse apoio foram encontradas: algumas equipes têm instituído um espaço/horário para o matriciamento, onde os profissionais dos Caps vão até a unidade básica para discutirem algumas situações e casos que demandam outro olhar dos profissionais da atenção básica; por vezes o matriciamento acontece num atendimento compartilhado, na realização de uma visita domiciliar conjunta; ou outros arranjos, que também foram encontrados. Foi percebido que quando o apoio matricial acontece, ele potencializa a assunção da corresponsabilidade entre as equipes da atenção básica e dos Caps.

Apesar de toda a potencialidade da inclusão das ações de saúde mental na atenção básica, impasses foram encontrados. Dentre esses, destacam-se o número reduzido de profissionais com habilidades e disponibilidade necessárias para a implantação dessa estratégia de cuidado, a formação ainda insuficiente para este trabalho, questões relacionadas à gestão, como a indefinição de diretrizes a serem adotadas pelos serviços e questões relacionadas ao financiamento para a expansão da rede territorial em saúde mental. Alguns profissionais de unidades básicas alegaram como motivos para a não implantação do cuidado em saúde mental a precariedade do serviço e a formação não especializada dos profissionais. As questões mencionadas pelos profissionais dos Caps como fatores que dificultam a inclusão das ações de saúde mental na atenção básica foram: situações que extrapolam o âmbito restrito da saúde, situação de vulnerabilidade social, e insuficiência de recursos.

Pôde-se constatar que os serviços de atenção básica não se responsabilizam pelos cuidados que lhes competem oferecer no que tange à saúde mental. Poucos são os espaços e fóruns de discussão para a implantação de um processo de trabalho corresponsável.

Poucas são as inovações decorrentes dessa articulação. No entanto, as práticas e tecnologias de cuidado advindas dessa articulação caminham na direção de uma atenção mais integral e mais sensível às diferenças. Observou-se experiências que fazem rupturas e criam possibilidades de cuidado diferenciado em saúde mental no território. Foi possível verificar a construção de redes efetivas, afetivas, de solidariedade e de potência entre os diferentes recursos do território, mas que ainda acontecem de maneira muito incipiente em algumas áreas da cidade onde o trabalho intersetorial se coloca como um imperativo mais do que como uma exigência ética e política.

DISCUSSÃO

A atenção básica apresenta potencialidades no desenvolvimento de ações em saúde mental, configurando-se como uma estratégia de desmistificação da loucura de maior alcance que os serviços especializados(1212 Fagundes Jr HM, Desviat M, Silva PRF. Psychiatric Reform in Rio de Janeiro: the current situation and future perspectives. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(5):1449-60. doi: 10.1590/1413-81232015215.00872016
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) em razão de sua maior capilaridade no território. Essa articulação, no entanto, ainda se apresenta como um desafio complexo e, ao mesmo tempo, estimulante para o desenvolvimento de práticas e novas tecnologias de cuidado.

A atenção básica constitui-se como um espaço privilegiado para um acompanhamento integral, longitudinal, próximo da comunidade, que permite uma abordagem mais complexa das demandas, incluindo as de saúde mental(1313 Gronholm PC, Henderson C, Deb T, Thornicroft G. Interventions to reduce discrimination and stigma: the state of the art. Soc Psychiatr Psychiatr Epidemiol. 2017;52(3):249-58. doi: 10.1007/s00127-017-1341-.9
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). Dessa forma, sua implantação tem sido uma diretriz das políticas públicas na busca da universalidade da assistência e da ampliação do acesso aos serviços de saúde(1414 Silva MVS, Miranda GBN, Andrade MA. Sentidos atribuídos à integralidade: entre o que é preconizado e vivido na equipe multidisciplinar. Interface (Botucatu). 2017;21(62):589-99. doi: 10.1590/1807-57622016.0420
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).

Para que tenhamos práticas de cuidado e não de exclusão, torna-se premente que os serviços tomem a integralidade da atenção como prerrogativa para o trabalho, e que valorizem os sujeitos em suas complexidades. O acolhimento e o vínculo são prerrogativas operacionais das práticas integrais em saúde(1515 Pinheiro R, Silva FH. Pesquisa e práticas de apoio institucional: um ensaio sobre os nexos axiológicos e epistêmicos entre integralidade, humanização e formação na saúde. Saúde Transform Soc [Internet. 2014 [cited 2018 Jul 30];5(2):11-9. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/sts/v5n2/5n2a03.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/sts/v5n2/5...
). Esses conceitos estão atrelados a uma prática diferenciada, que opera na micropolítica do cuidado, na esfera relacional. São conceitos amplos que exigem mudanças e organização de todo o sistema, envolvendo profissionais, gestores, usuários e comunidade; o que requer um processo de interação constante entre os envolvidos, para que, de fato, se produzam práticas de cuidado(1616 Andrade AB, Bosi MLM. Qualidade do cuidado em dois centros de atenção psicossocial sob o olhar de usuários. Saúde Soc. 2015;24(3):887-900. doi: 10.1590/S0104-12902015131949
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).

O debate sobre a integralidade remete ao campo da micropolítica de saúde e suas articulações(1717 Tanaka OY, Ribeiro EL. Ações de saúde mental na atenção básica: caminho para ampliação da integralidade da atenção. Ciênc Saúde Colet. 2009;14(2):477-86. doi: 10.1590/S1413-81232009000200016
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) e é um conceito atrelado a diferentes saberes e práticas que interagem o tempo todo no cotidiano. A inclusão de ações de saúde mental no nível primário de atenção se constitui numa proposta de atenção integral à saúde que amplia a produção do cuidado(1818 Campos RO, Gama CA, Ferrer AL, Santos DVD, Stefanello S, Trapé TL, et al. Saúde mental na atenção primária à saúde: estudo avaliativo em uma grande cidade brasileira. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(12):4643-52. doi: 10.1590/S1413-81232011001300013
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).

A equidade é parte de um processo histórico de lutas sociais que se estabelecem em diferentes contextos, com vistas à conformação de padrões de cidadania diferenciados(1919 Paim JS. A Constituição Cidadã e os 25 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Cad Saúde Pública. 2013;29(10):1927-53. doi: 10.1590/0102-311X00099513
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). Corresponde a um princípio orientador importante na definição das políticas de saúde e nos seus desdobramentos em programas e ações. Está relacionada ao recebimento de atenção em saúde segundo as necessidades de cada sujeito. Considera, portanto, que cada sujeito difere do outro em suas demandas de saúde(1212 Fagundes Jr HM, Desviat M, Silva PRF. Psychiatric Reform in Rio de Janeiro: the current situation and future perspectives. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(5):1449-60. doi: 10.1590/1413-81232015215.00872016
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).

Para os serviços de atenção psicossocial a equidade é diretriz fundamental, pois ela pressupõe considerar a singularidade dos sujeitos face ao processo de adoecimento psíquico. Sendo assim, os profissionais e os serviços precisam adotar práticas mais flexíveis, além de ter maior plasticidade e porosidade para fazer caber as diferenças no espaço dos serviços. Trabalhando na perspectiva da equidade, é possível a adoção de práticas inclusivas em saúde.

Nesse sentido, a busca pela equidade implica a reflexão sobre aspectos da organização dos microprocessos de trabalho, da gestão e planejamento das ações de saúde, e impele a construção de novos saberes e práticas. Por constituir-se um princípio ainda difícil de ser alcançado no âmbito da saúde mental, em especial por causa do estigma relacionado às pessoas que sofrem com transtornos mentais, acredita-se que ele pode ser exercitado no âmbito da articulação entre os serviços de saúde mental e atenção básica. O acesso à rede de serviços de saúde constitui-se numa dimensão da continuidade do cuidado e, para tanto, requer a existência de uma rede articulada e integrada para a viabilização de um trabalho coordenado, e que envolva as múltiplas dimensões da vida e do cotidiano, como moradia, trabalho e lazer. A estrutura do serviço, as atividades oferecidas e os turnos e formas de funcionamento podem potencializar ou não o acesso dos usuários às ações e serviços de saúde. Para tanto, é fundamental que o cuidado aconteça o mais próximo possível da vida das pessoas. E considerando que a atenção básica se faz mais próximo às pessoas, é preciso incentivar o cuidado nesse âmbito de atenção, tendo em vista a ampliação do acesso dos usuários aos serviços que deles necessitam(2020 Figueiredo GLA, Martins CHG, Damasceno JL, Castro GG, Mainegra AB, Akerman M. Right to the city, right to health: what are the interconnections? Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3821-30. doi: 10.1590/1413-812320172212.25202017
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). Entretanto, muitos são os impasses a serem superados nessa direção.

Pensar que as práticas em saúde mental devem ter o território como referência significa dizer que é preciso atuar nele, produzindo estratégias de solidariedade, ser referência, transformar as relações da sociedade com a loucura. Esse entendimento corrobora para a ruptura do paradigma tradicional de assistência em saúde mental e impele para a adoção das múltiplas dimensões da clínica. Com a expansão do campo de ação, amplia-se a produção de mudanças no sentido da desmistificação da loucura. Garantir um lugar, um espaço possível para a loucura, para a diferença coexistir é imprescindível para a adoção de outros modos de cuidar(77 Yasui S, Luzio CA, Amarante P. Atenção psicossocial e atenção básica: a vida como ela é no território. Rev Polis e Psique. 2018;8(1):173-90. doi: 10.22456/2238-152X.80426
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). Precisamos produzir territórios capazes de incluir os sujeitos e não que os segreguem pelas suas diferenças.

Essa modalidade de atenção desloca o cuidado para o eixo territorial, área na qual o serviço incide e onde se deve assumir a responsabilidade sobre as questões de saúde mental. Isso significa que uma equipe deve atuar nos espaços e percursos que compõem a vida das pessoas(2121 Furtado JP, Oda WY, Borysow IC, Kapp S. The concept of territory in Mental Health. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00059116. doi: 10.1590/0102-311x00059116
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), desenvolvendo, nessa perspectiva, papel ativo na promoção da saúde mental na localidade(2222 Padmavati R. Community mental health services for the mentally ill: practices and ethics. Int Rev Psychiatry. 2012;24(5):504-10. doi: 10.3109/09540261.2012.712953
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) e contribuindo para a redução do estigma(1313 Gronholm PC, Henderson C, Deb T, Thornicroft G. Interventions to reduce discrimination and stigma: the state of the art. Soc Psychiatr Psychiatr Epidemiol. 2017;52(3):249-58. doi: 10.1007/s00127-017-1341-.9
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) desmistificação da loucura e para o processo da Reforma Psiquiátrica.

Tanto os serviços de saúde mental quanto os da atenção básica preveem uma estreita relação da saúde com outros setores da sociedade, pois para que se constituam práticas diferenciadas, devem integrar-se como uma rede de relações que extrapolem o âmbito da saúde e trabalhar para a construção de relações sociais em busca de uma nova atitude diante da complexidade do processo de saúde(2323 Nóbrega MPSS, Domingos AM, Silveira ASA, Santos JC. Weaving the West Psychosocial Care Network of the municipality of São Paulo. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):965-72. [Thematic Edition "Good practices and fundamentals of Nursing work in the construction of a democratic society"] doi: 10.1590/0034-7167-2016-0566
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).

As redes devem conformar as diferentes realidades, assim como devem considerar os recursos disponíveis para sua conformação em cada localidade. A finalidade do trabalho em rede reside na efetividade da garantia dos direitos dos usuários a uma atenção integral e equânime.

A tessitura de outras práticas de atenção requer a ampliação das redes e o uso dos aparelhos sociais da comunidade, estratégia de cuidado proposta face às dificuldades enfrentadas pelos serviços de saúde mental para se constituírem como dispositivos promovedores de transformações culturais(2424 Almeida IS, Campos GWS. Análise sobre a constituição de uma rede de Saúde Mental em uma cidade de grande porte. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [cited 2017 Dec 30]. Available from: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/analise-sobre-a-constituicao-de-uma-rede-de-saude-mental-em-uma-cidade-de-grande-porte/16458?id=16458
http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/...
).

Essa proposta de atenção valoriza várias dimensões da vida dos sujeitos e constitui-se numa possibilidade de inserção dos usuários em novas redes sociais. O trabalho em rede requer a elaboração de novas atitudes diante dos problemas referentes ao processo de adoecimento psíquico, nos permite redimensionar a práxis cotidiana das unidades de saúde e propõe complexificar a abordagem dos fenômenos de saúde e de doença(2525 Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saúde Pública. 2014;30(3):623-32. doi: 10.1590/0102-311X00158412
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).

Construir redes de potência, de criação de vida, que busquem a autonomia do sujeito e de produção de subjetivação é uma prerrogativa do cuidado em saúde mental. Conviver com as pluralidades existentes no território é um exercício político. Portanto, essa articulação é feita entre pessoas, garantindo um trânsito para a loucura no território e explorando as potencialidades dele.

Limitações do estudo

Uma das limitações deste estudo está relacionada aos participantes da pesquisa. Foram selecionados apenas gestores dos serviços, não sendo possível obter a percepção dos usuários, familiares e profissionais sobre a inclusão das ações de saúde mental na atenção básica como possibilidade de cuidado. Outra limitação reside no fato desta pesquisa não ter contemplado os Centros de Atenção Psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes (Capsi II) e os Centros de Atenção Psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas (Caps ad II).

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

As contribuições deste estudo estão relacionadas à ampliação das possibilidades e espaços de cuidado em saúde mental, indo dos espaços formais das unidades de saúde às ruas, aos espaços que compõem a vida dos sujeitos. Sendo assim, alarga-se o escopo das ações dos profissionais de saúde e consequentemente dos enfermeiros. Para tanto, é preciso que estes reconheçam essa articulação como estratégia de cuidado potente para a desinstitucionalização e, consequentemente, para o avanço do processo da Reforma Psiquiátrica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ações integradas entre a atenção básica à saúde e a saúde mental são fundamentais para a construção de processos que resultam em mudanças nas práticas dos serviços de saúde, dentre essas o apoio matricial, principal resultado deste estudo realizado com os gestores. O exercício matricial exige diálogo entre os profissionais na lógica interprofissional e da corresponsabilização com a construção de espaços colaborativos, centrado na integralidade do cuidado. O apoio matricial no município estudado conflui para a identificação de que a saúde mental não está totalmente incorporada na lógica de cuidado das unidades básicas de saúde e que se faz necessário compreender que desenvolver práticas de saúde mental na atenção básica é um facilitador da construção de novas possibilidades para a clínica da atenção psicossocial.

Com este estudo aprendeu-se que: a integralidade é uma direção de trabalho para a adoção de práticas em saúde mental centradas no sujeito. Não só a integralidade do cuidado, mas também a dos serviços comunitários existentes. A equidade encontra dificuldades para se materializar na prática, assim, é preciso melhorar a organização dos serviços para atender às diferentes demandas, além de considerar o usuário como alguém singular, com direito à diferença. A adoção de um tratamento diferenciado para cada indivíduo ainda se constitui um desafio para o cuidado. Por outro lado, a inclusão das ações de saúde mental na atenção básica possibilitou, na visão dos gestores, a ampliação do acesso dos usuários aos cuidados de que necessitam, pois possibilita a extensão das práticas de cuidado. No entanto, atualmente, um dos principais desafios dos Caps reside na extensão de suas práticas e atividades no território.

As ações de saúde mental na atenção básica não se restringem a um serviço. Referem-se, entre outras, a práticas de cuidado que se tecem em rede, a partir dos encontros que resultam na tomada de responsabilidade não apenas pelos profissionais, mas por um conjunto de dispositivos à serviço de um cuidado atencioso e singular.

Por fim, para garantir essa proposta de cuidado articulando saúde mental e atenção básica diferentes arranjos organizacionais são necessários, possibilitando diferentes maneiras, como discussão coletiva de casos, atendimento compartilhado, visita domiciliar conjunta, supervisão por parte do profissional especialista e, cabe destacar, modalidades que surgem em decorrência das urgências cotidianas, como a orientação via telefone em caso de situações de vulnerabilidade social. A inclusão das ações de saúde mental na atenção básica, neste estudo, constituiu-se como um dispositivo potente para o avanço da desmistificação da loucura e da consolidação da Reforma Psiquiátrica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2018
  • Aceito
    11 Abr 2019
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