Complexidade assistencial em idosos hospitalizados conforme desempenho cognitivo

RESUMO

Objetivo:

investigar possíveis diferenças na complexidade assistencial, desempenho funcional e aspectos biopsicossociais e de sistema de saúde entre idosos hospitalizados com ou sem declínio cognitivo.

Método:

estudo quantitativo, transversal e analítico que utilizou o método INTERMED e escalas de rastreio cognitivo e funcional. Foram investigados 384 idosos internados em clínica médica e cirúrgica de um Hospital Universitário em São Paulo/SP.

Resultados:

Houve declínio cognitivo em 40,1% da amostra, cuja maior parte era de idosos mais longevos e do sexo feminino, com menor escolaridade e renda, mais dependentes para as atividades de vida diária e com maior vulnerabilidade em diferentes domínios do INTERMED. Após ajustes, os idosos com declínio cognitivo apresentaram maior vulnerabilidade no domínio psicológico.

Conclusão:

A relação entre declínio cognitivo e vulnerabilidade psicológica destaca a necessidade de adotar cuidados de longa duração pautados no envolvimento da família, da equipe de saúde e dos diferentes serviços para qualidade da assistência.

Descritores:
Idoso; Cognição; Sintomas Comportamentais; Assistência Integral à Saúde; Hospital

ABSTRACT

Objective:

to investigate possible differences in care complexity, functional performance and biopsychosocial and health system aspects among hospitalized elderly with or without cognitive decline.

Method:

quantitative, cross-sectional and analytical study in which was used the INTERMED method and cognitive and functional screening scales. We investigated 384 elderly patients admitted to a medical and surgical clinic of a University Hospital located in São Paulo/SP.

Results:

cognitive decline was present in 40.1% of the sample, most of them were longer-lived elderly individuals with less schooling and income, more dependent in activities of daily living and had greater vulnerability in different domains of INTERMED. After adjustments, the elderly with cognitive decline presented greater vulnerability in the psychological domain.

Conclusion:

the relationship between cognitive decline and psychological vulnerability highlights the need to adopt long-term care based on involvement of the family, health team and different services, thereby maximizing the quality of care.

Descriptors:
Elderly; Cognitive Decline; Behavioral Symptoms; Comprehensive Health Care; Hospital

RESUMEN

Objetivo:

investigar posibles diferencias en la complejidad asistencial, desempeño funcional, y en los aspectos biopsicosociales y del sistema de salud entre ancianos hospitalizados con o sin declinación cognitiva.

Método:

estudio cuantitativo, transversal y analítico que utilizó el método INTERMED y escalas de rastreo cognitivo y funcional. Se investigaron 384 ancianos internados en clínica médica y quirúrgica de un Hospital Universitario ubicado en São Paulo/SP.

Resultados:

se obtuvo que el 40,1% de la muestra presentó declinación cognitiva, la mayoría compuesta por ancianos más longevos, del sexo femenino, con menor escolaridad e ingresos, más dependientes para las actividades de vida diaria y con mayor vulnerabilidad en diferentes dominios del INTERMED. Después de ajustes, los ancianos con declinación cognitiva presentaron mayor vulnerabilidad en el dominio psicológico.

Conclusión:

la relación entre declinación cognitiva y vulnerabilidad psicológica destaca la necesidad de adoptar cuidados de larga duración basados en la participación de la familia, del equipo de salud y de los diferentes servicios, maximizando la calidad de la atención.

Descriptores:
Anciano; Cognición; Síntomas Conductuales; Atención Integral de Salud; Hospital

INTRODUÇÃO

A atenção ao idoso hospitalizado desafia gestores e profissionais da assistência em saúde e convida a adoção de práticas voltadas para a gestão da atenção e implantação de tecnologias de avaliação, planejamento e monitoramento do cuidado ⁽¹⁾. Diferente de outros segmentos populacionais, os idosos possuem maior prevalência de doenças crônicas e incapacidades funcionais que podem agravar o prognóstico do estado de saúde, se não acompanhados adequadamente, e consequentemente resultar em óbito ^(2-5). Em estudo realizado com idosos em um hospital universitário no norte do estado de Minas Gerais, 12,7% da amostra apresentou evolução insatisfatória, com quadro clínico inalterado ou com evolução para óbito ⁽⁵⁾.

Diante dessa problemática, alguns estudos foram realizados com o intuito de levantar fatores agravantes no estado de saúde/doença de pacientes idosos, melhorar a qualidade da assistência prestada a eles e reduzir os custos assistenciais ^(6-11). Algumas ferramentas de gestão da clínica são utilizadas com o objetivo de identificar os aspectos biopsicossociais e do sistema de saúde que podem aperfeiçoar a atenção ao idoso hospitalizado, como o método INTERMED ^(11-17). No Brasil a aplicação destas ferramentas ainda carece de investigação, especialmente para identificar idosos com limitações funcionais e cognitivas que em geral são mais suscetíveis a desfechos adversos de saúde no contexto dos cuidados de longa duração ⁽¹⁸⁾.

Em estudo longitudinal que avaliou idosos beneficiários de seguros de saúde por dez anos, pacientes com síndrome demencial tiveram risco aumentado de hospitalizações, maior permanência no hospital e gastos mais elevados relacionados aos cuidados em saúde ⁽¹⁹⁾. Os estados funcional e cognitivo moderaram esses resultados ⁽¹⁹⁾.

Em pesquisas anteriores que avaliaram adultos e idosos portadores de doenças hepáticas e psiquiátricas, o método INTERMED foi sensível para identificar condições médicas complexas e reações fisiológicas graves, mas sua acuidade não foi a mesma para detectar sintomas psiquiátricos na amostra(11). Diante disso, a questão deste estudo é: o declínio cognitivo de idosos hospitalizados está associado com maior complexidade assistencial e diferenças em aspectos biopsicossociais e de saúde?

OBJETIVO

Investigar possíveis diferenças entre grupos de idosos hospitalizados com ou sem declínio cognitivo quanto à complexidade assistencial, aspectos biopsicossociais e de saúde, e desempenho funcional.

MÉTODO

Aspectos éticos

Foram respeitados os princípios éticos envolvendo pesquisa com seres humanos determinados pelo Conselho Nacional de Saúde após anuência da Comissão de Pesquisa e Comitê de Ética do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido visando resguardar a autonomia dos participantes e o anonimato e sigilo das informações concedidas.

Desenho, local do estudo e período

Estudo quantitativo, transversal e analítico realizado na clínica médica e na clínica cirúrgica do Hospital Universitário localizado na zona oeste do município de São Paulo durante os anos de 2010 a 2012.

Amostra e critérios de inclusão e exclusão

A amostra por conveniência incluiu 382 idosos que contemplaram os critérios de inclusão: idade a partir de 60 anos, estar internado há mais de 48 horas, aceitar participar do estudo e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Pacientes com afasia e diagnóstico de demência em estágio avançado foram excluídos.

Coleta e organização dos dados

Para caracterização dos participantes, foram levantados os dados sociodemográficos (nome, sexo, idade, ocupação, cor referida, renda, estado civil e convívio familiar) dos prontuários. Para a coleta de dados, foi utilizado o método INTERMED. Esta ferramenta é baseada em dados do prontuário médico e de entrevista semiestruturada realizada com os pacientes, constituída por uma anamnese de dados sobre os aspectos biopsicossociais e do sistema de saúde.

O método INTERMED é composto por 17 questões abertas que norteiam o preenchimento de um quadro com 20 variáveis que abrangem o histórico, o estado atual e a vulnerabilidade relativa aos domínios biológico, psicológico, social e sistema de saúde. Os domínios são preenchidos de acordo com as respostas do entrevistado. O propósito do INTERMED é melhorar a informação e a comunicação entre os profissionais sobre os riscos de saúde dos pacientes e suas necessidades, a fim de neutralizar esses riscos e promover cuidado preventivo e com boa relação custo-benefício ⁽¹⁵⁾.

Em estudos pregressos com uso do método INTERMED, os resultados demonstraram confiabilidade ao integrar aspectos biopsicossociais da doença, sua relação entre o paciente e o sistema de saúde, e subsídio da gestão de caso junto à equipe interprofissional ⁽¹⁵⁾. Este método possui aplicações na gestão clínica (avaliação da complexidade do caso e das necessidades de saúde), na produção de novos conhecimentos (descrição de diferentes comorbidades, estratificação das populações em ensaios clínicos randomizados), na educação e avaliação de resultados de cuidados de saúde (gestão da qualidade) ^(15-17).

Os escores para cada um dos domínios do método INTERMED obedecem a uma escala Likert com valores estimados de 0 a 3. Os escores são classificados em ordem crescente de complexidade; a pontuação 0 (zero) corresponde à ausência de complexidade, e 3 (três) corresponde ao maior nível de complexidade de determinada variável. A somatória das 20 variáveis pode variar de 0 a 60 pontos e sinaliza o grau de complexidade assistencial do paciente ⁽²⁰⁾. Neste estudo, o ponto de corte igual ou maior que 20 foi utilizado para definir idosos “complexos” com indicação de tratamento integrado ^(21-22). Idosos com pontuação menor que 20 foram classificados como “não complexos”.

Casos de declínio cognitivo foram identificados através do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (Bertolucci et al., 1994). Foi considerada a pontuação equivalente ao desvio padrão abaixo das medianas propostas por Brucki et al. (2003), a saber: analfabetos: 17 pontos; 1 a 4 anos de escolaridade: 21 pontos; 5 a 8 anos: 24 pontos; 9 a 11 anos: 26 pontos; 12 anos ou mais: 27 pontos ^(23-24). Para avaliar o nível da capacidade funcional dos idosos nas atividades de vida diária relacionadas ao autocuidado, foi aplicada a Escala de Katz com classificação da amostra em: independente, semidependente ou dependente ⁽²⁵⁾.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram analisados por meio do Programa Software Statistic Package for the Social Science (SPSS), versão 17. Para análises bivariadas, foram utilizados testes não paramétricos. Associações com valor p abaixo de 0,20 foram hierarquizadas para compor o modelo de regressão logística múltipla. Os modelos foram construídos com base no método de Forward Stepwise de Wald e ajustes para variáveis sociodemográficas (Modelo 1) e de dependência funcional (Modelo 2). No modelo final, foram inseridas as variáveis dos domínios do método INTERMED, INTERMED total, complexidade assistencial, variáveis sociodemográficas e de desempenho funcional que permaneceram com valor p igual ou abaixo de 0,05 (Modelo 3). A variável dependente foi categorizada em “0” e “1”, sendo que 0 correspondeu ao grupo de idosos sem declínio cognitivo e 1 o grupo de idosos com declínio cognitivo. Para todas as análises, foi utilizado o nível de significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Foi observada maior prevalência de declínio cognitivo em idosos do sexo feminino, de idade avançada, menor escolaridade, viúvos, e com menor renda, conforme Tabela 1, e entre idosos mais dependentes para as atividades básicas de vida diária, com maiores escores nos domínios do método INTERMED e maior complexidade assistencial, conforme Tabela 2. Não foram observadas associações entre declínio cognitivo, dias de internação e área de procedência: clínica médica e cirúrgica.

Tabela 1
Características sociodemográficas associadas ao declínio cognitivo dos participantes do estudo, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2010-2012

Características da amostra (N=382)	Sem declínio (n=229) n (%)	Com declínio (n=153) n (%)	Valor de p
Sexo
Masculino	116 (65,91)	60 (34,09)	0,028
Feminino	113 (54,85)	93 (45,15)
Idade
60 |- 69	105 (66,46)	53 (33,54)	0,000
70 |- 80	91 (64,54)	50 (35,46)
80 |- +	33 (39,76)	50 (60,24)
Escolaridade em anos
Sem escolaridade	24 (32,88)	49 (67,12)	0,000
<8 anos	180 (65,93)	93 (34,07)
>8 anos	25 (69,44)	11 (30,56)
Cor referida
Branco	159 (62.6)	95 (37,4)	0,245
Pardo	29 (49,15)	30 (50,85)
Negro	36 (57,14)	27 (42,84)
Amarela	5 (83,33)	1 (16,67)
Estado civil
Casado	121 (67,98)	57 (32,02)	0,007
Viúvo	68 (52,31)	62 (47,69)
Solteiro ou separado	40 (54,05)	34 (45,95)
Renda (n. salários mínimos)
Sem renda	59 (47,97)	64 (52,03)	0,004
1	115 (64,97)	62 (35,03)
2	34 (70,83)	14 (29,17)
3	6 (50)	6 (50)
4	14 (66,67)	7 (33,33)

Tabela 2
Capacidade funcional, domínios do INTERMED e de complexidade assistencial associados ao declínio cognitivo dos participantes do estudo, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2010-2012

Características da amostra (N=382)	Sem declínio (n=229) n (%)	Com declínio (n=153) n (%)	Valor de p
Capacidade funcional
Independente	164 (68)	77 (32)	0,000
Semidependente	40 (65)	21 (34,4)
Dependente	25 (31,2)	55 (68)
	M (+DP)	M (+DP)
Dias de internação	15,40 (11,56)	17,25 (17,89)	0,682
INTERMED
Domínio biológico	7,80 (2,42)	8,47 (2,44)	0,005
Domínio psicológico	1,57 (2,35)	3,50 (3,19)	0,000
Domínio social	2,20 (2,30)	3,95 (3,65)	0,000
Domínio sistema de saúde	4,27 (1,90)	4,38 (1,92)	0,385
INTERMED Total	15,88 (5,80)	20,39 (7,79)	0,000
Complexidade assistencial
0 |- 20	183 (69,8)	79 (30,2)	0,000
21 |- +	46 (38,3)	74 (61,7)

Com relação aos modelos de regressão logística múltipla, sexo, renda, domínio biológico, social e a complexidade assistencial perderam a significância estatística (não mostrados no texto). As variáveis que permaneceram associadas ao declínio cognitivo foram: idade, escolaridade, estado civil e o domínio psicológico do método INTERMED. Em conjunto, esses dados indicaram que idosos com declínio cognitivo apresentaram maior vulnerabilidade no domínio psicológico, mesmo após ajustes das características sociodemográficas relacionadas ao grau de dependência nas atividades de vida diária, conforme Modelo 3 apresentado na Tabela 3⁾.

Tabela 3
Modelos de regressão logística múltipla em blocos - Método Forward Stepwise, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2010-2012

Modelo 1 Características sociodemográficas	B (EP)	OR	IC (95%)	Valor de p
Idade	0,33 (0,13)	1,03	1,01-1,06	0,010
Escolaridade	-0,881 (0,22)	0,41	0,26-0,64	0,000
Estado civil (sem companheiro)	0,51 (0,22)	1,67	1,08-2,58	0,020
Constante (B0)	-2,26 (0,951)			0,017
Modelo 2 Características sociodemográficas e de saúde	B (EP)	OR	IC (95%)	Valor de p
Idade	0,27 (0,13)	1,03	1,002-1,05	0,033
Escolaridade	-0.87 (0,23)	0,41	0,26-0,64	0,000
Estado civil (sem companheiro)	0,41 (0,22)	1,51	0,97-2,37	0,067
Katz (1 ou mais dificuldade)	0,75 (0,23)	2,11	1,37-3,33	0,001
Constante (B0)	-2.09 (0,94)			0,028
Modelo 3 Características sociodemográficas, saúde e medidas do método INTERMED*	B (EP)	OR	IC (95%)	Valor de p
Idade	0,33 (0,01)	1,03	1,01-1,06	0,018
Escolaridade	-0,98 (0,24)	0,37	0,23-0,59	0,000
Estado civil (sem companheiro)	0,34 (0,23)	1,41	0,89-2,25	0,141
Katz (1 ou mais dificuldade)	0,440 (0,24)	1,55	0,95-2,52	0,075
Domínio psicológico	0,24 (0.04)	1.27	1,16-1,38	0,000
Constante (B0)	-2.79 (1.02)			0,006

• Nota:
• ^*
  Modelo final: qui-quadrado do modelo de 80,52, graus de liberdade: 5, p.0,000. R2=0,257; B - Beta; EP = Erro Padrão; IC - Intervalo de Confiança; OR - Odds Ratio; As variáveis idade e escolaridade foram contínuas. A condição de referência para estado civil foi o grupo casado e para a Katz - dependência funcional, o grupo de idosos independentes.

DISCUSSÃO

Os resultados desse estudo indicaram que idosos hospitalizados com declínio cognitivo constituem uma amostra menos escolarizada, mais longeva, mais dependente para as atividades de vida diária e com maior vulnerabilidade psicológica segundo método INTERMED. Em conjunto, esses dados sugerem que aspectos do comportamento devem ser considerados pela equipe de enfermagem, profissionais de saúde, familiares e cuidadores que acompanham esses pacientes.

Do ponto de vista da equipe do hospital, é imprescindível avaliar com mais detalhamento se as condições de vulnerabilidade psicológica são recentes, os possíveis fatores causais (fisiológicos, psíquicos, ambientais e sociais) e os recursos de que os pacientes e a família dispõem para lidar com as questões impostas pela incapacidade funcional, declínio cognitivo e morbidades do idoso. É fundamental avaliar a saúde mental do cuidador, o conhecimento sobre as doenças, a condição do paciente e a rede de suporte emocional, instrumental e financeira que poderia ser mobilizada para enfrentar possíveis dificuldades associadas aos cuidados ^(26-27). Isso é especialmente importante para: a) o gerenciamento do cuidado e alocação de recursos; b) diagnósticos subjacentes à vulnerabilidade psicológica, como sintomas neuropsiquiátricos, doenças mentais e o próprio delirium, estado confusional agudo altamente prevalente em idosos hospitalizados; c) evitar condutas iatrogênicas, que podem piorar o estado geral de saúde do idoso; e por fim, d) envolver a família no planejamento do cuidado e alta hospitalar, visando a qualidade na continuidade do cuidado no período após alta hospitalar.

Com relação ao estado psíquico dos pacientes, nas demências, a agitação é um dos comportamentos mais prevalentes, observado em 55% dos pacientes em instituições de longa permanência e de cuidados ⁽²⁸⁾. Diante disso, a comunicação entre profissionais e familiares é essencial para ajustar sentimentos de falta de esperança, solidão e perda de controle. A transição do paciente com desordens cognitivas ao hospital deve incluir a família e o paciente no planejamento dos cuidados ⁽²⁹⁾.

Daí a necessidade de efetivar políticas públicas focadas em cuidados no domicílio e de longa duração que fortaleçam os cuidados familiares ⁽³⁰⁾. No contexto das demências, os custos associados à institucionalização e aos cuidados terciários com esses idosos justificam as políticas de prevenção, a importância dos Centros de Dia para Idosos (CDI) e os cuidados domiciliares ⁽¹⁾. No Brasil, as iniciativas de cuidados domiciliares e em CDI ainda são incipientes, o que dificulta a efetividade dos cuidados de longa duração a idosos com dependência física e declínio cognitivo.

A associação entre declínio cognitivo e idade é bem estabelecida na literatura, com maior prevalência de demência em idosos mais longevos ⁽³¹⁾. Estima-se que essa prevalência seja ao redor de 50% entre idosos com 85 anos ou mais ⁽³²⁾. No presente estudo, a prevalência de declínio cognitivo foi de 40,1%, fato que pode se associar ao perfil etário, pois a maioria da amostra tinha 70 anos ou mais e a condição de hospitalização. Estes fatores podem predispor maior declínio cognitivo pelas condições clínicas descompensadas.

A relação entre declínio cognitivo, escolaridade e sexo também já foi descrita e mais encontrada em idosos com menor escolaridade e em mulheres idosas, provavelmente por estas serem mais longevas e menos escolarizadas. Este fato foi confirmado nos modelos de regressão, em que o sexo perdeu significância estatística após ajustes das demais variáveis sociodemográficas. Tudo indica que o mesmo ocorreu com o estado civil, que perdeu significância estatística após ajustes realizados pelo modelo. Além dessas variáveis, os idosos com declínio cognitivo também apresentam maior prevalência de declínio funcional nas atividades de vida diária ⁽³¹⁾.

A maior complexidade assistencial detectada nos pacientes com declínio cognitivo incluídos neste estudo vai ao encontro de achados na literatura no que se refere ao método INTERMED, pois ele amplia o alcance do olhar clínico para além do aspecto biomédico ⁽¹⁸⁾. Dada a necessidade da visão biopsicossocial, a coordenação do cuidado é importante para favorecer sua integralidade ^(33-36).

Limitações do estudo

A prevalência de declínio cognitivo na amostra estudada é relativamente mais alta do que em idosos residentes na comunidade. Embora ajustada às condições de saúde e sociodemográficas, é possível que os dados do domínio psicológico do INTERMED tenham sido influenciados pela fragilidade de saúde associada à hospitalização e a fatores como medo, receio, desorientação em tempo e espaço, e dificuldades de comunicação e de expressar sentimentos. Outra limitação refere-se à ausência de dados pregressos dos pacientes; por quanto tempo possuíam declínio cognitivo e quantos eram portadores de síndromes demenciais devidamente diagnosticadas e tratadas.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Apesar das limitações do estudo, os resultados podem contribuir para alertar e sensibilizar os profissionais de saúde para a importância do rastreio e avaliação cognitiva dos idosos durante o processo de hospitalização. Além disso, diante da estrutura conceitual e operacional do método INTERMED, o gestor do cuidado pode utilizá-lo como ferramenta de avaliação dos aspectos biopsicossociais e de sistema de saúde dos idosos hospitalizados, o que melhora a qualidade assistencial. Essa é uma ferramenta valiosa para os profissionais de saúde, decisores políticos e gerentes hospitalares quando na presença de pacientes complexos com comorbidades psicossociais e respostas diminuídas aos tratamentos médicos tradicionais.

CONCLUSÃO

Os dados do presente estudo indicaram que os idosos hospitalizados com declínio cognitivo eram menos escolarizados, mais longevos, mais dependentes e com maior vulnerabilidade no domínio psicológico após utilização do método INTERMED. A ferramenta foi útil para avaliar os aspectos biopsicossociais de idosos hospitalizados com declínio cognitivo. A relação entre declínio cognitivo e vulnerabilidade psicológica destaca a necessidade de cuidados de longa duração pautados no envolvimento da família, equipe de saúde e os diferentes serviços para maximizar a qualidade da assistência. Assim, será possível usar tecnologias de gestão de caso para evitar hospitalizações sucessivas e proporcionar maior efetividade e eficiência às intervenções. Para tanto, é imprescindível repensar a assistência hospitalar a esses idosos, qualificar os profissionais, prover recursos humanos para a gestão de casos, e implantar sistemas de informação através dos quais os gestores possam quantificar o impacto das intervenções para reduzir iatrogenias e custos.

AGRADECIMENTO

Ao Hospital Universitário, pacientes, e estudantes de graduação em Gerontologia da EACH/USP.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  Nov 2019

Histórico

• Recebido
  29 Maio 2018
• Aceito
  21 Ago 2018