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Mixoma de átrio esquerdo: avaliação ecocardiográfica tridimensional

Resumos

Mulher de 70 anos, com antecedentes de diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, em acompanhamento ambulatorial por anemia crônica após cirurgia corretiva de angiodisplasia de jejuno proximal, apresentou imagem de mixoma em átrio esquerdo em exame ecocardiográfico transtorácico de rotina. Foi submetida a investigação ecocardiográfica transesofágica multiplanar e a estudo ecocardiográfico tridimensional. O ecocardiograma tridimensional propiciou melhor detalhamento anatômico da tumoração. A paciente foi submetida a exérese da massa, com confirmação anatomopatológica. O ecocardiograma tridimensional mostrou ser técnica que apresenta contribuição adicional à investigação diagnóstica das cardiopatias estruturais.


The patient was a 70-year-old female with antecedents of diabetes mellitus and hypertension, being followed up in the outpatient care clinic due to chronic anemia after corrective surgery for angiodysplasia of the proximal jejunum, in whom an image suggestive of left atrial myxoma was found on routine transthoracic echocardiography. Then multiplanar transesophageal echocardiography and 3-dimensional echocardiography were performed, showing the latter better anatomical details of the tumor. The patient underwent exeresis of the mass with anatomicopathological confirmation of the tumor. Three-dimensional echocardiography proved to be a technique that can provide additional contributions to the diagnostic investigation of structural heart diseases.


RELATO DE CASO CASE REPORT

Mixoma de átrio esquerdo. Avaliação ecocardiográfica tridimensional

Left atrial myxoma. Three-dimensional echocardiographic assessment

Marcelo L.C.Vieira; Bárbara M. Ianni; Charles Mady; Javier Encinas; Pablo M. A. Pommerantzeff; Paulo P. Fernandes; Samira B. Leal; Wilson Mathias Jr; José L. Andrade; José A. F. Ramires

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marcelo Luiz Campos Vieira Instituto do Coração Av. Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 44 São Paulo, SP - Brasil Cep 05403-000 E-mail: mlcvieira@aol.com

RESUMO

Mulher de 70 anos, com antecedentes de diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, em acompanhamento ambulatorial por anemia crônica após cirurgia corretiva de angiodisplasia de jejuno proximal, apresentou imagem de mixoma em átrio esquerdo em exame ecocardiográfico transtorácico de rotina. Foi submetida a investigação ecocardiográfica transesofágica multiplanar e a estudo ecocardiográfico tridimensional. O ecocardiograma tridimensional propiciou melhor detalhamento anatômico da tumoração. A paciente foi submetida a exérese da massa, com confirmação anatomopatológica. O ecocardiograma tridimensional mostrou ser técnica que apresenta contribuição adicional à investigação diagnóstica das cardiopatias estruturais.

ABSTRACT

The patient was a 70-year-old female with antecedents of diabetes mellitus and hypertension, being followed up in the outpatient care clinic due to chronic anemia after corrective surgery for angiodysplasia of the proximal jejunum, in whom an image suggestive of left atrial myxoma was found on routine transthoracic echocardiography. Then multiplanar transesophageal echocardiography and 3-dimensional echocardiography were performed, showing the latter better anatomical details of the tumor. The patient underwent exeresis of the mass with anatomicopathological confirmation of the tumor. Three-dimensional echocardiography proved to be a technique that can provide additional contributions to the diagnostic investigation of structural heart diseases.

O mixoma de átrio esquerdo caracteriza-se por ser o tumor cardíaco primário mais comum1, encontrado de forma ocasional em exames de rotina em pacientes assintomáticos. Poucos casos foram descritos na literatura, demonstrando as imagens ecocardiográficas tridimensionais de mixomas de átrio esquerdo2-4. Relatamos o caso de paciente apresentando mixoma de átrio esquerdo em que o ecocardiograma tridimensional mostrou-se útil no detalhamento anatômico da tumoração.

Relato de caso

Mulher de 70 anos, cor branca, com história pregressa de diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, em acompanhamento ambulatorial por anemia crônica após cirurgia corretiva de angiodisplasia de jejuno proximal, com queixa de dispnéia aos grandes esforços, apresentou imagem de massa em átrio esquerdo após exame ecocardiográfico transtorácico de rotina. No momento da internação, a paciente apresentava-se em bom estado geral, mucosas hipocoradas ++/4, afebril, com pressão arterial de 140x90 mmHg, freqüência cardíaca de 82 bpm, 16 incursões respiratórias/min. À ausculta cardíaca evidenciava a presença de sopro diastólico ++/4 e sopro sistólico +/4 em área mitral. O exame dos sistemas respiratório, neurológico e do abdome era normal. Os exames laboratoriais encontravam-se dentro da normalidade. O eletrocardiograma demonstrava ritmo sinusal, com alterações inespecíficas da repolarização ventricular. O ecocardiograma transtorácico foi repetido 5 dias após a primeira investigação ecocardiográfica e confirmou a presença de massa em átrio esquerdo com densidade homogênea, contornos irregulares, bastante móvel, medindo 5,9 cm x 3,2 cm, com movimento diastólico através da valva mitral em direção ao ventrículo esquerdo (fig. 1). Observou-se gradiente transvalvar mitral (médio) de 5 mmHg. A função ventricular esquerda encontrava-se dentro da normalidade. A paciente foi submetida a investigação ecocardiográfica transesofágica multiplanar, que confirmou os achados do estudo transtorácico e acrescentou detalhamento anatômico com relação a multilobulação da massa e a sua inserção no septo interatrial (fig. 2). Durante a realização do exame ecocardiográfico transesofágico foram obtidas imagens para a reconstrução tridimensional (fig. 3). Em seguida, foi realizada cineangiocoronariografia que demonstrou irregularidades em artérias coronárias. A paciente foi submetida a ressecção da tumoração, tendo sido encontrada massa nodular em átrio esquerdo, de consistência elástica, coloração violácea e cinza-amarelada, com pedículo de fixação em septo interatrial, medindo 5 cm x 5 cm x 3 cm, pesando 32 g (fig. 4). O exame histológico revelou tratar-se de mixoma. A paciente apresentou boa evolução pós-operatória, com alta hospitalar 8 dias após o ato cirúrgico.





A aquisição de imagens para o exame ecocardiográfico tridimensional foi realizada com o emprego de transdutor transesofágico multiplanar, segundo técnica convencional, utilizando-se sistema de ecocardiografia comercialmente disponível de fabricação da empresa Philips (modelo Sonos 5500), Andover, MA, EUA. As imagens transesofágicas multiplanares bidimensionais foram obtidas nos planos longitudinal e transversal, 4 câmaras, 2 câmaras, com visibilização do septo interatrial e da junção mitro-aórtica, e no plano gástrico longitudinal. A aquisição das imagens foi realizada com o emprego da varredura ecocardiográfica bidimensional multiplanar de 0º a 180º a cada 3 graus, associada a sistema de captação determinada pela variação respiratória do paciente, captada a partir do sinal eletrocardiográfico e da variação de impedância do tórax do paciente durante o movimento respiratório, e integrada em programa de computador desenvolvido pela Philips. As imagens foram registradas e armazenadas em disco óptico e, em seguida, transferidas para o sistema de reconstrução e análise tridimensional de mapeamento volumétrico, comercialmente disponível, de fabricação da empresa TomTec Imaging Systems Corp., modelo TomTec compact 3D, Omniview package, Boulder, CO, EUA. A análise ecocardiográfica tridimensional foi efetuada nos planos coronal, sagital e transversal da estrutura analisada, com o acréscimo dos planos paralelos e dos planos diagonais. O tempo total para a realização da imagem tridimensional foi de 35min, com 3min para a aquisição da imagem, 2min para a transferência da informação do disco óptico para a estação de trabalho, e 30min para a adequação e reconstrução da imagem.

Discussão

A ecocardiografia tridimensional foi desenvolvida na década de 70, como método de mensuração do volume ventricular5. Para esta finalidade utilizava-se análise laboriosa das imagens obtidas através de exame ecocardiográfico transtorácico bidimensional. Essa metodologia apresentava dificuldades, imprecisões e inadequações. A evolução da técnica levou ao emprego de braço mecânico para o mapeamento ultra-sônico, depois, ao emprego de apoio eletromagnético, ao mapeamento em paralelo, ao mapeamento em varredura rotacional e, mais recentemente, ainda em fase de desenvolvimento, ao mapeamento volumétrico em tempo real5-7,o que propiciou a progressiva melhora da qualidade das imagens obtidas. A ecocardiografia tridimensional, empregando transdutores transesofágicos e a tecnologia digital, possibilitou a melhor definição estrutural cardíaca, sendo empregada na avaliação pré-operatória e na sala cirúrgica, como apoio diagnóstico para o tratamento cirúrgico de massas cardíacas, das valvopatias mitral, aórtica e tricuspídea, e das cardiopatias congênitas, como a correção de defeitos do septo interatrial, defeitos do septo interventricular e do cor triatriatum5-8. No caso relatado, a reconstrução tridimensional confirmou a informação ecocardiográfica transesofágica e permitiu o melhor detalhamento anatômico da massa, em relação ao seu pedículo de fixação no septo interatrial, trazendo maior proximidade entre os achados dos exames de imagem e a realidade anatomocirúrgica.

Relatamos o caso de uma paciente com mixoma de átrio esquerdo em que a reconstrução ecocardiográfica tridimensional propiciou melhor detalhamento anatômico, trazendo maior segurança à equipe cirúrgica para a realização da exérese da massa. A reconstrução tridimensional confirmou os achados transesofágicos e permitiu a melhor identificação espacial da massa em relação ao septo interatrial. O emprego da técnica ecocardiográfica tridimensional, na atual prática clínica, apresenta potencial utilidade na identificação anatômica das cardiopatias estruturais. A sua utilização rotineira certamente está relacionada ao prosseguimento do desenvolvimento dos programas de computação, à maior proximidade do cardiologista com o método e à relação custo/benefício.

Agradecimentos

À Sra Cristiane Moreira e ao Dr Manuel Fontes, da Philips Medical Systems Ltda., e ao Sr Luis Alberto Bustamante, da empresa TomTec Imaging Systems Corp., pelo suporte técnico.

Recebido para publicação em 11/11/02

Aceito em 24/02/03

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  • Endereço para correspondência

    Marcelo Luiz Campos Vieira
    Instituto do Coração
    Av. Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 44
    São Paulo, SP - Brasil
    Cep 05403-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Aceito
      24 Fev 2003
    • Recebido
      11 Nov 2002
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