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Sistema de monitoramento de têxteis cirúrgicos em serviços de saúde

RESUMO

Objetivos:

relatar a implementação de um sistema de monitoramento de campos operatórios, aventais cirúrgicos e campos utilizados como sistema de barreira estéril de produtos para a saúde confeccionados de tecidos de algodão.

Métodos:

relato de inovação tecnológica de um sistema de monitoramento do uso e processamento de têxteis cirúrgicos em um hospital de médio porte.

Resultados:

etapas percorridas: planejamento, confecção, troca dos têxteis cirúrgicos, monitoramento e acompanhamento por 12 meses. As novas peças foram serigrafadas com um quadro para o controle, no qual após cada ciclo de lavagem um espaço do quadro era pintado com um marcador indelével preto.

Considerações Finais:

o sistema implantado mostrou-se prático, de baixo custo e de fácil execução pela equipe, além de favorecer a gestão do processo de trabalho, contribuindo para a qualidade e segurança do uso dos têxteis na assistência à saúde, podendo ser reproduzido em outros serviços de saúde.

Descritores:
Embalagem de Produtos; Vestimenta Cirúrgica; Têxteis; Monitoramento; Esterilização

ABSTRACT

Objectives:

to report the implementation of a monitoring system of the operative field, surgical gown, and utilized fields as sterile barrier system of products for health, manufactured from cotton fabrics.

Methods:

technological innovation report of a monitoring system of the use and processing of surgical textiles in a medium-size hospital.

Results:

steps: planning, confection, exchange of the surgical textiles, monitoring, and 12 months of supervision. The new pieces were silkscreened with a black indelible marker.

Final Considerations:

the implemented system is practical, low cost, and easily manageable for the team, it favored the work process management, contributing to the quality and security of the textile used in health care, and being able to be implemented in other health services.

Descriptors:
Packaging; Surgical Gowns; Textile; Environmental Monitoring; Sterilization

RESUMEN

Objetivos:

informar sobre la aplicación de un sistema de monitoreo de campos operatorios, delantales y campos quirúrgicos utilizados como sistema de barrera estéril para productos sanitarios fabricados con tejidos de algodón

Métodos:

se trata de un informe de innovación tecnológica de un sistema de monitoreo de uso y procesamiento de tejidos quirúrgicos de un hospital de porte medio.

Resultados:

etapas realizadas: planificación, confección, cambio de los tejidos quirúrgicos, control y seguimiento durante 12 meses. Las nuevas prendas fueron serigrafiadas con un marco de control, en el que después de cada ciclo de lavado se pintaba, con un rotulador negro indeleble, un espacio del marco.

Consideraciones Finales:

el sistema implantado demostró ser práctico, de bajo costo y de fácil ejecución, además de facilitar la gestión del proceso de trabajo y contribuir con la calidad y la seguridad del uso de textiles en el cuidado de la salud, con la posibilidad de reproducirse en otros servicios sanitarios.

Descriptores:
Embalaje de Productos; Vestimenta Quirúrgica; Textiles; Monitoreo; Esterilización

INTRODUÇÃO

Os têxteis são utilizados em Serviços de Saúde (SS) desde o final do século XIX. A sua aplicação na confecção de aventais cirúrgicos, campos operatórios e campos como Sistema de Barreira Estéril (SBE) para Produtos Para Saúde (PPS) deu-se no ano de 1883(11 Autorino CM, Battenberg A, Blom A, Catani F, ElGanzoury I, Farrell A, et al. General Assembly, Prevention, Operating Room - Surgical Attire: Proceedings of International Consensus on Orthopedic Infections. J Arthroplasty. 2019;34(2S):S117-S125. https://doi.org/10.1016/j.arth.2018.09.0612
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).

No Brasil, o têxtil indicado para esses fins é o tecido 100% algodão, sendo que o seu uso deve estar conforme as recomendações da norma NBR 14.028(22 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 14.028. Roupa hospitalar: confecção de campo duplo. Rio de Janeiro (Brasil): ABNT; 1997. 05 p.). Sua principal função, ao ser utilizado como campos operatórios e aventais cirúrgicos, é atuar como uma barreira e impedir ou minimizar o carreamento da carga microbiana para o sítio cirúrgico, evitando agravos infecciosos. Também atua na proteção dos profissionais frente à exposição biológica(33 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 16064. Produtos têxteis para saúde - Campos cirúrgicos, aventais e roupas para sala limpa, utilizados por pacientes e profissionais de saúde e para equipamento: requisitos e métodos de ensaio. Rio de Janeiro: ABNT; 2016. 06 p.). Quando da aplicação como SBE, objetiva acondicionar, além de permitir a esterilização e a manutenção da esterilidade PPS até seu uso, protegendo-os de possíveis contaminações(44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Nº 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para reprocessamento de produtos para a saúde e dá outras providências. 2012.-55 Sociedade Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material de Esterilização. Práticas Recomendadas. 7 ed. São Paul: SOBECC; 2017.). Entretanto, tais propriedades devem ser acompanhadas e monitoradas.

Na atualidade, já se dispõe de tecido não tecido e outras tecnologias para uso como vestimenta, campos cirúrgicos e SBE. Estes têm sido gradativamente incorporados às rotinas do processamento de PPS e assistência em saúde. Porém, os têxteis ainda são amplamente utilizados na prática clínica.

A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 15(44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Nº 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para reprocessamento de produtos para a saúde e dá outras providências. 2012.) estabelece que todo Centro de Material e esterilização (CME), quando do uso de têxteis, deve estabelecer um plano de aquisição, rastreabilidade e substituição periódica, avaliando os sucessivos processamentos (lavagens e esterilizações), por meio de um sistema de monitoramento da sua vida útil. Enfatiza que o tecido de algodão não pode ser utilizado se apresentar microfuros, cerzidos e remendos, pois estes comprometem a sua capacidade como barreira microbiana.

Esse monitoramento constitui-se uma estratégia de acompanhamento do desgaste natural dos têxteis e a retirada daqueles em condições desfavoráveis, visto que há quebra na barreira de proteção e consequente risco à segurança do paciente(33 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 16064. Produtos têxteis para saúde - Campos cirúrgicos, aventais e roupas para sala limpa, utilizados por pacientes e profissionais de saúde e para equipamento: requisitos e métodos de ensaio. Rio de Janeiro: ABNT; 2016. 06 p.). Porém, o processo de implementação desse sistema é complexo, pois ainda não está claramente instruído nas normas brasileiras, além de requerer a articulação e o envolvimento de vários setores e atores. Soma-se ainda a falta de consenso da literatura em relação ao número máximo de lavagens/processamentos que garantem a propriedade da barreira microbiológica dos têxteis(66 Rodrigues E, Levin AS, Sinto SI, Mendes CF, Barbosa B, Graziano KU. Evaluation of the use and re-use of cotton fabrics as medical and hospital wraps. Braz J Microbiol. 2006;37:113-6. https://doi.org/10.1590/S1517-83822006000200003
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).

Ressalta-se que a maior parte dos SS não realiza esse monitoramento sistemático e limita-se à inspeção visual no momento do preparo dos PPS, sendo o tecido utilizado de forma indiscriminada e desprezado quando apresenta abrasões, rasgos e furos(77 Freitas LR, Tipple AFV, Felipe DP, Rodrigues NSR, Melo DS. Embalagem de tecido de algodão. Rev Eletr Enferm. 2012;14:811-20. https://doi.org/10.5216/ree.v14i4.16612
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). Freitas et al.(77 Freitas LR, Tipple AFV, Felipe DP, Rodrigues NSR, Melo DS. Embalagem de tecido de algodão. Rev Eletr Enferm. 2012;14:811-20. https://doi.org/10.5216/ree.v14i4.16612
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), ao investigarem o uso do tecido de algodão como SBE, concluíram que a maioria dos hospitais de grande e médio portes da cidade de Goiânia-GO (14/16, 87,5%) não realizava o monitoramento sistemático dos campos de tecido. Apenas um hospital declarou substituição empírica de todo o enxoval a cada seis meses.

Frente à limitada produção científica sobre o monitoramento de têxteis, este relato poderá contribuir na instrumentalização de responsáveis técnicos de CME para implementação de um sistema de controle de têxteis utilizados em SS, em procedimentos assépticos, qualificando assim o cuidado prestado.

OBJETIVOS

Relatar a implementação de um sistema de monitoramento de campos operatórios, aventais cirúrgicos e campos utilizados como sistema de barreira estéril de produtos para a saúde confeccionados de tecidos de algodão.

MÉTODOS

Trata-se de um relato de inovação tecnológica de um sistema de monitoramento de têxteis em um SS de médio porte, filantrópico, no sudoeste goiano, realizada no período de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019.

O Centro Cirúrgico (CC) do SS possuía três salas operatórias, uma sala de recuperação pós-anestésica, cujo CME é do tipo II(44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Nº 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para reprocessamento de produtos para a saúde e dá outras providências. 2012.). Realizava em média 170 cirurgias/mês, com a equipe de enfermagem composta por 10 colaboradores, distribuídos entre as unidades de CC e CME, sob a supervisão de um enfermeiro. Possuía lavanderia própria, com três áreas distintas: 1- recepção e pesagem; 2- separação e lavagem; e 3- secagem, passagem e dobradura. Durante o ciclo de processamento dos têxteis, o controle dos produtos químicos era realizado por meio de painel dosador.

A implementação do sistema de monitoramento iniciou-se a partir de uma etapa do estudo de Bouwman(88 Bouwman BE. Propriedades de aventais, campos cirúrgicos e sistema de barreira estéril confeccionados em tecido 100% algodão utilizados na prática clínica monitorados por 15 meses [Tese]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás; 2020.), frente à necessidade de monitorar e analisar as alterações das propriedades físicas e de barreira microbiológica de aventais cirúrgicos e dos campos operatórios, destinados para SBE de PPS, confeccionados de tecido de algodão em uso na prática clínica. Após a aquiescência do SS e do responsável técnico das unidades de CC e do CME, o estudo foi submetido à aprovação no Comitê de Ética.

Para a execução, as etapas percorridas foram as seguintes: planejamento; confecção dos aventais cirúrgicos, campos operatórios e de SBE; troca dos têxteis; monitoramento; e acompanhamento. Houve o envolvimento de toda a equipe de enfermagem do CC, CME e dos profissionais da lavanderia na construção e implementação do sistema de rastreabilidade. Todas as etapas foram acompanhadas pelos pesquisadores, com a colaboração dois auxiliares de pesquisa, bem como orientações, esclarecimentos e realização de treinamentos com a equipe, quando necessário.

RESULTADOS

Planejamento

A implementação do sistema iniciou-se a com a realização de reuniões com a diretoria do hospital, a coordenação e a equipe de enfermagem do CC e CME, com a finalidade de apresentar a importância da implementação de um sistema de monitoramento do uso e processamento de campos operatórios, aventais cirúrgicos e campos destinados para embalagem de produtos para saúde, embasada em evidências científicas e de acordo com a experiência da equipe. Nessas oportunidades, foram definidos o tamanho e tipo das peças de têxteis a serem confeccionadas, a localização do quadro que seria serigrafado para o registro dos processos de uso/lavagens e da logomarca do SS, o momento e setor onde a marcação seria realizada, bem como o uso de caneta esferográfica indelével para esse fim.

Confecção dos aventais cirúrgicos, campos operatórios e de Sistema de Barreira Estéril

O tecido escolhido para a confecção seguiu a norma NBR 14.027 (para campos simples), que determina que o tecido deve ser 100% algodão, padrão sarja 2/1, com 210 g/m2 de textura aproximada e com 40 a 56 fios por cm2 de tecido(22 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 14.028. Roupa hospitalar: confecção de campo duplo. Rio de Janeiro (Brasil): ABNT; 1997. 05 p.). Para a aquisição e confecção, foram realizados quatro orçamentos com empresas da região, sendo escolhida a que ofereceu mais vantagens em relação ao preço, à qualidade e às recomendações. O tecido selecionado foi da marca Santista®, classificada por Solasol, na cor azul royal (518/193952TC D), 100% algodão, peso de 260g/m2, textura de aproximadamente 39,63 fios por cm2 e ligamento sarja 3/1(22 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 14.028. Roupa hospitalar: confecção de campo duplo. Rio de Janeiro (Brasil): ABNT; 1997. 05 p.). Embora a referida norma indique ligamento 2/1, optou-se pela apresentação 3/1 para o alcance do peso recomendado.

O cálculo para definição da quantidade de aventais e campos foi baseado em informações de especialistas da área, tendo como base a média diária de cirurgias realizadas no hospital referente aos seis meses anteriores, que foi de 6,5 cirurgias/dia. Esse número foi multiplicado por quatro, considerando o seguinte percurso após o uso dos têxteis cirúrgicos: 1° dia - lavanderia; 2° e 3° - retorno ao CME (preparo, dobradura, esterilização e guarda); e 4°- novo uso.

Foram confeccionados campos com uma única camada de tecido de três tamanhos: 156 campos cirúrgicos, sendo 104 com medida de 1,50 m x 1,70 m, 52 com 1,50 m x 1,20 m e 104 campos utilizados para SBE tendo 1,50 m x 1,20 m. Além disso, foi considerada a retirada de amostras em tempos pré-determinados para o estudo, proposto(88 Bouwman BE. Propriedades de aventais, campos cirúrgicos e sistema de barreira estéril confeccionados em tecido 100% algodão utilizados na prática clínica monitorados por 15 meses [Tese]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás; 2020.) um excedente de 30% para cada peça.

Foram confeccionados 36 aventais com transpasse “tipo OPA” e 42 simples, ambos com tecido duplo na parte frontal, cobrindo tórax e abdômen da altura da cintura ao decote (descanso), com manga longa e punho de malha (Figura 1), e ainda o excedente de 30%.

Figura 1
Exemplos de avental cirúrgico simples (A) e com transpasse “tipo OPA” (B) em um hospital de médio porte, Jataí, Goiás, Brasil, 2019

Após a confecção, todas as peças foram serigrafadas com a logo do SS e com o quadro para o controle das lavagens (Figura 2). A logo foi inserida na parte frontal e o quadro para controle de lavagens na parte interna da frente dos aventais, na altura da cintura e no canto inferior esquerdo dos campos.

Figura 2
Quadro para registro diário do número de lavagens de têxteis cirúrgicos em um hospital de médio porte, Jataí, Goiás, Brasil, 2019

Troca dos têxteis cirúrgicos, monitoramento e acom­panhamento

Essa etapa iniciou com a lavagem dos campos e aventais na lavanderia do próprio hospital. Conforme recomendações da SOBECC(55 Sociedade Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material de Esterilização. Práticas Recomendadas. 7 ed. São Paul: SOBECC; 2017.), as peças foram lavadas (higienização, centrifugação e secagem) para retirada do amido na unidade de processamento de roupas do próprio SS. Não foram identificados estudos primários que indicassem o número seguro de lavagens antecedendo o primeiro uso. Assim, procederam-se empiricamente três lavagens prévias.

Antecedendo a troca dos têxteis e o início do sistema de monitoramento, foi realizada uma reunião, com a equipe envolvida no processo (enfermeiro e técnicos de enfermagem do CME), a fim de reforçar os objetivos e a importância da marcação diariamente de forma sistemática de cada peça. Nessa ocasião, todos receberam um estojo contendo uma caneta esferográfica e um marcador indelével preto para tecido, para serem utilizados na marcação das peças.

Para facilitar a marcação nos locais propostos, foi realizado um treinamento com a equipe da lavanderia, padronizando a dobradura, de modo a reduzir o manuseio dos têxteis após o processo de lavagem. Considerando a escolha de confecção exclusivamente de campos simples, realizou-se a orientação das equipes cirúrgicas quanto ao uso desses campos, recomendando a colocação de dois campos sobrepostos ou utilizá-los dobrados.

Em 19/02/2019, todos os têxteis em uso no SS foram retirados de circulação e novos foram inseridos na rotina. Desde então, foram submetidos, subsequentemente, aos processos de uso, lavagem, dobradura, confecção de pacotes, embalagem e esterilização. Todos os pacotes eram identificados por meio de rótulos padronizados contendo o nome do produto, o número do lote, a data de esterilização, a data de validade (padronizada no SS por 7 dias) e a assinatura de quem confeccionou.

No SS, a esterilização era realizada por meio físico, em autoclave de vapor saturado sob pressão (Ortosíntese®, pré-vácuo com capacidade para 360 litros), a uma temperatura de 134°C, por quatro minutos. Para o controle de qualidade da esterilização, eram realizados diariamente no primeiro ciclo do turno da manhã o teste tipo Bowie & Dick (indicador químico tipo dois, que avalia o funcionamento da bomba de vácuo), e no segundo ciclo o teste desafio com Indicador Biológico de terceira geração e Integrador Químico tipo cinco.

Após a esterilização, os têxteis eram armazenados na área de guarda, de acesso restrito e separada da área limpa do CME pela autoclave de barreira, que possuía iluminação artificial e equipamento condicionador de ar, dois armários de inox com portas, sete estantes de aço inoxidável (móvel aberto, composto por prateleiras superpostas), com distância predominante entre piso e teto superiores a 20 cm e 45 cm, e uma mesa de inox. O acompanhamento do sistema de monitoramento era realizado diariamente, por uma pesquisadora e/ou dois auxiliares de pesquisa, durante o período de 12 meses, tanto na lavanderia como no CME. Nesse período, sempre que necessário, eram feitos orientações e esclarecimentos à equipe envolvida.

Na rotina da unidade, diariamente, em torno das 15:00 horas, os têxteis limpos eram encaminhados da lavanderia para o CME em um carrinho fechado, exclusivo para esse transporte. No CME, o pesquisador e/ou os auxiliares de pesquisa, juntamente com os trabalhadores responsáveis, realizavam por meio da inspeção visual a avaliação da integridade das peças quanto à presença de fiapos, rasgos, furos ou descosturas, além de avaliação quanto à presença de sujidade.

No caso de as peças apresentarem avarias, estas eram retiradas de circulação, enquanto que aquelas com sujidade eram encaminhadas novamente para a lavanderia. Em seguida, um espaço do quadro serigrafado era pintado com o marcador indelével preto para tecido, antecedendo dobradura, empacotamento e identificação.

Seguindo as orientações normativas, todas as peças que apresentaram furos ou rasgos e abrasões foram retiradas de circulação (Tabela 1), verificando-se que a maioria das avarias ocorreu após 50 lavagens, aparentemente relacionadas ao desgaste. Observaram-se poucos micros furos, que aparentemente podem ser atribuídos ao uso de pinças backaus para fixação, durante o procedimento.

Tabela 1
Distribuição do número de peças do vestuário cirúrgico que apresentaram avarias durante o período de 19/02/2018 a 18/02/2019, em um hospital geral de médio porte, na região Centro-Oeste do Brasil, Jataí, Goiás, Brasil, 2019

DISCUSSÃO

Para a confecção dos campos e aventais cirúrgicos, utilizou-se o tecido de algodão, seguindo as diretrizes estabelecidas pelas normas brasileiras, em camada única. Apesar disso, algumas instituições confeccionam os campos com tecidos duplos, cerzindo as duas camadas pela parte externa(66 Rodrigues E, Levin AS, Sinto SI, Mendes CF, Barbosa B, Graziano KU. Evaluation of the use and re-use of cotton fabrics as medical and hospital wraps. Braz J Microbiol. 2006;37:113-6. https://doi.org/10.1590/S1517-83822006000200003
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), em atendimento à World Health Organization(99 World Health Organization (WHO). Global guidelines for the prevention of surgical site infection. Geneva: WHO; 2016.), que recomenda duas camadas do campo de tecido para fornecer uma barreira eficaz.

Entretanto, os tecidos costurados duplamente podem apresentar algumas desvantagens, como dificultar a lavagem, visto que esta causa o desprendimento das fibras, que podem se acumular nas faces internas do campo. Ademais, a RDC 15(44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Nº 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para reprocessamento de produtos para a saúde e dá outras providências. 2012.) considera que as costuras no meio dos campos favorecerem a passagem de micro-organismos, diminuindo a qualidade da barreira. Por isso, todos os campos novos foram confeccionados com apenas uma camada de tecido. Para a utilização como SBE, eram utilizados dois campos, e como barreira asséptica em cirurgias eram colocados dois campos ou um dobrado sobre o paciente.

Após o início do processo de monitoramento, foram identificados alguns problemas que foram discutidos entre a equipe de pesquisadores e os profissionais do SS. Verificou-se que, após marcação, dobradura e empacotamento das peças cirúrgicas vindas da lavanderia, por vezes sobravam algumas com marcação, e estas não eram em número suficiente para fechar um pacote de campos ou aventais. Assim, para que as peças já marcadas não fossem misturadas com aquelas vindas da lavanderia no dia seguinte, foi providenciado um recipiente identificado com “peças já marcadas” e padronizado que seriam as primeiras a serem utilizadas no dia seguinte.

Observou-se que, após algumas lavagens (em torno de quatro a cinco), a qualidade da serigrafia do quadro de controle de lavagens foi perdendo a cor. Dessa forma, incluímos na rotina de avaliação das peças o realce das linhas do quadro com pincel e tinta branca para tecido. Essa experiência alertou para a necessidade de assegurar a qualidade da impressão do quadro junto à empresa de serigrafia.

Outro problema detectado foi que muitos aventais descosturaram no local de inserção dos amarrilhos (cordões para amarração), provavelmente porque durante o processo de lavagem se enrolavam em outras peças; assim, quando retiradas da máquina, eram tracionadas. Tais peças eram identificadas e encaminhadas para costura, sendo novamente encaminhadas no dia seguinte para a lavanderia. Esse era o único motivo de costura aceitável para a continuidade da peça em uso. O problema recorrente de descostura dos aventais no local de inserção dos amarrilhos presume a necessidade de proposição de um novo formato de amarração para aventais cirúrgicos.

O cuidado em relação à inspeção das peças foi redobrado, sendo retiradas de circulação todas as que apresentaram furos ou rasgos e abrasões. O uso de peças com avarias pode facilitar rasgos no tecido durante o uso, o que permite a passagem de micro-organismos, partículas e fluidos entre áreas assépticas e não estéreis, expondo pacientes e equipe à contaminação bacteriana, além de contribuir para a perda da efetividade de barreira microbiológica(44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Nº 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para reprocessamento de produtos para a saúde e dá outras providências. 2012.-55 Sociedade Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico, Recuperação Anestésica e Centro de Material de Esterilização. Práticas Recomendadas. 7 ed. São Paul: SOBECC; 2017.,1010 Association of periOperative Registered Nurses (AORN). Guidelines for Perioperative Pratice. Denver (United States of America): AORN; 2019. 919 p.).

O sistema de monitoramento dos têxteis foi bem aceito pela equipe envolvida, que demonstrou interesse em realizar todo o processo corretamente e atuou colaborativamente no período do estudo. Além disso, manifestou interesse em dar continuidade no processo de monitoramento após a conclusão do estudo. De forma semelhante, a equipe da lavanderia aderiu ao novo método da dobradura de campos e aventais para facilitar a marcação no quadro de controle de lavagens.

A quantidade de campos operatórios, SBE e aventais cirúrgicos confeccionados foi suficiente para suprir a demanda necessária, pois em nenhum dia houve falta de têxteis para uso nas cirurgias. Além disso, raramente um pacote ultrapassou a data limite de uso do SBE adotado pelo SS (sete dias), necessitando ser submetido a um novo ciclo de lavagem e processamento. Apesar do cálculo para a confecção da quantidade do vestuário ter sido baseado em 6,5 cirurgias, mesmo com o aumento da média de cirurgias diárias para 8,7 durante o período do estudo, a quantidade de peças confeccionadas supriu a demanda.

Limitações do estudo

O sistema foi implementado em um hospital de médio porte, não sendo possível, portanto, presumir potenciais dificuldades em serviços com alta demanda de têxteis. Além disso, a implementação foi diretamente dependente da articulação dos processos de trabalhos entre as unidades de CME e a lavanderia, requerendo uma gestão compartilhada dessas unidades, o que nem sempre é uma tarefa fácil.

Contribuições para a área

O sistema implantado representou uma inovação simples e exitosa na forma de monitorar têxtis utilizados em serviços de saúde, além de empreender qualidade ao trabalho do enfermeiro gestor do CME e, por conseguinte, segurança aos pacientes. Tais contribuições podem ser estendidas a outros serviços de saúde, especialmente àqueles com poucos recursos financeiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema implantado de monitoramento de têxteis cirúrgicos demonstrou-se de fácil operacionalização, baixo custo, permitindo o controle do número de usos/lavagens. Além disso, favoreceu a gestão do processo de trabalho, ao envolver a equipe em todas as etapas, contribuindo para a qualidade e segurança no uso dos têxteis na assistência à saúde, de modo a permitir o mapeamento dos subprocessos de acompanhamento da vida útil, o que se configura como um importante componente no controle de qualidade.

Apesar dos desafios para a implementação de um sistema de monitoramento, conforme recomenda a RDC 15/ 2012(44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Nº 15, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre requisitos de boas práticas para reprocessamento de produtos para a saúde e dá outras providências. 2012.), o sistema adotado, que contou com o engajamento e envolvimento de todos os setores e atores necessários para sua operacionalização, mostrou-se eficaz, podendo assim ser reproduzido em outros serviços de saúde.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa
EDITOR ASSOCIADO: Ana Cristina Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2021
  • Aceito
    09 Fev 2022
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