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Síndrome Leopard e miocardiopatia hipertrófica: uma associação relacionada à morte súbita

Resumos

Relatamos a rara associação entre síndrome Leopard e miocardiopatia hipertrófica em mulher de 27 anos, pouco sintomática, que veio para estratificação e prevenção de risco de morte súbita. Portadora de uma síndrome rara, que se manifesta com pequenas máculas disseminadas pelo corpo, além de alterações oculares, genitais, cardíacas e de crescimento. A associação de miocardiopatia hipertrófica com fatores de risco de morte súbita determinou a indicação do implante de cardiodesfibrilador (CDI) para prevenção primária.

Síndrome Leopard; cardiomiopatia hipertrófica; lentigo; morte súbita


Relatamos la rara asociación entre síndrome Leopard y miocardiopatía hipertrófica en una mujer de 27 años, poco sintomática, que vino para estratificación y prevención de riesgo de muerte súbita. Portadora de un síndrome raro, que se manifiesta con pequeñas manchas diseminadas por el cuerpo, además de alteraciones oculares, genitales, cardíacas y de crecimiento. La asociación de miocardiopatía hipertrófica con factores de riesgo de muerte súbita determinó la indicación del implante de cardiodesfibrilador (CDI) para prevención primaria.

Síndrome Leopard; cardiomiopatía hipertrófica; lentigo; muerte súbita


We describe an uncommon association between Leopard syndrome and hypertrophic cardiomyopathy in a 27-year-old woman, who was little symptomatic and came for sudden death risk stratification and prevention. She has a rare syndrome, whose symptoms are maculae over the body and abnormalities in eyes, genital organs, heart and in growth. Association of hypertrophic cardiomyopathy with sudden death risk factors determined the implantation of cardioverter-defibrillator (ICD) for primary prevention.

Leopard syndrome; hypertrophic cardiomyopathy; sudden death


RELATO DE CASO

Síndrome Leopard e miocardiopatia hipertrófica: uma associação relacionada à morte súbita

Murillo de Oliveira Antunes; Edmundo Arteaga; Afonso Yoshikiro Matsumoto; Barbara Maria Ianni

Instituto do Coração - InCor - FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Murillo de Oliveira Antunes Unidade Clínica de Miocardiopatias Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 - Cerqueira César 05403-000 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: murillo_antunes@cardiol.br

RESUMO

Relatamos a rara associação entre síndrome Leopard e miocardiopatia hipertrófica em mulher de 27 anos, pouco sintomática, que veio para estratificação e prevenção de risco de morte súbita. Portadora de uma síndrome rara, que se manifesta com pequenas máculas disseminadas pelo corpo, além de alterações oculares, genitais, cardíacas e de crescimento. A associação de miocardiopatia hipertrófica com fatores de risco de morte súbita determinou a indicação do implante de cardiodesfibrilador (CDI) para prevenção primária.

Palavras-chave: Síndrome Leopard, cardiomiopatia hipertrófica, lentigo, morte súbita.

Introdução

A miocardiopatia lentiginosa é conhecida como síndrome Leopard, regra mnemônica para lesões Lentiginosas múltiplas, alterações de Eletrocardiograma, hipertelorismo Ocular, estenose Pulmonar, Anormalidades genitais e reprodutivas, Retardo do crescimento e Diminuição de audição1.

Os pacientes apresentam lesões lentiginosas, típicas da doença, disseminadas pelo corpo. Encontram-se também, de forma variada, hipertelorismo ocular e implantação baixa das orelhas, além de retardo no crescimento e atraso na formação dos caracteres sexuais secundários2.

As alterações cardíacas podem ser: prolongamento do intervalo PR, bloqueio de ramos e bloqueio atrioventricular completo e hipertrofia assimétrica do ventrículo esquerdo que acomete principalmente a parede anterior e septo interventricular caracterizando miocardiopatia hipertrófica (MCH)3.

Este é o primeiro relato descrito no Brasil da associação da síndrome Leopard e MCH, no qual se discute a forma de estratificação e prevenção de morte súbita cardíaca.

Relato do Caso

Paciente de 27 anos veio para consulta e avaliação de risco de morte súbita, relatando antecedente de um primo que teve morte súbita aos 23 anos.

Queixava-se de dispnéia aos esforços extra-habituais (classe funcional II NYHA), além de palpitações taquicárdicas de curta duração. Negava síncope ou dor torácica.

Portadora de doença de Von Willebrand diagnosticada aos 13 anos de idade. Com 23 anos foi internada para tratamento de endocardite infecciosa em valva mitral com antibioticoterapia endovenosa, que ocorreu após tratamento dentário.

No exame físico apresentava múltiplas lesões lentiginosas no pescoço e tronco (fig.1), hipertelorismo ocular, estrabismo convergente e retardo pôndero-estatural. A ausculta cardíaca evidenciou sopro rude em borda esternal esquerda (3+/6) que se intensificava com manobra de Valsava e sopro suave em foco mitral (2+/6) irradiado para axila.


O eletrocardiograma mostrou sobrecarga de câmaras esquerdas, ondas S proeminentes em V2 e ondas R em V5, alterações difusas da repolarização ventricular com infradesnivelamento do segmento ST, tipo strain em derivações precordiais e sobrecarga atrial esquerda (fig.2). O ecocardiograma confirmou o diagnóstico de MCH com espessura máxima em parede septal de 32 mm, obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo com gradiente dinâmico de 130 mmHg e aumento de átrio esquerdo de 43 mm. A fração de ejeção era normal. O teste ergométrico mostrou resposta pressórica normal, com alterações eletrocardiográficas do segmento ST na presença de sobrecarga ventricular esquerda.


O holter de 24 horas mostrou 10 episódios de taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) com freqüência cardíaca acima de 120 bpm e, na ressonância magnética (RM) do coração, foi observada fibrose miocárdica difusa em septo e parede inferior do ventrículo esquerdo. A paciente vinha em uso de atenolol 200 mg/dia e losartan 100 mg/dia. Apesar de o último ser proscrito na MCH, especialmente na forma obstrutiva, foi mantido já que referia melhora da dispnéia com a sua introdução.

Discussão

Trata-se de paciente de 27 anos, com queixa de dispnéia aos esforços extra-habituais e diagnóstico de MCH associado à síndrome de Leopard.

A MCH possui prevalência estimada em torno de 1:500 adultos (0,2%) com idade entre 25 e 35 anos. É uma doença genética, de herança autossômica dominante, causada por alterações em 10 cromossomos e mais de 400 mutações de genes que determinam proteínas sarcoméricas4. A morte súbita cardíaca (MSC) é a complicação mais temida dessa entidade, que ocorre especialmente em indivíduos jovens e assintomáticos, podendo chegar a uma incidência de 30%, quando múltiplos fatores de risco estão presentes5. Fibrilação atrial, dilatação ventricular e endocardite infecciosa (na forma obstrutiva, em que é mandatória a realização de profilaxia) são complicações comuns com a evolução da doença.

A MCH também pode estar associada a diferentes malformações congênitas e, de forma muito rara, à síndrome de Leopard6.

A síndrome lentiginosa múltipla, denominada por Gorlin, Anderson e Blaw, em 1969, como síndrome de Leopard, é doença genética autossômica dominante com alta penetrância e expressão variável1. É rara, com aproximadamente 100 casos descritos até o ano de 2006, acometendo igualmente ambos os sexos, e sua patogênese ainda é desconhecida1.

A possível explicação da patogênese dessa síndrome é uma alteração das células da crista neural, que dão origem às células de gânglios autonômicos e células de Schwann de nervos periféricos, e das terminações nervosas do sistema simpático nos ventrículos cardíacos. Essas células podem também aumentar os melanócitos o que poderia explicar a associação com lentiginose. O defeito genético associado ao desenvolvimento da síndrome tem sido localizado no cromossomo 12 (12q24.1) e mutações do mesmo gene podem determinar outras doenças genéticas com defeitos cardíacos, como síndrome de Noonan, cardiomiopatia lentiginosa e síndrome Leopard7.

Na paciente em questão, pouco sintomática, com miocardiopatia hipertrófica importante, o ponto fundamental consiste em estratificar o risco de morte súbita e determinar qual a melhor opção terapêutica.

As diretrizes da ACC/AHA/ESC de 2006 para MSC determinam cinco fatores de risco maiores8:

1) história familiar de morte súbita (abaixo dos 45 anos de idade);

2) síncope inexplicada;

3) espessura septal > 30mm;

4) TVNS no holter (FC > 120 bpm) e

5) resposta anormal da pressão arterial no exercício (não elevação ou queda da pressão sistólica > 20 mmHg no exercício)8. Pacientes com dois ou mais fatores apresentam risco de 5% ao ano de MSC, ao passo que, quando nenhum dos fatores é encontrado, apresentam risco de apenas 1% ao ano5.

Outros achados também devem ser considerados na avaliação do paciente: idade no momento do aparecimento da doença, presença de gradiente na via de saída do VE > 30 mmHg, genótipo com mutações particularmente malignas (gene da troponina T e cadeia pesada de beta miosina)8. A RM do coração com a presença do realce tardio, evidenciando áreas de fibrose, apresenta valor prognóstico. O padrão difuso, da distribuição da fibrose, foi relacionado com pior prognóstico para MSC e dilatação do ventrículo esquerdo9.

Estudos prévios não conseguiram demonstrar o benefício de medicações antiarrítmicas para prevenção de morte súbita. A amiodarona mostrou ser capaz de suprimir as arritmias ventriculares complexas, porém não protege contra a MSC. Seu uso estaria limitado aos pacientes em que o implante de CDI não é factível e apresentem algum dos fatores de risco maiores para MSC ou mesmo história de TV sustentada/FV8,10.

Para pacientes considerados de alto risco, com dois ou mais fatores, está indicado o implante do CDI, para a prevenção primária de MSC, com incidência de 5% ao ano de choques apropriados7.

A paciente, portadora de uma síndrome rara associada à MCH, foi considerada de alto risco para morte súbita pelos seguintes fatores: história familiar de morte súbita, hipertrofia miocárdica > 30 mm, TVNS observada no holter e fibrose miocárdica na RM; sendo indicado o implante de CDI para prevenção primária.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 20/02/08; revisado recebido em 19/05/08, aceito em 02/07/08.

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  • Correspondência:

    Murillo de Oliveira Antunes
    Unidade Clínica de Miocardiopatias
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 - Cerqueira César
    05403-000 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      20 Fev 2008
    • Revisado
      19 Maio 2008
    • Aceito
      02 Jul 2008
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