Acessibilidade / Reportar erro

Sentido do trabalho na perspectiva dos enfermeiros do âmbito hospitalar

RESUMO

Objetivos:

conhecer o sentido do trabalho para enfermeiros do âmbito hospitalar.

Métodos:

estudodescritivo, de abordagem qualitativa, cujo cenário foi um hospital universitário de Minas Gerais com 50 enfermeiros. Os dados coletados por meio de entrevista e analisados conforme análise de conteúdo, com a contribuição do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires.

Resultados:

emergiram três categorias: “Cotidiano do trabalho dos enfermeiros no âmbito hospitalar”; “Motivação no trabalho como fator influenciador no sentido do trabalho”; “As duas faces do sentido do trabalho: prazer e sofrimento”. Os enfermeiros atribuíram sentido positivo ao trabalho.

Considerações Finais:

evidenciaram-se três dimensões do sentido do trabalho: individual, organizacional e social. Estas influenciavam a atuação profissional, na vida social, laboral e individual do enfermeiro.

Descritores:
Enfermeiros; Saúde do Trabalhador; Satisfação no Emprego; Motivação; Hospitais

ABSTRACT

Objectives:

to know the meaning of the role of nurses in the hospital environment.

Methods:

this is a descriptive study with a qualitative approach, whose setting was a university hospital in Minas Gerais with 50 nurses. Data were collected through interviews and analyzed according to content analysis, with the contribution of the Interface software from R pour les Analyzes Multidimensionalnelles de Textes et de Questionnaires.

Results:

three categories emerged: “Nurses’ daily work in the hospital environment”; “Work motivation as an influential factor in the meaning of work”; “The two faces of the meaning of work: pleasure and suffering”. Nurses attributed a positive meaning to their work.

Final Considerations:

three dimensions of the meaning of work were highlighted: individual, organizational and social. These influenced the professional, social, working and individual life of nurses.

Descriptors:
Nurses; Occupational Health; Job Satisfaction; Motivation; Hospitals

RESUMEN

Objetivos:

conocer el significado del trabajo del enfermero en el ámbito hospitalario.

Métodos:

estudio descriptivo con abordaje cualitativo, cuyo ámbito fue un hospital universitario de Minas Gerais con 50 enfermeras. Datos recogidos a través de entrevistas y analizados según análisis de contenido, con el aporte del software Interface de R pour les Analyzes Multidimensionalnelles de Textes et de Questionnaires.

Resultados:

surgieron tres categorías: “Trabajo diario del enfermero en el ámbito hospitalario”; “La motivación en el trabajo como factor de influencia hacia el trabajo”; “Las dos caras del significado del trabajo: placer y sufrimiento”. Las enfermeras atribuyeron un significado positivo al trabajo.

Consideraciones Finales:

se evidenciaron tres dimensiones del significado del trabajo: individual, organizacional y social. Estos influyeron en el desempeño profesional, en la vida social, laboral e individual del enfermero.

Descriptores:
Enfermeros; Salud Laboral; Satisfacción en el Trabajo; Motivación; Hospitales

INTRODUÇÃO

No decorrer dos anos, o trabalho tornou-se uma atividade carregada de significados na vida dos indivíduos, favorecendo para a integração social e de realização pessoal, uma vez que influencia diretamente a qualidade de vida, sendo assim uma atividade carregada de sentido para quem a desenvolve(11 Neves DR, Nascimento RP, Felix MS, Silva FA., Andrade ROB. Sentido e significado do trabalho: uma análise dos artigos publicados em periódicos associados à Scientific Periodicals Electronic Library. Cad EBAPE.BR. 2018;16(2):318-30. https://doi.org/10.1590/1679-395159388
https://doi.org/10.1590/1679-395159388...
-22 Albornoz S. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense; 2017.).

Durante o desenvolvimento do trabalho, sentimentos como prazer ou sofrimento podem surgir devido as relações interpessoais proveniente do mesmo, impactando o desempenho profissional. No trabalho da enfermagem, que possui como objeto o indivíduo que necessita de cuidados especializados, a equipe se depara constantemente com os sofrimentos inerentes à sua atuação. De acordo com estudo(33 Loriol M. [The meaning of nursing work, a fragile collective construction]. Rev Infirm. 2018; 67(238):18-19. http://doi.org/10.1016/j.revinf.2017.11.022 French
http://doi.org/10.1016/j.revinf.2017.11....
), a complexidade das tarefas desenvolvidas, jornadas de trabalho extensas, ambientes insalubres, relações interpessoais insuficientes e a pouca valorização dos profissionais são fatores que tornam as atividades de enfermagem árduas.

Estudos(22 Albornoz S. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense; 2017.-33 Loriol M. [The meaning of nursing work, a fragile collective construction]. Rev Infirm. 2018; 67(238):18-19. http://doi.org/10.1016/j.revinf.2017.11.022 French
http://doi.org/10.1016/j.revinf.2017.11....
) sinalizam que, independentemente desses desgastes, o ambiente de trabalho dos enfermeiros proporciona sentimentos de prazer e satisfação. Resultados de outra investigação(44 Bonfada MS, Moura LN, Soares SGA, Pinno C, Camponogara S. Autonomia do enfermeiro no ambiente hospitalar. Enferm Bras. 2018;17(5):527-34. https://doi.org/10.33233/eb.v17i5.1503
https://doi.org/10.33233/eb.v17i5.1503...
) expressam que os enfermeiros se encontram satisfeitos em realizar suas atividades, mesmo diante das dificuldades encontradas durante o processo de trabalho.

Entende-se que a satisfação no trabalho é um sentimento definido como emoções ou atitudes positivas em relação ao trabalho, incluindo as perspectivas ambientais, organizacionais, interpessoais e as experiências vividas pelos trabalhadores(55 Azevedo BDS, Nery AA, Cardoso J P. Estresse ocupacional e insatisfação com a qualidade de vida no trabalho da enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1),1-11. https://doi.org/10.1590/0104-07072017003940015
https://doi.org/10.1590/0104-07072017003...
-66 Choi S, Kim M. Effects of structural empowerment and professional governance on autonomy and job satisfaction of the Korean nurses. J Nurs Manag. 2019; 27(8):1664-72. http://doi.org/10.1111/jonm.12855
http://doi.org/10.1111/jonm.12855...
).

O sentido do trabalho para esta pesquisa é entendido pela presença de todos as dimensões envolvidas no desenvolvimento do trabalho conforme referencial adotado(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
). A dimensão individual é formada pelas subjetividades desenvolvidas pelo trabalhador na realização de sua atividade laboral, sendo imprescindível o domínio de habilidades específicas, autonomia, identidade, independência. Otrabalho deve ser desafiador e promover um aprendizado permanente para a sua realização, demodo a compreender a dimensão individual. Na dimensão social, o trabalho desenvolvido precisa ser reconhecido e ser significativo para o trabalhador, para os usuários e sociedade. Por fim, nadimensão organizacional, faz-se necessário ao trabalhador conhecer o processo do trabalho, osobjetivos da empresa, de modo a utilizar um feedback para reconhecer a eficiência do trabalho realizado e assim dar sentido a ele(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
).

Porém, apesar da existência dessas dimensões mais amplas, vale ressaltar que, para desenvolver seu trabalho, o indivíduo precisa alcançar a sua satisfação intrínseca. Esta é identificada quando o trabalhador realiza suas atividades, as quais permitem o alcance da autonomia, dascompetências, motivações pessoais, ampliação dos conhecimentos e habilidades, preenchendo assim suas necessidades internas, gerando prazer e consequentemente satisfação em desenvolver seutrabalho(88 Gómez-Salgado J, Navarro-Abal Y, López-López MJ, Romero-Martín M, Climent-Rodríguez JA. Engagement, passion and meaning of work as modulating variables in nursing: a theoretical analysis. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(1):108. http://doi.org/10.3390/ijerph16010108
http://doi.org/10.3390/ijerph16010108...
).

O enfermeiro confere sentido ao seu trabalho de forma positiva ao alcançar o sucesso no desenvolvimento do cuidado de enfermagem quando, por exemplo, uma vida é salva, tornando-se assim útil para o bem-estar das pessoas(88 Gómez-Salgado J, Navarro-Abal Y, López-López MJ, Romero-Martín M, Climent-Rodríguez JA. Engagement, passion and meaning of work as modulating variables in nursing: a theoretical analysis. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(1):108. http://doi.org/10.3390/ijerph16010108
http://doi.org/10.3390/ijerph16010108...
). Buscou-se compreender, neste estudo, o sentido do trabalho para os enfermeiros, com ênfase nas questões subjetivas que permeavam o envolvimento com o trabalho e que certamente influenciavam suas atitudes e condutas com o paciente e colegas de equipe.

Cabe ressaltar que o enfermeiro é o líder de uma equipe e desenvolve atividades privativas que não podem ser delegadas a outras categorias, portanto se faz necessária, além da formação técnico-científica, a realização profissional e a satisfação no trabalho para que se preserve sua saúde física e mental. Diante do exposto, o presente estudo teve como questão norteadora: Qual o sentido que os enfermeiros do âmbito hospitalar conferem ao seu trabalho?

OBJETIVOS

Conhecer o sentido do trabalho para enfermeiros do âmbito hospitalar.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa teve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em 28 de fevereiro de 2018. Os enfermeiros participante que foram convidados a participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), além de que os demais preceitos ético-legais foram atendidos.

Tipo de estudo

Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa. Procurou-se descrever as características dos profissionais e do fenômeno estudado (sentido do trabalho). Éexploratória por permitir maior familiaridade com o problema, buscando explicitá-lo. Entende-se que a abordagem qualitativa seja pertinente ao estudo porque se pretendeu compreender e apreender as experiências subjetivas dos enfermeiros quanto ao fenômeno estudado(99 Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.). Foi utilizado o checklist COREQ.

Procedimentos metodológicos

Foram convidados para participar da investigação 50 enfermeiros dos serviços pesquisados. Foram incluídos enfermeiros que trabalhavam há pelo menos um ano no hospital. Inicialmente foram selecionados 80 enfermeiros de forma aleatória, porém 25 se recusaram a participar da pesquisa. Foram excluídos cinco enfermeiros que não apresentaram disponibilidade de tempo, após três tentativas de abordá-los em momentos diferentes.

Cenário do estudo e amostra do estudo

Estudo realizado em um hospital universitário, que possui duas unidades (centro de assistência à saúde e unidade hospitalar) de um município do estado de Minas Gerais.

Para a coleta e organização dos dados

Adotou-se a técnica de entrevista, com roteiro norteador contendo dados sociodemográficos para caracterização do perfil dos enfermeiros e questões pertinentes ao significado do trabalho, que abordavam o sentido dado pelo enfermeiro ao trabalho; asprincipais motivações para desenvolver seu trabalho; fatores que trazem sofrimento e prazer; e o significado de ser enfermeiro da instituição pesquisada.

Foi estabelecido contato prévio com a coordenadora de enfermagem para a coleta de dados na instituição. Foi apresentada a intenção do estudo; então ela liberou uma listagem com nomes dos enfermeiros, setor de lotação e telefone — meio pelo qual foi feito o recrutamento dos participantes de forma aleatória. A pesquisadora entrou em contato com o profissional e explicou sobre objetivos, metodologia e importância da realização do estudo.

A entrevista foi realizada em salas do hospital reservadas para preservar a privacidade dos participantes, em horários acordados com eles e foi gravada com anuência dos mesmos. A coleta de dados sucedeu entre março a julho de 2018, e a interrupção da coleta aconteceu quando houve o esgotamento das reflexões atendendo ao objeto de estudo. O total de gravação foi de 10 horas e 3 minutos, com média de 11 minutos e 40 segundos por entrevista. Os participantes receberam códigos com a letra “E”, quecorresponde à palavra “enfermeiro”, seguida do número arábico referente à ordem das entrevistas.

Análise dos dados

Para operacionalizar o tratamento dos dados das entrevistas, usou-se o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires - IRAMuTeQ, 0.7 alpha 2, licenciado por GNU GPL (v2). É um programa livre ancorado no software R e que realiza processamento e análises estatísticas de textos produzidos(1010 Camargo BV, Justo AM. Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-18. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
).

Foi construído pela pesquisadora o corpus textual para ser inserido no software contendo um único texto com as 50 entrevistas transcritas. O corpus geral foi separado em 538 segmentos de texto (STs), com aproveitamento de 82,71% dos vocábulos, sabendo-se que a recomendação é de retenção mínima de 75%(1010 Camargo BV, Justo AM. Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-18. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
).

Após a análise no IRAMuTeQ foi realizada a Análise de Conteúdo(1111 Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.) por meio das três fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados (inferência einterpretação).

Pré-análise - Foi efetuada a organização do material compilando as ideias iniciais estabelecendo uma estrutura de trabalho determinado, com procedimentos bem delineados, porém complacentes. Foi realizada a leitura flutuante e exaustiva das entrevistas buscando conhecer, analisar e definir os principais pontos, chamados de “corpus”. Foi constituído corpus único com as 50 entrevistas e inserido no software IRAMuTeQ por meio do fracionamento do texto em unidades e do agrupamento delas por semelhança, definindo o material(1111 Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.).

Exploração do material - Consistiu na realização da codificação e definição da categorização do corpus. Foram identificadas as unidades de registro. A unidade de significação correspondeu ao segmento de conteúdo considerando como unidade-base, objetivando à categorização e o cálculo da frequência; reconhecimento das unidades de contexto do corpus, ou seja, unidade de compreensão para codificar a unidade de registro que representou o segmento da mensagem, com a finalidade de compreender o significado correto da unidade deregistro(1111 Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.).

O tratamento dos resultados (inferência e interpretação) - Refere-se ao aprofundamento da análise, estabelecendo nexos com o referencial teórico sobre “sentido do trabalho”, propiciando inferências e interpretações ou descobertas inesperadas(1111 Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.).

Na análise do corpus textual, surgiram três categorias compostas conforme a apresentação das classes decorrentes da compatibilidade dos vocábulos: I) O cotidiano do trabalho dos enfermeiros no âmbito hospitalar; II) A motivação no trabalho como fator influenciador no sentido do trabalho; III) As duas faces do sentido do trabalho: prazer e sofrimento.

RESULTADOS

Na Análise de Similitude (Figura 1), pôde-se observar a apresentação das palavras que tiveram semelhanças entre si e a ligação entre os vocábulos de uma mesma classe e entre as demais classes, permitindo a identificação de coocorrências entre os vocábulos e seu resultado.

Na Figura 1, observa-se que a formação da estrutura do núcleo central foi representada pela palavra “paciente”, e o sistema periférico corresponde às questões relacionadas ao “trabalho” do enfermeiro e aos fatores referentes a crescimento e desenvolvimento profissional do enfermeiro no trabalho. Além disso, a figura destaca a palavra “gente”, que é o objeto de trabalho do enfermeiro, éo ser humano, o paciente, com suas singularidades e particularidades, com o qual o enfermeiro, por meio de uma relação interpessoal, desenvolve o cuidado, que é o cerne do seu processo de trabalho.

Figura 1
Análise de similitude gerada pelo software IRAMuTeQ (2019)

O “trabalho” é uma ramificação periférica da árvore construída na Figura 1 e aparece nas falas dos enfermeiros como uma atividade carregada de sentimentos, sejam eles positivos, sejam negativos, demonstrados na Figura 1: sofrimento, prazer, satisfação, motivação, frustração, entre outros.

Categoria 1: O cotidiano do trabalho dos enfermeiros no âmbito hospitalar

Apesar de seguir rotinas e protocolos rígidos no cotidiano de seu trabalho, pôde-se notar que, no momento em que o trabalhador sente prazer e motivação ao realizar suas atividades, ele constrói a sua identidade profissional. Isso caracteriza uma dimensão individual(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
) e colabora para que ele encontre sentido no trabalho que exerce:

Hoje graças a Deus, eu posso dizer que eu me sinto realizada e feliz de estar no meu local de trabalho, satisfeita, com prazer. (E13)

Apesar de todos os problemas relacionados à gestão, que sempre tem, eu me sinto muito realizada em ser enfermeira, em promover a saúde do outro. Isso é muito gratificante. (E6)

Tenho muito prazer em realizar minha profissão, em ver a melhora do quadro clínico dos pacientes. (E31)

O cotidiano laboral desempenhado pelos enfermeiros destaca-se por um trabalho que abrange as dimensões assistencial, gerencial e educacional:

Eu fiquei na enfermagem sempre na área assistencial, primeira vez que eu estou na área gerencial. Mas meu trabalho tem mais sentido quando eu estou no cuidado direto dos meus pacientes. (E15)

Prestamos toda assistência ao paciente que fica aqui com a gente: medicações, banhos, curativos. Eu preencho as escalas. No final do plantão, tento fazer isso pelo menos uma vez por mês. Reúno a minha equipe e realizo um treinamento, como por exemplo a prática correta da higienização das mãos. (E23)

Antes de estar no cargo de gerente, atuava na assistência direta ao paciente. Gosto muito do que eu faço, pois sei que, mesmo não estando presente junto ao paciente, sei que, de uma forma indireta, o meu trabalho ajuda na recuperação dele. (E42)

Categoria 2: A motivação no trabalho como fator influenciador no sentido do trabalho

Os resultados apresentados nesta categoria, mostraram que os enfermeiros referiram a motivação para realização seu trabalho no momento da prestação dos cuidados com qualidade ao paciente, assim interligando a motivação gerada nas atividades com o sentido dado ao seu trabalho.

A minha motivação é de estar ajudando o paciente, de estar dando o meu melhor para trazer conforto e bem-estar, tanto para ele quanto para a sua família. (E11)

Eu encontro motivação em fazer o que eu gosto! Então eu venho com prazer, venho porque eu gosto e me acho extremamente necessária aqui no setor e nessa função que eu atuo. (E6)

A minha maior motivação é sempre estar fazendo o melhor para o paciente. (E34)

Os enfermeiros relataram satisfação e motivação para realizar seu trabalho, por terem o reconhecimento da equipe de enfermagem, da equipe multiprofissional e principalmente do seu objeto de trabalho — o paciente:

É muito gratificante ver o reconhecimento do paciente, a gratidão do paciente, dos funcionários. (E3)

O que me traz alegria é o reconhecimento da clientela, dos familiares e da equipe multiprofissional. (E15)

Ter o reconhecimento dos meus pacientes e da minha equipe, me vendo como referência, me ajuda a querer continuar a desenvolver meu trabalho da melhor maneira possível. (E21)

Me sinto feliz quando um colega de trabalho reconhece o meu esforço, os meus cuidados. Não há nada mais prazeroso que isso. (E35)

Categoria 3: As duas faces do sentido do trabalho: prazer e sofrimento

Os enfermeiros relataram que o sentido do trabalho estava relacionado ao prazer, identificando assim as três dimensões: individual, social e organizacional(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
):

Traz muita satisfação. Temos muito aborrecimento, muita responsabilidade, mas também muita satisfação. Você vê o quadro clínico das pessoas; e, depois de muito esforço, ela melhora; isso é muito bom, gratificante. O trabalho complementa a minha vida; com ele, eu posso exercer a educação, o cuidado mesmo. (E7)

Apesar de ser corrido, cansativo e estressante, o sentido é de utilidade, ver que meu trabalho traz um diferencial para a vida das pessoas, consequentemente isso me traz realização e muito prazer. (E10)

Eu sou suspeita para falar, pois amo o que eu faço e isso me traz um sentimento de realização e prazer. (E40)

O sofrimento gerado pelo trabalho pode ser identificado pelos enfermeiros:

Sofrimento para mim é quando o paciente não apresenta mais prognóstico de tratamento e então iniciam-se o cuidado paliativo. (E10)

O que me traz sofrimento são questões do dia-a-dia, como a falta de material, por exemplo, o que acaba prejudicando a assistência de qualidade ao paciente. (E21)

Quando eu me deparo com um paciente em fase final da sua doença […] ver seu sofrimento e de toda sua família me causa um sofrimento interno no qual eu não consigo deixar de sentir. (E18)

Também se identificou o prazer gerado pelo trabalho da enfermagem, como mostra o relato a seguir:

Com certeza, o que me dá mais prazer no meu trabalho é sempre fazer o melhor para o paciente […]. (E7)

Uma das coisas que me dá prazer é, com certeza, o reconhecimento de cada paciente. (E26)

De estar realizada, fazendo o que eu gosto, de poder atender os pacientes […] isso me traz muito prazer. (E38)

DISCUSSÃO

Nesta pesquisa, verificou-se que o sofrimento relatado pelos enfermeiros estava associado com a dor e com o sofrimento do outro, do paciente, gerando angústia e estresse. Mas, ao mesmo tempo, os enfermeiros encontram no trabalho o prazer, têm sonhos, gostam do que fazem e do convívio com os pacientes e equipe profissional. Além disso, há a possibilidade de o trabalhador ampliar suas habilidades e desenvolver a subjetividade no meio laboral. Dessa forma, o trabalho promove a inserção do homem na sociedade, contribuindo para o seu crescimento pessoal e profissional(1212 Landis TT, Severtsen BM, Shaw MR, Holliday CE. Professional identity and hospital‐based registered nurses: a phenomenological study. Nurs Forum. 2020; 55(3):389-394. https://doi.org/10.1111/nuf.12440
https://doi.org/10.1111/nuf.12440...
), como apontado nesta pesquisa, na árvore de similitude, na ramificação periférica do vocábulo “gente” (Figura 1).

Categoria 1: O cotidiano do trabalho dos enfermeiros no âmbito hospitalar

O cotidiano do trabalho corresponde às ações relacionadas ao meio laboral em determinado local, tendo um período para acontecer(1313 Moreira DA, Tibães HBB, Brito MJM. Pleasure-suffering duality in stricto sensu graduate programs in nursing: between bridges and walls. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):20180533. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0533
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-05...
). Na enfermagem, é no cotidiano que o enfermeiro se insere no meio social pelo trabalho, isso resulta do relacionamento deste com o outro, seja ele paciente, família, profissionais da equipe de enfermagem ou da equipe interdisciplinar da saúde. Isso contribui para seu aprendizado e crescimento profissional, bem como para o aprimoramento de suas subjetividades. Estas são fundamentais para a formação da identidade do profissional, a qual é construída por meio da individualidade do ser, do eu, e da relação estabelecida entre ele e o outro, entre ele e o mundo enquanto enfermeiro e ser humano(1313 Moreira DA, Tibães HBB, Brito MJM. Pleasure-suffering duality in stricto sensu graduate programs in nursing: between bridges and walls. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):20180533. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0533
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-05...
).

No presente estudo, verificou-se que algumas atividades de enfermagem estavam presas a rotinas, pois seguiam normas preestabelecidas pela instituição. O enfermeiro assistencial, ao assumir o plantão, deveria participar da reunião de passagem do plantão, fazer a leitura do livro de ocorrências, conferência do carro de urgência, visita aos pacientes e prestar assistência, executando procedimentos privativos do enfermeiro, entre outras funções. Os resultados da presente pesquisa coadunam com o de outro estudo(1414 Clarke J, Baume K. Embedding spiritual care into everyday nursing practice. 2019. https://doi.org/10.7748/ns.2019.e11354
https://doi.org/10.7748/ns.2019.e11354...
), em que os enfermeiros assistencialistas possuíam uma rotina de trabalho baseada em atividades práticas como as citadas.

As atividades referidas pelos enfermeiros em cargos gerenciais se pautavam nas funções administrativas, sendo evidenciadas por meio dos vocábulos avaliação, notificação, organização, criação de protocolo, solicitação de materiais, equipamentos e por todo o gerenciamento da unidade.

O processo de trabalho de enfermagem se baseia nas esferas assistencial e gerencial e está diretamente relacionado à prática da enfermagem mediante o ensino e a pesquisa. O enfermeiro necessita apresentar o conhecimento sobre gestão para que possa realizar suas atividades, como: administrar a assistência em todas as áreas de prestação de serviços desenvolvidos nas instituições de saúde; planejar; organizar; direcionar; requerer os resultados; e, por fim, avaliar o processo de trabalho que envolva a assistência ao paciente, tendo sempre como objetivo a qualidade e a satisfação dos serviços prestados(1515 Treviso P, Peres SC, Silva AD. Competências do enfermeiro na gestão do cuidado. Rev Adm Saúde. 2017;17(69):59. https://doi.org/10.23973/ras.69.59
https://doi.org/10.23973/ras.69.59...
).

A esfera gerencial permite organizar o processo de trabalho da enfermagem, tornando-o mais qualificado e produtivo. Quando se tem uma prática gerencial sustentada cientificamente, como resultado têm-se também profissionais mais seguros ao desempenhar suas atividades, contribuindo assim de forma positiva para o produto final, que é o cuidado, e para a satisfação profissional(1515 Treviso P, Peres SC, Silva AD. Competências do enfermeiro na gestão do cuidado. Rev Adm Saúde. 2017;17(69):59. https://doi.org/10.23973/ras.69.59
https://doi.org/10.23973/ras.69.59...
).

Percebeu-se um distanciamento entre as ações de assistência e de gerência desenvolvidas pela maioria dos enfermeiros, o qual está presente também em boa parte dos serviços de enfermagem do país(1616 Lamb FA, Beck CLC, Coelho APF, Vasconcelos RO. Trabalho de enfermagem em pronto socorro pediátrico: entre o prazer e o sofrimento. Cogitare Enferm. 2019;24:e59396 https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.59396
https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.59396...
). O gerenciamento do cuidado de enfermagem teoricamente está ligado a uma relação entre o cuidar e o gerenciar, os quais se aproximam e se complementam.

No hospital-cenário do estudo, há cargos de enfermeiros gerentes e assistenciais, indicandoa existência de uma possível dicotomia entre o assistir e o gerenciar, em razão dos cargos. Pode ser que a gerência do cuidado fique comprometida, uma vez que, para realizá-la, as ações de cuidado direto (assistir) e de cuidado indireto (que seria gerenciar) devem ser realizadas de forma integrada e articulada para um cuidado sistematizado e de qualidade aos cidadãos que buscam os serviços de enfermagem(1616 Lamb FA, Beck CLC, Coelho APF, Vasconcelos RO. Trabalho de enfermagem em pronto socorro pediátrico: entre o prazer e o sofrimento. Cogitare Enferm. 2019;24:e59396 https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.59396
https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.59396...
).A fala do enfermeiro gerencial E13 expressa o distanciamento do gerenciamento do cuidado pelo enfermeiro, quando relatou sentir falta das atividades desenvolvidas com o paciente. Porém, ao gerenciar a unidade por meio do provimento de recursos materiais, gestão de pessoas e elaboração de protocolos para nortear as ações, contribui para o desenvolvimento de uma assistência de qualidade.

Pode-se identificar que as dimensões do sentido do trabalho(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
) existentes nessa categoria foram a individual, fortemente presente no cotidiano dos profissionais, influenciando a construção da identidade profissional e organizacional do processo de trabalho, que compreende ações com vista a viabilizar condições materiais e de pessoal para que a assistência se realize efetivamente com qualidade. Dessa forma, verificou-se nas falas dos enfermeiros participantes do estudo a preocupação de organizar e controlar o processo de trabalho ou administrar a assistência de enfermagem no ambiente hospitalar. Isso ratifica o comprometimento organizacional do enfermeiro, sendo este uma das variáveis da dimensão organizacional.

Categoria 2: A motivação no trabalho como fator influenciador no sentido do trabalho

A motivação é um sentimento individual, podendo ser interno ou externo à pessoa, de forma consciente ou inconsciente. Segundo a teoria das necessidades humanas(1717 Fleming K, Mazzatta GR, Matarese K, Eberle J. Compassion fatigue and the ART model. Nursing. 2020;50(3):58-61. https://doi.org/10.1097/01.nurse.0000654168.38494.dd
https://doi.org/10.1097/01.nurse.0000654...
), a motivação do indivíduo está associada à satisfação de uma necessidade elevada na escala proposta por ele. À medida que as necessidades do nível mais baixo, que são as fisiológicas, são atendidas, o homem se motiva a alcançar as do nível mais elevado (autorrealização). Esta última pode ser adquirida por meio de saúde, conforto, bem-estar, realização profissional, reconhecimento pelo trabalho, progresso, entre outros aspectos(1717 Fleming K, Mazzatta GR, Matarese K, Eberle J. Compassion fatigue and the ART model. Nursing. 2020;50(3):58-61. https://doi.org/10.1097/01.nurse.0000654168.38494.dd
https://doi.org/10.1097/01.nurse.0000654...
).

O sentido do trabalho está interligado com a motivação, comprometimento, reconhecimento e satisfação do trabalhador com o seu trabalho(1818 Backes DS. Significados da prática social do enfermeiro. Enfermagem Brasil. 2020;10(4):218-24. https://doi.org/10.33233/eb.v10i4.3866
https://doi.org/10.33233/eb.v10i4.3866...
). Esses fatores foram identificados nas falas dos participantes, ao referirem desenvolver seu trabalho com satisfação e prazer e gostar do que fazem, ter um relacionamento satisfatório com a equipe de enfermagem e interdisciplinar. Além disso, relataram a oportunidade de crescer profissionalmente, formando sua identidade profissional, e de ter reconhecimento, que é um fator componente da dimensão individual do sentido do trabalho(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
).

Na análise textual do software IRAMuTeQ, percebeu-se que o significado atribuído ao trabalho pelos enfermeiros trazia a motivação como um dos principais sentimentos para se desenvolver o trabalho com sentido. Os enfermeiros citaram a recuperação dos pacientes como um fator que os motivava a exercer seu trabalho, mesmo diante de situações cotidianas que interferiam negativamente no processo de trabalho, como falta de material ou equipamentos necessários ao tratamento.

O reconhecimento é uma ação que transita entre o sofrimento e o prazer no/pelo trabalho, uma vez que a assistência hospitalar segue o modelo biomédico, o que geralmente acaba interferindo na forma de o usuário reconhecer e valorizar o trabalho dos enfermeiros(1919 Pimenta CJL, Bezerra TA, Martins KP. Pleasure and suffering among hospital nurses. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):20180820. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0820
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-08...
).

O reconhecimento e a valorização de seu trabalho são de grande importância para o trabalhador e são fatores motivadores, contribuem para sua saúde mental e favorecem a organização do trabalho, gerando benefícios tanto para o trabalhador quanto para a instituição. Ainda, concorrem para o fortalecimento da identidade profissional e pessoal do trabalhador, de modo que ele passa a realizar com maior prazer e satisfação as atividades desenvolvidas e a elevar a qualidade do processo detrabalho(1919 Pimenta CJL, Bezerra TA, Martins KP. Pleasure and suffering among hospital nurses. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):20180820. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0820
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-08...
).

Esses sentimentos gerados pelo trabalho encontram-se na dimensão individual do sentido do trabalho(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
), visto que a motivação e o prazer são sentimentos-base para se alcançar satisfação no trabalho, formação de identidade e crescimento profissional do trabalhador e para, assim, encontrar o real sentido do trabalho.

A dimensão organizacional do sentido do trabalho(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
) foi identificada no momento que os participantes afirmaram ter tanto o reconhecimento de seus colegas e pacientes quanto à organização do processo de trabalho, a partir do que se sentem satisfeitos e motivados para desenvolver suasatividades.

Encontra-se também a dimensão social exemplificada na fala do participante E30. Váriosenfermeiros sentiam-se motivados ao ver que os objetivos do seu trabalho eram atendidos, como a recuperação do paciente para sua reinserção na sociedade.

Em suma, o trabalho do enfermeiro é reconhecido por meio das seguintes competências: ahabilidade técnico-cientifica e habilidade de compreender o ser humano como um todo; aintegridade do cuidado à saúde; a habilidade de acolher e reconhecer as necessidades e expectativas dos indivíduos e famílias(2020 Zoboli ELCP, Schveitzer MC. Valores da enfermagem como prática social: uma metassíntese qualitativa. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(3):08 telas. https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000300007
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201300...
).

A enfermagem é considerada uma pratica social por ser um trabalho indispensável e relevante para para a sociedade, já que suas atividades contribuem diretamente na prestação de serviços de saúde, através do cuidado de enfermagem aos que necessitam.

Categoria 3: As duas faces do sentido do trabalho: prazer e sofrimento

O trabalho, para ser desenvolvido com sentido, precisa ser eficiente e útil, proporcionar prazer e autonomia, além de satisfação ao realizá-lo. Quando o trabalhador vivencia isso, ocorre uma ampliação de sua interação interprofissional e também a afirmação de sua identidade pessoal e profissional, alcançando assim a realização na vida e no trabalho(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
).

Se o enfermeiro se relaciona com sua equipe de forma satisfatória, o seu trabalho se torna útil, gerando melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Ao levar em conta o resultado final do relacionamento e da utilidade, o trabalhador se sente inserido na sociedade, sendo capaz de realizar suas atividades com excelência(1919 Pimenta CJL, Bezerra TA, Martins KP. Pleasure and suffering among hospital nurses. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):20180820. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0820
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-08...
).

Os enfermeiros atribuíram um sentido de utilidade ao trabalho, por poderem fazer o melhor pelo paciente de modo a alcançar o bem-estar deste. Para que o enfermeiro desenvolva seu trabalho com excelência, precisa sentir-se útil, ou seja, ter o retorno de suas ações. No caso da enfermagem, trata-se da melhoria da qualidade de vida dos pacientes decorrente do cuidado prestado, a fim de curálos e reabilitá-los(77 Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590200100...
).

O estudo sinalizou a importância do trabalho na vida do trabalhador. O trabalho tem se tornado, nos últimos tempos, uma atividade carregada de sentidos e significados, uma vez que é, pormeio dele, que o homem constrói sua vida, adquire seus bens, encontra realização profissional e, consequentemente, pessoal, tornando-se satisfeito e realizado naquilo que faz(99 Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.).

Outro participante também relacionou o sentido do trabalho com ter prazer em desenvolver suas atividades, ser gratificante e ter o reconhecimento dos pacientes (dimensão individual). Essesentimento gera no trabalhador uma sensação de utilidade (dimensão organizacional), pois ele percebe o processo de trabalho do início ao fim e reconhece estar contribuindo com/para a sociedade (dimensão social). Quando somados, esses sentimentos advindos da relação do profissional com o trabalho geram uma realização profissional e pessoal, atingindo assim o sentido do seu trabalho.

Vale ressaltar que o trabalho consiste em uma fonte geradora de sentimentos positivos quando sua finalidade é entendida e as necessidades humanas do trabalhador são atendidas. Entretanto, durante a atuação, o enfermeiro e sua equipe se deparam com dificuldades no seu processo de trabalho seja por fragmentação, seja por falta de recursos humanos, financeiros e materiais.

Na enfermagem, nos últimos anos, os índices de depressão entre os profissionais vêm aumentando gradativamente. Isso se deve aos ambientes não propícios para o desenvolvimento das atividades de enfermagem, com sobrecarga de serviços, falta de recursos humanos e materiais, convívio com a dor alheia e frustrações, falta de autonomia e liberdade para exercer a profissão, conflitos interpessoais e profissionais, além das cobranças dos gestores. Esses fatores maximizam os riscos de depressão, aumentam o transtorno mental desses profissionais e podem causar suicídio(2121 Carvalho AA. Qualidade de vida no ambiente hospitalar dos profissionais de enfermagem. Amazônia: Sci Health. 2020; 8(1):37-54. https://doi.org/10.18606/2318-1419/amazonia.sci.health.v8n1p37-54
https://doi.org/10.18606/2318-1419/amazo...
).

Percebeu-se que o sofrimento dos enfermeiros originado do trabalho verificado nesta pesquisa foi resultante muitas vezes do sofrimento vivenciado pelos pacientes e familiares. Investigaçãosinaliza que a enfermagem participa de forma direta do processo de tratamento do paciente e, por conseguinte, encontra-se presente muitas vezes no processo de terminalidade dessa pessoa(2222 Pimentel NJS, Silva RRC, Oliveira YHA, Silva AGI. A satisfação dos trabalhadores de enfermagem como indicador de gestão. REAS. 2020;(55):e3258A. https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020
https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020...
). Destarte, cabe à equipe de enfermagem prestar conforto, alívio e paz a esses pacientes. Como consequência, muitos enfermeiros, ao lidarem com a dor alheia, com o medo, angústia e revolta de pacientes e familiares, acabam manifestando as mesmas reações, mostrando não estarem preparados para lidar com as fragilidades humanas em relação à vida e à morte, o que lhes gera sofrimento e angústia.

O ambiente de trabalho é um local que promove as relações interpessoais, a saber: entreprofissionais e profissionais; profissionais e paciente; profissionais e familiares(2222 Pimentel NJS, Silva RRC, Oliveira YHA, Silva AGI. A satisfação dos trabalhadores de enfermagem como indicador de gestão. REAS. 2020;(55):e3258A. https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020
https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020...
). Quandoessas relações são desenvolvidas de forma positiva, construtiva e colaborativa, obtém-se a coesão do grupo e um equilíbrio do clima organizacional, promovendo aos profissionais prazer e satisfação. Por outro lado, se essas relações são realizadas de maneira desrespeitosa, com geração de conflitos internos no grupo, o trabalhador torna-se desmotivado, insatisfeito; e, consequentemente, um quadro de sofrimento no trabalho pode se desenvolver(2222 Pimentel NJS, Silva RRC, Oliveira YHA, Silva AGI. A satisfação dos trabalhadores de enfermagem como indicador de gestão. REAS. 2020;(55):e3258A. https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020
https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020...
).

Mesmo diante das fontes geradoras de sofrimento, os enfermeiros encontram prazer em realizar suas atividades, associando o sucesso alcançado à terapia dos pacientes e, por sua vez, àmelhoria de seu quadro clínico e ao reconhecimento por parte dessas pessoas, gerando realização profissional e melhoria da assistência prestada(2323 Pimenta CJL, Viana LRC, Bezerra TA, Silva CRR, Costa TF, Costa KNFM. Prazer, sofrimento e comunicação interpessoal no trabalho de enfermeiros no ambiente hospitalar. Texto Contexto Enferm. 2020;29:20190039. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0039
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
).

Limitação do estudo

O presente estudo não busca o esgotamento de discussão em torno do tema. Visto que a área da saúde promove a interação social através do cotidiano do trabalhador, consequentemente esta relação produz situações positivas ou negativas. Sendo assim, recomenda-se novos estudos no cenário da pesquisa, que abranja os demais profissionais, a fim de verificarem se o sentido atribuído ao trabalho pelos enfermeiros nesta pesquisa está presente nos demais profissionais. Recomenda-se à instituição promover ações que possam contribuir com o sentido positivo do trabalho.

Contribuições para Enfermagem, Saúde ou Política Pública

As contribuições para a Enfermagem e área da saúde são o conhecimento acerca do sentido do trabalho para os enfermeiros, bem como o reconhecimento de fatores intervenientes que permeiam os sentimentos e emoções vivenciados no âmbito laboral. O estudo permitiu perceber que o trabalho desenvolvido pelo enfermeiro contribui: para a formação de suas subjetividades, inserção social, autorrealização, de modo a alcançar as metas e os propósitos de vida e, assim, contribuindo para a formação da identidade como profissional e pessoal; e para a melhoria do serviço de enfermagem, promovendo a qualidade da assistência prestada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou compreender o trabalho do enfermeiro no contexto hospitalar enquanto prática social, historicamente determinada, que desenvolve essa prática em resposta às necessidades da pessoa e da sociedade. Portanto, ao dar voz aos enfermeiros que vivenciam o cotidiano do trabalho, foi possível compreender que estes conferiam sentidos ao trabalho diversificados decorrentes das emoções sentidas e fatores presentes no trabalho que influenciavam no desenvolvimento do mesmo. Porém, o sentido do trabalho mais relatado foi o prazer e a satisfação profissional e —menos presente, mas relevante — osofrimento. Esses sentimentos são importantes de serem refletidos e considerados, pois interferem no cotidiano do trabalho, podendo comprometer de forma positiva ou negativa as formas de sentir, pensar, inventar, criar e recriar o seu fazer cotidiano.

Observou-se a presença das dimensões do sentido do trabalho: a individual, cujos fatores identificados contribuíam para a formação da identidade profissional, evidenciando que as atividades eram realizadas com prazer e satisfação, permitindo o crescimento pessoal e profissional; aorganizacional, a relação interprofissional e interpessoal despontou como aspecto que potencializava a realização do trabalho e deste em equipe, sendo o vínculo entre o enfermeiro-paciente apontado como gerador de prazer e estímulo; a dimensão social, na qual se viu que o profissional se sentia útil quando identificava sua colaboração, por meio do seu trabalho, para a recuperação e retorno da pessoa cuidada à sociedade. Verificou-se também que o “ajudar o próximo” era percebido pelos profissionais como um ato de cidadania, demonstrando o compromisso social deles com o direito à saúde.

Desse modo, considera-se relevante que a gestão da instituição e gestão de enfermagem se apropriem desses resultados e somem esforços para os desenvolvimentos de ações que possam contribuir com medidas promocionais para um ambiente saudável no trabalho, tornando o fazer dos enfermeiros uma ação significativa na vida social, laboral e individual destes profissionais, o que repercutirá na qualidade dos serviços prestados na instituição pesquisada.

  • MATERIAL SUPLEMENTAR
    O presente artigo é resultado da pesquisa de dissertação de mestrado intitulada “Sentido do trabalho para enfermeiros do âmbito hospitalar”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora no dia 25de junho de 2019.
    Franco MF, Farah BF, Amestoy SC, Thofehrn MB, Porto AR. Sentido do trabalho para enfermeiros do âmbito hospitalar. Juiz de Fora, Minas Gerais. Dissertação [Mestrado em enfermagem] - Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2019. Acesso: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/10913

REFERENCES

  • 1
    Neves DR, Nascimento RP, Felix MS, Silva FA., Andrade ROB. Sentido e significado do trabalho: uma análise dos artigos publicados em periódicos associados à Scientific Periodicals Electronic Library. Cad EBAPE.BR. 2018;16(2):318-30. https://doi.org/10.1590/1679-395159388
    » https://doi.org/10.1590/1679-395159388
  • 2
    Albornoz S. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense; 2017.
  • 3
    Loriol M. [The meaning of nursing work, a fragile collective construction]. Rev Infirm. 2018; 67(238):18-19. http://doi.org/10.1016/j.revinf.2017.11.022 French
    » http://doi.org/10.1016/j.revinf.2017.11.022
  • 4
    Bonfada MS, Moura LN, Soares SGA, Pinno C, Camponogara S. Autonomia do enfermeiro no ambiente hospitalar. Enferm Bras. 2018;17(5):527-34. https://doi.org/10.33233/eb.v17i5.1503
    » https://doi.org/10.33233/eb.v17i5.1503
  • 5
    Azevedo BDS, Nery AA, Cardoso J P. Estresse ocupacional e insatisfação com a qualidade de vida no trabalho da enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1),1-11. https://doi.org/10.1590/0104-07072017003940015
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072017003940015
  • 6
    Choi S, Kim M. Effects of structural empowerment and professional governance on autonomy and job satisfaction of the Korean nurses. J Nurs Manag. 2019; 27(8):1664-72. http://doi.org/10.1111/jonm.12855
    » http://doi.org/10.1111/jonm.12855
  • 7
    Morin EM. Os sentidos do trabalho. Rev Adm Empresas. 2007;4(3):8-19. https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
    » https://doi.org/10.1590/S0034-75902001000300002
  • 8
    Gómez-Salgado J, Navarro-Abal Y, López-López MJ, Romero-Martín M, Climent-Rodríguez JA. Engagement, passion and meaning of work as modulating variables in nursing: a theoretical analysis. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(1):108. http://doi.org/10.3390/ijerph16010108
    » http://doi.org/10.3390/ijerph16010108
  • 9
    Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
  • 10
    Camargo BV, Justo AM. Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-18. https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
    » https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
  • 11
    Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.
  • 12
    Landis TT, Severtsen BM, Shaw MR, Holliday CE. Professional identity and hospital‐based registered nurses: a phenomenological study. Nurs Forum. 2020; 55(3):389-394. https://doi.org/10.1111/nuf.12440
    » https://doi.org/10.1111/nuf.12440
  • 13
    Moreira DA, Tibães HBB, Brito MJM. Pleasure-suffering duality in stricto sensu graduate programs in nursing: between bridges and walls. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):20180533. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0533
    » http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0533
  • 14
    Clarke J, Baume K. Embedding spiritual care into everyday nursing practice. 2019. https://doi.org/10.7748/ns.2019.e11354
    » https://doi.org/10.7748/ns.2019.e11354
  • 15
    Treviso P, Peres SC, Silva AD. Competências do enfermeiro na gestão do cuidado. Rev Adm Saúde. 2017;17(69):59. https://doi.org/10.23973/ras.69.59
    » https://doi.org/10.23973/ras.69.59
  • 16
    Lamb FA, Beck CLC, Coelho APF, Vasconcelos RO. Trabalho de enfermagem em pronto socorro pediátrico: entre o prazer e o sofrimento. Cogitare Enferm. 2019;24:e59396 https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.59396
    » https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.59396
  • 17
    Fleming K, Mazzatta GR, Matarese K, Eberle J. Compassion fatigue and the ART model. Nursing. 2020;50(3):58-61. https://doi.org/10.1097/01.nurse.0000654168.38494.dd
    » https://doi.org/10.1097/01.nurse.0000654168.38494.dd
  • 18
    Backes DS. Significados da prática social do enfermeiro. Enfermagem Brasil. 2020;10(4):218-24. https://doi.org/10.33233/eb.v10i4.3866
    » https://doi.org/10.33233/eb.v10i4.3866
  • 19
    Pimenta CJL, Bezerra TA, Martins KP. Pleasure and suffering among hospital nurses. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):20180820. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0820
    » http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0820
  • 20
    Zoboli ELCP, Schveitzer MC. Valores da enfermagem como prática social: uma metassíntese qualitativa. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(3):08 telas. https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000300007
    » https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000300007
  • 21
    Carvalho AA. Qualidade de vida no ambiente hospitalar dos profissionais de enfermagem. Amazônia: Sci Health. 2020; 8(1):37-54. https://doi.org/10.18606/2318-1419/amazonia.sci.health.v8n1p37-54
    » https://doi.org/10.18606/2318-1419/amazonia.sci.health.v8n1p37-54
  • 22
    Pimentel NJS, Silva RRC, Oliveira YHA, Silva AGI. A satisfação dos trabalhadores de enfermagem como indicador de gestão. REAS. 2020;(55):e3258A. https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020
    » https://doi.org/10.25248/reas.e3258.2020
  • 23
    Pimenta CJL, Viana LRC, Bezerra TA, Silva CRR, Costa TF, Costa KNFM. Prazer, sofrimento e comunicação interpessoal no trabalho de enfermeiros no ambiente hospitalar. Texto Contexto Enferm. 2020;29:20190039. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0039
    » https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0039

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2021
  • Aceito
    22 Abr 2021
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br