Acessibilidade / Reportar erro

Escuta empática: estratégia de acolhimento aos profissionais de enfermagem no enfrentamento da pandemia por coronavírus

RESUMO

Objetivo:

refletir sobre a utilização da escuta empática como estratégia de acolhimento aos profissionais de enfermagem no enfrentamento dos desafios durante a pandemia pelo novo coronavírus.

Métodos:

estudo do tipo reflexão, realizado com base em levantamentos de dados atualizados e aspectos teórico-conceituais da Comunicação Não Violenta e escuta empática.

Resultados:

na atuação durante a pandemia de COVID-19, o profissional de enfermagem está exposto a violências de diferentes naturezas relacionadas ao estresse ocupacional, sobrecarga de trabalho, angústias e sofrimentos silenciados, com implicações na saúde do trabalhador, que pode ser beneficiado e fortalecido com a escuta empática.

Considerações finais:

a crise sanitária tem evidenciado as fragilidades do sistema de saúde. A enfermagem atua como o maior contingente da força de trabalho em saúde no enfrentamento da pandemia. A escuta empática é uma estratégia potente na atenção e fortalecimento dos profissionais de enfermagem.

Descritores:
Infecção por Coronavírus; Pandemia; Empatia; Acolhimento; Profissionais de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to reflect on empathic listening use as a welcoming strategy for nursing professionals to cope with the challenges during the pandemic caused by the new coronavirus.

Methods:

this is a reflection study based on updated data surveys and theoretical-conceptual aspects of Non-Violent Communication and empathic listening.

Results:

in the performance during the COVID-19 pandemic, nursing professionals are exposed to violence of different natures related to occupational stress, work overload, anguishes and silenced suffering, with implications for the workers’ health, who can be benefited and strengthened with empathetic listening.

Final considerations:

the health crisis has highlighted the weaknesses of the health system. Nursing acts as the largest contingent of the health workforce in coping with the pandemic. Empathetic listening is a powerful strategy in caring for and strengthening nursing professionals.

Descriptors:
Coronavirus; Pandemic; Empathy; User Embracement; Nurse Practitioners

RESUMEN

Objetivo:

reflexionar sobre el uso de la escucha empática como estrategia de acogida de los profesionales de enfermería para afrontar los retos durante la pandemia provocada por el nuevo coronavirus.

Métodos:

estudio de reflexión, basado en datos actualizados y aspectos teóricos y conceptuales de la Comunicación No Violenta y la escucha empática.

Resultados:

en el desempeño durante la pandemia COVID-19, el profesional de enfermería se encuentra expuesto a violencias de diversa índole relacionadas con el estrés ocupacional, sobrecarga laboral, angustias y sufrimientos silenciados, con implicaciones para la salud del trabajador, que pueden ser beneficiadas y fortalecidas. con escucha empática.

Consideraciones finales:

la crisis sanitaria ha puesto de manifiesto las debilidades del sistema sanitario. La enfermería actúa como el mayor contingente del personal sanitario para hacer frente a la pandemia. La escucha empática es una poderosa estrategia en el cuidado y fortalecimiento de los profesionales de enfermería.

Descriptores:
Infecciones por Coronavirus; Pandemia; Empatía; Acogimiento; Enfermeras Practicantes

INTRODUÇÃO

Ao final de Janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional devido à propagação global da doença respiratória aguda COVID-19, causada pelo novo coronavírus SARS-COV-2. No Brasil, em março de 2020, foi declarado o estado de transmissão comunitária em todo território nacional, com progressivo aumento do número de novos casos, elevação de internações e de óbitos, assim como observado em outros países(11 Ministério da Saúde (BR). Boletim COE COVID-19. Centro de operações de emergência em saúde pública. Semana Epidemiológica 17 (19-25/04). [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 20] Available from: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/19/BE12-Boletim-do-COE.pdf -
https://portalarquivos.saude.gov.br/imag...
).

A disseminação de doença infecciosa, acometendo diferentes países e continentes, contagiando grande quantidade de pessoas, caracteriza a condição de pandemia, como a COVID-19(11 Ministério da Saúde (BR). Boletim COE COVID-19. Centro de operações de emergência em saúde pública. Semana Epidemiológica 17 (19-25/04). [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 20] Available from: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/19/BE12-Boletim-do-COE.pdf -
https://portalarquivos.saude.gov.br/imag...
). Anteriormente a esse cenário, os profissionais de enfermagem já enfrentavam questões como déficit de profissionais para atender à sociedade, condições de trabalhos inadequadas, necessidade de capacitação e aprimoramento em educação e de liderança, tidos como desafios discutidos pela OMS e focos da campanha Nursing Now na ação internacional pela valorização e empoderamento da enfermagem(22 Cassiani SH, Lira JC. Perspectivas da enfermagem e a campanha Nursing Now. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2351-2. doi: 10.1590/0034-7167.2018710501
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201871...
).

Frente à atual pandemia, os desafios assumiram novas proporções. A demanda expressiva para atendimento de grande número de pessoas em curto espaço de tempo expôs fragilidades do sistema de saúde, provocando sobrecarga dos serviços de saúde e dos profissionais, especialmente da enfermagem. Os levantamentos do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), em Dados do Observatório da Enfermagem, indicam, até setembro de 2020, aproximadamente 39.858 casos reportados e 434 óbitos de profissionais(33 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Observatório da enfermagem [Internet]. 2020[cited 2020 Sep 25] Available from: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br
http://observatoriodaenfermagem.cofen.go...
).

Apesar desses dados alarmantes, a pandemia conferiu maior visibilidade aos profissionais. Com frequência, imprensa, mídias e redes sociais divulgam homenagens aos trabalhadores que atuam na linha de frente no combate à COVID-19. A OMS e as autoridades de diversos países têm destacado a valorização dos profissionais da enfermagem, que foram aclamados como heróis por diferentes segmentos da sociedade. Contudo, assumir tal papel pode reforçar, nos trabalhadores, a postura de se mostrar forte, sem admitir ou expressar vulnerabilidades pessoais e profissionais diante dos árduos desafios. São atitudes equivocadas, incompatíveis com o ser humano, e não os tornam imunes ao cansaço, ao sofrimento psíquico e ao adoecimento.

Então, como defender a enfermagem e superar os desafios? Como conquistar o espaço no sistema de saúde para dar voz aos profissionais diante do sofrimento e pesado fardo sustentado nesse tenso momento histórico? Nessa perspectiva, novos movimentos são necessários para proposições de políticas públicas, reestruturação de serviços e reorganização dos processos de trabalho. Essa complexa conjuntura conduz à reflexão sobre as implicações da pandemia nos trabalhadores da enfermagem que estão frente à COVID-19.

Na dimensão da atenção à saúde do trabalhador, no acolhimento e no fortalecimento do profissional, a escuta empática tem sido utilizada como estratégia potente no desdobramento da Comunicação Não Violenta (CNV), proposta por Marshall Rosenberg. Partindo da premissa de que os conflitos são desencadeados pela incompreensão sobre os reais motivos, nas relações com o outro ou consigo mesmo, que geram dor e desconforto, é tendência natural que reações instintivas se traduzam em comportamentos violentos. A comunicação empática busca trazer a consciência, com afeto, respeito, empatia e generosidade, para a transformação dessas relações. A partir da percepção de si e do autoconhecimento, permite ao indivíduo identificar os próprios sentimentos e necessidades, compreender as fragilidades e reconhecer as potencialidades. Essa clareza confere sensação de alívio ao ver-se mais consciente na nova condição, percebendo os próprios limites e novas possibilidades de rearranjos nas relações. Exercitar a empatia no (auto)acolhimento diminui o grau de sofrimento, ansiedade e tensão, contribuindo para a elaboração dos recursos internos para enfrentar os desafios(44 Azgin B. A Review on “Non-Violent Communication: A language of life” by Marshall B. Rosenberg. J Hist Cult Art Res[Internet]. 2018 [cited 2020 Sep 25];7(2):759-62. doi: 10.7596/taksad.v7i2.1550
https://doi.org/10.7596/taksad.v7i2.1550...
).

Assim sendo, este estudo tem por objetivo refletir sobre a utilização da escuta empática como estratégia de acolhimento profissionais de enfermagem no enfrentamento dos desafios durante a pandemia pelo novo coronavírus.

Estresse ocupacional, sobrecarga de trabalho, angústias e sofrimentos silenciados como formas de violência e suas implicações, reforçadas durante a pandemia

A violência no trabalho é fenômeno amplo e multifatorial, definida como interação agressiva vivenciada em circunstância de trabalho, colocando em risco a segurança, o bem-estar ou a saúde do profissional. Pode ocorrer de forma física, psicológica ou moral, abrangendo relações, organização e condições do trabalho, além da negligência, omissão diante de algum infortúnio ou naturalização da morte e do adoecimento do trabalhador(55 Baptista PCP, Silva FJ, Santos Jr JL, Felli VEA. Violência no trabalho: guia de prevenção para os profissionais de enfermagem [Internet]. São Paulo: Coren-SP; 2017 [cited 2020 May 1] Available from: https://portal.coren-sp.gov.br/wp-content/uploads/2018/01/PDF-site-2.pdf
https://portal.coren-sp.gov.br/wp-conten...
).

Nesse sentido, aspectos estruturais, inadequação das condições de trabalho, escassez de recursos, conflitos com gestor e elementos organizacionais com processos de trabalho incongruentes também são fatores promotores de violência ocupacional, com sérias repercussões na saúde do trabalhador. Fisiologicamente, as violências reprimidas enfraquecem o sistema imunológico e favorecem o adoecimento(66 Bordignon M, Monteiro MI. Violence in the workplace in nursing: consequences overview. Rev Bras Enferm . 2016;69(5):939-42. doi: 10.1590/0034-7167-2015-0133
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0...
).

Na pandemia, a exigência de maior atenção do profissional no atendimento integral em numerosos casos de maior urgência e gravidade, pacientes em diferentes faixas etárias, muitos com prognósticos desfavoráveis, gera angústia, frustração e exaustão emocional na luta pela vida. Ademais, longas horas de trabalho provocam estresse ocupacional, cansaço físico e mental, redução do desempenho, riscos de transtornos depressivos e ansiosos, e aumento do absenteísmo(66 Bordignon M, Monteiro MI. Violence in the workplace in nursing: consequences overview. Rev Bras Enferm . 2016;69(5):939-42. doi: 10.1590/0034-7167-2015-0133
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0...
), tornando a problemática cíclica, principalmente nas instituições hospitalares, quando o dimensionamento de pessoal não é readequado.

A saúde mental dos profissionais também é seriamente afetada quando se deparam com o significativo aumento de óbitos por complicações da COVID-19. Essa realidade requer atenção pelo risco de profissionais interpretarem a morte como fracasso pessoal(77 Bastos RAl, Quintana AM, Carnavale F. Angústias psicológicas vivenciadas por enfermeiros no trabalho com pacientes em processo de morte: estudo clínico-qualitativo. Trends Psychol. 2018;26(2):795-805. doi: 10.9788/tp2018.2-10pt
https://doi.org/10.9788/tp2018.2-10pt...
). Tal percepção distorcida pode culminar na tentativa de autoextermínio e de outrem. Ver-se diante da morte provoca temor da perda de membros da equipe de trabalho, familiares e entes queridos: quem será o próximo a se contaminar? Vou transmitir a doença para meus familiares? Se eu me contaminar, sobreviverei? Se eu morrer, quem cuidará dos meus filhos?

A falta de controle sobre o fim da vida, a depender do contexto sociocultural, pode ser traduzido em angústias e frustrações. Trabalhadores atuantes junto a pacientes terminais referem que o luto causado pelas perdas dos pacientes não é permitido ser vivido, seja por mecanismos pessoais de autoproteção, falta de preparo durante a formação ou ausência de ambiente de trabalho acolhedor. O enfermeiro é ator no ciclo de angústia profissional, quando a formação profissional não contempla o manejo da frustração pelo óbito, e o reduzido arsenal de recursos, na elaboração de estratégias de enfrentamento, torna-o psiquicamente vulnerável na atuação prática(77 Bastos RAl, Quintana AM, Carnavale F. Angústias psicológicas vivenciadas por enfermeiros no trabalho com pacientes em processo de morte: estudo clínico-qualitativo. Trends Psychol. 2018;26(2):795-805. doi: 10.9788/tp2018.2-10pt
https://doi.org/10.9788/tp2018.2-10pt...
).

Tanto a história das instituições hospitalares quanto da enfermagem científica têm, em sua gênese, aspectos que compeliram os profissionais a adotarem posturas rígidas, sem transparecer o sofrimento perante a dor e as angústias. A partir do século XX, com o avanço da ciência, os doentes deixaram de ser tratados em casa para serem assistidos nos hospitais. Nesse ambiente, ao prover os cuidados técnicos, exigiam-se que os profissionais controlassem as emoções para proteger a rotina institucional. Integrante de tal arquétipo sócio-político-cultural, a profissionalização da enfermagem também carreia, em sua história e formação, a herança da escola nightingaleana, com princípios militares e religiosos, posturas firmes e limitação da expressão de sentimentos no trabalho, inclusive diante da morte(77 Bastos RAl, Quintana AM, Carnavale F. Angústias psicológicas vivenciadas por enfermeiros no trabalho com pacientes em processo de morte: estudo clínico-qualitativo. Trends Psychol. 2018;26(2):795-805. doi: 10.9788/tp2018.2-10pt
https://doi.org/10.9788/tp2018.2-10pt...
).

Na atualidade, por questões pessoais, culturais e históricas da profissão, a enfermagem ainda tem dificuldade de expressar seu sofrimento psíquico. Por outro lado, na perspectiva de algumas instituições, visando à racionalidade do trabalho e à otimização de recursos, não propiciam a abertura e o suporte para apoiar o trabalhador ao manifestar suas dores e angústias, dificuldades e preocupações relacionadas ao processo de trabalho(77 Bastos RAl, Quintana AM, Carnavale F. Angústias psicológicas vivenciadas por enfermeiros no trabalho com pacientes em processo de morte: estudo clínico-qualitativo. Trends Psychol. 2018;26(2):795-805. doi: 10.9788/tp2018.2-10pt
https://doi.org/10.9788/tp2018.2-10pt...
).

Em pesquisa realizada no estado do Rio Grande do Sul, os enfermeiros relataram desesperança e impotência perante protocolos assistenciais e limitação de espaço na instituição para se expressarem: “Os enfermeiros tiveram insights sobre melhorias na assistência e na relação com o trabalho. Porém, no momento de sofrimento e preocupação, não foram ouvidos”(77 Bastos RAl, Quintana AM, Carnavale F. Angústias psicológicas vivenciadas por enfermeiros no trabalho com pacientes em processo de morte: estudo clínico-qualitativo. Trends Psychol. 2018;26(2):795-805. doi: 10.9788/tp2018.2-10pt
https://doi.org/10.9788/tp2018.2-10pt...
). Por vezes, os profissionais sofrem assédio de gestores que não escutam ou valorizam novas proposições.

A impossibilidade de expressar angústias e sofrimentos pessoais no exercício da profissão sufoca a voz da enfermagem, coibindo a ressignificação da prática. Com isso, o trabalho pode se tornar um vínculo de toxicidade, comprometendo a capacidade de refletir sobre o cuidado de si e do outro. A insatisfação desencadeia a hostilização entre profissionais, pacientes e familiares, comprometendo a segurança do paciente, a qualidade da assistência e a visibilidade da instituição(88 Daly J, Jackson D, Anders R, Davidson PM. Who speaks for nursing? COVID-19 highlighting in leadership. J Clin Nurs. 2020. doi: 10.1111 / jocn.15305
https://doi.org/10.1111 / jocn.15305...
).

Importância e benefícios da escuta empática e Comunicação Não Violenta durante a pandemia, como estratégia de acolhimento e de fortalecimento dos profissionais de enfermagem

A pandemia, somada ao isolamento/distanciamento social, provoca inúmeros impactos na vida das pessoas e adoção de novos comportamentos, na convivência familiar e social, nos modelos de educação e trabalho remotos, cuja adaptação pode ser positiva ou gerar sofrimentos. Diretamente, o profissional de enfermagem não foi atingido pelo isolamento, mas a rotina cotidiana foi modificada, com maior demanda familiar, o que ocasionou diminuição no descanso e repouso.

Nesse contexto, a saúde mental das pessoas se tornou alvo de atenção para pesquisadores, profissionais e voluntários pelo aumento de manifestações como medo, insegurança por incertezas, tristeza, irritação e raiva, insônia, febre, depressão, ansiedade, uso abusivo de álcool e medicamentos psicotrópicos(99 Horesh D, Brown AD. Traumatic stress in the age of COVID-19: A call to critical aps and adapt to new realities. Psychol Trauma: Theor Res Pract Policy. 2020;12(4):331-35. doi: 10.1037/tra0000592
https://doi.org/10.1037/tra0000592...
). No manejo dessas manifestações, diversas medidas são indicadas, desde reorganização da rotina pessoal, acesso a fontes positivas de alegria e renovadoras do bom humor até a busca de suporte e ajuda profissional, disponibilizados em sites e canais de atendimento online, inclusive gratuitos.

O Ministério da Saúde criou um canal de comunicação e apoio, por meio de aplicativo de celular, para oferecer ajuda às mulheres vítimas de violência física ou psicológica doméstica, familiar, sexual ou moral. Desde 2006, reconhecendo a existência de tais violências no setor da saúde, implantou o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes por meio da Portaria MS/GM nº 1.356. Em 2011, difundiu a notificação de violência doméstica, sexual e demais violências para todos os serviços de saúde. Disponibilizou um canal de acesso aos trabalhadores, por meio de teleconsulta psicológica, para oferecer suporte e prevenir futuros problemas de saúde mental.

Destarte, o acolhimento ao profissional que sofre violência visa mitigar o adoecimento e consequentemente, melhorar o desenvolvimento pessoal, a produtividade e dividir a experiência com a equipe, inclusive da área administrativa, que também observa e vivencia a violência ali presente(55 Baptista PCP, Silva FJ, Santos Jr JL, Felli VEA. Violência no trabalho: guia de prevenção para os profissionais de enfermagem [Internet]. São Paulo: Coren-SP; 2017 [cited 2020 May 1] Available from: https://portal.coren-sp.gov.br/wp-content/uploads/2018/01/PDF-site-2.pdf
https://portal.coren-sp.gov.br/wp-conten...
). Ao promover ações fundamentadas na humanização e na ética, expressa a compreensão da importância e do benefício da escuta empática e da CNV voltada ao profissional envolvido na assistência, especialmente nesse momento de pandemia.

Nesse sentido, a CNV, também conhecida como Comunicação Compassiva, mostra-se recurso efetivo no acolhimento ao profissional. É linguagem baseada na cultura de paz que possibilita a compreensão dos conflitos, angústias e sofrimentos vividos por meio do autoconhecimento e autoconexão. A CNV nos propõe a busca pacífica para superação da violência através do diálogo baseado na empatia. A escuta empática visa ouvir atentamente as observações do outro, de maneira compassiva, destituída de julgamentos ou conselhos. Na medida em que a pessoa compartilha suas questões, quem o ouve procura auxiliá-la na identificação dos próprios sentimentos e necessidades. Esse compartilhamento empodera e oportuniza a compreensão de si, amplia as possibilidades para encontrar respostas, ressignificando seu olhar frente à situação vivida, na conexão consigo e com o outro(44 Azgin B. A Review on “Non-Violent Communication: A language of life” by Marshall B. Rosenberg. J Hist Cult Art Res[Internet]. 2018 [cited 2020 Sep 25];7(2):759-62. doi: 10.7596/taksad.v7i2.1550
https://doi.org/10.7596/taksad.v7i2.1550...
,99 Horesh D, Brown AD. Traumatic stress in the age of COVID-19: A call to critical aps and adapt to new realities. Psychol Trauma: Theor Res Pract Policy. 2020;12(4):331-35. doi: 10.1037/tra0000592
https://doi.org/10.1037/tra0000592...
).

A escuta empática tem sido muito utilizada diante da atual pandemia como estratégia para o fortalecimento emocional. Frente à necessidade de acolhimento e suporte no enfrentamento de violências vivenciadas, o indivíduo se sente considerado, compreendido em suas vulnerabilidades e fortalecido para identificar suas potencialidades. O Hospital Universitário do Estado do Rio de Janeiro ofereceu atendimento em saúde mental aos residentes de enfermagem utilizando a Teoria Humanística de Enfermagem, para ouvir e acolher, por meio da escuta empática. A ação exitosa gerou sensação de compreensão, aceitação, consolo e conforto, alívio de ansiedade e solidão, entendimento sobre a experiência vivida e responsabilidade pelas escolhas feitas(99 Horesh D, Brown AD. Traumatic stress in the age of COVID-19: A call to critical aps and adapt to new realities. Psychol Trauma: Theor Res Pract Policy. 2020;12(4):331-35. doi: 10.1037/tra0000592
https://doi.org/10.1037/tra0000592...
).

Canais disponibilizados ao profissional de enfermagem, que oferecem escutas empáticas, proporcionam acolhimento e apoio para melhor enfrentamento do período de crise, que podem gerar traumas, por vezes severos. Estudo sobre estresse traumático destaca que, claramente, a escuta empática ajuda o profissional exposto a situações de trauma no trabalho, rotineiramente, conferindo suporte para que possa definir estratégias e testar novas intervenções de proteção ou redução de estresse traumático relacionado à COVID-19(99 Horesh D, Brown AD. Traumatic stress in the age of COVID-19: A call to critical aps and adapt to new realities. Psychol Trauma: Theor Res Pract Policy. 2020;12(4):331-35. doi: 10.1037/tra0000592
https://doi.org/10.1037/tra0000592...
-1010 Silva AV, Santos I, Kestenberg CCF, Caldas CP, Berardinelli LMM, Silva LPS, et al. Plantão de escuta: uma aplicação da teoria humanística no processo clínico de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2018;26:e33586. doi:10.12957/reuerj.2018.33586
https://doi.org/10.12957/reuerj.2018.335...
).

No cotidiano, o apoio entre os pares é positivo e diante da gravidade da situação, requer ações mais ampliadas. Promover espaços acolhedores e canais de escuta é essencial para que os integrantes da equipe sintam-se encorajados a identificar seus sentimentos e necessidades, ouvindo as demandas(44 Azgin B. A Review on “Non-Violent Communication: A language of life” by Marshall B. Rosenberg. J Hist Cult Art Res[Internet]. 2018 [cited 2020 Sep 25];7(2):759-62. doi: 10.7596/taksad.v7i2.1550
https://doi.org/10.7596/taksad.v7i2.1550...
,66 Bordignon M, Monteiro MI. Violence in the workplace in nursing: consequences overview. Rev Bras Enferm . 2016;69(5):939-42. doi: 10.1590/0034-7167-2015-0133
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0...
,99 Horesh D, Brown AD. Traumatic stress in the age of COVID-19: A call to critical aps and adapt to new realities. Psychol Trauma: Theor Res Pract Policy. 2020;12(4):331-35. doi: 10.1037/tra0000592
https://doi.org/10.1037/tra0000592...
).

A escuta empática também é valiosa para identificar pessoas vulneráveis do ponto vista psicossocial. Ofertar acolhimento e empatia fortalece o profissional, mesmo em demandas indiretamente relacionadas ao trabalho. Grupos de voluntários qualificados se solidarizam com os desafios da categoria, promovendo espaços online gratuitos de escuta empática para acolhimento da enfermagem, o que contribui, positivamente, ao ressignificar suas demandas, percebendo-se mais fortalecido e valorizado como pessoa e profissional.

Em relação à limitação do presente estudo, possivelmente está relacionada ao fato de a CNV e a escuta empática não serem descritores controlados, o que pode dificultar a difusão da prática ou limitar a busca de estudos relevantes sobre a temática. A escuta empática como desdobramento da CNV se mostra relevante, uma vez que pode ser eficiente recurso para o enfrentamento e mobilização de estratégias para minimizar fatores estressores no trabalho e suas repercussões, como violência, bullying, turnover, absenteísmo, além de promover a cultura de paz e fortalecer os profissionais de enfermagem no período de pandemia.

Os autores declaram ausência de conflitos de interesse e que não receberam subsídios de agência de fomento para consecução desta pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A enfermagem constitui o maior contingente da força de trabalho em saúde e tem mostrado a capacidade como força motriz no enfrentamento da pandemia. Essa crise sanitária tem evidenciado as fragilidades do sistema de saúde, a desatenção de gestores e de stakeholders nas decisões e proposições de políticas públicas, que há muito desvalorizam a saúde em prol de interesses políticos, econômicos, impactando severamente no bem mais valioso do ser humano, a vida. É momento de reflexão para atender às necessidades fundamentais e vislumbrar ajustes em prol de um sistema de saúde mais eficiente e capaz de oferecer condições de trabalho e recursos adequados, remunerações dignas, com modelos de atenção inovadores. A cultura da paz nas organizações pressupõe a atenção ao profissional nas diversas dimensões. Como estratégia de acolhimento para o fortalecimento dos profissionais de enfermagem, a escuta empática é recurso potente, especialmente durante o enfrentamento da COVID-19.

REFERENCES

  • 1
    Ministério da Saúde (BR). Boletim COE COVID-19. Centro de operações de emergência em saúde pública. Semana Epidemiológica 17 (19-25/04). [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 20] Available from: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/19/BE12-Boletim-do-COE.pdf -
    » https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/19/BE12-Boletim-do-COE.pdf -
  • 2
    Cassiani SH, Lira JC. Perspectivas da enfermagem e a campanha Nursing Now. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2351-2. doi: 10.1590/0034-7167.2018710501
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167.2018710501
  • 3
    Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Observatório da enfermagem [Internet]. 2020[cited 2020 Sep 25] Available from: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br
    » http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br
  • 4
    Azgin B. A Review on “Non-Violent Communication: A language of life” by Marshall B. Rosenberg. J Hist Cult Art Res[Internet]. 2018 [cited 2020 Sep 25];7(2):759-62. doi: 10.7596/taksad.v7i2.1550
    » https://doi.org/10.7596/taksad.v7i2.1550
  • 5
    Baptista PCP, Silva FJ, Santos Jr JL, Felli VEA. Violência no trabalho: guia de prevenção para os profissionais de enfermagem [Internet]. São Paulo: Coren-SP; 2017 [cited 2020 May 1] Available from: https://portal.coren-sp.gov.br/wp-content/uploads/2018/01/PDF-site-2.pdf
    » https://portal.coren-sp.gov.br/wp-content/uploads/2018/01/PDF-site-2.pdf
  • 6
    Bordignon M, Monteiro MI. Violence in the workplace in nursing: consequences overview. Rev Bras Enferm . 2016;69(5):939-42. doi: 10.1590/0034-7167-2015-0133
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0133
  • 7
    Bastos RAl, Quintana AM, Carnavale F. Angústias psicológicas vivenciadas por enfermeiros no trabalho com pacientes em processo de morte: estudo clínico-qualitativo. Trends Psychol. 2018;26(2):795-805. doi: 10.9788/tp2018.2-10pt
    » https://doi.org/10.9788/tp2018.2-10pt
  • 8
    Daly J, Jackson D, Anders R, Davidson PM. Who speaks for nursing? COVID-19 highlighting in leadership. J Clin Nurs. 2020. doi: 10.1111 / jocn.15305
    » https://doi.org/10.1111 / jocn.15305
  • 9
    Horesh D, Brown AD. Traumatic stress in the age of COVID-19: A call to critical aps and adapt to new realities. Psychol Trauma: Theor Res Pract Policy. 2020;12(4):331-35. doi: 10.1037/tra0000592
    » https://doi.org/10.1037/tra0000592
  • 10
    Silva AV, Santos I, Kestenberg CCF, Caldas CP, Berardinelli LMM, Silva LPS, et al. Plantão de escuta: uma aplicação da teoria humanística no processo clínico de enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2018;26:e33586. doi:10.12957/reuerj.2018.33586
    » https://doi.org/10.12957/reuerj.2018.33586

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2020
  • Aceito
    03 Out 2020
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br