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Em defesa do Sistema Único de Saúde no contexto da pandemia por SARS-CoV-2

RESUMO

Objetivo:

Discutir as condições político-estruturais de efetivação do SUS no enfrentamento da pandemia por SARS-CoV-2.

Métodos:

Estudo teórico-reflexivo.

Resultados:

No primeiro momento, intitulado, “O global e o local no enfrentamento da pandemia por SARS-CoV-2”, apresenta-se a crise sanitária que se instalou no mundo e as ações governamentais para o combate à COVID-19. Em um segundo momento, intitulado, “Entre ações de desmonte e de resistência, o SUS é o melhor caminho para o enfrentamento da pandemia por SARS-CoV-2”, reflete-se sobre os ataques neoliberais ao sistema e como este resiste, sendo a principal estratégia de resposta à pandemia.

Conclusão:

O fortalecimento da democracia e a defesa do SUS são a saída para o enfrentamento da crise. Acredita-se que esta reflexão gere — em todos que lidam com o cuidado — o agir político, a atitude ética, o desejo de valorização e espírito de luta em defesa do SUS e da vida humana.

Descritores:
Sistema Único de Saúde; Política de Saúde; Pandemias; Saúde Global; Vírus da SARS

ABSTRACT

Objective:

To discuss the political and structural conditions for establishing the Unified Health System (UHS – Sistema Único de Saúde, SUS) in coping with the SARS-CoV-2 pandemic.

Methods:

Theoretical-reflection study.

Results:

At the first moment named “The global and the local in facing the SARS-CoV-2 pandemic” is presented the health crisis that took place worldwide and the government actions to combat COVID-19. A second moment named “Between dismantling actions and resistance, the UHS is the best way to face the SARS-CoV-2 pandemic”, reflects on the neoliberal attacks on the health system and how it resists, remaining the main pandemic response strategy.

Conclusion:

The strengthening of democracy and the defense of the UHS are the way out of the crisis. It is believed that this reflection generates - in everyone who deals with caretaking - the political action, the ethical attitude, the desire for valorization and the spirit of struggle in defense of the UHS and human life.

Descriptors:
Unified Health System; Health Policy; Pandemics; Global Health; SARS Virus

RESUMO

Objetivo:

Discutir las condiciones política estructurales de efectuación del SUS en el enfrentamiento de la pandemia por SRAS-CoV-2.

Métodos:

Estudio teórico-reflexivo.

Resultados:

En el primer momento, intitulado, “El global y el local en el enfrentamiento de la pandemia por SRAS-CoV-2”, se presenta la crisis sanitaria que se ha instalado en el mundo y las acciones gubernamentales para el combate a la COVID-19. En un segundo momento, intitulado, “Entre acciones de desmonte y de resistencia, el SUS es el mejor camino para el enfrentamiento de la pandemia por SRAS-CoV-2”, reflexionarse sobre los ataques neoliberales al sistema y como esto resiste, siendo la principal estrategia de respuesta a la pandemia.

Conclusión:

El fortalecimiento de la democracia y la defensa del SUS son la salida para el enfrentamiento de la crisis. Se cree que esta reflexión genere — en todos que lidian con el cuidado — el actuar político, la actitud ética, el deseo de valorización y espirito de lucha en defensa del SUS y de la vida humana.

Descriptores:
Sistema Único de Salud; Política de Salud; Pandemias; Salud Global; Virus de la SRAS

INTRODUÇÃO

O SUS, visto como política pública de caráter social, pensado e idealizado pelo Movimento de Reforma Sanitária (MRS) brasileiro, nesses 30 anos de existência trouxe avanços no que diz respeito ao enfrentamento dos problemas de saúde da população, apesar dos constantes ataques sofridos no campo político, ideológico e de financiamento, que impedem a sua resolutividade e operacionalização conforme princípios e diretrizes(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
).

Talvez, o maior legado de avanços proporcionado pelos SUS tenha sido a idealização da vigilância em saúde como espinha dorsal de gestão do sistema. Merece destaque o Programa Nacional de Imunizações (PNI), considerado o maior do mundo, por induzir a autossuficiência de imunobiológicos produzidos por laboratórios brasileiros, públicos e privados. Nesses 30 anos, a atenção primária em saúde (APS) demostrou robustez e melhoria de acesso aos serviços básicos, proporcionados, primeiramente, pela municipalização da saúde, gestão da saúde local, financiamento fundo a fundo e formação de profissionais de saúde para atuar nesse espaço, visto que cerca de 60% da população brasileira é atendida por Equipes de Saúde da Família (ESF). Mediante o SUS, avançamos no desenvolvimento de sistemas de informação em saúde, epidemiologia, planejamento e planificação de sistemas locais de saúde, ferramentas importantes para o monitoramento, planejamento e avaliação das políticas, planos e programas de saúde(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
).

É destaque a atuação do SUS ao implementar ações de enfrentamento, nos diferentes níveis assistenciais, numa ação coordenada de gestão, ao dar resposta à Emergência de Saúde Pública Internacional diante do vírus Zika e sua relação com surto de microcefalia. Vale ressaltar também as ações de prevenção/controle das arboviroses (dengue, chikungunya), influenza, H1N1 e, mais recentemente, sarampo, entre outros. Hoje, o SUS encara mais um desafio, o combate à crise sanitária global imposta pelo SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-19. A pandemia força os gestores, profissionais de saúde, instituições de formação em saúde, sociedade a (re)pensarem o papel do SUS, o direito à saúde e os entraves impostos para sua eficácia considerando as diferenças locorregionais em território nacional(12).

Para a gestão da saúde, a pandemia SARS-CoV-2 acende a luz de emergência a todos nós, por impor, da forma mais dura, diante das incertezas, a lição aos sistemas nacional/regional/municipal de saúde pública. Urge a necessidade de responsabilidade como princípio ético da gestão para, em menor tempo, podermos executar arranjos e estratégias inovadoras e resolutivas; cabe aos gestores de saúde assumirem seu papel na tomada de decisões políticas-econômicas-sanitárias que garantam as condições indispensáveis para o SUS funcionar adequadamente em todos os níveis assistenciais.

É nesse cenário de crise, de insegurança, de incertezas, compartilhadas pela saúde global, que questionamos: Como a pandemia por SARS-CoV-2 está sendo encarada no Brasil quanto ao seguimento das recomendações dos organismos internacionais de saúde? De que modo, em meio à fragilização da democracia brasileira, o SUS pode desempenhar seu papel como política pública, garantidora da saúde para todos, conforme princípios e diretrizes operacionais?

Na busca por respostas, ainda que temporárias, apresenta-se esta reflexão teórica. A temática se torna relevante na medida que permite (re)pensar sobre como as rápidas transformações econômicas e sociais, provocadas pela crise sanitária global, refletirão na capacidade de resposta do SUS.

OBJETIVO

Discutir as condições político-estruturais de efetivação do SUS no enfrentamento da pandemia por SARS-CoV-2.

RESULTADOS

O global e o local no enfrentamento da pandemia por SARS-CoV-2

Em dezembro de 2019, ocorreu na China um surto de pneumonia associado a um novo coronavírus, tomado então como de provável origem zoonótica. A hipótese era de que o “novo coronavírus” havia cruzado espécies animais para infectar humanos, assim como ocorreu com a SARS-CoV e MERS-CoV. Analisando amostras de sete pacientes infectados, relataram-se a identificação e caracterização do 2019-nCoV, cientificamente nomeado como SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19(33 Zhou P, Yang X, Wang X. A pneumonia outbreak associated with a new coronavirus of probable bat origin. Nature [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];579:270-3. doi: 10.1038/s41586-020-2012-7
https://doi.org/10.1038/s41586-020-2012-...
).

O vínculo laboral dos primeiros infectados com o Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Wuhan, província de Hubei, cujo espaço servia, também, para a venda de animais silvestres vivos, associado ao espalhamento para a população residente, acendeu o alerta das autoridades sanitárias, que, em 31 de dezembro de 2019, reportaram a situação. Em 01 de janeiro de 2020, como medida profilática, o mercado foi desinfetado e fechado. Em 09 de janeiro de 2020, foi confirmado o primeiro óbito por COVID-19. A transmissão humano-humano tomou proporções não vistas em surtos anteriores por outros tipos de coronavírus já conhecidos, de modo que a epidemia, iniciada em 12 de dezembro de 2019, causou 2.794 infecções confirmadas em laboratório, incluindo 80 mortes até 26 de janeiro de 2020(33 Zhou P, Yang X, Wang X. A pneumonia outbreak associated with a new coronavirus of probable bat origin. Nature [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];579:270-3. doi: 10.1038/s41586-020-2012-7
https://doi.org/10.1038/s41586-020-2012-...
).

Em 21 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou seu primeiro boletim à comunidade global, informando a ocorrência de 282 casos de SARS-CoV-19 em quatro países: China (278); Tailândia (1); Japão (1) e República da Coreia (1), casos unitários exportados da cidade de Wuhan (Hubei, China)(44 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/
https://www.who.int/emergencies/diseases...
).

Nesse mesmo boletim da OMS (21/01/2020), as autoridades nacionais da China informaram as medidas de prevenção/controle tomadas: uso de termômetros infravermelhos em fronteiras; pesquisa expandida para casos adicionais dentro e fora da cidade de Wuhan-Hubei; busca ativa/retroativa de casos em instituições de saúde; inspeção de outros mercados; fortalecimento da educação pública sobre a prevenção de doenças e higiene ambiental de locais públicos e mercados de agricultores(44 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/
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).

Entretanto, o espalhamento do SARS-CoV-2 para outros países/territórios tornou-se uma realidade para a saúde global. Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). O seguimento dos meses de fevereiro/2020 e março/2020 comprovou a alta velocidade de transmissibilidade humano-humano; nesse período, mais de 200 países e territórios, em diferentes continentes, notificaram casos positivos de SARS-CoV-2. A mortalidade cresceu em países como Itália e Espanha, causando uma crise humanitária, bem como comoção e medo por todo planeta diante das notícias que corriam o ocidente através da mídia e redes sociais(44 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/
https://www.who.int/emergencies/diseases...
).

Em 11 de março de 2020, a pandemia por SARS-CoV-2 foi decretada pela OMS. Seus efeitos se alastraram pela comunidade global, que seguiu desde então imersa em instabilidade social, econômica e sanitária. Eclodiu o despreparo das sociedades globalizadas, altamente conectadas através de redes sociais. O sentimento de impotência, num primeiro momento, junto com sua acentuação pela disseminação de informações falsas sobre diversos aspectos da natureza do vírus e da doença por ele produzida são exemplos das consequências de um novo coronavírus, cujo adoecimento não possui tratamento medicamentoso eficaz, nem vacinas para imunização. Apesar de medidas simples de prevenção às gripes em geral, como lavar as mãos e etiqueta social, serem recomendadas para impedir a transmissão humano-humano do SARS-CoV-2, nossos costumes, valores, cultura e comportamentos individuais e coletivos nos impediram de assumir nova postura diante da pandemia e seus riscos, nos colocando em vulnerabilidade(44 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/
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).

Para contenção da pandemia, a OMS solicitou e diversos países adotaram medidas de isolamento social e mitigação para reduzir a disseminação do SARS-CoV-2. Caberia nesse momento, ações sanitárias em escala global que impedissem o crescimento de casos positivos, denominado popularmente de “achatamento da curva epidemiológica”. As recomendações da OMS visam diminuir o contágio, risco de sobrelotação dos serviços de saúde, o que permitirá conceder mais tempo para os sistemas de saúde nacionais se organizarem para atendimento de pessoas doentes e, sobretudo, para ativação de projetos de pesquisa e desenvolvimento a fim de acelerar diagnósticos, vacinas e terapêuticas eficazes(44 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/
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).

A pandemia suscita ações de cooperação global e coordenação da gestão em saúde no âmbito das nações. O desconhecimento sobre a natureza do novo coronavírus, a não existência de testes diagnósticos rápidos, de terapias e vacinas eficazes, requerem a transcendência das fronteiras transnacionais. O isolacionismo e a exacerbação do nacionalismo protecionista dos governos nacionais ou blocos — principalmente, dos países ricos — não lançarão luz sobre este desafio que aflige a humanidade(55 Mbembe A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Art Ensaios [Internet]. 2016 [cited 2020 Apr 01];32:123-51. Available from: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169
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).

O momento de crise sanitária global requer diálogo autêntico, liderança, ideais humanísticos; confiança no conhecimento científico acumulado e na capacidade humana de racionalizar os problemas e buscar soluções. Demanda atitudes coletivas e cooperativas entre os povos/nações para que vidas sejam preservadas. Continuar, em nome da expressão máxima da soberania do Estado nacional, com a necropolítica, ditando quem pode viver e quem deve morrer, usualmente praticada ao longo da história mundial com fins de manter o poder, de acumular riqueza e capital, não é a escolha correta — “Salvar a economia ou salvar vidas?” não deveria ser a questão central a ser levantada neste momento(55 Mbembe A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Art Ensaios [Internet]. 2016 [cited 2020 Apr 01];32:123-51. Available from: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169
https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/ar...
).

O contexto da pandemia por SARS-CoV-2 exigiu que o governo federal do Brasil reagisse por meio de ações concretas à agenda de saúde global conduzida pela OMS. Como primeira resposta, determinou a repatriação de brasileiros residentes em Wuhan-Hubei, epicentro da origem do surto. Numa ação coordenada, que exigiu diplomacia, conhecimento especializado em controle de epidemias, aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) partiram em 07 de fevereiro de 2020 para transportar 58 brasileiros (entre residentes e tripulação) de volta ao Brasil. A repatriação exigiu a imposição de quarentena até 26 de fevereiro de 2020 e o seguimento dos protocolos de contingência para viajantes(22 Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - SES. Diretoria de vigilância epidemiológica - DIVEP. Plano de Contingência para Epidemia da Doença pelo Coronavirus 2019 (COVID-19) do Distrito Federal [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/02/plano-contigencia-cononavirus-p-4-70.pdf
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,44 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-2019) situation reports [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports/
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).

A notificação do primeiro caso positivo por SARS-CoV-2 no Brasil (embora recentemente tenha surgido a tese do primeiro caso já em janeiro) referiu-se a um homem de 61 anos, residente em São Paulo, com histórico de viagem para Itália, região da Lombardia, em 25 de fevereiro de 2020. Num primeiro momento, tal fato não desencadeou clima de instabilidade econômica nem preocupação social. Em 07 de março de 2020, a OMS modificou o status pandêmico no Brasil de “apenas casos relatos” para “transmissão comunitária”, cuja notificação atingia 13 casos confirmados, sendo 6 casos positivos em único dia. Posteriormente, o primeiro caso de óbito por COVID-19 ocorreu em 17 de março de 2020: homem de 62 anos, portador de hipertensão e diabetes mellitus, residente em São Paulo, sem histórico de viagem ao exterior(22 Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - SES. Diretoria de vigilância epidemiológica - DIVEP. Plano de Contingência para Epidemia da Doença pelo Coronavirus 2019 (COVID-19) do Distrito Federal [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/02/plano-contigencia-cononavirus-p-4-70.pdf
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).

Em decorrência do novo panorama epidemiológico e com o intuito de conter o espalhamento do SARS-CoV-2, vários estados e municípios brasileiros decretaram medidas de isolamento/distanciamento social; suspensão de aulas em escolas e universidades públicas/privadas; manutenção do funcionamento de serviços comerciais essenciais (alimentação, medicamentos, saúde, entre outros); intensificação das ações de educação/comunicação em saúde; orientações quanto a restrições de viagens, entre outras medidas. As ações dos governos estaduais e municipais seguiram as orientações técnico-científicas da OMS, mas, inicialmente, foi observada a falta de coordenação, diálogo e embate entre o presidente Jair Messias Bolsonaro (2018-2022) e vários governadores aliados e opositores ao governo(66 Teixeira LB. Falar em 'gripezinha' isola Bolsonaro de líderes mundiais de ambos os lados [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 01]. Available from: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/25/coronavirus-gripezinha-bolsonaro-lideres-mundiais-direita-e-esquerda.htm).

No Brasil, o discurso presidencial refletiu a importância de salvar a economia e proteger os autônomos, pequenos empreendedores e trabalhadores informais, reforçando que seria suficiente o isolamento vertical de “grupos de riscos” (idosos, portadores de comorbidades e pessoas imunodeprimidas). Em outros discursos oficiais dirigidos à população, o presidente minimizou os efeitos da pandemia, tratando-a como uma “gripezinha” e “resfriadinho”, apesar de mais de 20 membros da sua comitiva apresentarem resultado positivo para SARS-CoV-2 após viagem aos EUA (de 07 a 10 de março de 2020); e manteve uma postura pautada em discussões/embates ideológicos sem fundamentação científica para tratar o tema, discurso carregado de sensacionalismo e pós-verdade, populismo e marketing. A opinião do presidente brasileiro segue na contramão dos discursos de outros líderes internacionais(66 Teixeira LB. Falar em 'gripezinha' isola Bolsonaro de líderes mundiais de ambos os lados [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 01]. Available from: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/25/coronavirus-gripezinha-bolsonaro-lideres-mundiais-direita-e-esquerda.htm).

Em tempos de pandemia causada pelo novo coronavírus, nações/líderes/sociedades de diferentes matizes ideológicos tratam o momento como uma “guerra contra um inimigo invisível”, com repercussões negativas maiores do que as vividas após a Segunda Guerra Mundial. É consenso mundial que vivemos em tempos de guerra, e cabe ao líder de cada nação assumir o protagonismo aglutinador para vencermos a crise sanitária(77 Roubicek M. Porque a pandemia evoca uma economia de guerra [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/31/Por-que-a-pandemia-evoca-uma-economia-de-guerra
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2...
).

Economistas brasileiros afirmam que as estratégias adotadas pelo governo federal são incipientes para reduzir os efeitos negativos da pandemia na economia nacional; e especialistas em saúde pública consideram tímidas as ações do Ministério da Saúde para fomentar/gerir o SUS(77 Roubicek M. Porque a pandemia evoca uma economia de guerra [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/31/Por-que-a-pandemia-evoca-uma-economia-de-guerra
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).

Diante dessa lentidão em responder ativamente às novas demandas advindas da crise sanitária, despontam iniciativas localizadas/conjuntas dos governadores e prefeitos para conter o espalhamento do SARS-CoV-2. Tais ações seguem as recomendações técnico-científicas da OMS visando “achatar a curva epidemiológica”, o que por consequência não sobrecarregaria os sistemas de saúde locais. Outros esforços são direcionados para equipar os serviços públicos/privados de saúde, seja montando hospitais de campanha para triagem dos casos suspeitos, isolamento e tratamento, seja abrindo novos leitos de UTI exclusivas para pacientes graves acometidos por COVID-19. Acresce-se a isso, a busca pela aquisição de respiradores, EPIs e testes-diagnóstico para que as notificações possam ser mais rápidas e precisas; bem como estímulo à produção de pesquisas de desenvolvimento e inovação em rede com a participação de pesquisadores, universidades, hospitais, centro e redes de pesquisa brasileiros(77 Roubicek M. Porque a pandemia evoca uma economia de guerra [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/31/Por-que-a-pandemia-evoca-uma-economia-de-guerra
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2...
).

Entre as iniciativas de governança estadual, destaca-se o Consórcio do Nordeste, ferramenta de gestão criada a partir do Fórum de Gestão dos Governadores, com vistas ao fortalecimento regional, à melhoria da prestação dos serviços públicos e à proteção e promoção dos direitos da população residente na Região Nordeste do Brasil. O alinhamento político entre os nove estados e seus governadores coloca o papel, o entendimento e a crítica dos líderes nordestinos perante o contexto nacional, notadamente no que diz respeito a propostas em debate no país e que resultam em mudanças importantes em políticas públicas(88 Clementino MLM. A atualidade e o ineditismo do consórcio nordeste. Ipea [Internet] 2019 [cited 2020 Apr 03];21:165-74. Available from: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/boletim_regional/191227_brua_21_opiniao1.pdf
https://www.ipea.gov.br/portal/images/st...
).

Entre ações de desmonte e de resistência, o sus é o melhor caminho para o enfrentamento da pandemia por SARS-CoV-2

Em meio às ações das políticas neoliberais de implantação do Estado mínimo e dos processos de privatização e retiradas de direitos sociais impostas ao longo dos anos, o SUS resiste como principal política pública de saúde no Brasil para garantir o direito universal à saúde. Apesar das críticas e ataques governamentais, políticos e de parte da população, diante do não conhecimento sobre o verdadeiro papel do SUS, neste momento de crise sanitária, ele se configura como principal estratégia de combate à pandemia por SARS-CoV-2(99 Martins LR, Codeço CF, Costa GMF, Gonçalves CO, Soares BL, Maciel VDA, et al. The novel coronavirus (SARS-CoV-2) emergency and the role of timely and effective national health surveillance. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];36(3):e00019620. doi: 10.1590/0102-311x00019620
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).

É preciso reforçar que, em 2019, foram cerca de 48 mil Equipes de Saúde da Família (ESF), ٣1 mil Equipes de Saúde Bucal (ESB) e quase 290 mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS) realizando cuidados de saúde na atenção básica. São médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas e agentes comunitários de saúde/endemias — milhares de trabalhadores atuando na linha de frente do SUS, realizando assistência multiprofissional cotidianamente à população e encaminhandoa nos diferentes níveis assistenciais(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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,99 Martins LR, Codeço CF, Costa GMF, Gonçalves CO, Soares BL, Maciel VDA, et al. The novel coronavirus (SARS-CoV-2) emergency and the role of timely and effective national health surveillance. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];36(3):e00019620. doi: 10.1590/0102-311x00019620
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).

Na atual crise sanitária global, a força de trabalhadores do SUS está mobilizada para acolher os sujeitos nos serviços de saúde na realização da triagem dos casos suspeitos, orientando-os quanto às medidas de isolamento domiciliar, procedendo com a coleta de exames para confirmação laboratorial e gerenciando os leitos disponíveis para internação hospitalar. A força de trabalhadores do SUS, também, é composta por trabalhadores que atuam nas ruas realizando visitas domiciliares ou ações de educação em saúde, o que possibilita que as informações verdadeiras cheguem à população(99 Martins LR, Codeço CF, Costa GMF, Gonçalves CO, Soares BL, Maciel VDA, et al. The novel coronavirus (SARS-CoV-2) emergency and the role of timely and effective national health surveillance. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];36(3):e00019620. doi: 10.1590/0102-311x00019620
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).

Trata-se de sujeitos envolvidos na gestão local em saúde, que planejam, designam e coordenam as decisões tomadas a serem realizadas pelas equipes de saúde da família. São os gerentes de hospitais, unidades básicas de saúde e unidades de pronto atendimento. Em qualquer nível assistencial, eles atuam na execução de Planos de Contingência da COVID-19, gerenciam fluxos de atendimento e encaminhamento; controlam o estoque de material dos serviços, apontando, por exemplo, a necessidade de aquisição de equipamentos de proteção individual (EPIs), respiradores, entre outros equipamentos e insumos. Tal gerência organiza o fluxo de trabalho dos profissionais da saúde, balanceando a necessidade de prestação de atendimento em horas-extras e a saúde física e mental desses profissionais; garante o atendimento de normas técnicas de controle de infecções hospitalares; coordena os setores de limpeza, de nutrição, de enfermagem etc.(22 Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - SES. Diretoria de vigilância epidemiológica - DIVEP. Plano de Contingência para Epidemia da Doença pelo Coronavirus 2019 (COVID-19) do Distrito Federal [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/02/plano-contigencia-cononavirus-p-4-70.pdf
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,99 Martins LR, Codeço CF, Costa GMF, Gonçalves CO, Soares BL, Maciel VDA, et al. The novel coronavirus (SARS-CoV-2) emergency and the role of timely and effective national health surveillance. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];36(3):e00019620. doi: 10.1590/0102-311x00019620
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Além disso, esses responsáveis pela gestão trabalham na formulação da política, nas secretarias estaduais e municipais de saúde, na esfera ministerial, estabelecendo protocolos de atendimento, garantindo a compra de medicamentos e insumos, a importação de equipamentos para impedir o desabastecimento. Em contato direto com o chefe das pastas — os secretários estaduais, municipais, o ministro e seus secretários —, são responsáveis pelo planejamento, avaliação e execução das soluções que a pandemia exige. O momento requer responsabilidade, ética e diálogo para enfrentar as demandas que virão, evitando os atritos políticos a fim de que as ações concretas aconteçam seguindo critérios epidemiológicos estabelecidos mundialmente, conforme conhecimento técnico-científico validado(22 Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal - SES. Diretoria de vigilância epidemiológica - DIVEP. Plano de Contingência para Epidemia da Doença pelo Coronavirus 2019 (COVID-19) do Distrito Federal [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03]. Available from: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/02/plano-contigencia-cononavirus-p-4-70.pdf
http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uplo...
).

Apesar do protagonismo, o SUS sofre com a falta de prioridade e ataques neoliberais visando ao seu desmonte, reforçados pela crise econômica, pelas políticas de austeridade fiscal e, especialmente, pela Emenda Constitucional 95 (EC-95/2016), que congela o orçamento público durante 20 anos, acarretando o subfinanciamento crônico do SUS(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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,1010 Araújo JL, Freitas RJM, Guedes MVC, Freitas MC, Monteiro ARM, Silva LMS. Brazilian Unified Health System and democracy: nursing in the context of crisis. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2020 Apr 03];71(4):2066-71. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0352
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Ao priorizar o pagamento dos juros da dívida interna, reduzindo gastos sociais e investimentos públicos, a EC-95/2016 agrava as condições de saúde da população com o aumento da mortalidade infantil e materna, retorno de doenças evitáveis como o sarampo, baixa cobertura vacinal, desmonte da política de saúde mental, sabotagem de Farmanguinhos e sucateamento da ESF, fim do Mais Médicos, da Farmácia Popular e das UPAs(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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,99 Martins LR, Codeço CF, Costa GMF, Gonçalves CO, Soares BL, Maciel VDA, et al. The novel coronavirus (SARS-CoV-2) emergency and the role of timely and effective national health surveillance. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];36(3):e00019620. doi: 10.1590/0102-311x00019620
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Além do mais, o quadro foi agravado com a aprovação de uma reforma trabalhista e previdenciária que retira os direitos sociais adquiridos. Diante da fragilização do Estado e da sua capacidade regulatória, os ideais neoliberais, de um lado, fortalecem o mercado de planos de saúde; e, de outro, ampliam a terceirização das atividades-fim, a mercantilização do SUS, penalizando cada vez mais o orçamento dos trabalhadores, das famílias e, em especial, dos idosos e deficientes(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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O SUS sofre resistências de parte das categorias dos profissionais de saúde, por razões ligadas ao corporativismo médico, particularmente, cujos interesses não foram contemplados pelas políticas de gestão do trabalho e educação em saúde. Além da crítica sistemática e oposição da mídia, enfrenta grandes interesses econômicos e financeiros ligados a operadoras de planos de saúde, a empresas de publicidade e à indústria farmacêutica e de equipamentos médico-hospitalares. Somados a isso, temos entraves na gestão a serem superados decorrentes da falta de profissionalização, uso clientelista e partidário dos estabelecimentos públicos de saúde, número excessivo de cargos de confiança, burocratização das decisões e descontinuidade administrativa, desvalorização e precarização dos trabalhadores de saúde(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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Com insuficientes recursos, o SUS enfrenta problemas na manutenção da rede de serviços e na remuneração de seus profissionais, limitando os investimentos para a ampliação da infraestrutura pública. Diante dessa realidade, a decisão de compra de serviços no setor privado torna-se fortalecida, e a ideologia da privatização é reforçada(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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Desse modo, tendo em vista a crise estabelecida, se faz urgente a defesa do SUS constitucional e do SUS proposto pela Reforma Sanitária Brasileira (RSB). O sistema público de saúde universal de fato existente, com todas as suas dificuldades e fragilidades, produziu conquistas e resultados significativos nessas três décadas. A sua institucionalidade pode ser realçada pelos seus gestores, pelo Ministério Público, conselhos de saúde e trabalhadores, favorecendo a resistência contra o seu desmonte(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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-1010 Araújo JL, Freitas RJM, Guedes MVC, Freitas MC, Monteiro ARM, Silva LMS. Brazilian Unified Health System and democracy: nursing in the context of crisis. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2020 Apr 03];71(4):2066-71. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0352
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Torna-se fundamental constituir sujeitos da práxis (sujeitos da resistência, novos servidores públicos, sujeitos transformadores), individuais e coletivos, capazes de defender o SUS, e sujeitos da antítese aptos em desequilibrar o binômio da conservação-mudança a favor das transformações, radicalizando a democracia e a RSB(11 Paim JS. Thirty years of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6): 1723-28. doi: 10.1590/1413-81232018236.0917201
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,99 Martins LR, Codeço CF, Costa GMF, Gonçalves CO, Soares BL, Maciel VDA, et al. The novel coronavirus (SARS-CoV-2) emergency and the role of timely and effective national health surveillance. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 03];36(3):e00019620. doi: 10.1590/0102-311x00019620
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-1010 Araújo JL, Freitas RJM, Guedes MVC, Freitas MC, Monteiro ARM, Silva LMS. Brazilian Unified Health System and democracy: nursing in the context of crisis. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2020 Apr 03];71(4):2066-71. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0352
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O contexto da pandemia evidencia, no Brasil e no mundo, que todos são afetados pela crise, mas o seu impacto será sentido mais por alguns do que por outros. À medida que o SARS-CoV-2 se espalha, continuará expondo as desigualdades existentes nos sistemas de saúde globais. Expõe a exclusão de grupos do acesso à saúde, seja por causa de seu status legal, seja por outros fatores que os tornam alvo do Estado. Expõe o investimento insuficiente em saúde pública gratuita para todos, o que significa que o acesso ao atendimento médico de qualidade só estará disponível para alguns, com base no poder aquisitivo e não na necessidade médica. Expõe o fracasso dos governos e líderes mundiais em planejar e prestar serviços que atendam às necessidades de todos, não só em saúde, mas também na perspectiva econômica e social.

A pandemia por SARS-CoV-2, os milhares de óbitos causadas pela COVID-19, contribuiu para evidenciar como as decisões políticas de exclusão social, de necropolítica, de acesso reduzido a assistência à saúde e de aumento da desigualdade social serão sentidas agora por todos nós. Essas políticas são inimigas da nossa saúde coletiva, hoje, saúde global.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que o fortalecimento da democracia e a defesa do SUS são uma das (talvez, a única) saída para o enfrentamento da crise sanitária que estamos vivenciando. A pandemia por SARSCOVID-2 coloca em questão os sistemas econômicos-sociais-sanitários globais; o papel do Estado nacional em defesa da sua soberania num mundo globalizado; os modelos capitalistas de produção, consumo, acumulação de riquezas e relações de produção entre detentores do capital e da força de trabalho, especialmente o entendimento do direito à saúde como direito humano. É, portanto, um problema sistêmico que desafia as nações, seus líderes e sociedade a unir esforços para responder com rapidez e resolutividade mediante a implantação de políticas públicas de caráter universal para preservar as vidas humanas.

No Brasil, precisamos alinhar as ações políticas-governamentais nas três esferas de governança, dialogar com os poderes instituídos e sociedade civil. Devemos urgentemente defender o SUS, esta é a nossa melhor saída. O momento é de fortalecer o Estado democrático de direito. As velhas estratégias de desvalorização do SUS, da privatização do direito à saúde, da maximização de lucros no mercado médico-hospitalar, da valorização do privado em detrimento do público caem por terra, pois, na prática, se mostram um discurso cruel, de desrespeito à vida, uma falsa ilusão de segurança das classes mais favorecidas. Que este momento traga como resultado o aprendizado de que precisamos defender o SUS universal, gratuito e equânime. A missão é para todos os profissionais atuantes na gestão, na formação e no trabalho em saúde, a fim de que possamos estar mais prepararados para as emergências de saúde global.

Como limitações do estudo, elenca-se a produção cientifica ainda escassa e em constante mudança sobre SARS-CoV-2 e COVID-19. Acredita-se que esta reflexão gere em todos nós que lidamos com o cuidado em saúde — gestores, formadores e trabalhadores de saúde — o agir político, a atitude ética, o desejo de valorização e espírito de luta em defesa do SUS e da vida humana.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Antonio José De Almeida Filho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2020
  • Aceito
    10 Maio 2020
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