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Estudo reflexivo sobre o diagnóstico participativo como estratégia de pesquisa em comunidades

RESUMO

Objetivos:

conceber uma discussão teórico-reflexiva acerca do diagnóstico participativo como opção metodológica na pesquisa participativa.

Métodos:

trata-se de um estudo de reflexão, a partir de uma experiência que utilizou o diagnóstico participativo como estratégia de pesquisa em uma comunidade socialmente vulnerável, com o intuito de implicar grupos sociais na busca de identificação e solução para os problemas.

Resultados:

a utilização do diagnóstico participativo oportunizou resultados significativos no que se refere à importância dada pelos participantes ao fortalecimento comunitário na luta por saúde, qualidade de vida e empoderamento social.

Considerações Finais:

a pesquisa participativa e a sua relação com o diagnóstico participativo favorece a compreensão de questões sociais, incluindo as condições de saúde, de educação e de participação efetiva nas soluções de problemas.

Descritores:
Vulnerabilidade Social; Promoção da Saúde; Participação Social; Pesquisa Qualitativa; Pesquisa Participativa Baseada na Comunidade

ABSTRACT

Objectives:

to conceive a theoretical-reflective discussion about participatory diagnosis as a methodological option in participatory research.

Methods:

this is a reflection study, based on an experience that used participatory diagnosis as a research strategy in a socially vulnerable community. It was intended to implicate social groups in the search for identification and solution to the problems.

Results:

the use of participatory diagnosis has provided significant results regarding the importance given by participants to community empowerment in the fight for health, quality of life and social empowerment.

Final Considerations:

participatory research and its relationship to participatory diagnosis favors the understanding of social issues, including health conditions, education and effective participation in problem solving.

Descriptors:
Social Marginalization; Health Promotion; Social Participation; Qualitative Research; Community-Based Participatory Research

RESUMEN

Objetivos:

concebir una discusión teórico-reflexiva sobre el diagnóstico participativo como una opción metodológica en la investigación participativa.

Métodos:

este es un estudio de reflexión, basado en una experiencia que utilizó el diagnóstico participativo como estrategia de investigación en una comunidad socialmente vulnerable. Se pretendía implicar a los grupos sociales en la búsqueda de identificación y solución a los problemas.

Resultados:

el uso del diagnóstico participativo ha proporcionado resultados significativos con respecto a la importancia dada por los participantes al empoderamiento de la comunidad en la lucha por la salud, la calidad de vida y el empoderamiento social.

Consideraciones Finales:

la investigación participativa y su relación con el diagnóstico participativo favorecen la comprensión de los problemas sociales, incluidas las condiciones de salud, la educación y la participación efectiva en la resolución de problemas.

Descriptores:
Vulnerabilidad Social; Promoción de la Salud; Participación Social; Investigación Cualitativa; Investigación Participativa Basada en la Comunidad

INTRODUÇÃO

O propósito da pesquisa participativa, desde a sua concepção, foi o de atrelar valor à solução de questões referentes aos problemas de grupos populacionais marginalizadas e à ampliação do saber das ciências sociais, por meio de atuações ancoradas na realidade e da participação dos sujeitos da pesquisa como coprodutores de conhecimento(11 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface. 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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). Nesse percurso, surgiram múltiplas variantes de pesquisas de cunho participativo, dentre as quais se pode destacar a pesquisa-ação(22 Melo ASE, Maia Filho ON, Chaves HV. Lewin and action research: genesis, application and purpose. Fractal Rev Psicol. 2016;28(1):153-9. doi: 10.1590/1984-0292/1162
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), a pesquisa-intervenção e a pesquisa participante(33 Hickey SD, Maidment SJ, Heinemann KM, Roe YL, Kildea SV. Participatory action research opens doors: Mentoring Indigenous researchers to improve midwifery in urban Australia. Women Birth. 2018;31(4):263-8. doi: 10.1016/j.wombi.2017.10.011
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).

A pesquisa-ação foi fundamentada por Kurt Lewin, em 1978. Ele acreditava que o pesquisador, por estar presente na investigação e por estar incluído no campo, modifica o objeto analisado por meio de sua ação(22 Melo ASE, Maia Filho ON, Chaves HV. Lewin and action research: genesis, application and purpose. Fractal Rev Psicol. 2016;28(1):153-9. doi: 10.1590/1984-0292/1162
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). Esse tipo de investigação sofreu modificações ao longo dos anos, devido a influências sociais e de governos autoritários em alguns países, nascendo, dessa maneira, a chamada pesquisa-ação crítica, que se afastava da experiência norte-americana, aproximando-se para ideações emancipatórias e de autogestão, o que estava fortemente presente nos movimentos comunitários e de educação popular(11 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface. 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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-22 Melo ASE, Maia Filho ON, Chaves HV. Lewin and action research: genesis, application and purpose. Fractal Rev Psicol. 2016;28(1):153-9. doi: 10.1590/1984-0292/1162
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).

A realização de uma pesquisa de cunho interventivo almeja investigar a vida de coletividades na sua diversidade qualitativa, adotando uma intervenção socioanalítica. A associação das experiências da comunidade às vivências sociais e organizacionais requer a implementação de rigor científico para a obtenção de uma compreensão mais profunda do cenário e a produção de intervenções culturalmente contextualizadas e alinhadas à vida cotidiana(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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). Logo, é fundamental que em uma pesquisa participativa, o conhecimento esteja acessível para todos e que sirva de instrumento para aquilatar a qualidade de vida de um grupo social.

A investigação participativa, a qual se encontra em evidência neste manuscrito, constitui uma metodologia com pressupostos gerais, envolvendo diferenciados modos de ações investigativas e de priorização de objetivos(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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). Os precursores e inspiradores no Brasil foram Paulo Freire e Carlos Rodrigues Brandão, propagadores dessa proposta nos projetos de educação popular do período de 1960 e 1990. Este tipo de pesquisa colabora para a superação do eixo pesquisador/pesquisado, conhecedor/conhecido e para o fortalecimento da criação de uma rede educacional composta por saberes diferenciados, em todos os envolvidos, há o mesmo nível de importância(11 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface. 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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,44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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).

Considerando o objetivo das pesquisas participativas, as várias técnicas utilizadas em seus percursos e o foco na intervenção para a melhoria dos processos de vida de grupos humanos, verifica-se uma forte conexão desta estratégia investigativa com o diagnóstico participativo (DP). É válido destacar que o DP surgiu a partir do Diagnóstico Rural Participativo (DRP), criado nos anos 80, para permitir à população o direito de refletir e opinar sobre sua própria realidade, propiciando, por consequência, a tomada de decisões coletivas(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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-55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.). Dessa maneira, o DP deve ser compreendido como uma metodologia que garante a participação social no planejamento e na implantação das políticas públicas(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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-55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.).

Desse modo, as possibilidades trazidas pela pesquisa participativa são muitas e beneficiam o entendimento de diversas questões socais, incluindo as condições de saúde e considerando o ponto de vista daqueles que, de fato, vivem e são influenciados pelos determinantes e condicionantes de saúde(66 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Vasconcelos Filho JE, Pinto OP, et al. Pesquisa participativa no protagonismo comunitário para abordar questões de saúde: um olhar sobre o diagnóstico participativo. Atas do 7º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa Atas CIAIQ2018, 2018 Jul 13-18; Fortaleza. Fortaleza: CIAIQ; 2018. v. 2. p. 1068-1077.). Porém, é importante ter a clareza que, muitas vezes, a sua aplicação se torna um desafio pela a exigência de uma transformação na postura do pesquisador, ou seja, o participante e o pesquisador cooperam reciprocamente para a construção de um saber compartilhado.

O presente artigo volta o olhar para o diagnóstico participativo como estratégia de pesquisa em comunidades, o que possibilita a criação de alternativas de construção coletiva de um pensamento promotor de reflexões, proposição de soluções ou de intenções resolutivas voltadas às questões de saúde(66 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Vasconcelos Filho JE, Pinto OP, et al. Pesquisa participativa no protagonismo comunitário para abordar questões de saúde: um olhar sobre o diagnóstico participativo. Atas do 7º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa Atas CIAIQ2018, 2018 Jul 13-18; Fortaleza. Fortaleza: CIAIQ; 2018. v. 2. p. 1068-1077.). Assim, este manuscrito guia-se a partir da seguinte questão norteadora: qual o papel do diagnóstico participativo enquanto estratégia entrelaçada à pesquisa participante para desenvolver o protagonismo da população na discussão das condições de saúde?

Com isso, o objetivo deste artigo consiste em conceber uma discussão teórica e reflexiva acerca do diagnóstico participativo como opção metodológica na pesquisa participativa, visando ampliar o protagonismo da população nas discussões sobre as condições de saúde.

ASPECTOS REFLEXIVOS E METODOLÓGICOS

A reflexão teórica desenvolvida ampara-se em uma experiência com o diagnóstico participativo como estratégia de pesquisa participante(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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), a qual propõe a implicação dos grupos sociais na busca de soluções para seus problemas, abrangendo um processo de percepção do que está posto e o desenvolvimento de ações para planejar a mudança da realidade.

A pesquisa participativa está cunhada na ‘episteme’ qualitativa(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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), visto que oferece suporte à indicação dos modos de se chegar a uma questão de partida, colaborando para a compreensão dos processos saúde-doença de indivíduos e comunidades. Nesse tipo de pesquisa, é preciso desenvolver um diálogo entre teoria e método, para que possa se atribuir sentido aos ‘dados’ e não negligenciar a contextualização das relações hierárquicas e situacionais descritas ou apontadas por seus interlocutores.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza, sob o Parecer nº 1.146.837. A coleta de dados e o movimento reflexivo foram realizados de janeiro de 2016 a janeiro de 2018(66 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Vasconcelos Filho JE, Pinto OP, et al. Pesquisa participativa no protagonismo comunitário para abordar questões de saúde: um olhar sobre o diagnóstico participativo. Atas do 7º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa Atas CIAIQ2018, 2018 Jul 13-18; Fortaleza. Fortaleza: CIAIQ; 2018. v. 2. p. 1068-1077.-77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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), a partir das informações obtidas a partir da estratégia do diagnóstico participativo (DP) em saúde junto a moradores da comunidade sob investigação.

Os achados serviram de base analítica para o pensamento interpretativo e reflexivo desenvolvido neste manuscrito. Foram identificados, a partir da ótica dos moradores, os problemas que interferiam nas suas condições de saúde. A comunidade em pauta localiza-se na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil, sendo marcada por um panorama de vulnerabilidade e desigualdade social.

Ressalta-se que, neste artigo, foram incluídas as falas de alguns dos 31 informantes-chave (IC) que participaram da experiência metodológica, os quais são moradores da comunidade sob investigação, cujos relatos amparam a análise argumentativa das reflexões apresentadas. Para a proteção das identidades dos participantes, estes foram codificados com as letras “IC” (informante-chave), seguidas dos números 1 a 31, correspondendo ao ordenamento da entrevista.

A metodologia participativa e o DP como âncoras na condução no trabalho de campo possibilitaram, a partir de experiência e da vivência dos pesquisados e pesquisadores, uma reflexão sobre as pesquisas participativas, sua contribuição para a tradução do senso comum à linguagem acadêmica, bem como para o fortalecimento do empoderamento comunitário(33 Hickey SD, Maidment SJ, Heinemann KM, Roe YL, Kildea SV. Participatory action research opens doors: Mentoring Indigenous researchers to improve midwifery in urban Australia. Women Birth. 2018;31(4):263-8. doi: 10.1016/j.wombi.2017.10.011
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,66 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Vasconcelos Filho JE, Pinto OP, et al. Pesquisa participativa no protagonismo comunitário para abordar questões de saúde: um olhar sobre o diagnóstico participativo. Atas do 7º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa Atas CIAIQ2018, 2018 Jul 13-18; Fortaleza. Fortaleza: CIAIQ; 2018. v. 2. p. 1068-1077.).

A operacionalização dos estudos participativos com os pressupostos do diagnóstico participativo permite a utilização de distintos meios de coleta de informações, o que sucede a adoção de processos diferenciados de análise de dados. Dessa forma, essa reflexão teórica foi constituída por duas categorias analíticas: “o diagnóstico participativo como uma lupa para a pesquisa participativa”, a qual possibilita a discussão sobre a importância do diagnóstico participativo no desenvolvimento de pesquisas qualitativas e participativas; e “a pesquisa participativa como promotora do empoderamento comunitário”.

O diagnóstico participativo como uma lupa para a pesquisa participativa

O diagnóstico participativo é utilizado para apreender os principais problemas de um lugar/comunidade, podendo abranger diversas áreas como: social, econômica, cultural, ambiental, dentre outras(88 Castro MG, Abramovay M. Guia do diagnóstico participativo. Brasília: Flacso; 2015.). Toda a sua abrangência só é potencializada se os pesquisadores utilizarem o máximo de possibilidades instrumentais que essa estratégia permite. Em alguns estudos que adotam essa abordagem participativa(11 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface. 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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,77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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,99 Tomasi YT, Souza JB, Madureira VSF. Community diagnosis in the family health strategy: potential and challenges. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 02] 12(6):1546-53. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/230505/29180
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), por exemplo, adotaram-se diferentes ferramentas, dentre as quais se destacam: entrevista semiestruturada, caminhada transversal, mapeamento participativo e oficinas comunitárias.

A entrevista semiestruturada preenche um papel no diagnóstico participativo por ser direcionada por perguntas-chave, contribuindo para o diálogo aberto e a livre declaração sobre a percepção dos participantes(11 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface. 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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,77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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,99 Tomasi YT, Souza JB, Madureira VSF. Community diagnosis in the family health strategy: potential and challenges. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 02] 12(6):1546-53. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/230505/29180
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). A caminhada transversal auxilia na concepção e na obtenção de informações diversas sobre o território, sendo efetivada em conjunto com os participantes do estudo(77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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,99 Tomasi YT, Souza JB, Madureira VSF. Community diagnosis in the family health strategy: potential and challenges. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 02] 12(6):1546-53. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/230505/29180
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). O mapeamento participativo é considerado uma ferramenta de observação da realidade, em que o participante analisa tudo ao seu redor e constrói mapas sobre a condição do lugar e das pessoas que nele vivem(55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.). As oficinas comunitárias representam contatos sistemáticos com os residentes do local do estudo, por meio das quais, as perspectivas geradas por essas atividades definem os espaços físicos e sociais que representam as realidades relatadas pelos participantes das pesquisas(55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.).

Estudo de Sousa et al.(77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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) mostra que o diagnóstico participativo abriu caminhos para a triangulação de estratégias de coleta de dados, que permitiram o engajamento comunitário como: entrevista no domicilio, caminhadas de rua e grupos focais.

Os pesquisadores(66 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Vasconcelos Filho JE, Pinto OP, et al. Pesquisa participativa no protagonismo comunitário para abordar questões de saúde: um olhar sobre o diagnóstico participativo. Atas do 7º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa Atas CIAIQ2018, 2018 Jul 13-18; Fortaleza. Fortaleza: CIAIQ; 2018. v. 2. p. 1068-1077.-77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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) apontam que a entrevista foi concretizada por meio de questões abertas, o que possibilitou a análise das condições de moradia e o conhecimento do perfil socioeconômico dos participantes, além de auxiliar na compreensão de como os participantes atribuem significado à saúde, conforme explicita o seguinte relato:

Saúde não é a ausência de doença... saúde é um completo bem-estar físico, social, psicológico, mental e você precisa estar completo. [...] questão econômica... isso influencia na saúde... questão social, psicológica, mental, espiritual [...] isso tudo é saúde, né? (IC8)

Essa colocação representa a consciência de que a saúde depende de ações intersetoriais, interdisciplinares e de cunho holístico, tratando-se de um conhecimento obtido a partir da realidade vivenciada. O posicionamento do IC8 não representa uma concepção de saúde imposta ou influenciada pelos profissionais de saúde ou por outros atores, mas, sim, a visão de quem acredita que a melhoria das condições econômica, de trabalho ou renda, e psicológica influenciam de maneira positiva a saúde das pessoas.

O relato ilustra, ainda, a percepção dos participantes de que a saúde é produzida a partir do contexto sócio-histórico e garantida por um conjunto de estratégias articuladas, no intuito de produzir melhorias nas condições de vida da comunidade(1010 Carvalho FFB, Cohen SC, Akerman M. Reflecting on the established in Health Promotion to problematize ‘dogmas’. Saúde Debate [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 03] 41(3):265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v41nspe3/0103-1104-sdeb-41-spe3-0265.pdf
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). Nessa perspectiva, o conceito de saúde foi apontado pelos moradores considerando aspectos históricos, socioeconômicos, religiosos, de classe social, dentre outros. Por isso, compreender o conceito de saúde sob a visão do outro leva ao desafio de conferir respostas às indagações referentes ao ser de cada um e em sua realidade, beneficiando a reconstrução de conceitos e práticas de saúde como missão imperativa para um bem viver, a partir da participação e do controle social(1010 Carvalho FFB, Cohen SC, Akerman M. Reflecting on the established in Health Promotion to problematize ‘dogmas’. Saúde Debate [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 03] 41(3):265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v41nspe3/0103-1104-sdeb-41-spe3-0265.pdf
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).

Ademais, o diagnóstico participativo se caracteriza como uma peça que propicia muitos benefícios, dentre os quais, uma melhor compreensão da realidade local. Permite, ainda, a partir dos resultados, o planejamento de ações voltadas à melhoria das condições de saúde das pessoas e das comunidades envolvidas no processo(55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.,99 Tomasi YT, Souza JB, Madureira VSF. Community diagnosis in the family health strategy: potential and challenges. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 02] 12(6):1546-53. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/230505/29180
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).

A caminhada de rua e o registro fotográfico realizados na pesquisa de Sousa et al.(77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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) possibilitaram compreender os fatores que eram identificados pelos moradores como problemas no território e que impactavam nas condições de saúde. Isso fica bastante claro nos relatos dos IC, ao assinalarem in loco as fragilidades sócio-estruturais presentes na comunidade:

A água é correndo, o pessoal bota os esgotos por uns canos... o pessoal coloca fezes para correr por esses canos. Às vezes, entope tudo. Agora mesmo, se você entrar lá, você vê tudo entupido... água correndo pelo caminho onde você passa, onde crianças passam, onde todo mundo passa. Além disso, tem muito lixo nas ruas e não tem saneamento básico! (IC29)

A fala de IC29 expressa o pensamento de muitos moradores sobre a vulnerabilidade e as difíceis condições ambientais que impactam na saúde da comunidade. Em todo o espaço físico percorrido, havia problemas relacionados ao acúmulo de resíduos sólidos urbanos e à falta de saneamento básico.

As condições ambientais representam um dos mais importantes fatores determinantes da saúde, podendo influenciar de forma positiva ou negativa a promoção da saúde e a prevenção do adoecimento. No enfoque da prevenção das doenças, o objetivo é evitar a enfermidade. Ou seja, o indivíduo passa a ser o alvo da intervenção, tornando-se co-responsável pelo seu estado de saúde e pela redução de comportamentos que o exponham a fatores de risco(1010 Carvalho FFB, Cohen SC, Akerman M. Reflecting on the established in Health Promotion to problematize ‘dogmas’. Saúde Debate [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 03] 41(3):265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v41nspe3/0103-1104-sdeb-41-spe3-0265.pdf
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).

A realização de dois grupos focais na comunidade em foco(77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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) permitiu ampliar a discussão acerca dos problemas que afetam os moradores. Nesse sentido, os participantes exteriorizaram opiniões e sentimentos relacionados às condições em que vivem, bem como apontaram sugestões acerca das estratégias de solução. Estes aspectos levaram-nos a perceber as potencialidades resolutivas que emergem da força integrada da população:

A gente se sente abandonado..., como se a gente não existisse ali, porque na boca do povo o pessoal da baixada [a região mais pobre da comunidade] não presta. É isso que o povo diz...eu sou a chefe do grupo que organiza a festa [dia das crianças], nós somos nove..., aí a gente vai comprando os presentes e uma pessoa doa bombom, outra doa pirulito, às vezes quando a gente pode, a gente compra presentes, compra bonecas, bolas e essas coisas. Fazemos isso há uns cinco anos, mas ainda tem gente que sai falando... (IC2)

Entende-se que para que o grupo focal seja bem-sucedido, precisa ser bem planejado, pois visa obter informações, aprofundamento e interação entre os participantes. As técnicas diversas utilizadas pelo diagnóstico participativo consentem um envolvimento mais sólido dos participantes com as questões colocadas para discussão(55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.,99 Tomasi YT, Souza JB, Madureira VSF. Community diagnosis in the family health strategy: potential and challenges. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 02] 12(6):1546-53. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/230505/29180
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). Nesse contexto, pesquisadores e “pesquisados” estão coletivamente comprometidos em alcançar as respostas por meio de uma relação que tende sempre para a horizontalidade. Essa condição permite que o pesquisador se avizinhe da realidade, tal como ela se mostra, e que os sujeitos participantes do estudo percebam suas potencialidades e fragilidades.

Outrossim, as estratégias de promoção da saúde estão relacionadas à autonomia e ao empoderamento individual e coletivo. Quando estas se associam à participação social, possibilitam transformar e melhorar as condições de vida e saúde, visto que incluem as ações cotidianas no espaço micropolítico da vida de sujeitos e coletividades(1010 Carvalho FFB, Cohen SC, Akerman M. Reflecting on the established in Health Promotion to problematize ‘dogmas’. Saúde Debate [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 03] 41(3):265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v41nspe3/0103-1104-sdeb-41-spe3-0265.pdf
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).

Na fala de IC2, o sentimento de desabono social estabelecido pela condição de vulnerabilidade associa-se a táticas de enfrentamento, pois a discussão permitiu constatar que, ao mesmo tempo em que a comunidade se sente marginalizada, ela também cria vicissitudes para melhorar as relações entre os membros da comunidade, ou seja, cria mecanismos de tornar-se ativa e participativa.

No estudo sob análise, evidencia-se, dentre os outros aspectos já discutidos, a preocupação da pesquisa participativa com o papel do investigador dentro do contexto, levando à problematização da relação pesquisador e pesquisado, no sentido de estabelecer a confiança e outras condições favoráveis a uma melhor captação de informação(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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). Tal entendimento também é percebido no diagnóstico participativo, mostrando, assim, que os pesquisadores qualitativos que empregam metodologias participativas, a exemplo do diagnóstico participativo, precisam ser vigilantes em relação aos elementos subjetivos do campo empírico e da relação criada entre todos os participantes (pesquisadores e demais sujeitos do estudo)(44 Grieb SD, Eder MM, Smith KC, Calhoun K, Tandon D. Qualitative Research and Community-Based Participatory Research: Considerations for Effective Dissemination in the Peer-Reviewed Literature. Prog Community Health Partnersh. 2015;9(2):275-82. doi: 10.1353/cpr.2015.0041.
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-55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.). Será imprescindível relativizar a ideia de “verdade” recusando a ideia absoluta de neutralidade, objetividade e totalização dos saberes.

A pesquisa participativa como promotora do empoderamento comunitário

Nesta sessão, é possível refletir sobre as possibilidades de ampliar o empoderamento comunitário, visto que as pesquisas participativas adotam uma concepção de ciência engajada ao fortalecimento dos sujeitos, auxiliando-os no comprometimento com demandas sociais. Esse direcionamento é relevante, pois, muitas vezes, o envolvimento dos sujeitos com as causas que dizem respeito ao seu contexto faz com que estes percorram caminhos transdisciplinares, buscando (re)conhecer a importância dos diversos saberes. Tal pensamento permite compreender a dinamicidade da realidade que se interliga entre os mais diversos saberes que incorporam verdadeiras redes de aprendizados na e da vida(55 Nelson DR, Finan TJ. Diagnóstico participativo do bairro Canindezinho: a perspectiva dos moradores. Fortaleza: Provoz; 2015.,88 Castro MG, Abramovay M. Guia do diagnóstico participativo. Brasília: Flacso; 2015.). Nesse contexto, acredita-se que, diante do cenário de qualquer estudo participativo, é importante construir um caminho que fortaleça a adesão dos sujeitos ao diálogo com as questões orientadoras da investigação e na construção do conhecimento.

Empoderar consiste em instituir possibilidades de uma pessoa ou um grupo de pessoas compreenderem sobre aquilo que os afeta e fragiliza, possibilitando a procura de meios que cooperem para melhorar ou manter aquilo que lhes é elementar ou precioso. Nesse contexto, a pesquisa participante promove ocasiões propícias para a reflexão que contribuem com o empoderamento. É o que proclamam alguns dos IC:

É como eu disse...os meninos dizem assim - A nossa rua fica alagada por causa do quê? A culpa é de quem? E eu reflito que a culpa é da gente mesmo, pois botamos o lixo no meio da rua! (IC14)

Às vezes, eu também acho que se o governo entrasse com mais palestras e essas coisas educativas, grupos de artes e teatro, incentivando o povo a ter um melhor comportamento em relação à saúde e a tudo, eu acho que ajudaria muito, porque a falta de conhecimento é grande e prejudica a vida de muita gente! (IC12)

Os depoimentos relevam que a comunidade tem a ideia de que para se promover saúde, é preciso ter mudanças de hábitos de vida e de comportamentos. Cabe ressaltar que a informação é importante e necessária, mas não suficiente, pois é preciso investigar e agir sobre as possibilidades e interesses dos sujeitos e coletividades em efetivar o que é informado ou prescrito, seja por serviços e profissionais de saúde, seja pela mídia leiga ou especializada. É comum que ocorra a culpabilização daqueles que não adotam as recomendações, desconsiderando que as causas estão interligadas a dimensões sociais, econômicas e culturais que estão fora da governabilidade individual(1010 Carvalho FFB, Cohen SC, Akerman M. Reflecting on the established in Health Promotion to problematize ‘dogmas’. Saúde Debate [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 03] 41(3):265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v41nspe3/0103-1104-sdeb-41-spe3-0265.pdf
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). Nesse sentido, a pesquisa participante possibilita equilibrar esse julgamento, criando caminhos diversos para a reflexão sobre as condições de saúde de um lugar ou de uma comunidade.

A pesquisa de Sousa et al.(77 Sousa IV, Brasil CCP, Silva RM, Vasconcelos DP, Silva KA, Bezerra IN, et al. Diagnóstico participativo para identificação de problemas de saúde em comunidade em situação de vulnerabilidade social. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):3945-54. doi: 10.1590/1413-812320172212.25012017
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) ilustra um procedimento metodológico em que se utiliza o diagnóstico participativo como estratégia investigativa. Os envolvidos foram pessoas representativas de uma situação a ser transformada ou melhorada, os quais podem produzir conhecimentos sobre as ações desenvolvidas. Processos dessa natureza levam os participantes a identificarem os problemas concretos da comunidade, a discutir sobre eles e a buscar soluções.

Nesse cenário, a promoção da saúde não pode ser entendida apenas como um conjunto de procedimentos destinados a diminuir riscos de adoecimentos, mas como prática socialmente construída e compreendida, sob o julgo de que o êxito das mudanças desejadas depende da participação e do protagonismo comunitário. Assim, os sujeitos devem deixar de ser vistos como ‘população-alvo’ e passar a serem reconhecidos como sujeitos ativos(1010 Carvalho FFB, Cohen SC, Akerman M. Reflecting on the established in Health Promotion to problematize ‘dogmas’. Saúde Debate [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 03] 41(3):265-76. Available from: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v41nspe3/0103-1104-sdeb-41-spe3-0265.pdf
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).

Por conseguinte, este artigo se lança na reflexão que apresenta a construção do saber por meio de partilha(22 Melo ASE, Maia Filho ON, Chaves HV. Lewin and action research: genesis, application and purpose. Fractal Rev Psicol. 2016;28(1):153-9. doi: 10.1590/1984-0292/1162
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), em que, pelo menos, por algum tempo, é necessário o pesquisador mudar de lugar e de olhar para que o aprendizado surja não pelo fato de pensar o outro por meio de uma visão pessoal, mas pela tentativa de reposicionamento no lugar do outro, ou seja, da comunidade(22 Melo ASE, Maia Filho ON, Chaves HV. Lewin and action research: genesis, application and purpose. Fractal Rev Psicol. 2016;28(1):153-9. doi: 10.1590/1984-0292/1162
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). No campo da pesquisa participativa, o pesquisador deve se apresentar como um representante de uma ciência que se preocupa com as causas populares, contribuindo para a organização de espaços de participação coletiva e de empoderamento comunitário.

Dessa forma, abrir espaços de discussão para temas que envolvem política, educação popular, saúde e organização de comunidades constitui-se em relação possível para transformar a realidade(11 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface. 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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). As experiências de pesquisas participantes caminham no sentido da articulação entre teoria/prática e sujeito/objeto, na medida em que o conhecimento e a ação sobre a realidade se farão na investigação das necessidades e dos interesses locais, na produção de formas organizativas e de uma atuação efetiva sobre essa realidade, podendo levar a transformações sociais e políticas, dando às populações excluídas uma presença ativa na história(33 Hickey SD, Maidment SJ, Heinemann KM, Roe YL, Kildea SV. Participatory action research opens doors: Mentoring Indigenous researchers to improve midwifery in urban Australia. Women Birth. 2018;31(4):263-8. doi: 10.1016/j.wombi.2017.10.011
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).

Por meio da experiência junto à comunidade investigada, é possível ratificar a ideia de que as questões sociais devem ser debatidas com as pessoas que as vivenciam, sendo imprescindível considerar o contexto local, as subjetividades e a complexidade que envolve os processos de transformação social. Esses elementos são próprios do referencial básico das pesquisas participativas e se manifestam como dados basilares à construção e ao exercício de uma cidadania ativa(11 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface. 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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,33 Hickey SD, Maidment SJ, Heinemann KM, Roe YL, Kildea SV. Participatory action research opens doors: Mentoring Indigenous researchers to improve midwifery in urban Australia. Women Birth. 2018;31(4):263-8. doi: 10.1016/j.wombi.2017.10.011
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).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação do diagnóstico participativo propiciou um contexto participativo que foi além das expectativas iniciais. Os participantes relacionaram a importância da participação no estudo ao fortalecimento comunitário, no que se refere à luta por saúde e à busca por qualidade de vida.

A possibilidade de triangular os métodos de coleta de dados utilizados nas pesquisas participativas e no diagnóstico participativo colabora para aproximar os pesquisadores da realidade, facilitando a compreensão destes sobre os sujeitos, as fragilidades e as potencialidades da comunidade sob investigação. Reafirma-se que as metodologias participativas possibilitam a interação efetiva do pesquisador com a comunidade e entre os seus membros por meio da criação de espaços de fala, escuta e tomada de decisão. Essa interação também favorece o entendimento mais próximo do real – uma das grandes intenções da pesquisa qualitativa em saúde.

Registra-se que, a partir da experiência vivenciada e do processo de reflexão estabelecido neste estudo, apreendeu-se que as pesquisas de cunho participativo corroboram com a ciência que se engaja no diálogo com o movimento da vida promovendo debates sobre saúde e outras temáticas, a partir do próprio entendimento das pessoas.

Dessa maneira, pode-se garantir que a transformação da realidade vivida não se daria somente a partir do que foi percebido pelos pesquisadores, mas pela combinação de saberes que rege a horizontalidade das relações sociais. Assim, faz-se entender que o olhar sobre a realidade que rodeia os atores sociais da pesquisa (pesquisadores e participantes) acontece no momento da experiência participativa no local de estudo e da interação grupal. A interação entre o saber acadêmico e o saber popular constitui um ponto crucial para a compreensão do que está posto no lugar ‘pesquisado’.

FOMENTO/AGRADECIMENTO

Este estudo recebeu suporte financeiro pela Fundação Edson Queiroz/Universidade de Fortaleza – Edital 30/2017. Agradecemos as valiosas colaborações dos pesquisadores José Eurico de Vasconcelos Filho, Olívia Paulino Pinto e Timothy Joseph Finan para o desenvolvimento deste estudo.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2019
  • Aceito
    15 Set 2019
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