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Guilherme Rodrigues da Silva, ritmos e temperos baianos na epidemiologia brasileira

Guilherme Rodrigues da Silva, rithms and flavors from Bahia in the Brazilian epidemiology

CLÁSSICOS DOS PRIMEIROS DEZ ANOS

Comentário: Guilherme Rodrigues da Silva, ritmos e temperos baianos na epidemiologia brasileira

Guilherme Rodrigues da Silva, rithms and flavors from Bahia in the Brazilian epidemiology

Claudio José Struchiner

Programa de Computação Científica. Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Claudio J Struchiner Av. Brasil, 4365 21040-360 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: stru@fiocruz.br

Guilherme Rodrigues da Silva sempre esteve à frente de seu tempo. Tive a oportunidade de ser seu aluno nos anos 70 em um curso sobre causalidade oferecido na Escola Nacional de Saúde Pública. Seu brilho e erudição logo me despertaram o interesse pelo tópico. Seu artigo publicado na Revista de Saúde Pública no ano de 1969 é mais uma demonstração de seu faro aguçado para os aspectos metodológicos de interesse na pesquisa epidemiológica. Meus comentários procurarão situar sua contribuição no contexto da pesquisa epidemiológica da época, e também identificar os desdobramentos científicos sobre o tema que ocorreram após a publicação de seu trabalho. A importância atual do tema oferece uma comprovação indireta da sua sensibilidade como pesquisador.

O trabalho de Rodrigues da Silva, objeto deste comentário, possui três componentes básicos. Primariamente, o trabalho procura estimar parâmetros chaves para a descrição da dinâmica de transmissão da doença. Para isto, é utilizado um desenho de estudo seccional onde se possui acesso a observações que descrevem a prevalência, específica por idade, de infecção. Por último, utiliza modelos catalíticos e as técnicas de ajuste destes modelos aos dados, aspectos focados pelo presente comentário.

Estudos seccionais e prevalência específica por idade

Taxas de incidência são usualmente estimadas através do seguimento ao longo do tempo de uma coorte. Este tipo de desenho de estudo pode ser muito longo e requerer grandes somas de recursos. Uma abordagem alternativa seria o uso de dados de prevalência, geralmente disponíveis para vários grupos etários e a estimativa da taxa de incidência como uma função da idade.

A reconstituição de taxas de infecção, ou morbidade, a partir da distribuição marginal de idade corrente e informação sobre o estado infeccioso, ou mórbido, tem sido objeto de pesquisa por vários autores no passado recente. Muench11 (1959) introduziu os assim chamados modelos epidemiológicos catalíticos com uma taxa de incidência como função do tempo. Estes modelos são do tipo determinístico e descrevem a interação da população de suscetíveis com as "forças" de infecção. Muench sugeriu também um procedimento de ajuste destes modelos aos dados empíricos onde os parâmetros são estimados por meio do método dos momentos. Após uma parametrização linear da taxa de incidência como uma função da idade, Griffiths8 (1974) estimou os parâmetros de interesse pelo método de máxima verossimilhança. Uma abordagem semelhante foi utilizada por Grenfell & Anderson7 (1985), tornando a parametrização de Griffith mais geral usando uma função polinomial, e mais recentemente por Farrington6 (1990). O mesmo problema foi também considerado por van Druten* * Van Druten JAM. A mathematical-s model for the analysis of cross-sectional serological data with special reference to the epidemiology of malaria [Ph.D. Thesis]. Nijmegen (The Netherlands): University of Nijmegen; 1981. (1981) que utilizou as funções do tipo spline para obter uma parametrização genérica e flexível da taxa de incidência como função do tempo no modelo catalítico de Muench. O uso de funções do tipo spline foi também alvo de consideração por Diamond et al5 (1986) ao lidar com o mesmo problema, mas agora num contexto demográfico. O tema foi ainda visitado mais recentemente por Diamond & McDonald4 (1991), Keiding9 (1991), e Ades & Nokes1 (1993). A literatura revista neste parágrafo refere-se apenas à estimação de uma única força de infecção.

Devido ao longo período de seguimento, não raro pode-se observar sensíveis variações nessas taxas que têm suas origens atribuíveis a diferentes fontes. Por simplicidade, muitas análises assumem a presença da condição de homogeneidade temporal, mas esta suposição pode implicar em estimativas que levam a descrições incorretas da realidade. Nesse último caso, uma abordagem alternativa seria o uso de dados de prevalência obtidos em tempos distintos, geralmente disponíveis para vários grupos etários, os chamados dados de painel, e a estimativa da taxa de incidência agora dependente da idade e do tempo.

Brunet & Struchiner2,3 (1996, 1999) propõem extensões ao problema considerado por Rodrigues da Silva quando o objetivo é a avaliação de um programa de intervenção.

Esses autores desenvolveram um modelo simples, de compartimentos, descrevendo um programa de intervenção em saúde e ilustram um método geral de reconstrução das taxas de incidência em qualquer combinação de idade e tempo em que os dados de prevalência estejam disponíveis. O método é baseado em superfícies bivariadas obtidas por regressões localizadas e permite a dependência da taxa de incidência na idade e tempo calendário sem a necessidade de premissas sobre a homogeneidade desta última dependência. O método permite ainda a utilização de dados provenientes de um programa de controle em andamento, onde os indivíduos são transferidos do compartimento daqueles não cobertos pelo programa para o compartimento que descreve os indivíduos sob cobertura, a uma taxa desconhecida também dependente do tempo calendário e do grupo etário. Neste modelo, todos os indivíduos estão sujeitos a taxas de mortalidade, também funções da idade e do tempo calendário, taxas estas geralmente desconhecidas, sendo necessário apenas estipular valores para a diferença nas taxas de mortalidade entre os compartimentos de infectados e suscetíveis. A única restrição imposta ao modelo proposto por estes autores refere-se às taxas de migração, que são supostas nulas no intervalo de tempo usado para estimar as mudanças nos valores da prevalência em cada compartimento. O método não é afetado, entretanto, por fluxos migratórios anteriores que possam ter ocorrido no passado.

Métodos de estimação

Particularmente interessante, desde a publicação do trabalho de Rodrigues da Silva, foi a evolução dos métodos de estimação e disponibilidade de plataformas computacionais, rápidas e baratas, que permitem a aplicação destes procedimentos nos computadores pessoais. Entre os trabalhos citados acima, ênfase especial a este tópico é apresentada por Keiding9 (1991). Nesse trabalho, o problema é apresentado sob a forma de um processo contável e são propostos métodos de estimação sofisticados baseados nos estimadores não-paramétricos de máxima verossimilhança. Trabalhos recentes que também se utilizam de métodos modernos de estimação para a solução do problema apresentado por Rodrigues da Silva há 35 anos são os de Shiboski13 (1998) e Marschner10 (1997). Oakes12 (2001) situa o mesmo problema dentro do contexto de análise de dados de sobrevivência. Como um caso particular desse tipo de análise, o problema pode ser tratado como uma estrutura de censura a direita (van der Laan & Jewell,14 2003).

Concluindo, gostaria de parabenizar a Revista de Saúde Pública pela celebração de seu quadragésimo aniversário e pela publicação de trabalhos pioneiros como o de Guilherme Rodrigues da Silva. A sensibilidade de ambos permitiu a difusão, ainda em seus primórdios, de uma área de pesquisa de grande atividade nos dias atuais. Deve-se a esse trabalho pioneiro o grande progresso experimentado pela área da saúde pública no País.

REFERÊNCIAS

1. Ades AE, Nokes DJ. Modeling age- and time-specific incidence from seroprevalence: toxoplasmosis. Am J Epidemiol. 1993;137(9):1022-34.

2. Brunet RC, Struchiner CJ. Rate estimation from prevalence information on a simple epidemiologic model for health interventions. Theor Popul Biol. 1996;50(3):209-26.

3. Brunet RC, Struchiner CJ. A non-parametric method for the reconstruction of age- and time-dependent incidence from the prevalence data of irreversible diseases with differential mortality, Theor Popul Biol. 1999;56(1):76-90.

4. Diamond ID, McDonald JW. Analysis of current-status data. In: Trussel J, Hankinson R, Tilton J, editors. Demographic applications of event history analysis. Oxford: Oxford University Press; 1991. p. 231-52.

5. Diamond ID, McDonald JW , Shah IH. Proportional hazards models for current status data: application to the study of differentials in age at weaning in Pakistan. Demography. 1986;23(4):607-20.

6. Farrington C. Modelling forces of infection for measles, mumps and rubella. Stat Med. 1990;9(8):953-67.

7. Grenfell B, Anderson R. The estimation of age-related rates of infection from case notifications and serological data. J Hyg (Lond). 1985;95(2):419-36.

8. Griffiths DA. A catalytic model of infection for measles. Appl Stat. 1974;23(3):330-9.

9. Keiding N. Age-specific incidence and prevalence: a statistical perspective. J R Stat Soc [Ser A]. 1991;154(3):371-412.

10. Marschner IC. A method for assessing age-time disease incidence using serial prevalence data. Biometrics. 1997;53(4):1384-98.

11. Muench H. Catalytic models in epidemiology. Cambridge (MA): Harvard University Press; 1959.

12. Oakes D. Biometrika centenary: survival analysis. Biometrika. 2001;88(1):99-142.

13. Shiboski SC. Generalized additive models for current status data. Lifetime Data Anal. 1998;4(1):29-50.

14. Van der Laan MJ, Jewell NP. Current status and right-censored data structures when observing a marker at the censoring time. Ann Stat. 2003;31(2):512-35.

  • Correspondência:
    Claudio J Struchiner
    Av. Brasil, 4365
    21040-360 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
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    Van Druten JAM. A mathematical-s model for the analysis of cross-sectional serological data with special reference to the epidemiology of malaria [Ph.D. Thesis]. Nijmegen (The Netherlands): University of Nijmegen; 1981.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006
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