Conhecimento dos profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre o atendimento inicial ao queimado

RESUMO

Objetivos:

avaliar o conhecimento de médicos e enfermeiros da Atenção Primária à Saúde sobre atendimento inicial ao paciente queimado.

Métodos:

pesquisa descritiva, transversal com 71 profissionais, entre 19 de fevereiro e 30 de março de 2018. Utilizou-se questionário validado para avaliar o conhecimento por meio dos acertos obtidos no instrumento; teste de Mann-Whitney para comparar o nível de conhecimento dos profissionais; regressão logística para investigar a associação com as demais variáveis.

Resultados:

observou-se índice geral de erros no instrumento aplicado sobre o tema de 40,27% em relação aos médicos e 45,59% dos enfermeiros, sem haver diferença estatisticamente significante entre eles (p=0,27). Verificou-se associação positiva entre nível de conhecimento e tempo de atuação na Atenção Primária à Saúde (p=0,043). 29,19% dos médicos e 14,89% dos enfermeiros conheciam o fluxograma para atendimento inicial ao queimado do Ministério da Saúde.

Conclusões:

os profissionais apresentaram baixo nível de conhecimento associado ao tempo de atuação na Atenção Primária à Saúde.

Descritores:
Atenção Primária à Saúde; Conhecimento; Queimaduras; Médicos; Enfermeiros

ABSTRACT

Objectives:

to assess Primary Health Care physicians and nurses’ knowledge about initial care for burn patients.

Methods:

a descriptive cross-sectional survey of 71 professionals between February 19 and March 30, 2018. A validated questionnaire was used to assess knowledge through the correct answers obtained in the tool; Mann-Whitney test to compare professionals’ level of knowledge; and logistic regression to investigate the association with other variables.

Results:

there was an overall wrong answer rate of 40.27% in a tool applied to the subject in relation to physicians and 45.59% of nurses, with no statistically significant difference among them (p=0.27). There was a positive association between level of knowledge and length of practice in Primary Health Care (p=0.043). 29.19% of physicians and 14.89% of nurses knew the Ministry of Health’s flowchart for initial care for burn victims.

Conclusions:

professionals had a low level of knowledge associated with their time in Primary Health Care.

Descriptors:
Primary Health Care; Knowledge; Burns; Physicians; Nurses

RESUMEN

Objetivos:

evaluar el conocimiento de médicos y enfermeros de la Atención Primaria de Salud sobre atención inicial al paciente quemado.

Métodos:

investigación descriptiva, transversal con 71 profesionales en el período entre 19 de febrero y 30 de marzo de 2018. Se utilizó un cuestionario validado para evaluar el conocimiento por medio de los aciertos obtenidos en el instrumento y la prueba de Mann-Whitney para comparar el nivel de conocimiento de los profesionales y regresión logística para investigar la asociación con las demás variables.

Resultados:

se observó índice general de errores en el instrumento aplicado sobre el tema del 40,27% en relación a los médicos y el 45,59% de los enfermeros, sin haber diferencia estadísticamente significativa entre ellos (p=0,27). Se verificó asociación positiva entre nivel de conocimiento y tiempo de actuación en la Atención Primaria de Salud (p=0,043). El 29,19% de los médicos y el 14,89% de los enfermeros conocían el diagrama de flujo para atención inicial al quemado del Ministerio de Salud.

Conclusiones:

Los profesionales presentaron bajo nivel de conocimiento y éste se mostró asociado al tiempo de actuación en la Atención Primaria de Salud.

Descriptores:
Atención Primaria de Salud; Conocimiento; Quemaduras; Médicos, Enfermeros y Enfermeras

INTRODUÇÃO

Queimaduras são lesões traumáticas sobre os tecidos orgânicos do corpo decorrentes da ação de agentes variados como fogo, eletricidade, radiação, superfícies aquecidas, líquidos quentes, entre outros. Dependendo da extensão, profundidade, agente causador da lesão, associação com inalação de fumaça pela vítima e outras particularidades, as queimaduras geram repercussões sistêmicas importantes que podem levar a sequelas graves ou morte. São consideradas um problema de saúde global pela Organização Mundial de Saúde (OMS), estimando-se em mais de 265.000 mortes anuais causadas somente pelo fogo^(1-2).

Embora o Ministério da Saúde (MS) reconheça as queimaduras como um problema de saúde pública, não se sabe a real dimensão da problemática no Brasil, uma vez que faltam dados epidemiológicos suficientes e um banco de informações unificado que permitam definir um panorama nacional do problema^(3-5). Ainda assim, diversos estudos utilizando dados de Centros de Tratamentos de Queimados apontam o domicílio como o local mais frequente de ocorrência das queimaduras atendidas nos serviços de urgência e emergência no país^(6-10).

No Brasil, a assistência aos queimados é organizada em serviços hierarquizados e regionalizados com base nos princípios da universalidade e integralidade das ações de saúde e tem na Atenção Primária à Saúde (APS) um importante protagonismo. Os profissionais nela inseridos são responsáveis pelo tratamento direto dos pacientes de menor gravidade e, ao mesmo tempo, devem estar integrados com o todo da rede assistencial e outros níveis de atenção no acompanhamento dos demais casos^(10-12).

Portanto, o conhecimento no atendimento inicial ao queimado é crucial, permitindo reduzir seu risco de morbidade e mortalidade, definindo como um conjunto de informações pertinentes a uma determinada área fundamentada em princípios científicos já estabelecidos⁽¹²⁾. Torna-se uma ferramenta indispensável para que o profissional possa agir nas diferentes situações da prática diária proporcionando capacidade para utilizar e integrar esses saberes, visando à solução dos problemas cotidianos para melhor atender as necessidades da população que procura os serviços de saúde⁽¹³⁾.

Em estudo realizado no Reino Unido em 2015, identificou-se que muitos estudantes na parte final de seus cursos médicos não apresentam habilidades ou confiança para lidar com queimados, sendo que 35% afirmaram que não receberam qualquer aula sobre queimaduras, apenas 45% recebeu ensino formal e somente 32% se sentiam confortáveis neste tipo de atendimento. O referido estudo apontou como causa desse problema a falha curricular sobre este assunto, o qual levava à deficiência de conhecimento de primeiros socorros, confiança no cuidado e de conhecimentos básicos de tratamento⁽¹⁴⁾.

Por sua vez, outro estudo realizado com 133 estudantes de Medicina no estado do Piauí, Brasil, em 2016, abordando o conhecimento sobre o atendimento inicial ao queimado, mostrou resultados preocupantes: 60,15% deles não sabiam a correta indicação de profilaxia contra o tétano, apenas 49,62% responderam corretamente o questionamento sobre cálculo da superfície corporal queimada (SCQ) e 48,12% acertaram a reposta sobre antibioticoprofilaxia⁽¹⁵⁾.

Considerando que as queimaduras são lesões potencialmente graves, geradoras de sequelas incapacitantes e fatais, a má condução desses agravos nas primeiras horas impacta diretamente seu desfecho. Além disso, observamos a necessidade de estudos que tratem desse tema, visto que não foram encontradas no Brasil publicações que tenham como foco específico a verificação do conhecimento dos profissionais que prestam atendimento inicial ao queimado na APS.

OBJETIVOS

Analisar o conhecimento dos profissionais da APS no atendimento inicial ao paciente queimado.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa foi realizada dentro dos princípios éticos e legais prescritos para as investigações científicas no Brasil e em diferentes nações. Foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário UNINOVAFAPI, Parecer n^o. 2153139 de 03 de julho de 2017, respeitando a Resolução n^o. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/MS.

Desenho, local do estudo e período

Pesquisa descritiva, de delineamento transversal, realizada junto aos profissionais médicos e enfermeiros da APS do município de Teresina, capital do Piauí, no período de fevereiro a março de 2018.

População ou amostra, critérios de inclusão e exclusão

Conforme os dados fornecidos pelo órgão gestor do município existiam, na época da pesquisa, 516 profissionais (258 médicos e 258 enfermeiros) possuíam vinculação a 258 equipes da APS do município-capital do Piauí, Teresina, lotados em 92 UBS. Calculou-se então uma amostra do tipo casual simples (n) e definiu-se, a priori, uma margem de erro (E) de 5%; um nível de confiança de 95% (Z=1,96); e a pressuposição de que o parâmetro (conhecimento) do estudo tem variância máxima, P=0,50. Como se trata de uma população considerada finita de 516 (N) profissionais da APS, entre médicos e enfermeiros, a amostra foi calculada utilizando a fórmula⁽¹⁶⁾$\mathit{n}=\frac{{\mathit{Z}}^2\mathit{P}\left(1-\mathit{P}\right)\mathit{N}}{{\mathit{E}}^2\left(\mathit{N}-1\right)+{\mathit{Z}}^2\mathit{P}\left(1-\mathit{P}\right)}$, sendo n=220 distribuída entre 110 médicos e 110 enfermeiros pertencentes a 68 UBS. As 258 equipes foram devidamente numeradas, e o programa BioStat 5 gerou 110 números aleatórios entre 1 e 258, correspondentes às equipes integrantes da amostra. Em cada unidade amostral sorteada, médicos e enfermeiros foram integrados à pesquisa na condição de participantes da pesquisa. A princípio, incorporam-se como participantes da pesquisa os profissionais com atuação há, no mínimo, um ano na APS e foram excluídos os que estavam em férias ou afastados por licença médica ou de qualquer outra natureza.

Entre os médicos, 24 não responderam aos questionários por estarem de férias/licença ou a equipe visitada não possuía esse profissional no momento da coleta de dados. No grupo dos enfermeiros, foi relatado registro de afastamento de 13 deles, pelos motivos citados acima. Totalizaram 71 participantes, sendo 24 médicos e 47 enfermeiros pertencentes a 60 equipes da APS. Quanto à recusa em responder ao roteiro de coleta, 62 médicos e 50 enfermeiros negaram-se a participar do estudo: respectivamente 72,10% e 51,50%, o que, decerto, representa percentagem relativamente elevada. O motivo mais alegado pelos profissionais para a não participação do estudo foi a falta de conhecimento sobre o tema em estudo.

Ressalta-se que a coleta de dados foi realizada junto às equipes pertencentes a 68 UBS na zona urbana e rural da cidade, o que correspondeu a 73,9% do total de UBS existentes. Em face do alto índice de recusas, buscou-se ampliar o número de participantes. Todavia, considerando que para as UBS, não inicialmente visitadas, havia dificuldades de acesso por conta da distância e logística de deslocamento da equipe de pesquisa, encerrou-se a coleta de dados com este quantitativo, sendo essa uma limitação metodológica.

Protocolo do estudo

Para a coleta de dados, recorreu-se a questionários elaborados e validados⁽¹²⁾. A elaboração do referido instrumento teve como referencial metodológico para sua construção a Teoria de Elaboração de Escalas Psicológicas de Pasquali, amplamente utilizada na validação de instrumentos de pesquisa⁽¹⁷⁾.

Tratava-se de um questionário estruturado com questões fechadas, abrangendo (A) Caracterização sociodemográfica do profissional avaliado, (B) Fontes de atualização teórica e prática sobre atendimento ao queimado e (C) Questões dicotômicas sobre o conhecimento geral e específico de enfermeiros e médicos sobre atendimento inicial ao queimado. Para fins do presente estudo, considerando o público-alvo que são os médicos e enfermeiros que atendem na APS, foram realizados ajustes no instrumento original⁽¹²⁾, de forma contemplar as condutas assistenciais definidas pelo MS no atendimento inicial ao queimado no âmbito da APS⁽¹⁸⁾. As mudanças limitaram-se à supressão de itens não alusivos ao domínio necessário em queimaduras por parte desses profissionais da APS como: cuidados, procedimentos invasivos, condutas e controles realizados em ambiente hospitalar. Além disso, foram retiradas também as questões relativas às fontes de atualização teórica e prática sobre o atendimento ao queimado de forma a tornar o questionário objetivo.

O instrumento utilizado para os médicos contemplou, no primeiro bloco, a caracterização sociodemográfica com os seguintes itens: idade; sexo; formação profissional; ano de conclusão da graduação; pós-graduação (ou não); tempo de experiência e forma de ingresso na APS; experiência no atendimento a algum paciente agudamente queimado na APS. Além das questões específicas, seguem itens mais genéricos: conhecimento (ou não) do fluxograma para atendimento com classificação de risco/vulnerabilidade para pacientes queimados do MS para atenção básica⁽¹⁷⁾; capacitação e atualização (ou não) na área de atendimento inicial aos queimados; data da última capacitação, em caso afirmativo.

O segundo bloco - sobre o conhecimento geral e específico no atendimento inicial ao paciente queimado para os médicos, contemplou os temas: (1) exame inicial básico; (2) cálculo de superfície corporal queimada; (3) cuidados locais ao queimado; (4) remoção imediata (ou não) para evitar maior propagação da queimadura, no caso de agente causador aderente; (5) limpeza das lesões e utilização (ou não) de curativos oclusivos, em geral; (6) posicionamento do paciente após queimadura das mãos; (7) fisiopatologia das queimaduras; (8) especificidade no caso de queimaduras de face, pé, mão ou pescoço e/ou na região perineal ou genitália; (9) queimadura circunferencial de extremidades, queimaduras por descarga elétrica, intoxicações, etc.; (10) necessidade de jejum nas primeiras 48 horas para os queimados; (11) sobre reposição hidroeletrolítica; (12) utilização de antibióticos profiláticos para prevenção de infecções. Ao todo, o segundo bloco do referido instrumento totalizou 12 (doze) questões constando 03 (três) alternativas de escolha: concordo, discordo, não sei.

Se tratando dos enfermeiros, no primeiro bloco - caracterização sociodemográfica - as questões são as mesmas destinadas aos médicos. No segundo bloco - que diz respeito ao conhecimento sobre o atendimento inicial ao paciente queimado - as sete primeiras questões são iguais às direcionadas aos médicos. Da oitava em diante há diferenças, conforme o instrumento original proposto por Balan (2014): (8) oferta generosa de líquidos de modo que o paciente responda ao tratamento o mais rápido possível por meio de volume urinário satisfatório; (9) cuidado com as lesões durante o primeiro banho e degermação das lesões com clorexidina; (10) cuidado com lesões após o banho; (11) recomendações acerca da troca dos curativos dos pacientes; (12) uso de todos os equipamentos de proteção disponíveis e aplicação da técnica asséptica durante os curativos para evitar riscos de infecção; (13) prevenção das sequelas estéticas e funcionais através de condutas tomadas pela Enfermagem; (14) no primeiro atendimento, punção venosa para infusão precoce de fluidos⁽¹⁷⁾. Ao todo, o segundo bloco do questionário destinado aos enfermeiros totalizou 14 (quatorze) questões constando 03 (três) alternativas de escolha: concordo, discordo, não sei.

Os profissionais selecionados foram localizados e abordados em suas próprias UBS no respectivo turno de trabalho. Na oportunidade, os profissionais foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e convidados a participar assim que houvesse a disponibilidade para tal; para aqueles que se dispuseram a fazê-lo, a entrevista era realizada naquele momento, nas dependências da UBS. Para os que não se disponibilizaram, era agendada uma segunda data. Os questionários foram aplicados por quatro (4) profissionais de saúde de nível superior treinados previamente para aplicação do instrumento utilizado pelo pesquisador responsável, o qual também coube à tarefa de realizar a supervisão diária do preenchimento dos instrumentos. Aos indivíduos que concordassem integrar a pesquisa foram entregues o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Análise dos resultados e estatística

Os dados da pesquisa foram tabulados utilizando o programa Microsoft Excel 2016. Posteriormente, os dados foram submetidos a testes estatísticos com o auxílio do programa SPSS versão 23.0, código de autorização de uso Nº: cb4b1b048cd831218022. O nível de significância adotado em todos os testes foi de 5% (p<0,05).

A análise dos dados para verificar o conhecimento dos profissionais sobre o tema considerou o número de acertos aos questionários por categoria profissional. Para testar a hipótese de que a soma total de pontos obtidos nos questionários das duas categorias profissionais seguia o padrão da curva normal, utilizou-se o Teste de Kolmogorov-Smirnov, o que permitiu rejeitar esta hipótese. Assim, para avaliar se o nível de conhecimento entre o atendimento inicial ao paciente queimado era igual entre médicos e enfermeiros utilizou-se o Teste não paramétrico de Mann-Whitney.

Para verificar a existência de associação do conhecimento entre o tipo de profissional, médicos ou enfermeiros e o conhecimento a respeito do fluxograma ao atendimento inicial ao paciente queimado do MS utilizou-se o Teste do Qui-Quadrado.

A análise de regressão logística empregada estudou a capacidade individual de cada variável independente em diferenciar os grupos que possuíam maior conhecimento daqueles com menor conhecimento isolando os efeitos das demais. As variáveis independentes foram definidas e dicotomizadas: (1) idade (< idade mediana ou ≥ idade mediana); (2) sexo (masculino ou feminino); (3) formação (médico ou enfermeiro); (4) tempo de formação (< tempo mediano ou ≥ tempo mediano); (5) educação continuada (pós-graduação: sim ou não); (6) tempo de experiência na APS (< tempo mediano ou ≥ ao tempo mediano); (7) forma de ingresso na APS: concurso público (sim ou não); (8) experiência no atendimento a queimados (sim ou não); (9) conhecimento do fluxograma para atendimento ao queimado na atenção básica (sim ou não).

A variável dependente, por seu turno, correspondeu ao número de acertos dos respectivos testes de conhecimento: < mediana do número de acertos ou ≥ mediana do número de acertos.

O coeficiente de correlação de Spearman foi utilizado para estudar a relação concomitante entre o número de acertos aos questionários com o tempo de atuação na APS, isoladamente.

RESULTADOS

Os dados mostram que 49,30% dos profissionais estavam com 42 anos ou menos. Em relação ao gênero, predominavam majoritariamente o sexo feminino, com 92,96%. Quanto à formação profissional, 66,20% eram enfermeiros e 33,80%, médicos. No que se refere ao tempo de formação, em termos genéricos dos dois segmentos, 40,84% estavam graduados há mais de 20 anos. A maior parte dos entrevistados (83,09%) possuía pós-graduação, destacando-se aqui a do tipo lato sensu (73,23%). Prosseguindo, dentre os dados sociodemográficos, um pouco mais de 59% dos pesquisados apresentavam acima de 10 anos de experiência na APS. A forma de ingresso na APS vinha ocorrendo predominantemente via concurso público em 81,69% (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e de formação dos profissionais da Atenção Primária à Saúde, Teresina, Piauí, Brasil, 2018

Variáveis	N	%
Faixa etária
22 |- 42 anos	35	49,30
43 |- 60 anos	30	42,25
> 60 anos	6	8,45
Sexo
Masculino	5	7,04
Feminino	66	92,96
Formação profissional
Enfermeiro	47	66,20
Médico	24	33,80
Tempo de graduação
<10 anos	20	28,16
10 |-| 20 anos	22	30,98
> 20 anos	29	40,84
Educação continuada/pós-graduação
Sim	59	83,09
Não	12	16,91
Educação continuada/tipo de pós-graduação
Especialização	52	73,23
Mestrado	7	9,85
Atualização em atendimento em queimaduras	0	0
Anos de experiência na APS*
< 5 anos	16	22,53
5 |- 10 anos	9	12,68
11 |- 15 anos	14	14,72
16 |-20 anos	24	33,80
> 20 anos	8	11,27
Forma de ingresso
Concurso público	58	81,69
Seleção pública	9	12,68
Substituto	4	5,63

• Nota:
• ^*
  APS - Atenção Primária à Saúde

Observou-se uma proporção de conhecimento geral com média de acertos do total de questões de 59,7% por parte dos médicos. Quanto à pergunta alusiva ao exame básico no atendimento inicial ao paciente queimado, a grande maioria destes alcançou 95,80% de respostas corretas. Avaliando o item referente à aplicação da “regra dos nove” para o cálculo da SCQ, os médicos alcançaram um índice de erros de 41,70%. No tocante à compreensão relacionada à fisiopatologia das queimaduras, a proporção de erros foi bem alta para os médicos (79,10%). O item alusivo à reposição volêmica inicial nos pacientes queimados sinalizou 45,80% de erros. Por fim, o questionamento sobre antibioticoterapia trouxe como resultado 54,20% de erros (Tabela 2).

Tabela 2
Número de acertos, erros, não sabe e respectivas porcentagens de acertos e de erros por tema dos profissionais médicos da Atenção Primária à Saúde, Teresina, Piauí, Brasil, 2018

Itens	Área	Número de acertos	Número de erros	Não sabe	Acertos (%)	Erros (%)
1	Exame inicial	23	1	0	95,8	4,2
2	Cálculo da superfície corporal queimada	14	5	5	58,3	41,7
3	Cuidados locais	16	8	0	66,7	33,3
4	Cuidados locais	12	10	2	50,0	50,0
5	Cuidados locais	12	10	2	50,0	50,0
6	Posicionamento	12	5	7	50,0	50,0
7	Fisiopatologia	5	12	7	20,8	79,1
8	Triagem	16	3	5	66,7	33,3
9	Triagem	23	0	1	95,8	4,2
10	Nutrição	15	6	3	62,5	37,5
11	Reposição volêmica	13	2	9	54,2	45,8
12	Antibioticoterapia	11	13	0	45,8	54,2
Total		172	75	41	59,7	40,3

A respeito da Tabela 3, alusiva ao grupo dos enfermeiros, observou-se uma taxa de conhecimento geral com média de acertos de 54,4% das questões. Quanto à primeira pergunta sobre exame básico no atendimento inicial ao paciente queimado, aferiu-se 80,90% de respostas corretas. Com relação ao item sobre a aplicação da “regra dos nove” observou-se um índice de erros de 51,10%. Quanto à pergunta sobre a fisiopatologia das queimaduras, o percentual de erros foi considerado alto, 85,10%. O questionamento sobre prevenção de infecções nos queimados as respostas erradas alcançaram 63,80%. Por fim, a questão que buscava colher dados sobre o saber desses especialistas quanto ao acesso venoso no atendimento inicial aos queimados, apresentou taxa de respostas corretas de somente 36,20%.

Tabela 3
Número de acertos, erros, não sabe e respectivas porcentagens de acertos e de erros por tema dos profissionais enfermeiros da Atenção Primária à Saúde, Teresina, Piauí, Brasil, 2018

Itens	Área	Número de acertos	Número de erros	Não sabe	Acertos (%)	Erros (%)
1	Exame inicial	38	5	4	80,9	19,1
2	Cálculo da superfície corporal queimada	23	12	12	48,9	51,1
3	Cuidados locais	25	19	3	53,2	46,8
4	Cuidados locais	33	8	6	70,2	29,8
5	Cuidados locais	22	10	15	46,8	53,2
6	Posicionamento	20	7	20	42,6	57,4
7	Fisiopatologia	7	20	20	14,9	85,1
8	Controles vitais	30	11	6	63,8	36,2
9	Cuidados da lesão	16	17	14	34,0	66,0
10	Cuidados da lesão	37	2	8	78,7	21,3
11	Cuidados da lesão	35	5	7	74,5	25,5
12	Prevenção de infecção	17	28	2	36,2	63,8
13	Prevenção de complicações	38	8	1	80,9	19,1
14	Acesso venoso	17	22	8	36,2	63,8
Total		358	174	126	54,4	45,6

Não existiu diferença estatisticamente significante entre número total de acertos dos médicos quando comparados aos acertos dos enfermeiros (p=0,27).

Em relação ao conhecimento do fluxograma para atendimento inicial ao queimado do MS, 29,19% dos médicos e 14,89% dos enfermeiros responderam afirmativamente. Não foi detectada associação com significância estatística entre formação profissional e existência de conhecimento sobre o mesmo (p=0,15).

Nenhum profissional, médico ou enfermeiro, acertou todas as questões do questionário. A média e mediana do número de acertos estiveram próximas nos dois grupos profissionais. Quanto à nota mínima, houve quem errasse todas as alternativas do questionário no grupo da Enfermagem. Os números de acertos médios, medianos, máximos e mínimos por tipo de profissional são observados na Tabela 4.

Tabela 4
Número de acertos médio, mediano, máximo e mínimo aos questionários por tipo de profissional da Atenção Primária à Saúde sobre atendimento inicial aos queimados, Teresina, Piauí, Brasil, 2018

Tipo de profissional	Média	Mediana	Máximo	Mínimo
Médico	8	8	11	4
Enfermeiro	8	9	13	0

O modelo de regressão logística estimado indicou que a única variável que diferenciou os grupos que possuíam maior conhecimento daqueles com menor conhecimento foi tempo de experiência na APS (p=0,04). Esta influência foi no sentido de que quanto mais experiência maior número de acertos ao questionário; o grau foi de quem tinha mais de 13 anos de atuação na APS e apresentava seis vezes mais chances de acertar pelo menos 8 (oito) questões (Tabela 5). As demais variáveis independentes (faixa etária, sexo, formação profissional, tempo de formação, educação continuada, forma de ingresso, experiência no atendimento a queimados e conhecimento do fluxograma de atendimento a queimados na APS) não tiveram peso com significância estatística para influenciar no número de acertos. O coeficiente de correlação de Spearman indicou uma baixa correlação de +0,016, não havendo diferença estatisticamente significante (p=0,896).

Tabela 5
Associação entre o conhecimento em queimaduras e as variáveis sociodemográficas e de formação dos profissionais da Atenção Primária à Saúde (Modelo Regressão Logística), Teresina, Piauí, Brasil, 2018

Área	β(i) 1	Valor de p	RC 2
Faixa etária	-1,15	0,18	0,32
Sexo	-0,54	0,67	0,58
Formação profissional	1,17	0,13	3,21
Tempo de formação	0,08	0,15	1,08
Educação continuada	0,96	0,41	2,60
Tempo de experiência na APS*	1,83	0,04	6,23
Forma de ingresso na APS	-0,07	0,95	0,93
Experiência no atendimento a queimados	-0,51	0,47	0,60
Conhecimento do fluxograma de atendimento a queimado na APS	1,46	0,06	4,3

• Nota:
• ¹
  Coeficiente (βi): peso da variável;
• ²
  Razão de chance (Odds Ratio);
• ^*
  APS - Atenção Primária à Saúde

DISCUSSÃO

Médicos e enfermeiros atuantes na APS possuem um conhecimento baixo sobre atendimento inicial ao paciente queimado. A única variável do presente estudo que está associado ao conhecimento profissional sobre o tema foi o tempo de experiência na APS de forma que, estatisticamente, quanto maior o tempo de atuação na APS maior o número de acertos nos questionários. No que concerne a isto, a análise do perfil sociodemográfico dos pesquisados mostrou profissionais que trabalham nesses serviços há muito tempo, com mais de 20 anos de formação inicial, além de uma ou mais pós-graduações, conforme corroborado por outros estudos^(19-21).

Os itens com maior proporção de erros variaram entre as duas classes. Por parte da classe médica, podem ser sumarizados em: cuidados locais, fisiopatologia, posicionamento do paciente, cálculo da SCQ, hidratação (reposição volêmica) e antibioticoterapia. Em termos gerais, a porcentagem total de acertos das questões relacionadas ao conhecimento sobre atendimento inicial aos queimados pelos médicos é baixa, similar ao reportado na literatura⁽²²⁾. Por outro lado, um estudo⁽¹⁵⁾ realizado com alunos cursando o último ano de Medicina apresentou taxa de acerto elevada (63,34%), mas ainda abaixo do necessário para um atendimento completo e eficaz (100%). Por fim, uma pesquisa britânica⁽¹⁴⁾ conclui que a falta de ensinamentos sobre o tema torna-se um dos responsáveis diretos pelo insucesso dos primeiros socorros.

Os enfermeiros obtiveram porcentagem geral de conhecimento sobre o tema semelhante aos médicos, um pouco superior a 50%. Para eles, constam como tópicos em que ocorreram mais erros: fisiopatologia, posicionamento, cuidados locais e cuidados da lesão, valor ainda inferior ao observado em estudo semelhante (76,87%)⁽²⁰⁾. As consequências indesejáveis desta falta de conhecimento têm reflexos diretos na assistência prestada. Acerca disso, em um Hospital e Centro Universitário na cidade de Perth, no oeste da Austrália, 61% dos pacientes admitidos receberam primeiros socorros inadequados, dos quais 50% já haviam a princípio se submetido a atendimento inapropriado na APS em pronto-socorro, posto de Enfermagem ou via clínico geral⁽²³⁾.

Entre os itens mais importantes, a determinação correta da SCQ deve ser considerada por ser de extrema relevância no tratamento inicial dos queimados⁽²⁴⁾. A partir daí, derivam critérios de gravidade do caso e as condutas urgentes. Porém muitos médicos e a maior parte dos enfermeiros aplicam de forma incorreta o cálculo da “regra dos nove” para mensuração da SCQ. Estudos^(15,22) prévios com alunos de medicina evidenciaram falhas nesse ponto denotando insuficiência na abordagem do tema na grade curricular dos graduandos e/ou recém-graduados. O resultado também foi encontrado na Holanda⁽²⁵⁾ com profissionais que trabalhavam em ambulâncias e hospitais de emergência. Tal fato pode levar inclusive ao não encaminhamento de pacientes graves aos centros especializados em queimados.

A respeito da indicação de reposição volêmica no paciente queimado, uma pesquisa anterior⁽²²⁾ registrou taxa bem maior de erros sobre o tema (90%) entre formandos de Medicina. De forma similar, outro estudo⁽¹⁵⁾ focou em avaliar os itens que os alunos possuíam menor conhecimento, de forma que 27,06% desconheciam alguma das fórmulas de reposição volêmica para estes casos, 32,33% não distinguiam a fórmula de Parkland, 44,36% ignoravam o tipo de fluido ideal a ser utilizado e 57,89% erraram o cálculo do volume total a ser adotada com base na fórmula que acreditavam conhecer. A hidratação adequada nas primeiras horas após o trauma mantém relação direta com as taxas de sobrevida, sendo preocupantes tais achados. No Egito⁽²⁶⁾, foram encontrados resultados ainda mais preocupantes uma vez que todos os médicos que atuavam na APS desconheciam a principal indicação para reposição volêmica nos pacientes queimados, bem como se mostravam inaptos a calcular a hidratação caso necessária.

Quanto à utilização de antibióticos, embora os mesmos não precisem ser prescritos de forma profilática para os queimados⁽²⁴⁾, os resultados desta pesquisa e a literatura reportam intervalos de desconhecimento de até 80% no caso dos graduandos em Medicina⁽²²⁾. A antibioticoprofilaxia sistêmica, nesses casos, é contraindicada haja vista que somente selecionaria cepas resistentes de bactérias sem benefícios adicionais⁽¹⁵⁾. Seus resultados revelam não conhecimento por parte de 51,87% dos alunos cursando o internato em Medicina, resultado próximo à realidade piauiense.

Limitações do estudo

Este estudo tem como principal limitação o baixo número de pesquisados como resultado da grande recusa por parte de médicos e enfermeiros em participar do estudo. Isto pode denotar o receio dos mesmos em demonstrar falta de conhecimento sobre o tema, mesmo com a garantia do sigilo que toda pesquisa deve prezar. Além disso, por se tratar de um estudo de delineamento transversal, não nos permite determinar relação de casualidade entre as variáveis.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Os profissionais de saúde da APS devem estar atentos a todos os aspectos da comunidade que atendem. No caso das queimaduras, o principal enfoque deve recair sobre a prevenção primária. Entretanto, devem estar preparados para atender prontamente os casos mais simples e reconhecer, encaminhar e seguir conjuntamente com os demais níveis de atenção à saúde os casos mais complexos. No caso específico da Enfermagem, estudos salientam a importante função dos enfermeiros no contato com as vítimas de queimaduras no papel fundamental que desempenha na função de educador, bem como na recuperação e reabilitação rápidas e com sequelas mínimas, atuando com visão holística e humanizada^(27-28). Esta pesquisa ao avaliar lacunas de conhecimento sobre queimaduras serve de base para que projetos de educação continuada sejam elaborados para os profissionais da APS.

CONCLUSÕES

Os resultados do estudo permitiram revelar um alto percentual de erros nos instrumentos utilizados para avaliar o conhecimento sobre o atendimento inicial dos queimados, tanto por parte dos médicos quanto dos enfermeiros pertencentes à APS. Diante deste cenário, são essenciais medidas que privilegiem a oferta de capacitações objetivando melhoria na qualidade da assistência prestada a esta clientela.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Rafael Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  05 Fev 2019
• Aceito
  27 Ago 2019